Casamento na Pocilga
Vase de Noces (“One Man and His Pig”, 1975, 80 min.) de Thierry Zéno. Com: Dominique Garny.
Essa produção é única, um perfeito exemplo da tênue linha que separa o cinema de arte do cinema vagabundo (ou vice-versa, já que ambos são estilos indispensáveis de cinemas feitos para públicos muito específicos). “Vase de Noces” conta a história de um fazendeiro que se apaixona por uma porca e, depois de muita farra sexual pelas pocilgas da fazenda, tem porquinhos mutantes com ela. O fazendeiro é meio transtornado e gosta de matar animais por diversão, também tem uma estranha fixação por cabeças de bonecas e recolhe suas fezes em frascos de vidro, mas assim que seus filhotinhos nascem ele tenta se aproximar deles e ser um bom pai. Essas tentativas são meio inúteis e os filhotinhos preferem sua mãe deixando-o com raiva, até que mata seus entes queridos num ataque de fúria paternal. Como num bom drama de Hollywood às avessas, a porca descobre os filhotinhos mortos e desesperada se suicida num lamaçal deixando o fazendeiro zoófilo desesperado quebrando todos seus pertences e, após elaborar uma infusão a base de fezes e urina, se enforca finalizando este tocante drama do absurdo.
Produzido na Bélgica, “Vase de Noces” nunca teve um lançamento comercial nos cinemas. Foi proibido em quase todo o mundo (na Austrália, por exemplo, continua proibido), fato que relegou ao filme a fama de maldito e o seu quase desaparecimento por completo. As poucas cópias da produção sobreviveram graças à festivais de cinema de arte que, de tempos em tempos, exibiam-no. Lembro que em meados da década de 1990 o filme era uma verdadeira relíquia rara e quando consegui uma cópia dele em VHS com pirateiros do Canadá me senti um verdadeiro felizardo por estar pondo meus olhos e mente em filme tão obscuro. Nos dias de hoje com a internet funcionando como uma verdadeira cinemateca global não existem mais filmes obscuros, é só pesquisar, fazer o download e assistir essas belezinhas esquecidas da sétima arte.
O diretor Thierry Zéno nasceu em 1950 na cidade de Namur, Bélgica. É um destes cineastas que filma pouco mas que sempre tem o que dizer/mostrar e influencia muitos outros cineastas com seu estilo cru e selvagem (Jörg Buttgereit me parece ser bem influenciado por ele). Depois de “Vase de Noces” realizou o documentário “Des Morts” (1979) repetindo a parceria com Dominique Garny e Jean-Pol Ferbus que já estavam trabalhando no filme anterior. Neste mórbido documentário os diretores visitaram vários países para registrar como as pessoas de diferentes locais lidam com a morte. Tomando gosto pelos documentários realizou em 1983 “Les Muses Sataniques”, novamente em parceria com Dominique Garny. Em 1987 realizou “Eugène Ionesco, Voix ET Silences” com o criador do teatro do absurdo. Nos anos de 1990 Zéno voltou suas lentes para o México e realizou dois interessantes documentários. O primeiro foi “Chroniques D’um Village Tzotzil” (1992) que levou quase dez anos para ser realizado com Thierry Zéno fazendo várias viagens, entre 1984 e 1992, à uma comunidade nos arredores de San Cristobal de las Casas até conseguir ganhar a confiança dos índios mexicanos e assim colher depoimentos. Em seguida realizou “Ya Basta!: Le Cri Des Sans-Visage” (1997) sobre vários municípios de Chiapas e a relação dos índios pobres com o Exército Zapatista de Libertação Nacional. Zéno também foi o responsável pela criação de um departamento de vídeo na Acadêmia de Dessin et des Arts Décoratifs de Molenbeek-Saint-Jean, onde foi professor e, a partir de 1999, diretor. Como curiosidade, em 1975 Zéno foi ator na comédia “Grève et Pets”, um curta de 16 minutos dirigido por Noël Godin e Yolande Guerlach (ambos assinam a obra com o pseudônimo Les Boudou).
“Vases de Noces” é bastante conhecido como “The Pig Fucking Movie”, seu título informal de internet, mas que nunca foi utilizado oficialmente em nenhum de seus raros relançamentos. O filme foi lançado em DVD na Alemanha pela distribuidora Camera Obscura e na Suécia pela Njuta Films. No Brasil continua inédito, sendo eventualmente exibido em mostras de filmes com curadoria de Gurcius Gewdner ou minha e em cineclubes que primam pela exibição de obscuridades da sétima arte.
por Petter Baiestorf para seu livro “Arrepios Divertidos”.
Assista o filme aqui: