O Coveiro, A Louca e O Ébrio: Poesias de Augusto dos Anjos
O Coveiro
Uma tarde de abril suave e pura
Visitava eu somente ao derradeiro
Lar; tinha ido ver a sepultura
De um ente caro, amigo verdadeiro.
.
Lá encontrei um pálido coveiro
Com a cabeça para o chão pendida;
Eu senti a minh’alma entristecida
E interroguei-o: “Eterno companheiro
.
Da morte, quem matou-te o coração?”
Ele apontou para uma cruz no chão,
Ali jazia o seu amor primeiro!
.
Depois, tomando a enxada, gravemente,
Balbuciou, sorrindo tristemente:
– “Ai, foi por isso que me fiz coveiro!”
.
A Louca
Quando ela passa: – a veste desgrenhada,
O cabelo revolto em desalinho,
No seu olhar feroz eu adivinho
O mistério da dor que a traz penada.
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Moça, tão moça e já desventurada;
Da desdita ferida pelo espinho,
Vai morta em vida assim pelo caminho,
No sudário da mágoa sepultada.
.
Eu sei a sua história. – Em seu passado
Houve um drama d’amor misterioso
– O segredo d’um peito torturado –
.
E hoje, para guardar a mágoa oculta,
Canta, soluça – o coração saudoso,
Chora, gargalha, a desgraçada estulta.
.
O Ébrio
Bebi! Mas sei porque bebi!… Buscava
Em verdes nuanças de miragens, ver
Se nesta ânsia suprema de beber,
Achava a Glória que ninguém achava!
.
E todo o dia então eu me embriagava
– Novo Sileno, – em busca de ascender
A essa Babel fictícia do Prazer
Que procuravam e que eu procurava.
.
Trás de mim, na atra estrada que trilhei,
Quantos também, quantos também deixei,
Mas eu não contarei nunca a ninguém.
.
A ninguém nunca eu contarei a história
Dos que, como eu, foram buscar a Glória
E que, como eu, ira-o morrer também.
poesias de Augusto dos Anjos.
dezembro 19, 2016 às 5:07 pm
[…] por Augusto dos Anjos. […]