Surrealistas, não cessamos de consagrar à trindade Estado-Trabalho-Religião, uma execração que amiúde nos levou ao encontro dos camaradas da Federação Anarquista. Essa aproximação conduz-nos hoje a nos exprimir no Libertaire. Felicitamo-nos ainda mais porque acreditamos que esta colaboração nos permitirá extrair algumas das grandes linhas de força comuns a todos os espíritos revolucionários.
Estimamos que uma ampla revisão das doutrinas se impõe com urgência. Esta só será possível se os revolucionários examinarem juntos todos os problemas do socialismo com o objetivo, não de encontrar ali uma confirmação de suas próprias idéias, mas dali fazer surgir uma teoria capaz de dar um impulso novo e vigoroso para a revolução social. A libertação do homem não poderia, sob pena de se negar imediatamente após, ser reduzida apenas ao plano econômico e político, mas deve ser estendida ao plano ético (saneamento definitivo das relações dos homens entre si). Está ligada à tomada de consciência, pelas massas, de suas possibilidades revolucionárias e não pode, sob nenhuma condição, levar a uma sociedade em que todos os homens, como o exemplo da Rússia, seriam iguais na escravidão.
Irreconciliáveis com o sistema de opressão capitalista, quer se exprima sob a forma dissimulada da “democracia” burguesa e odiosamente colonialista, quer assuma o aspecto de um regime totalitário nazista ou stalinista, não podemos deixar de afirmar uma vez mais nossa hostilidade fundamental para com os dois blocos. Como toda guerra imperialista, a que eles preparam para resolver seus conflitos e aniquilar as vontades revolucionárias não é a nossa. Dela só pode resultar um agravamento da miséria, da ignorância e da repressão. Esperamos exclusivamente da ação autônoma dos trabalhadores a oposição que poderá impedi-la, e conduzir à subversão – no sentido de remanejamento absoluto – do mundo atual.
Esta subversão, o surrealismo foi e permanece o único a empreendê-la no terreno sensível que lhe é próprio. Seu desenvolvimento, sua penetração nos espíritos colocaram em evidência a falência de todas as formas de expressão tradicionais e mostrou que elas eram inadequadas à manifestação de uma revolta consciente do artista contra as condições materiaise morais impostas ao homem. A luta pela substituição das estruturas sociais e a atividade desenvolvida pelo surrealismo para transformar as estruturas mentais, longe de se excluírem são complementares. Sua junção deve apressar a vinda de uma época liberada de toda hierarquia e opressão.
Manifesto de Jean-Louis Bédouin, Robert Benayoun, André Breton, Roland Brudieux, Adrien Dax, Guy Doumayrou, Jacqueline Duprey, Jean-Pierre Duprey, Jean Ferry, Georges Goldfayn, Alain Lebreton, Gérard Legrand, Jehan Mayoux, Benjamin Péret, Bernard Roger, Anne Seghers, Jean Schuster, Clovis Trouille no Le Libertaire de 12 de outubro de 1951.