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Naked Things Session Vol. 1

Posted in download, Música with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on junho 19, 2019 by canibuk

Naked Things Session Vol. 1 é composto de 5 EPs gravados no ano de 2019 e lançados pelo meu selo Petter Baiestorf, no Bandcamp. O estilo musical dos EPs variam entre dark ambient, space music e industrial com pegada mais eletrônica.

NAKED THINGS SESSION VOL. 1 – BAIXE CLICANDO AQUI

EP 1 – +8Gy – “Incubo sulla città contaminata” (2019, 28 minutos).

Altri Otto Gy é um projeto de Dark Ambient de inspiração no filme “Incubo sulla città contaminata” (Nightmare City, 1980), de Umberto Lenzi, tentando transformar algumas situações do filme em ondas sonoras. Contém seis músicas:

01 – Radiazioni nucleari (04′:29″)

02 – Contaminazione (05′:10″)

03 – Altri otto Gy (05′:41″)

04 – Città dei morti viventi (03′:40″)

05 – Dannato esercito (06′:07″)

06 – Sterminatore di innocenti (03′:48″)

EP 2 – Baiestorf – “Frankenstein Bipolar” (2019, 34 minutos).

O EP “Frankenstein Bipolar” é Space Music Eletrônica, conta com três músicas inéditas e uma regravação da música “Rio 80 Tiros”, que eu tinha lançado no EP anterior que você pode baixar aqui: RIO 80 TIROS. Contém quatro músicas:

01 – Frankenstein Bipolar (14′:00″)

02 – Spaceship 90-Cyr (05′:45″)

03 – Nebulosa Zghk3-c (10′:37″)

04 – Rio 80 Tiros (04′:45″)

EP 3 – Hal9000 – “Aliens” (2019, 14 minutos).

Space Music com uma pegada de industrial. O disco anterior, “Scape Odyssey” (2018), pode ser ouvido aqui: BAIXAR.

Este novo EP contém quatro músicas, quase um ensaio-experimentação para as possibilidades de músicas que poderão ser criadas para a trilha sonora do curta “Meu Amigo Barnabé“, assim como a experimentação da Robby Robot, “Forbidden Planet“. Ouça ROBBY ROBOT AQUI. O EP contém as músicas:

01 – Reator (04′:52″)

02 – Alien em Movimentação Estranha (03′:25″)

03 – Buraco Negro Sistemático (03′:22″)

04 – Dobra Espacial (02′:37″)

EP 4 – Jurassick Aliens – “Sci-fi Vision” (2019, 16 minutos).

Este EP da Jurassick Aliens dá sequencia aos discos “A. I. 3W11 Zyrgon“, do Satellite, e “Voyage to the End of the Infinite Universe“, do Spacepongo. Ouça SATELLITE AQUI. Ouça SPACEPONGO AQUI. Contém as músicas:

01 – Delícia do Espaço (03′:29″)

02 – Narcissus Moonflower (06′:42″)

03 – Banquete Cósmico (04′:30″)

04 – Tradicionalismo na Dobra Temporal (01′:47″)

EP 5 – Zaphyr Zy – “Numa Fria” (2019, 15 minutos).

Zaphyr Zy foi um EP ensaio para o disco do Pistola Édipo, “Viril Homem do Oeste“, que você pode ouvir clicando no nome PISTOLA ÉDIPO. Este EP é um eletrônico com momento de industrial harsh, incluindo a música “Busão” que foi gravada ao vivo na rodoviária de Porto Alegre, para o desespero dos transeuntes que por lá estavam. Contém cinco músicas:

01 – Numa Fria (00′:45″)

02 – No Green Card (05′:12″)

03 – Busão (03′:56″)

04 – Deadman (03′:27″)

05 – Aventura no Ranho (02′:30″)

 

FAÇA DOWNLOAD DE NAKED THINGS SESSION VOL. 1 CLICANDO AQUI

U – Projeto Industrial de Experimentações Sonoras de um Não-Músico

Posted in download, Música with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on abril 9, 2019 by canibuk

Nessa semana lancei o novo EP do projeto industrial U, que se chama “Fim de Mundo” e está disponível no meu Bandcamp.

“Fim de Mundo” apresenta duas composições: “Fim de Mundo” e “E o Caos que se Segue”, dando sequencia as experimentações que realizei com theremin/sintetizador/white noise nos dois álbuns anteriores, “Involução no Terceiro Planeta” (2018) e “O Som dos Planetas” (2019).

O EP pode ser ouvido pelo bandcamp: FIM de MUNDO (EP) ou, se você realmente curtir, pode ser baixado em link direto via mediafire.

FIM DE MUNDO (EP) DOWNLOAD

U é um projeto que desenvolvo sozinho. Não sou músico (sou roteirista/escritor e produtor/diretor de vídeos de baixo orçamento), o que não me impede de fazer algumas experimentações sonoras envolvendo a exploração de ruídos, microfonias e outras sujeiras musicais para possível uso em trilhas sonoras de filmes meus ou de outros produtores, como no curta experimental “Purgatório Axiomático” (2019), de Fábio Marino, ou no curta ainda inédito “Brasil 2020”.

Purgatório Axiomático, assista aqui:

BRASIL 2020 (SOUNDTRACK) DOWNLOAD

Os álbuns da U estão disponíveis no Bandcamp e para download também. Você pode ouvi-los nos links abaixo:

Bandcamp: Involução no Terceiro Planeta (2018)

Mediafire: Involução no Terceiro Planeta (2018) – DOWNLOAD

Bandcamp: O Som dos Planetas (2019)

Mediafire: O Som dos Planetas (2019) – DOWNLOAD

O Som dos Planetas foi lançado pela gravadora Exhaust Valve Recs: O Som dos Planetas (Exhaust Valve Recs)

por Petter Baiestorf

Fascismo Verde Amarelo: O Mito do Silva

Posted in Cinema, Entrevista, Vídeo Independente with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on outubro 26, 2018 by canibuk

Conheci o Fabiano Soares quando ministrei uma oficina de vídeo no Rio de Janeiro em 2012, parte da programação da Mostra do Filme Livre. Juntos bolamos o curta Perdigotos da Discórdia, que envolvia necrofilia e outras peripécias cremosas, como sexo pervertido com membros de plástico realistas que acabaram dando problemas com o Banco do Brasil, patrocinador da Mostra naquele ano. Tivemos que explicar um boquete que Gurcius fazia explicitamente no tal pinto de plástico que fazia as vezes do membro pulsante de Pablo Pablo. Logo em seguida ele dirigiu o ótimo curta O Terno do Zé, com integrantes da banda Gangrena Gasosa e o Carlo Mossy no elenco, e, também, foi diretor de segunda unidade do longa Desagradável, do diretor Fernando Rick. Depois dirigiu A Revolta do Boêmio, vídeo clip para a banda Uzômi, com Angelo Arede e Gurcius Gewdner nas personagens principais. Agora em 2018, ano literalmente tenebroso na vida política do Brasil, Fabiano retorna com O Mito do Silva, curta que sintetiza de maneira quase didática – e brutal – o que está rolando no país do Pau Brasil.

Segue uma entrevista com ele sobre O Mito do Silva e suas observações sobre este conturbado momento em que o povo brasileiro se entocou. E, também, link para assistir o primeiro corte de O Mito do Silva e sua filmografia completa:

Petter Baiestorf: O Mito do Silva é um retrato do Brasil atual, como foram as filmagens do curta, da concepção do roteiro até as filmagens? Alguma história curiosa das gravações?

Fabiano Soares: Eu tinha escrito em 2016 um texto sobre o assunto, o “Mito”, utilizando como base um político que tava se destacando pelas merdas que falava, mas que, naquele ano, parecia bastante exagerada a ideia de o cara se candidatar a presidente. Então, partindo desse prenúncio de distopia, eu convidei o cineasta Marcos Lamoreux, daqui do Rio, para me ajudar a transformar em roteiro, acrescentando ou retirando trechos que ele achasse necessários. O Marcos é um amigo, ativista, negro, artista em diversas áreas, e topou. Nessa transformação do texto em roteiro, além das transformações estruturais, recebi algumas aulas dele, desde pequenas mudanças lingüísticas para não ofender sem querer, a origens de palavras como “linchar”, que acabaram dando um conceito mais forte ao filme. Então um cara, o Marcelo Paes, que me deu aula, decidiu entrar como produtor cedendo a câmera e alguns acessórios, além de dar uma ajuda na parte de produção.

Nossa bandeira jamais será vermelha.

Como eu faço um cinema com amigos, alguns velhos amigos se juntaram em suas áreas, e foi assim que o Thor Weglinski veio ajudar na produção e na assistência de direção; o Caio Cesar Loures topou fazer o som direto; o Gabriel P. Almeida fez a arte; e o Ricardo Schmidt, a fotografia. Tudo gente que quem já viu algum filme meu, já conhece de créditos. Chamei a Fany Coelho, uma maquiadora de gore fodona daqui, que abraçou a ideia; e o Marcos Lamoreux foi essencial também para conseguir os figurantes. E teve o Juan, que deu uma ajuda no set quando pôde. Sem essa galera aí, eu estaria fodido, porque fiz mais um filme sem dinheiro, só convidando as pessoas e tentando mostrar o roteiro, pra ver se topavam; e porque a Luciana estava trabalhando na época, o Edgar com 5 meses quando eu comecei esse processo de roteirização, e achei que conseguiria facilmente cuidar dele, decupar o roteiro, ensaiar com atores, ter reuniões de equipe, e finalizar um livro que estou escrevendo, só porque eu estava de férias. Eu mal conseguia cagar sem ficar pensando nas minhas responsabilidades de pai, e tinha só a partir das dez da noite para resolver tudo em relação ao curta. A Luciana, a namorada com quem casei e tive um filho (porque acho brega escrever “esposa” ou “minha mulher”), aliás, não pôde participar tanto desse curta diretamente, mas o fez cuidando do Edgar quando chegava em casa, permitindo que me dedicasse ao curta nesses momentos, e fazendo a comida pra batalhão na diária que teria, segundo minhas contas, 40 pessoas. Ah, e sempre, mesmo torcendo o nariz para algumas ideias minhas, meus pais dão uma força: figuração, transporte, comida. Uma observação: sempre rola uma opção vegana de comida, geralmente uma caponata de berinjela feita pela minha mãe, já que tem uma galera vegana / vegetariana entre esse pessoal que topa participar dessas coisas que eu invento.

O Mito em sala de aula

Para escolher o ator, procurei um ator amador, amigo meu, o Moisés, cuja primeira pergunta que fiz foi: “O que você acha do “político X” (o Brandão do filme)?” Quando ele respondeu, dizendo que não estava entendendo morador de favela apoiando esse cara, decidi que seria ele. O Marcelo foi arrumar o cara pra fazer o político, e a primeira opção dele, um ator com visual meio milico, declinou por um motivo óbvio: ele era eleitor do cara. Segundo o Marcelo, foi a primeira vez que ele achava alguém do círculo de contatos dele demonstrando apoio ao cara, foi quando ele viu que aquela piada ruim poderia ser mais assustadora do que era. Estávamos em junho de 2018. E contei mais uma vez com a participação do ex-galã da Globo, agora doutor em filosofia e ator de produções menos ostentatórias, Marc Franken, um cara gente boníssima!

Cara, filme independente sempre tem perrengue, e esse não foi diferente. O drone, que tinha uma utilização estética para simular celular gravando de um prédio, zicou e ficamos sem. Os 30 figurantes que confirmaram para a cena de agressão ao Silva, só apareceram uns 10, 12; pessoal no Rio é daqueles “Vamos marcar, borá!”, e furam. Aí entraram meus pais, o namorado da Fany, quem estava de bobeira no set virou figurante. E muita gente parava para perguntar o que estava acontecendo, achando ser real o Moisés ensanguentado. Além dos contratempos de chuva, intervenção federal, que atrapalharam bastante o cronograma, teve também as desistências de equipe e figurantes no último segundo, que rolou bastante, mas nada que abalasse o andar da carruagem, só desesperava um pouquinho, até conseguir dar um jeito.

Figurantes

Ah, e de última hora, o Leo Miguel, que fez assistência de direção no dia mais complicado, a externa da agressão, ficou enrolado pra fazer a edição do filme, e aí outro Leo, o Miranda, que editou já muita coisa minha, assumiu o posto. E nisso, uma coincidência que achei doida demais: no primeiro corte, o Leo botou uma música clássica. Eu estava lendo O Selvagem da Ópera, do Rubem Fonseca, que fala sobre a vida do Carlos Gomes, e é uma base de roteiro para um filme sobre o maestro e compositor brasileiro, que enfrentou uns casos de racismo na Itália por ser negro e brasileiro. Quando ouvi a música – eu não conheço muito de música clássica, embora ouça muito no trabalho, não é algo que eu grave ou escute em casa –, perguntei “É Carlos Gomes?”, e o Leo me disse que não. Fiquei pensando “Que idiotice, só porque eu tô lendo um livro sobre o cara, tudo o que é música clássica vou achar que é ele…”; aí quando terminamos de ver o corte, a música, que ele tinha pego aleatoriamente no catálogo do Domínio Público, ele viu “Ah, é sim, Antônio Carlos Gomes!”. Achei bizarra a coincidência, e disse ao meu ceticismo: “É um sinal!” Melhor ouvir o universo e ficar com a trilha de Carlos Gomes! Lógico que o fato de não ter ninguém para compor uma trilha sonora em dois dias, de graça, ajuda bastante…

Baiestorf: Achei ele bem ilustrativo para aqueles que se negam em enxergar o que está acontecendo no país. Foi opcional essa narrativa tão didática? Porque?

Fabiano Soares: Pô, eu acho que eu faço sempre um cinema por diversão, é bem quadrado na estética, eu gasto minha piração com o texto. Eu não sou cineasta, né? Eu faço uns filmes, é diferente; é como se eu fosse um cara que faz paródias subversivas de uma novela mexicana, mas não falando de paixões desencontradas, mas de filhadaputice humana. Acho que meus filmes são tudo sobre o pior lado do ser humano, mostrar que deu tudo errado. Mas a didática não tem nada a ver com isso, é só de talvez eu ser um roteirista que quer ver aquela merda numa tela, e como ninguém em sã consciência vai querer fazer isso, acabo fazendo. Aí não tenho aquela intimidade com a linguagem cinematográfica a ponto de saber subverter e dar certo. Aí eu faço o meu feijãozinho com arroz, batata frita e bife, e taco um pouquinho de sangue pra dar um gosto. O foda é que eu gosto muito de uns filmes mais doidos, que brincam mais com a linguagem, mas não consigo fazer. Deve ser medo de entropia, do público comum não pescar sobre o que eu estou falando. Acho que me preocupo muito em explicar didaticamente pro público.  Vou tentar pensar mais nesse assunto.

Fabiano e Moisés em O Mito do Silva

Baiestorf: Alguma observação sobre os eleitores do “mito” Brandão? Sobre essa “cegueira” coletiva (ou mau caratismo mesmo)?

Fabiano Soares: Cara, andando na Uruguaiana, um mercado popular no centro do Rio, vi muito camelô vendendo camisas do cara que inspirou o personagem, vendido como o salvador da pátria, e só fiquei pensando: esse cara não entendeu que ele vai se foder com o discurso de ódio. Que ele é visto pela elite como um vagabundo, trambiqueiro, e no que puderem usar de força bruta contra eles, usarão. Será que vale esse lucro? É como se, na atual conjuntura, eu topasse fazer um vídeo para um político evangélico, que eu sei que vai foder com qualquer possibilidade de uso correto da máquina pública, que já é uma merda. Poderia ganhar um dinheiro, adiantar o meu lado, da maneira mais egoísta possível.

E cara, eu tô realmente ficando mal com esse assunto. Você precisa explicar o óbvio, e após toda uma didática infantil, bem explicadinha, na falta de argumentos, os cegos só mandam memes e “fora PT”. Mas eu nem tô falando do PT, ô caralha! E tem muita gente cega mesmo, que não foi criada para pensar, mas para reproduzir discursos, que acaba indo na onda. Mas óbvio que sempre existe aquele mau-caráter, que esperou na moita o momento em que poderia falar abertamente sobre seus preconceitos e incentivá-los, porque agora naturalizou-se isso, passou a ser apenas um ponto de vista, que deve ser respeitado. Porra, intolerância não é aceitável, e  não podemos ser tolerantes com intolerantes, sem medo de parecer incoerentes. Essa naturalização do machismo, da homofobia, do racismo, vindo de gente que deveria representar o povo, é assustadora. Fazendo uma analogia idiota, é como a música de um churrasco com gente dos mais diferentes gostos musicais: o cidadão pode chegar e colocar, sem medo ou vergonha, Maiara e Maraísa (e realmente pode, um espaço democrático em geral), outro coloca Molejo, outro entra no Melhor do Axé, e depois de você ouvir isso tudo, você decide colocar um som que você gosta, um Black Sabbath (para citar um exemplo até mainstream): será repreendido, porque naturalizou-se a ideia de que só pode tocar música “que todos vão gostar” – só esquecem que nem todos gostam das outras músicas. A mesma lógica vale para os assuntos cotidianos. A pessoa acha que pode puxar um papo com você falando sobre não gostar de “ver viado andando junto”, sem nem saber seu pensamento sobre isso, porque naturalizou-se o “ninguém gosta de homossexual, até tolera, mas não gosta”. Esquecem que os gays que gostam de andar juntos fazem parte da sociedade. E assim vão tentando excluir cada vez mais o que os incomoda, chamando de minorias, através da supressão da fala, impondo a opinião preconceituosa como se fosse o pensamento comum. E esse discurso vai sendo naturalizado pelo cidadão comum, que nem é mau-caráter, mas reproduz isso. É a favor de morte para bandido, mas esquece do filho que vende droga, do irmão que instala gato de luz, da vez em que subornou um guarda, etc.

Cidadão de Bens

Baiestorf: Você produziu o curta no RJ, que já é uma cidade que vive sob uma ditadura evangélica radical. Você pode falar sobre as transformações da vida cultural carioca nos últimos anos.

Fabiano Soares: Cara, a vida cultural sobrevive em pontos de resistência, centros culturais independentes de verbas do município. Aqui tem muita gente, muito grupo agitando suas correrias, então não tem do que reclamar. Mas do ponto de vista político… Bom, eu estou realmente preocupado com essas eleições presidenciais. Você vem lembrar do pastor que é prefeito do Rio. Bom, eu sou a favor de acabar com essa merda de misturar política e religião. Não dá certo. Você acredita em Deus, foda-se, vai pra porra da igreja e converse com seus amiguinhos, todo mundo com o mesmo amigo imaginário, e sejam felizes! Eu não me importo com a religião das pessoas, desde que não queiram fazer leis que têm como base crenças religiosas. Vou voltar a falar da merda da naturalização: pessoal acha normal falar “vai com Deus”, mas fica abismado se receber de volta um “Satã te ilumine”, “fica com Exu”. Então vai pra puta que o pariu com a sua crença se você não aceita a do outro. E essa contaminação evangélica que tem acontecido não só no Rio, como no Brasil, busca cada vez mais reger a vida de todos tomando como natural os ensinamentos cristãos, “porque a maioria pensa assim”. Eu já estou me preparando para comprar muita briga com professor acéfalo que for passar doutrina religiosa pro meu filho em escola. Uma coisa é ensino religioso, onde você vai falar da diversidade religiosa no mundo; outra é falar que uma religião é a certa, que deve-se seguir isso ou aquilo. E falei porra nenhuma da vida cultural no Rio. Cara, tem vida cultural, deve estar escoando muito dinheiro da prefeitura para igrejas, pecinha de igreja deve estar recebendo milhões, patrocinada pelo pastor do Rio, o prefeito da Universal, Crivella. Mantendo-se longe disso, tem uma galera boa movimentando arte de verdade. Tá, julgamento de valor meu, mas foda-se. Arte que questiona algo.

Fany maquiando em O Mito do Silva

Baiestorf: A personagem principal é um negro seduzido pelo discurso de “bandido bom é bandido morto”, quais suas observações sobre isso?

Fabiano Soares: Algumas pessoas não estão entendendo o que está acontecendo, esqueceram chacinas, apagaram da memória casos recentes de racismo. E é apenas para exemplificar: poderia ser misoginia, homofobia. Pessoas que são naturalmente privilegiadas apoiarem um cara como esse, eu não acho certo, mas é compreensível: não quer largar de ser mimado; o garotinho branco, rico, quer que continuem governando para ele, protegendo-o de qualquer risco que possa correr. Mas uma pessoa que encontra-se em um dos grupos atacados, concordar com ele, é masoquismo. Mas o ódio é apaixonante, né? Eu lembro que eu com 13, 14 anos, achava lindo tudo o que eu estava estudando e pregava violência: Hitler, Mussolini, Robespierre, Mao Tsé-Tung… Eu era um idiota e achava que ser revoltado era fazer apologia à violência, tinha que matar todo mundo. Felizmente me dei conta rápido que não era bem assim, mas possivelmente, em 99, 2000, eu seria um passador de vergonha na internet, compartilhando meme de “mimimi”, cheio das confusões identitárias de raça.

O Mito do Silva

Se você pega um lugar movimentado, pega dois atores, um loiro e um negro, e bota os dois para correr ao mesmo tempo, separados por alguns metros lateralmente, e um terceiro gritando “pega ladrão!”, eu não tenho dúvidas que a maior parte ia olhar e escolher o negro como o ladrão. E isso é uma construção social perversa, que fez, ao longo dos anos, vítimas da escravidão serem vistas como marginais da sociedade após libertadas. Construção social, mais uma vez, desculpa, sou chato mesmo, naturalizada. Então a pessoa vê um menino negro em um sinal (semáforo, farol, faroleiro, chame como quiser aquela merda de três luzes), e fecha a janela do carro, porque tem medo. Tem medo de um menino magro que tenta conseguir um trocado para comer, provavelmente. A mesma irracionalidade leva uma pessoa negra a concordar em dar mais poder à polícia militar, por exemplo, que no Rio de Janeiro metralhou com mais de cem tiros um carro com cinco meninos que tinham saído para dar uma volta. Meninos que não estavam armados, nem atropelaram alguém. Mas eram negros. O filho do Eike Batista atropelou e matou uma pessoa. A polícia não deu tiros no carro dele. Por que? Enfim, ter uma opinião isenta sobre racismo é estar do lado do opressor. O dia em que você perceber que você não é branco, ou que sua sobrinha, seu filho, ou quem quer que seja na sua família ou círculo de amizade, dançou exclusivamente por conta de um julgamento pela cor dele(a), acho que será tarde demais para entender.

Baiestorf: Acho a personagem do professor um tanto apática aos comentários de seus alunos em sala de aula, sem tomar uma posição mais firme, talvez um retrato fiel de como se comportaram os professores nos últimos anos. Como competir com as fakes news? Como os professores podem fazer a diferença numa época em que os alunos “fabricam” suas verdades?

Fabiano Soares: Eu sou um cara do “copo vazio”, sou derrotista mesmo. Desisto fácil, e não culpo a apatia de professores: como lutar quando o mundo está contra você? Como explicar o óbvio e não ficar puto quando for chamado de doutrinador? Se eu fosse professor já teria desistido. Mas façam o que eu digo, não façam o que eu faço. Professores fazem diferença ao sugerir leituras, ao mostrar ao aluno que as ideias dele podem e devem evoluir. Eu lembro de um professor de artes que eu tive, e em um passeio a um museu, tinha um quadro com dois homens se beijando, e ele foi falar do quadro, e eu falei Que viadagem! (nessa época aí, de 13 anos, eu quase um nazipardo desses… Por isso digo que adolescentes podem mudar muito, independente das merdas que falem. Mas burro velho eu não tenho paciência). Ele mandou na mesma hora “Viadagem por quê?”, e eu falei provavelmente um “Porque sim!”, esse argumento valiosíssimo nos dias de hoje. E ele mandou eu ver o quadro, meio que me desafiou, e eu me neguei, e ele falando pra eu olhar, e a turma vendo isso… Resolvi olhar. Era um quadro no qual o artista tinha duplicado a fotografia dele e simulava um beijo entre ele e ele mesmo. Aquilo me deu um baque, foi o primeiro, quando eu vi que eu era burro. E que eu não podia falar das coisas sem saber, sem ver do que eu tô falando. Esse professor nem sabe, mas ele provavelmente me ajudou a mudar o pensamento de certeza sobre tudo sem nem precisar ver o outro lado; e é nisso que os professores são essenciais, não em explicar a verdade absoluta, mas a ensinar os alunos a questionarem-se, a botar dúvidas no lugar de certezas. Isso muda vidas. É desanimador, por conta das fake news multiplicadas sem filtro, só com um botãozinho; mas é uma luta essencial pela humanidade. Que botem a pulga atrás da orelha sobre essas notícias de whatsapp nos alunos. Muitos poderão rir, mas vai ter um que vai duvidar de fake news, que vai duvidar de isenção jornalística nos grandes meios de comunicação. E só por esse, já vai ter valido a pena.

Reunião de equipe

Baiestorf: O papel da arte é ser resistência? O que tu acha dos artistas “isentões”, que não estão tomando posição neste momento tão crítico de nossa história?

Fabiano Soares: Porra, pergunta pra textão. Não, o papel da arte não é ser resistência. Mas o papel da arte que eu gosto, sim. Eu acho que a arte eleva seu potencial de ser relevante ao ser resistência, porque junta ao estético o conceito e a ideia de mudança social. Mas não sei se seria o papel da arte, se eu estaria usando muito o meu juízo de valores. No entanto, se não bota o dedo na ferida, se não cutuca, eu deixo para ser fruída por outros, tenho mais o que fazer. Artistas isentões não existem. Não se posiciona, está do lado do mais forte. Ouve falar que tem que bater em homossexual e não diz nada? Está apoiando. Tá vendo, se é artista, faz arte, mas se é isentão, provavelmente eu não me interesso pela arte que ele faz. Ou se me interesso, diminuo o apreço agora…

Baiestorf: Com o Supremo, com tudo?

Fabiano Soares: As pessoas estão cegas, surdas e loucas. Tá aí, né? Depois desse “acordão”, muito facilitado pelo posicionamento dos deputados e senadores, para passar o impeachment, fico realmente espantado com o número de deputados que o partideco do “Brandão” conseguiu eleger. Vários militares. O golpe virá, e o pior é que será pelas vias legais… Espero que seja apenas uma distopia, culpa do meu pessimismo constante. Assim como em 2016 o “Mito” era…

Fabiano Soares dirige O Mito do Silva

Baiestorf: Brasil, país de racistas enrustidos de antes a país de racistas assumidos (violentos) de agora? Para onde vamos?

Fabiano Soares: Ladeira abaixo. Todo o tipo de preconceito e discurso de ódio vindo à tona, e o pessoal achando que é zoação, é só mais um HUEHUEBR. Acho que tem uma galera descrente de eleição que tá votando pensando que é voto de protesto. Mas esse Macaco Tião é perigoso…

Baiestorf: O espaço é seu Fabiano.

Fabiano Soares: O espaço é nosso, e não deve ser cerceado. Independente de sofrer ou não racismo, homofobia, misoginia, tenhamos um pouco de empatia. Ninguém deve ter medo de andar nas ruas por achar que sua cor, seu credo, sua orientação sexual ou seu gênero o coloquem em um estado de risco. O mundo já está uma merda, o ser humano já é escroto por natureza, não precisa ser incitado a isso. Pensem, não tenham certezas, leiam, leiam, leiam. E ouçam. Não dá pra você viver tranqüilo em uma sociedade que elege religioso pra representar o povo. Principalmente esse câncer que é a bancada evangélica, um sintoma de uma sociedade doente que quer ser ovelha a todo momento. Por isso, defendo ser radical contra a mistura de política e religião (principalmente se for uma religião hegemônica, no nosso caso, cristã) assim como contra esse novo fascismo, que não por acaso vem ganhando forças sendo carregado em uma cama de “Deus acima de todos”. Eu tenho um filho para experimentar muita coisa na vida, e não pode ser calado por um governo que flerta abertamente com a ditadura, apoia torturador. Pensem nas crianças que vocês dizem gostar tanto. Tá ficando meio Zé do Caixão, né?

E se tudo der certo, “O Mito do Silva” será um episódio de um longa-metragem. Isso se eu não desanimar e desistir, porque vou te falar, tá foda… E sem isenção, dia 28 agora é 13 contra o fascismo! E ser humano deveria vir antes de ser anti-PT, portanto, não há desculpa.

Fany trabalhando

Filmografia Completa de Fabiano Soares:

2008 – O Dia do Folclore; 2009 – Acertos Errados; 2009 – Boneco de Pano; 2011 – SolidariedAIDS (co-direção); 2012 – O Terno do Zé; 2012 – Thrash Star; 2012 – Perdigotos da Discórdia (Co-direção); 2013 – Desagradável (diretor de 2ª Unidade); 2014 – Churrasco Misto (animação, co-direção); 2014 – Eu Aceito; 2015 – Primeiro Ato (co-direção); 2015 – Eleven Years (Videoclipe); 2015 – Olho Maldito (animação); 2015 – Par ou Ímpar (co-direção); 2015 – Vegetal (co-direção); 2016 – A Revolta do Boêmio (Videoclipe); 2016 – Paterno; 2016 – Sacrifício; 2018 – O Mito do Silva.

Assista aqui, também, estes outros trabalhos do diretor:

2009- Boneco de Pano

2012- Perdigotos da Discórdia

2012 – O Terno do Zé

2013 – Desagradável (diretor de segunda unidade)

2014- Eu Aceito

2015- Par ou Ímpar

https://vimeo.com/130901429

2016- A Revolta do Boêmio

2016- Paterno

 

Orgia ou O Homem que deu Cria

Posted in Cinema, download with tags , , , , , , , , , , , on setembro 22, 2016 by canibuk

orgia2

Um raro filme do cinema marginal brasileiro, “Orgia ou O Homem que deu Cria“, foi disponibilizado para download.

Orgia ou O Homem que deu Cria foi lançado em poucos cinemas em 1970 e tem direção de João Silvério Trevisan. No elenco os cineastas Ozualdo Candeias, Jairo Ferreira e o crítico Jean-Claude Bernardet.

Jairo Ferreira foi o autor do genial livro “Cinema de Invenção“, obra definitiva sobre o cinema marginal brasileiro.

Peço desculpas pela postagem extremamente econômica, mas queria muito compartilhar o link de download deste clássico marginal para que mais pessoas possam conhece-lo. Assim que o tempo livre me permitir voltarei a escrever artigos e a realizar entrevistas para o Canibuk. Nunca planejei deixar este blog lindo tanto tempo sem novidades. Desculpem!

Petter Baiestorf.

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Como era Gostoso o meu Chinês: As Sacanagens de Fu Manchu e Jess Franco no Rio Babilônia

Posted in Cinema with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on novembro 7, 2012 by canibuk

A mais diabólica personificação do perigo amarelo!

O Dr. Fu Manchu, o gênio do mal criado pelo escritor inglês Sax Rohmer – exótico pseudônimo adotado por Arthur Henry Sarsfield Ward – fez uma rápida transição das páginas para as telas. A estreia cinematográfica oficial do legítimo representante dos medos e paranoias de toda uma geração de ocidentais – um amálgama de vários estereótipos atribuídos especialmente aos chineses – data de 1923, quando foi interpretado por Harry Agar-Lyons em dois seriados mudos, dez anos após o lançamento de sua primeira aventura na Inglaterra, The mistery of Dr. Fu Manchu (The insidious Dr. Fu Manchu, nos EUA), em 1913.

Apesar da notável diferença com a descrição física do personagem (“um homem alto, magro e felino, de ombros elevados, testa ampla como a de Shakespeare, rosto satânico, crânio raspado, olhos oblíquos, magnéticos, de pupilas verdadeiramente verde-gato”), o gorducho Warner Oland – o mais popular Charlie Chan do cinema – herdou o personagem de Lyons, estrelando três filmes para a Paramount e inaugurando a fase sonora do vilão. Em seguida, a MGM investiu pesado em A máscara de Fu Manchu (The mask of Fu Manchu, 1932), trazendo Boris Karloff na pele do temível doutor. Na década de 1940, foi a vez de Henry Brandon, que não fez feio no excelente seriado da Republic Pictures, Os tambores de Fu Manchu (The drums of Fu Manchu, 1940) e do espanhol Manuel Requena, astro do obscuro El otro Fu-Man-Chú, dirigido por Ramón Barreiro em 1946. Após a incursão espanhola, o personagem foi esquecido pelos produtores e apenas duas versões televisivas de Fu Manchu aparecem nos anos 1950: a primeira com John Carradine – em apenas um episódio piloto não aproveitado pela emissora NBC, The zayat kiss – e a segunda, de baixíssimo orçamento, com o caricato Glen Gordon no papel do vilão.

Fu Manchu só voltaria às telas de cinema quase vinte anos depois, quando o produtor Harry Alan Towers (1920-2009) – até então responsável por alguns filmes e seriados para a TV inglesa – ressuscita o gênio do crime em grande estilo. Towers, um fã confesso de Rohmer e de literatura pulp, observando o sucesso estrondoso da série 007 e seus exóticos vilões, decide investir pesado – algo atípico para sua carreira – numa nova aventura do perigo amarelo. Além da campanha publicitária agressiva, Towers contrata profissionais competentes, como o talentoso artesão Don Sharp (de O beijo do vampiro, produção da Hammer) e um elenco de peso – que incluía Nigel Green e Howard Marion-Crawford, além de atores alemães veteranos dos krimis como Karin Dor e Joachim Fuchsberger – capitaneado por Christopher Lee no papel de Fu Manchu.

O resultado, A face de Fu Manchu (The face of Fu Manchu, 1965), uma mistura de Rohmer e Ian Fleming, escrito por “Peter Welbeck” (pseudônimo tradicional do próprio Towers), mostrou-se lucrativo o suficiente para dar origem a quatro sequências. A primeira, As 13 noivas de Fu Manchu (The brides of Fu Manchu, 1966), também dirigida por Sharp, traz Douglas Wilmer substituindo Green no papel do arquiinimigo de Fu Manchu, o Dr. Nayland Smith. Wilmer repetiria o papel no terceiro filme da série, A filha diabólica de Fu Manchu (The vengeance of Fu Manchu, 1967), de Jeremy Summers.

Os tempos mudavam e, na efervescência do final dos anos 1960, a série já dava sinais de cansaço. O retorno nas bilheterias diminuía e Towers não dispunha mais de orçamentos tão generosos quanto o de A face de Fu Manchu. Com menos tempo e menos dinheiro para filmar, que outro diretor se adequaria tão bem quanto o espanhol Jesús Franco Manera, mais conhecido como “Jess Franco“?

Em Franco, Towers encontra seu parceiro ideal: gourmet, músico de jazz e bon vivant, o espanhol é o autor de centenas de filmes – dentre os quais dezenas de versões alternativas de um mesmo filme, o que torna a compilação de sua filmografia uma missão quase impossível. Os resultados iam do puro lixo a obras primas incontestáveis. Com sua rapidez e economia, Franco surpreendia produtores – como o suíço Erwin C. Dietrich, com quem manteve uma duradoura parceria – ao ser contratado para fazer um filme e entregar dois, usando a mesma equipe e locações, sem qualquer tipo de acréscimo no orçamento ou no cronograma de filmagens!

A parceria Towers-Franco dá origem ao quarto filme da série, Fu Manchu e o beijo da morte (1968), que, para desgosto de Lee, baseia-se novamente num roteiro original do próprio Towers, consideravelmente distante dos textos originais de Rohmer. Nele, os obstinados Fu Manchu (Lee) e sua filha Lin Tang (Tsai Chin, presença assídua desde o primeiro filme da série de Towers) montam sua base de operações em uma caverna na América do Sul, de onde pretendem, mais uma vez, dominar o mundo. O plano é engenhoso: dez belas mulheres são sequestradas e infectadas com o poderoso veneno da “cobra negra”, sendo posteriormente enviadas para diversas capitais para administrar o “beijo da morte” em personalidades de renome mundial. Um dos escolhidos é o incansável arquiinimigo de Fu, Nayland Smith (Richard Greene, substituindo Douglas Wilmer), que após ser beijado por Celeste (Loni Von Friedl), percebe que sua única chance de cura é localizar o esconderijo de seu velho rival. Cego e debilitado, Smith e seu fiel assistente Dr. Petrie (Howard Marion Crawford, em sua quarta aparição na série) são ajudados na difícil missão pela enfermeira Ursula (Maria Rohm, esposa de Towers) e pelo arqueólogo Carl Jansen (Götz George) e enfrentam os inúmeros perigos das florestas sul americanas, como o bando de Sancho Lopez (o espanhol Ricardo Palacios, usando chapéu de cangaceiro).

Certamente o mais fraco exemplar da série, Fu Manchu e o beijo da morte mostra um Franco contido e discreto, muito distante de seus trabalhos mais autorais. Ainda que a trama permitisse que Franco, um fã confesso da obra de Rohmer, chafurdasse em suas obsessões com sexo, sadismo e morte – a ideia do exército de garotas hipnotizadas distribuindo beijos da morte pelo mundo remete a outros filmes do espanhol -, o resultado é curiosamente impessoal.

Os fãs de Franco sabem que o diretor nunca foi afeito a sequências de ação e as deste filme, canhestras em sua maioria, provam isso. O final, quando o esconderijo de Fu Manchu é destruído, é especialmente insatisfatório, tamanha a facilidade com que Nayland Smith elimina o gênio do mal.

Mas o filme guarda alguns atrativos, especialmente para os fãs brasileiros. Apesar de a ação se passar na fronteira imaginária entre “Melia” e “Santa Cristabel” (em determinado momento, Smith diz que Fu Manchu está escondido “em uma determinada região da América do Sul, protegido de um lado pelos Andes e do outro pelo Mato Grosso”), Franco e sua equipe desembarcaram no Rio de Janeiro, onde o filme foi praticamente todo rodado.

Segundo a atriz, produtora e musa da pornochanchada carioca Olívia Pineschi (que aparece como uma cigana nas sequências onde “Melia” é invadida pelo bando de Sancho Lopez) Franco estava “impossível” em sua passagem pelo Rio. Encantado com a anatomia das brasileiras, o erudito Jesus chegou a convidar algumas das atrizes a acompanhá-lo em sua volta para a Espanha. Além da Floresta da Tijuca, que serviu como lar para Fu Manchu, a produção utilizou o Parque Lage (o “Palácio do Governador” de “Santa Cristabel”) e os estúdios da Atlântida, onde foram filmados alguns dos interiores da caverna do perigo amarelo, com suas masmorras mal iluminadas.

O ambiente quente e úmido certamente não foi dos mais agradáveis para Lee. Ainda segundo Olívia, Lee, apesar de muito simpático, reclamava bastante da pesada maquiagem, que praticamente o impedia de movimentar os olhos. Mesmo com o cansaço em virtude das limitações e do roteiro de Towers, que pouco lhe dá para fazer, Lee se sai maravilhosamente bem no papel, transformando cada linha de diálogo numa ameaça para seus adversários.

O personagem mais curioso do filme é o bandido Sancho Lopez, vivido por Ricardo Palacios, veterano de dezenas de western spaghetti. Palacios, o mais entusiasmado de todos os atores, é um misto de bandolero e cangaceiro e parece ter saído do set de um de seus westerns.

Franco nunca demonstrou muito apreço pelos mocinhos de seus filmes e Fu Manchu e o beijo da morte não é exceção. O Nayland Smith de Greene (de Contos do Além, de Freddie Francis) passa a maior parte do filme deitado e imóvel. George, no papel do obrigatório “herói ocidental”, o arqueólogo Carl Jansen, ao menos se sai bem nas cenas de ação. O maior destaque é Marion-Crawford, novamente o comic relief da narrativa. Na pele do Dr. Petrie, Crawford tem as melhores frases do filme, à custa de imortais hábitos britânicos, como a sua constante irritação com a falta de chá quente na selva.

Quanto ao elenco brasileiro, Frances Kahn (de Os paqueras) e Isaura de Oliveira são as únicas a receberem crédito. Kahn é Carmen e Isaura é Yuma, integrantes do grupo de dez mulheres selecionadas por Fu Manchu para dominar o mundo. Isaura recebe atenção especial de Franco em uma longa sequência na qual tenta seduzir Sancho Lopez. Dentre os atores não creditados, além de Olívia – que ao longo de sua extensa carreira também atuou em outras produções estrangeiras como Love in the Pacific (1970), de Zygmunt Sulistrowski e 99 mulheres (99 women, 1969), outro filme de Franco com cenas rodadas no Rio -, aparecem Oswaldo Loureiro, como o chefe dos capangas de Fu Manchu (usando bandana vermelha e trajando um roupão preto) e o veterano Rodolfo Arena, como uma autoridade de “Melia” rapidamente despachada pelo bando de Lopez.

O filme, uma eterna vítima de versões cortadas e em full screen, que destruíam alguns dos seus poucos charmes, está disponível em DVD norte-americano (Blue Underground), com imagem cristalina em widescreen anamórfico (1:66:1), realçando o colorido das locações cariocas e os belos enquadramentos do fotógrafo Manuel Merino; o som é alto e claro, evidenciando a inadequada trilha do parceiro habitual de Franco, Daniel White. Os extras contidos no DVD são igualmente impecáveis e contém entrevistas de Franco, Towers, Lee, Chin e Shirley Eaton. Franco diz que vir ao Brasil foi como realizar um sonho, enquanto Lee confirma sua irritação com a maquiagem e com as liberdades tomadas por Towers ao adaptar os originais de Rohmer. Já Eaton (a bond girl que morre asfixiada ao ter o corpo banhado por ouro em 007 contra Goldfinger), não queria ver Towers nem pintado a ouro. Apesar de receber crédito proeminente, Eaton aparece em uma única e rápida cena de Fu Manchu e o beijo da morte, roubada de A mulher do Rio (The girl from Rio, 1969), outra parceria Towers-Franco rodada simultaneamente a Beijo da morte no Rio de Janeiro! Em A mulher do Rio, Eaton reprisa o papel de Sumuru, uma espécie de Fu Manchu de saias, (também criado por Rohmer), que já havia interpretado em O milhão de olhos de Sumuru (The million eyes of Su-muru, 1967), de Lindsay Shonteff. Assim, Eaton virou estrela de um filme no qual não atuou e pelo qual não foi paga!

Para o quinto e último filme da série, The castle of Fu Manchu (1969), rodado logo em seguida a Fu Manchu e o beijo da morte, Towers e Franco trocaram o ensolarado Rio de Janeiro por Istambul e Barcelona. Novamente baseado num roteiro original de Towers, Castle é superior a seu antecessor, ainda que o produtor tenha obrigado Franco a trabalhar com um orçamento espartano; a pobreza é tamanha que faz o filme anterior parecer uma superprodução hollywoodiana.

Desta vez, Fu Manchu (Lee) e sua filha Lin Tang (Tsai Chin), renascidos das cinzas, pretendem dominar o mundo através de um bizarro plano que consiste no congelamento da água, em qualquer temperatura, quando misturada a cristais de ópio! Na sequencia pré-créditos, Fu Manchu dá a primeira demonstração de poder, destruindo um luxuoso transatlântico nos mares do Caribe. Mas como realizar uma sequência desse porte em meio a mais absoluta escassez de recursos? Simples: roube todas as cenas do naufrágio de Somente Deus por testemunha (A night to remember, 1958), clássico de Roy Ward Baker sobre o desastre do Titanic!

Pai e filha invadem o castelo do governo em Istambul (um imenso estoque de ópio) com o auxílio dos homens de Omar Pasha (José Manuel Martín), para logo depois traí-los, mantendo o braço direito de Pasha, a bela Lisa (Rosalba Neri), como refém. Apesar do diabólico plano já ter se mostrado eficiente, Fu Manchu e Lin Tang sequestram o Professor Heracles (Gustavo Re) a fim de aperfeiçoá-lo, sem se dar conta de que o cientista está à beira da morte, devido a um sério problema cardíaco. Para curá-lo, eles ordenam a captura do médico do professor, Dr. Kessler (Günther Stoll) e da enfermeira Ingrid (Maria Perschy), que são obrigados a realizar um transplante de coração. Para azar de Fu, Kessler era amigo de Nayland Smith (Richard Greene), que desconfiado, parte para Istambul. Com a ajuda do Dr. Petrie (o impagável Howard Marion-Crawford), de Pasha e do General Hamid (o próprio Franco), Nayland irá novamente por fim as terríveis maquinações do perigo amarelo.

Um filme que esnoba suas personagens femininas e no qual não há nenhuma temática sexual evidente não pode ser considerado como um verdadeiro filme de Franco, novamente atuando como um hired gun de Towers. É curioso ver como o roteiro ignora a personagem de Rosalba Neri, musa do cinema italiano, após sua captura por Fu Manchu: seu papel, Lisa, uma criminosa obviamente lésbica, parece feito sob medida para Franco, mas não é aproveitado. Mas se Castle of Fu Manchu ainda está distante de obras autorais do diretor como Doriana Grey (1976), ao menos Franco se mostra muito mais à vontade do que em Fu Manchu e o beijo da morte, quando realizou um filme de ação mais convencional. Provavelmente, a maior liberdade foi consequência não só do minúsculo orçamento, mas também do fato de Franco filmar em Istambul, cidade com a qual já estava familiarizado e que serviu de cenário para vários de seus filmes (ainda que o castelo turco de Fu Manchu tenha sido rodado no Parque Güell, em Barcelona). É fácil observar como Franco e seu fotógrafo Manuel Merino fazem melhor proveito das paisagens turcas do que das locações cariocas vistas no quarto filme da série. Nada mais apropriado: um lar oriental para um vilão oriental.

Castle, um delicioso “samba do crioulo doido” cinematográfico, mistura ingredientes de histórias em quadrinhos com literatura pulp e todos os clichês possíveis e imagináveis do cinema de horror B. Não bastasse o inacreditável plano de Fu Manchu e as cenas roubadas de outros filmes, os “laboratórios” de pesquisa são equipados com meia dúzia de balões volumétricos e tubos de ensaio com substâncias coloridas borbulhantes, personagens são congelados e sequestrados em caixões e o (bem sucedido!) transplante de coração parece saído de um filme de terror mexicano de René Cardona Jr., tamanha a simplicidade do “centro cirúrgico” no qual é realizado (ainda que Franco consiga minimizar os óbvios cortes nos gastos com cenografia com uma espertíssima montagem). As masmorras do castelo de Fu Manchu são iluminadas de forma quase monocromática, banhadas alternadamente nas cores mais vibrantes já vistas desde um filme de Mario Bava, com Franco e Merino dando preferência para o verde e o lilás, conferindo um clima de pura psicodelia.

O final é, novamente, pouco convincente, mas a essa altura, o leitor/espectador provavelmente já captou o espírito do filme. Apenas relaxe e aproveite a oportunidade de assistir a última atuação de Lee no papel do perigo amarelo.

Tal como Fu Manchu e o beijo da morte, Castle of Fu Manchu foi lançado em DVD nos EUA pela Blue Underground, companhia do cineasta William Lustig. A versão apresentada não tem cortes (versões anteriores faziam menos sentido que a versão integral, devido a múltiplos cortes) e qualidade de imagem e som impecáveis.

A promessa de volta feita por Fu Manchu ao final de cada filme não se concretizou, já que, após Castle, o personagem simplesmente desapareceu das telas. Em 1980, Peter Sellers, em seu último papel, encarnou tanto Fu quanto Nayland Smith na comédia O diabólico Fu Manchu (The fiendish plot of Dr. Fu Manchu), de Piers Haggard, enquanto o espanhol Alex de da Iglesia alimentou durante algum tempo a esperança de fazer uma nova versão cinematográfica das aventuras do vilão (que, infelizmente, nunca se materializou). Franco escalou sua mulher, Lina Romay (falecida em 2012), na pele da filha de Fu Manchu em Esclavas del crimen de 1986. O lendário astro do horror espanhol, Paul Naschy (Jacinto Molina) apareceu brevemente como Fu Manchu em El aullido del diablo (1988), no qual interpreta diversos monstros e vilões clássicos do cinema e no curta metragem La hija de Fu ManChu’72 (1990), uma bem humorada homenagem ao personagem e aos filmes de Lee. Recentemente, Nicolas Cage interpretou o perigo amarelo num dos trailers – para longas fictícios – em Grindhouse (2007), a reunião de dois longas de Robert Rodriguez (Planeta terror) e Quentin Tarantino (À prova de morte). O trailer no qual Cage é Fu Manchu, Werewolf women of the SS, foi dirigido pelo músico e cineasta Rob Zombie.

Enquanto uma nova produção não surge, o perigo amarelo provavelmente espera nas sombras, bolando seu mais novo plano… “The world shall hear from me again!”

por Fábio Vellozo.

* obrigado ao Coffin Souza pelo material gráfico!