Um Lugar Para Ficar
ser jovem, idiota, pobre e feio
não contribui para fazer a vida parecer melhor.
tantos fins de tarde, examinando as paredes sozinho
sem
nada pra fumar
nada pra comer
(nós geralmente bebíamos rápido o meu salário).
ela sempre parecia ansiosa pra ir embora
ansiosa pra se mudar
mas primeiro ela me fez passar
pela sua escola
(me dando Mestrado e Doutorado
no assunto)
e ela sempre voltava no final,
ela queria um lugar para ficar,
ela dizia,
algum lugar pra deixar suas roupas.
dizia que eu era engraçado,
que eu fazia ela rir
mas eu não estava tentando ser
engraçado.
ela tinha pernas bonitas e era
inteligente mas não se importava
com nada,
e toda minha fúria e meu humor e
toda minha loucura apenas a entretinham
brandamente: eu estava atuando pra ela
como uma marionete triste em alguma farsa de mim mesmo.
algumas poucas vezes depois que ela saía eu tinha
vinho vagabundo e cigarros na mão suficientes
para uns poucos dias,
eu ouvia o rádio e olhando para as
paredes e ficava bêbado o suficiente para
quase esquecê-la
mas então ela voltava mais uma
vez.
nenhuma outra mulher me fez sentir tão
mal como eu me senti então
como naqueles fins de tarde
durante a caminhada de três quilômetros de casa para o trabalho
dobrando a viela
olhando a janela
e encontrando a cortina escura.
ela me ensinou a agonia dos desgraçados
e dos inúteis.
todos querem uma boa mulher, boa sorte, bom
tempo, bons amigos mas
para mim ela era um tiro no escuro
o clima estava frio e a bala
perdida
eu a enterrei cinco invernos depois de a ter encontrado,
raramente a via nos últimos três anos.
havia apenas quatro pessoas no enterro dela:
o padre
a proprietária da casa
o filho dela e eu.
isso não importava enquanto
eu lembrava
todas aquelas caminhadas pela viela procurando
em vão por uma luz por trás da cortina e quando
eu lembrava
todas as dúzias de homens que tinham fodido com ela e
que não estavam lá no fim.
sim apenas
um dos homens que tinham amado ela
estava lá: “meu funcionário louco do
depósito da loja de departamentos,” ela me chamava.
escrito por Charles Bukowski (respeitamos a grafia original do poema dele).
março 31, 2011 às 3:24 am
Bukowski sem dúvida foi um dos maiores escritores que já existiram. Muitas pessoas tendem a achicalhá-lo ou apenas não levá-lo à sério em razão das situações descritas e/ou personagens reperesentados em seus contos, poesis e romances. Um grande “foda-se” para todos os que não tem cultura ou sensibilidade suficiente para perceber que em meio ao caos, sujeira, absurdo e depravação de suas obras podemos sempre encontrar um retrato da amargura, solidão e desespero presente na vida daqueles que, através das décadas, foram relegados à marginalidade nos EUA, simplesmente por serem diferentes e não compactuarem com o dito “american way of life”. Muitos deles, assim como Buk, só puderam se agarrar à sua própria arte como forma de se expressar e fugir da loucura que os rodeava, podendo assim rir dos outros e da própria desgraça!