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O Carro e a Liberdade Burguesa

Posted in Anarquismo, Anti-Carros with tags , , , , , , , on agosto 9, 2011 by canibuk

Crossland, o grande político trabalhista dos anos 1950, que viu no acordo pós-guerra o advento do socialismo, disse uma vez: “Por trás de um voto, um homem: de um homem, um carro!”. Claramente, para os ideólogos do pós-guerra, de Crossland a Thatcher, o carro é a epítome da liberdade e da democracia, e nós certamente concordaríamos!

Para o indivíduo, a posse de um carro oferece um salto para a liberdade e a oportunidade. A liberdade para ir aonde e quando quiser. Uma liberdade impensável para as pessoas das primeiras gerações da classe trabalhadora. Certamente, para o homem, aprender a dirigir é a principal ruptura com as restrições sufocantes da família e o primeiro passo para chegar à idade adulta.

Contudo, esse aumento da liberdade individual serve para reduzir a liberdade de todos os demais. Outros motoristas de carros passam a enfrentar muito mais congestionamentos e atrasos. Os pedestres acabam ficando mais limitados pelo medo de morrer ou de ferir-se gravemente por um carro, enquanto as pessoas sofrem com mais barulho do tráfego e muito mais poluição.

A liberdade de movimento oferecida pelo carro torna-se cada vez mais uma liberdade formal, uma representação da liberdade, assim como todos os lugares se tornam os mesmos tão logo sejam asfaltados e poluídos para se tornarem caminhos para o carro. À medida que o carro se torna a norma, a sua própria liberdade transforma-se numa necessidade, uma vez que atos mundanos, como fazer compras, tornam-se impossíveis sem acesso a um carro. Já é o caso em Los Angeles, Londres ou São Paulo, com o crescimento de megalojas fora da cidade.

Por delinear-nos como cidadãos consumidores, a liberdade do carro, como todas as liberdades burguesas, nos joga em uma guerra de todos contra todos, em que os outros motoristas aparecem meramente como obstáculos e limitações ao nosso próprio direito inalienável de movimento. Esse direito inalienável de movimento, conseqüentemente, implica o dever de obedecer ao código rodoviário e às leis de trânsito, que, por sua vez, são reforçados e garantidos pelo Estado. Policiando as estradas e se comprometendo a continuamente fornecer mais espaço para elas, o Estado assegura a liberdade burguesa de movimento.

Contudo, como o volume de tráfego cresce a uma taxa mais rápida do que a construção de estradas, o carro não tem aonde ir (exceto para levar o seu proprietário ao trabalho), mas tem algo importante a dizer. O carro há muito tempo tem se tornado menos um meio de transporte e cada vez mais um meio de identidade. Reduzindo a possibilidade de uma comunicação direta, o carro deve dizer o que somos por nós. Quer sejamos um ascendente social ou um ecologista consciente, o carro diz tudo.

Apesar da ofensiva da classe trabalhadora dos anos 1960 e 1970, que levou o modo fordista de acumulação à crise e forçou uma maior reestruturação do capital, a contínua centralidade do carro não foi afetada. Certamente, a luta associada das mulheres e da juventude contra a antiga estrutura da família patriarcal, que encontrou sua expressão material moderna no carro dirigido pelo pai de família, com projeto incluindo esposa e dois filhos, foi há muito tempo recuperada no direcionamento da venda de carros às mulheres e aos jovens (e aos que querem ser jovens).

Assim o carro tornou-se não somente central à acumulação de capital nos últimos cinqüenta anos, mas também um meio vital de consolidação do compromisso de classe que tornou tal acumulação possível. A promessa de liberdade física e de mobilidade oferecida pelo carro levou à desmobilização política da classe trabalhadora.

Ned Ludd, livro “Apocalipse Motorizado” (Ed. Conrad).

Canibuk defende o aumento de impostos na gasolina e nas vendas de automóveis/caminhões e que esses impostos sejam usados para a construção de ciclovias e no barateamento das bicicletas. Também defendemos a isenção do imposto aos produtos da cesta básica e defendemos Saúde e Educação gratuíta à todos durante a vida inteira.

Mortos e Feridos: Um Acidente?

Posted in Anarquismo, Anti-Carros on julho 20, 2011 by canibuk

Um professor levantou a seguinte indagação:

Imagine que um grupo de cientistas pede um encontro com as lideranças políticas do país para discutir a introdução de uma nova invenção. Os cientistas explicam que os benefícios da tecnologia são incontestáveis, e que a invenção aumentará a eficiência e tornará a vida de todos mais fácil. O único lado negativo, eles alertam, é que para ela funcionar, 40 mil pessoas inocentes terão que morrer a cada ano. Os políticos decidiriam adotar ou não a nova invenção?

Os alunos estavam prestes a dizer que uma tal proposição seria completamente rejeitada de imediato, quando o professor despreocupadamente observou: “Nós já a temos: o automóvel”. Ele nos fez refletir sobre a quantidade de morte e de sofrimento que nossa sociedade tolera como resultado do nosso compromentimento em manter o sistema tecnológico – um sistema no qual todos nós nascemos e não temos escolha além de tentar nos adaptar a ele.

Foi Henrique Santos Dumont (irmão do “Pai da Aviação”) o proprietário do primeiro carro que chegou ao Brasil. O veículo aportou em Santos em 1893. Oficialmente, o primeiro acidente de carro no Brasil ocorreu em 1897 na estrada velha da Tijuca, Rio de Janeiro. Era Olavo Bilac que se chocava contra uma árvore com o automóvel de José do Patrocínio.

De lá prá cá o Brasil conseguiu alcançar e manter a marca de campeão mundial de “acidentes de trânsito”. Os personagens da história do consumo e dos “acidentes” de automóveis não são mais, apenas, os ilustres personagens dos livros de história escolares. As estatísticas tomaram o lugar dos ilustres. Porém, é suspeita a importância de estatísticas como fator de mobilização social, uma vez que, se dependesse delas, já não poderia existir um sistema econômico que impede que milhões de pessoas se alimentem adequadamente e que, para sua perpetuação e reprodução, esgota a possibilidade de vida no planeta. Alguma verdade existe no famoso pensamento de Stalin: a morte de uma pessoa é uma tragédia, a morte de um milhão é uma estatística. A frieza da matemática não desperta as paixões que são os combustíveis das revoluções. Mas quem sabe elas possam ter o seu papel.

A cada 13 minutos ocorre uma morte por “acidente” de trânsito no Brasil. A cada 7 minutos ocorre um atropelamento. Além das 46 mil mortes anuais por “acidentes” de trânsito, 300 mil pessoas ficam feridas, 60% com lesões permanentes. Destes mortos, 44% foram vítimas de atropelamentos e 41% estão na faixa etária entre 15 e 34 anos. Cerca de 60% dos leitos de traumatologia dos hospitais brasileiros são ocupados por “acidentados” no trânsito. Mais de 700 mil pessoas morreram em “acidentes” de trânsito de 1960 a 2000 no Brasil. Já não é novidade que temos no Brasil em média uma “guerra do Vietnã” de mortos pelo trânsito por ano. Além disso, o nível de monóxido de carbono nas grandes cidades já está acima do tolerado pelo ser humano.

Numa sociedade que naturaliza suas instituições e valores, que não os questiona mesmo que eles vitimem os próprios indivíduos que compõem essa sociedade, tais estatísticas dificilmente levam a uma prática de negação ou mudança. É interessante notar a escassa existência de movimentos e pensadores que questionem e se contraponham ao carro no Brasil.

Com números tão altos e uma generalização tal, a palavra “acidente” parece simplesmente encobrir o efeito não visado e não desejado de uma determinada lógica. Caso se possa falar com razão de “acidentes de carro” ou “acidentes de trânsito”, uma vez que não havia intenção de matar ou ferir quando alguém se postou atrás do volante de um carro, poderíamos falar também com a mesma razão de “acidentes de fluxo econômico”, “acidentes de lucro” ou “acidentes de nutrição” para nos reportarmos à miséria material, à subnutrição e às mortes conseqüentes do sistema econômico capitalista, generalizadas no Brasil e no mundo. Os capitalistas, através de sua atividade econômica, e o capitalismo, como sistema econômico, nunca tiveram intenção de matar de fome quem quer que seja. A miséria material é um efeito não desejado e não visado, porém inevitável, da lógica econômica capitalista.

texto de Ned Ludd, do livro “Apocalipse Motorizado – A Tirania do Automóvel em um Planeta Poluído” (Editora Conrad).

Os dados apresentados neste texto são de 2000, hoje em dia o caos está maior ainda.