Arquivo para cinema independente brasileiro

Corroendo Pelas Beiradas

Posted in Arte e Cultura, Vídeo Independente with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on junho 18, 2013 by canibuk

Mais um protesto na avenida Paulista marcado para essa semana: Cineastas independentes ganham vitrine para seus filmes na mostra Cinema de Bordas que vai acontecer entre os dias de 20 a 23 de junho no Itaú Cultural (Av. Paulista 149), com a exibição de 28 produções que não contam com dinheiro público em seus orçamentos.

Zombio 2_Católicos ZumbisNo Brasil existem inúmeros cineastas independentes que não se utilizam do dinheiro público para produzirem seus filmes. Estes cineastas criaram seus próprios mecanismos de produção e distribuição e tentam evoluir de filme para filme. A produção do cinema independente é um ato político onde cineastas amadores e profissionais se negam a usar dinheiro público para empregar na realização de filmes populares. Os cineastas independentes tem o privilégio de dizer um grande não às possibilidades de trabalhar com as esmolas do governo e criar, dentro de suas próprias condições, obras que o povão entende e aplaude.

Entre os 28 filmes que serão exibidos está meu novo longa-metragem, “Zombio 2: Chimarrão Zombies”, produzido nun sistema de cooperativa que reuniu as produtoras Canibal Filmes, El Reno Fitas, Camarão Filmes e Idéias Caóticas, Bulhorgia Filmes, Sui Generis Filmes, Projeto Zumbilly, Necrófilos Produções, Fábulas Negras, Gosma e mais uns 50 colaboradores, cada um ajudando a fazer o muito com o pouco que podia ajudar.

A mostra Cinema de Bordas vai exibir o primeiro corte de “Zombio 2” (ainda falta mexer no som, efeitos sonoros, trilha sonora e cores do filme) no dia 23 de junho às 18 horas, no encerramento da mostra que prima por exibir o cinema mais autoral (e livre) produzido atualmente no Brasil.

Confira a programação aqui: Cinema de Bordas.

Petter Baiestorf.

Não deixa de acompanhar a mostra Cinema de Bordas

Não deixa de acompanhar a mostra Cinema de Bordas

Zombio 2_Américo Giallo

Zombio 2_Zumbis Podres em Festa 2

Cinema de Garagem – Panorama da Produção Brasileira Independente do Novo Século

Posted in Cinema, Literatura, Vídeo Independente with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on setembro 12, 2012 by canibuk

“Cinema de Garagem – Panorama da Produção Brasileira Independente do Novo Século” (280 páginas, Caixa Cultural), coletânea de textos sobre a produção independente brasileira organizada pela dupla Marcelo Ikeda e Dellani Lima.

O cinema independente brasileiro, nos últimos 10 anos, voltou com força total por conta da facilidade de produção por meios digitais (filmadoras e computadores estão cada vez mais acessíveis).  Novos realizadores estão surgindo em todos os cantos do Brasil, pequenas cidadezinhas começam a se tornar polos de cinema, festivais e mostras são organizadas em capitais e cidades de médio porte do território brasileiro, na net os produtores encontram um local onde escoar sua produção tendo contato direto com um público informado e até alguns livros de teoria cinematográfica, como a série de livros do “Cinema de Bordas” ou este “Cinema de Garagem”, surgem, ainda que timidamente, aqui e ali.

Este “Cinema de Garagem” é um livro-catálogo lançado junto da Mostra de Cinema de Garagem que a Caixa Cultural do Rio de Janeiro realizou, em parceria com a WSET, entre julho e agosto de 2012 com a exibição de 25 longas e uma incrível quantidade de curtas sem nunca repetir os realizadores (de modo que foi possível exibir trabalhos de inúmeros diretores). O livro é uma coletânea de textos escritos por realizadores, críticos e cinéfilos que possuem afinidade com o cinema independente brasileiro e versa sobre os seguintes assuntos: “Cinema Contemporâneo e Artes Plásticas” de Ana Moravi; “Economia de Gestos: Uma Política da Intimidade” de Arthur Tuoto, sobre as possibilidades da câmera; “Minha Memória, Senhor, é como um Depósito de Lixo” de Bruno de Andrade, crítico de cinema aqui de Santa Catarina que versa sobre a crítica e seu olhar ao “novíssimo cinema” (rótulos bestas, nossa crítica é mais perdida que os próprios realizadores); “Mosaico em Construção: Breve Panorama da Nova Produção Audiovisual Cearense” de Camila Vieira; “Filmes de uma Nota Só” da pesquisadora Carla Maia, considerações sobre os filmes “Vida” (2008) de Paula Gaitán e “A Casa de Sandro” (2009) de Gustavo Beck; “Gregarismo e Teatralidade” de Carlos Alberto Mattos sobre a relação entre o cinema independente de agora e o cinema independente brasileiro do passado; “Cinema Inclassificável, Urgente e Afetivo” do realizador Dellani Lima, sobre as formas de produzir/distribuir cinema; “Lições do Fracasso” do professor Denilson Lopes, texto extremamente sóbrio sobre o novo cinema independente brasileiro que coloca no papel o que penso deste novo modo de produzir: Ainda é cedo demais para qualquer tipo de conclusões; “O Cinema Pernambucano Entre Gerações” de Rodrigo Almeida e Fernando Mendonça; “O Nevoeiro”, onde Marcelo Ikeda dá um panorama geral do que está sendo produzido no Brasil; “O Trânsito Intenso nas Garagens de Minas Gerais” de Marcelo Miranda, sobre o cinema mineiro e, fechando o livro, o texto Manifesto Canibal de minha autoria onde teorizei, em 2002, sobre as possibilidades de se fazer filmes independentes com produção caseira e que algumas pessoas levaram a sério (mas prefiro pensar que ninguém me leva a sério porque assim me mantenho jovial).

“Cinema de Garagem” foi organizado por dois realizadores (que juntos já haviam lançado o livro “Cinema de Garagem: Um Inventário Afetivo Sobre o Jovem Cinema Brasileiro do Século XXI“), o que faz com que a abordagem do assunto no livro não seja acadêmica xarope (nada pior do que ler textos acadêmicos sobre cinema). Dellani Lima nasceu em Campina Grande/PB e formou-se em dramaturgia e realização de cinema no Ceará, mas foi em Belo Horizonte/MG que vimos seu cinema vigoroso surgir em grande estilo. Clique em “Dellani Lima e a Arte de Experimentar Sensações” e assista os longas-metragens dele (tive o prazer de ser ator no longa “O Sonho Segue Sua Boca” que Dellani dirigiu em 2008 e pretendo repetir a parceria num futuro próximo). Marcelo Ikeda trabalhou na Ancine entre 2002 e 2010 e já realizou diversos curtas-metragens como “O Posto” (2005) e “Carta de um Jovem Suicida” (2008). É curador da Mostra do Filme Livre, professor de cinema e mantêm o blog Cinecasulofilia.

“Cinema de Garagem” tem sua venda proibida (por ter sido bancado pela Caixa Cultural), não sei como os interessados podem conseguir um exemplar, mas adianto aqui que é um livro imperdível para qualquer cinéfilo ou historiador do cinema independente brasileiro. Estamos, ainda, no comecinho de algo. Para onde iremos ninguém tem como prever. Eu, na qualidade de cinéfilo, espero apenas que bons filmes continuem sendo produzidos e mais canais exibidores sejam criados. O resto é teoria prá passar o tempo enquanto se espera o horário do voo!!!

por Petter Baiestorf.

Dia de Tattoo com Gurcius Gewdner

Posted in Arte e Cultura with tags , , , , , , , , , , , , on junho 9, 2012 by canibuk

Dia 17 de junho próximo (domingo que vem), durante o festival Floripa Noise, vai acontecer o Gurcius Gewdner Flash Tattoo Day em Florianópolis (SC), uma ótima oportunidade imperdível para você que curte tatuagem e os desenhos de Gurcius Gewdner. Durante o dia todo você, manézinho da ilha, surfista das ondas, hippie da UFSC, punk das botiques, HC do McDonalds, indie da mamãe, vai poder tatuar um desenho de Gurcius Gewdner pelo simbólico valor de R$ 60.00, com assinatura do próprio feita a mão em sua pele.

Gurcius Gewdner é atualmente o artista sem rótulos mais importante e inventivo da América Latina, tão importante quanto Picasso foi (Gurcius Gewdner já pagou minha conta, em um caríssimo restaurante da capital da Bolívia, somente fazendo um desenho no guardanapo com o qual o dono do fino estabelecimento, um importante colecionador de arte boliviano, foi presenteado). Atualmente é multi-Artista na cidade do Rio de Janeiro onde conquistou de vez os donos dos mais importantes museus do Brasil se tornando o menino de ouro dos museus cariocas. Desde os anos 70, Gurcius Gewdner tem sido o tema mais freqüente entre os melhores tatuadores do mundo.

Participe do Gurcius Gewdner Flash Tattoo Day e no dia seguinte você poderá estragar sua tatuagem e arrancar um pedaço do seu braço vendo “Os Legais” ao vivo, misturando sangue, tinta e isopor durante o Floripa Noise.

O que: Gurcius Gewdner Flash Tattoo Day.

Quando: Dia 17 de junho de 2012.

Quanto: R$ 60.00.

Onde: Tiki Tattoo (rua Tiradentes 43, sobreloja, centro).

Tatuadores: Vinicius Flores & Billy Marino (mas você pode pedir para Gurcius Gewdner em pessoa manejar as agulhas).

Confinópolis – A Terra dos Sem Chave

Posted in Cinema, Vídeo Independente with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on março 2, 2012 by canibuk

“Confinópolis – A Terra dos Sem Chave” (2011, 16 min.) de Raphael Araújo. Maquiagens de Alexandre Brunoro, Projeto Gráfico de Alex Vieira, Animação de Felipe Mecenas, Narração de Daniel Boone e Fonzo Squizzo. Com: Daniel Boone, Fonzo Squizzo e Leonardo Prata. Uma produção da Camarão Filmes.

“O medo é uma droga incrível!” diz uma das personagens de “Confinópolis” a certa altura, sobre as pessoas que se deixam manipular pelos líderes, sejam políticos, religiosos ou militares (na maioria das vezes essas três racinhas desprezíveis estão em parceria nos levantes contra o povo).

“Confinópolis” é um curta de Raphael Araújo com base em uma HQ dele mesmo que havia sido publicada na revista Prego anos atrás. A HQ virou um filme político de primeira grandeza, teorizando sobre um povo que se deixa governar por um tirano (que pode ser qualquer político, mesmo os políticos “bonzinhos”). Aqui vemos um lugar fictício onde as criaturas possuem uma fechadura no lugar do rosto e todos tem a esperança de que a salvação virá na figura de uma chave. Essa é a pequena deixa para que Araújo teorize sobre a manipulação política, sobre a televisão (um lindo flashback em animação – cortesia do artista Felipe Mecenas – explica como a sociedade ficou hipnotizada por milhares de caixas de luz hipnótica) e sobre como ações individuais podem fazer a diferença em uma sociedade. Quem fica em silêncio concorda com as atrocidades cometidas por políticos, religiosos, militares e imprensa, que sempre caminham de mãos dadas pelo jardim da tirania.

“Confinópolis” é sobre o Brasil. É uma alegoria sobre nosso povo “ordeiro e pacato”. As cenas do curta onde vemos o exército na rua controlando e descendo o cacete no povo remete de forma direta aos tempos da ditadura (ou, mais recentemente, aos morros cariocas sendo tomados pela polícia para a implantação das unidades de polícia pacificadora, onde foram relatados inúmeros casos de abuso de poder por parte da polícia e, também, remete de forma direta à força repressora do estado brasileiro à casos como a desocupação de Pinheirinho). Sai o crime organizado, entra o crime ligitimizado pelo estado!

O curta contou com o apoio de muitas figurinhas de Vitória/Vila Velha (ES), como o ator e músico Fonzo Squizzo (que é figura obrigatória nos filmes do Rodrigo Aragão), Alex Vieira (editor da Revista Prego), Guido Imbroisi (músico) e o maquiador – e também músico – Alexandre Brunoro (que trabalhou no longa “A Noite do Chupacabras” (2011) de Rodrigo Aragão e faz parte da incrível I Shit on Your Face, banda de grindcore fenomenal). Toda a parte técnica e de produção do curta “Confinópolis” está muito bem executada e resolvida. Araújo conseguiu compôr, mesmo com orçamento minguado, várias seqüências grandiosas e inesquecíveis. Em tempos onde as bancadas evangélicas do congresso brasileiro pretendem até “curar” gays, recomendo este curta que é um ótimo exemplar do novo cinema independente brasileiro, pensante e com o que dizer!

Para assistir o curta você precisa da senha: semchave

Abaixo uma pequena entrevista com o maquiador Alexandre Brunoro sobre a produção de “Confinópolis”.

Petter Baiestorf: Como surgiu o convite para você fazer as maquiagens do curta?

Alexandre Brunoro: Na verdade não houve o que poderíamos chamar de convite, até porque sou um dos idealizadores do projeto também. Já tinha experiência nesse tipo de trabalho, pois além da Camarão Filmes, desenvolvo um trabalho com a Fábulas Negras também, usei bastante do que aprendi trabalhando na pré-produção e no set de filmagens de “A Noite do Chupacabras”, posso afirmar que esse conhecimento foi crucial pra que eu pudesse assumir os efeitos especiais e maquiagens de Confinópolis.

Baiestorf: Achei a parte técnica e a produção do curta bem profissional. Qual foi o orçamento? Você pode trabalhar nas maquiagens com calma e dinheiro?

Brunoro: A produção custou pouco menos de 5 mil reais. Posso dizer que tive muita calma pra fazer este trabalho, pude experimentar algumas coisas, improvisar em outras, tínhamos material suficiente pra fazer tudo e mais ou pouco, além de termos usado lixo em boa parte das cenografias, dá prá se fazer coisas incríveis usando papelão e betume.

Baiestorf: Fale sobre seu processo de criação das maquiagens.

Brunoro: Meu processo de criação começa na hora de escrever o roteiro, tudo tem que ser pensado antes de ir pro set de filmagens. De acordo com a necessidade de cada cena eu escolho o melhor mecanismo a ser usado. Quanto ao visual dos cidadãos de Confinópolis, decidimos que seria mais fácil usar máscaras de tecido, o que facilitou bastante a minha vida, pois a maquiagem só se fez necessária em cenas onde havia sangue. O design foi baseado nas máscaras mexicanas de “lucha libre”, o que mudou foi o tipo de tecido e algumas coisas no corte, pra que a máscara pudesse se adaptar em qualquer tipo de rosto e tamanho de cabeça. Em breve estaremos disponibilizando as máscaras para serem vendidas.

Baiestorf: O preto e branco deu um visual ótimo ao filme e realçou melhor tuas maquiagens. Havia a opção de se fazer o filme colorido ou o preto e branco sempre foi a opção inicial? Porque?

Brunoro: A primeira coisa que decidimos quando estávamos escrevendo o roteiro era que o filme seria todo em preto e branco, achamos mais coerente com a ambiência que queríamos imprimir no curta, além de tornar o processo muito mais simples e barato.

Baiestorf: Numa cena uma das personagens se transmuta e o ator veste uma maquiagem de corpo inteiro com um ótimo visual. Fale sobre a criação desta cena:

Brunoro: Esta cena foi a mais difícil de filmar, pois não sabíamos direito ainda como seria a montagem, filmamos a maioria de ângulos que pensamos na hora, aproveitando bastante o ator também, que sem ensaiar conseguiu criar uma movimentação ótima. A fantasia foi composta em sua grande maioria de lixo que catamos na rua e no lixo de uma fábrica de roupas, apenas a máscara foi esculpida. Esse monstro surgiu depois de algumas pesquisas que fizemos, posso te dizer que me inspirei bastante nos monstros de programas Sentai japoneses.

Baiestorf: Fale um pouco sobre a HQ original publicada na revista “Prego”. Você se baseou nela para o design de algumas maquiagens?

Brunoro: Sim, sem dúvidas o HQ original foi a maior referência que tínhamos pra compor o visual do curta. Tivemos que adaptar algumas coisas, criar outras, cortar algumas, mas no final das contas acho que adaptamos bem a história no vídeo, prás pessoas que leram o quadrinho o filme vai soar bem fiel. O curta valorizou bastante a história do HQ, além de trazer pra vida os personagens de Confinópolis, ainda tivemos a oportunidade de finalizar a história que estava faltando o último número.

Baiestorf: O curta está sendo distribuído? Está sendo exibido em festivais de cinema? Como as pessoas podem assisti-lo?

Brunoro: Ainda estamos começando esse processo, já nos inscrevemos em alguns festivais e estamos esperando a aprovação da curadoria. Será produzido um DVD em breve, onde estaremos disponibilizando na internet pra que seja comprado, copiado, pirateado e assistido.

Assistam o quanto antes o vídeo que dispobilizamos exclusivamente aqui no Canibuk, ele não deverá ficar muito tempo online!!!

Trailer Oficial de Desalmados – O Vírus

Posted in Cinema with tags , , , , , , , , , , , , on fevereiro 27, 2012 by canibuk

“Desalmados – O Vírus” (2012, trailer oficial) de Raphael Borghi. Com: Gus Stevaux, Fábio Menezes, Laerte Késsimos, Vinna Prist, Che Moais e Kapel Furman. Produção de André de Freitas “Rasta” e Armando Fonseca; Fotografia de Thiago Morais; Trilha Sonora de Bad Luck Gamblers; Edição de Armando Fonseca e Roteiro de André de Freitas, Diele Mendes e Raphael Borghi.

Horror Business e Arma Filmes apresentam o trailer oficial do filme “Desalmados – O Vírus”, que conta a história de cinco jovens paulistanos que precisam sobreviver a uma epidêmia de zumbis iniciada por um vírus criado pela indústria farmacêutica. Neste filme o maquiador e diretor Kapel Furman (de “Pólvora Negra”) é alçado a condição de ator e interpreta Isaac, ex-policial que surge para ajudar os jovens em fuga. O filme também conta com produção e edição do talentoso Armando Fonseca, diretor do curta “Velho Mundo” e editor do documentário “T.A.I.” de Juliana Gregoratto.

Segue o trailer de “Desalmados – O Vírus”:

Raphael Borghi dá ao Canibuk um importante depoimento de como foram as filmagens de “Desalmados – O Vírus” que será lançado ainda neste ano nos melhores festivais de cinema fantástico do Brasil:

“Começamos como um trabalho de faculdade, eu, André de Freitas “Rasta” e a Diele Mendes. Com o roteiro pronto e muitas coisas decididas, vimos viabilidade em fazer algo legal, que pudesse ser algo além de um trabalho de faculdade e acabar morrendo dentro de uma gaveta. Naqueles tempos eu estava engrenando com o trabalho de efeitos especiais, tinha um mínimo de conhecimento e estava maluco para testar.

Um ano depois de idealizado começamos a pré produção: locações, veículos. equipamentos, atores, autorizações da polícia – da CET – da prefeitura de Bragança, cronogrâma, alimentação, transporte, decupagem, reuniões, afinar o roteiro, figurantes, e um lugar para descansar a carcaça no final das diárias. Nessa época minha vida e de mais alguns foi voltada completamente para isso. Não comíamos, não dormíamos e não sorriamos. Mas conseguimos quase tudo que queríamos, dentro das limitações estabelecidas, tanto de experiência profissional quanto monetária. O lado bom, foi conseguir agregar tantos bons profissionais no elenco. Bons como atores e como pessoas. Que estavam dispostos a caminha conosco.

(2 dias antes de começar a rodar o Desalmados, eu e Thiago “Quadrado” estavamos frodando a última diária do filme Pólvora Negra do Kapel Furman).

Umas da coisas debatidas na época, era qual seria a câmera usada. Tínhamos a HVX200 que a faculdade disponibilizava, mas não podia viajar e ficar um longo período, tendo que devolver 24horas após a retirada. O que nos fodia! Ou poderíamos alugar alguma câmera, o que acabou sendo descartado após orçar algumas câmeras que queríamos como a EX3 ou até a própria HVX, o dinheiro estava curto e uma opção caiu do céu. Um amigo, Marcel Tosta, que é câmera, tinha uma HVX200 e estava em São Paulo a trabalho. Mostrei um pouco do projeto para ele, e logo estávamos filmando a primeira diária do filme, no final de 2009. Por desencontro de datas, e precisando ser tudo muito encima, tivemos que conversar com outro câmera, Thiago “Quadrado”, que assim como nós, estava começando na época, tinha comprado uma HVX, e estava disposto a encarar a maratona.

Foram longas, divertidas, e cansativas diárias.

Testamos boa parte do que queríamos no filme. Conseguimos autorização do Secretário de Transito e Segurança de Bragança Paulista, que colocaria a policia a par do que estaríamos fazendo no endereço que passamos. Não tivemos problemas na maioria das locações de Bragança, filmamos em uma igreja, no dia que teria reunião do grupo religioso dos freqüentadores. Até certo ponto achamos que poderia dar tudo errado: Um ônibus cheio de religiosos, idosos, crianças e adultos, chegava no set, enquanto tínhamos dois atores caracterizados como infectados, cheios de sangue, a faixada da igreja lavada de sangue, devido a cena anterior que havia uma ação que jorrava sangue, e um dos ass. de produção, Thales Greco, enterrado pela metade com suas tripas para fora para substituir o ator que faria o personagem morto. Mas para surpresa, ocorreu tudo bem, alguns entenderam o espirito da coisa e relevaram numa boa. A tática era sorrir e acenar sem culpa.

Na locação do desmanche, fizemos um sujeito atirando inúmeras vezes com um revólver e com uma doze, depois pulava encima de uma pick up e pegava a estrada. Repetimos algumas vezes os tiros em corpo nos zumbis, durante toda a tarde. Teria sido o ápice, se não fosse a intervenção da polícia que chegou, no final da tarde, pilhada em 5 barcas para acabar com a festa, não deixando que filmássemos o take 2 do último plano do dia. Algum sujeito que passou pela estrada, viu uma movimentação suspeita, ligou para a polícia e comunicou que viu um sujeito atirar em um homem com uma doze, e fugir em uma pick up. Na mesma hora a polícia estava lá. Nos avisaram que foi dado o alerta, porque é comum eles receberem chamadas para aquela região, pois é território do PCC, e coisas estranhas costumavam acontecer naquela área. (Só ficamos sabendo naquele momento). Resultado: ficamos até de noite nos explicando e apresentando documentos.

Mas tirando alguns imprevistos, tudo ocorreu bem.

Ao final do processo, conseguimos agregar mais um sujeito que foi decisivo para a realização do projeto. Armando Fonseca assumia a edição do filme. Ele já havia feito algumas diárias como produtor ao longo do filme, e é tão, ou mais aficionado que eu pelo gênero, por isso ele era o cara perfeito para o cargo! Ele decidiu encarar a maratona de edição das madrugadas intermináveis.  Fizemos o primeiro corte ao final das filmagens, já em 2010. Mas na época ficou difícil tocar um projeto que gostávamos, e trabalhar para ganhar algum dinheiro ao mesmo tempo. Por conta disso, e alguns outros fatores, o filme ficou mais ou menos uns 8 meses parado. Mas foi tempo o suficiente para amadurecermos profissionalmente, e voltar vendo o filme com outros olhos. Por volta de junho de 2011,voltamos a edita-lo, e limamos as sobras que antes achávamos legais, mas não acrescentavam para o desenrolar da trama, e tentamos deixar o corte o mais ágil possível.

Em paralelo, na mesma época, estava em estúdio com os Bad Luck Gamblers gravando a primeira faixa da trilha sonora do filme, no estúdio Hot Jail em São Bernardo do Campo. A trilha ainda esta sendo produzida.

Também no youtube, você pode ouvir a primeira faixa da trilha sonora do curta que é assinada pela banda de psychobilly Bad Luck Gamblers:

Trabalho Autoral Independente

Posted in Vídeo Independente with tags , , , , , , , , , , on janeiro 11, 2012 by canibuk

“T.A.I. – Trabalho Autoral Independente” (2011, 13 minutos) de Juliana Gregoratto. Com: Rodrigo Aragão, Kapel Furnan e Paulo Biscaia Filho.

“T.A.I.” é um documentário de TCC de Juliana Gregoratto que dá uma mostra do cenário das produções de baixo orçamento do Brasil e trás importantes entrevistas com os realizadores Rodrigo Aragão, Kapel Furnan e Paulo Biscaia Filho. Rodrigo Aragão é o homem do momento do cinema independente brasileiro, tendo feito os clássicos “Mangue Negro” e “A Noite do Chupacabras” e é, possivelmente, o mais inventivo maquiador brasileiro em atividade. Kapel Furnan é o diretor do ótimo “Pólvora Negra” e fez as maquiagens do maravilhoso curta “Ivan” de Fernando Rick. Paulo Biscaia Filho, o único do grupo que não conheço pessoalmente, é de Curitiba/PR e realizou o longa “Morgue Story – Sangue, Baiacu e Quadrinhos”. O grande charme do documentário é que ele foi produzido em VHS, num bem humorado paralelo com a produção de muitos diretores independentes brasileiros que, numa época não muito distante, só tinham as câmeras VHS caseiras para registrar suas idéias.

Em matéria de documentários sobre o universo do cinema independente, o Brasil está cada vez mais bem servido. “T.A.I.” acaba se tornando uma produção complementar ao ótimo “Sangue Marginal” (que não trazia entre seus entrevistados Rodrigo Aragão e Paulo Biscaia Filho). Como curiosidade percebam a participação do diretor Armando Fonseca (do ótimo curta “Velho Mundo“) como diretor de fotografia e editor de “Trabalho Autoral Independente”, essa pequena introdução ao mundo do cinema de baixo orçamento brasileiro, onde três ótimos diretores teorizam sobre assuntos deliciosos como o acúmulo de funções na hora de filmar, curiosidades que influenciaram no orçamento dos filmes, editais, problemas nas filmagens, distribuição e a camaradagem que rola entre os técnicos na hora de tocar prá frente uma pequena produção, muitas vezes movidas somente pela paixão de realizar um trabalho autoral.

Veja aqui o documentário:

Morte e Morte de Johnny Zombie

Posted in Cinema, Vídeo Independente with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on dezembro 12, 2011 by canibuk

“Morte e Morte de Johnny Zombie” (2011, 14 minutos) de Gabriel Carneiro. Maquiagens de Fritz Martiliano. Com: Joel Caetano, Charlene Chagas, Ana Luiza Garcia, Felipe Guerra e Mariana Zani.

Johnny trabalha num galpão onde é produzido o pesticida Romero e, durante um vazamento, é contaminado pelo produto, se tornando aos poucos um zumbi.

“Morte e Morte de Johnny Zombie” é o curta-metragem de estréia do jornalista e crítico de cinema Gabriel Carneiro na direção. Optando por um ritmo mais intimista, Gabriel conta uma história de zumbis sob a ótica do próprio zumbi, mostrando essa transformação aos poucos. Seus elaborados takes subjetivos ajudam a construir a morte do Johnny humano (interpretado pelo sempre ótimo Joel Caetano, herói no longa-metragem “A Noite do Chupacabras” (2011) de Rodrigo Aragão), até se tornar o clássico zumbi comedor de carne humana e enfrentar sua eventual nova morte como zumbi, filmada de maneira espetacular por Gabriel carneiro, que dá uma uma importante contribuição ao subgênero “zombie movies”. Não vou contar aqui como foi feita essa cena, ela precisa ser assistida no curta, mas posso dizer que fazia anos que eu não me surpreendia tanto com um final de filme independente brasileiro.

É importante dizer que o filme conta com atuações de ícones do cinema independente brasileiro, além de Joel Caetano, sua esposa e sócia na produtora Recurso Zero, Mariana Zani, faz uma participação especial e o diretor Felipe Guerra interpreta o incrível falastrão fã de cinema, ou seja, interpreta a si mesmo de maneira soberba.

Gabriel Carneiro, além de jornalista e crítico de cinema, é membro fundador da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), escreveu o guia de cinema “Quem Apertou o Botão de Pânico? – Como a Ficção Científica Cinematográfica Norte-Americana, de 1950 a 1964, Abusou da Guerra Fria e de seu Contexto para Ganhar Dinheiro”, ainda não publicado; também escreveu o capítulo “O Anjo Embriagado” do livro “Os Filmes que Sonhamos”, organizado por Frederico Machado, colabora com a Revista de Cinema, nos sites Cinequanon e Zingu! e, atualmente, faz a pesquisa para o longa documental “O Cinema de Ozualdo Candeias”.

Achei o curta de estréia de Gabriel Carneiro imperdível. Acho que merecia um lançamento em DVD coletânea contendo trabalhos de vários diretores independentes, sinto falta dessa união de produtores independentes na hora de distribuir seus trabalhos. E já poderia aproveitar o gancho colocando num mesmo DVD o “Morte e Morte de Johnnie Zombie”, “Estranha” (última direção de Joel Caetano), “Extrema Unção” (última direção de Felipe Guerra) e mais alguns curtas de outros diretores. Único pecado desta nova geração de realizadores está na distribuição de seus filmes que, quase sempre, ficam restritas à mostras, festivais ou net, privando o colecionador de filmes de ter uma cópia apresentável em sua casa. Só queria deixar aqui a opinião de um colecionador fanático por cinema undergournd de baixíssimo orçamento.

Segue uma entrevista que realizei com Gabriel Carneiro sobre a produção de “Johnnie Zombie”:

Petter Baiestorf: Como surgiu a idéia para filmar “Morte e Morte de Johnny Zombie”?

Carneiro: Tenho uma amiga que adora zumbis, a Marília Passos. Um dia ela veio me dizer que teve uma idéia para um filme de zumbi. Sabe esses filmes em que os zumbis são meros coadjuvantes da história para um bando de paspalhos? Pois bem, seria o contrário, uma história de um zumbi protagonista e de sua transformação. Eu já queria fazer um filme de gênero. Quando ela me contou essa idéia, logo me veio na cabeça: tem que ser mais que um zumbi protagonista, tem que ser a visão do zumbi sobre os acontecimentos, ele percebendo sua transformação. Pedi pra ela fazer um argumento, discutimos a história, mudamos algumas coisas e aí escrevi o roteiro, em três dias. Várias coisinhas foram mudadas nele, depois, mas a estrutura, a priori, sempre foi a mesma.

Baiestorf: Dá prá perceber que é uma produção modesta com um ótimo aproveitamento do material humano, como você conseguiu juntar todo este pessoal talentoso?

Carneiro: A idéia sempre foi fazer um filme o mais profissional possível, dentro das restrições orçamentárias. Para a produção em si, foram gastos pouco menos de R$ 700. Ninguém, obviamente, recebeu. Todo o equipamento foi emprestado, com exceção do shoulder pra câmera, que aluguei, e do gravador de áudio, que é meu. Não sou formado em cinema ou em rádio e TV, conheço minhas limitações. Queria pessoas que realmente entendessem o que estavam fazendo tecnicamente. Já era uma meta quando comecei o projeto, e fui caçando interessados. Fiz um anúncio no facebook e fui juntando gente, amigos que se interessaram pelo projeto e toparam fazer sem pagamento. Claro, veio também muito estudante e/ou recém-formados, mas vários deles já trabalham na área. O Fábio Yamaji, que fez a montagem, é amigo, colega de Cinequanon, já o entrevistei para a Revista de Cinema e tal. Ele é um animador super ocupado, que monta alguns filmes, e fez um curta que rodou o mundo todo chamado O Divino, de Repente. A Adriana Câmara, que foi assistente de direção, já dirigiu várias coisas para TV, como a série Sensacionalista, e foi assistente de direção de longa já, Desenrola. O Rafael Alves Ribeiro, que fez o som direto em duas das três diárias que teve captação de som direto, desempenhou o mesmo cargo nessa série do Canal Brasil sobre a Boca do Lixo. E por aí vai. Esse negócio de contato realmente funciona. Já tinha chamado o Pedro Ribaneto (fotografia), o Dênis Arrepol (produção) e a Adriana, que são mais próximos. O facebook me permitiu uma outra triagem, e muita gente angariei assim. E aí vieram os contatos dos contatos, ou seja, gente que estava na produção foi indicando pessoas para os cargos que faltavam. O Rafael Alves veio assim, é amigo do Dênis de faculdade de cinema. E, claro, não preciso nem falar que sem essa equipe sensacional, esse filme não chegaria perto do resultado que tem.

Baiestorf: E os cenários?

Carneiro: Quanto aos cenários, foram três locações. Em teoria, precisaria de dois, a fábrica, e a casa. Porém não consegui uma casa pra filmar que fosse espaçosa o suficiente para ter toda a movimentação que queria. Acabei optando então por fazer no apartamento da Adriana o cenário principal, que é o interior da casa. A Adriana se mudou pra São Paulo pouco antes do início da gravação e até hoje é meio assim, vazia de móveis e objetos, o que é excelente para usar o baita espaço a favor da movimentação do elenco, em especial na cena do ataque do Johnny. Isso também favoreceu muito nas subjetivas com outros atores, porque ficava o diretor de fotografia e o Johnny Zombie colados, fazendo os movimentos e interagindo com as demais pessoas. Filmei também numa fábrica em Atibaia, que era do irmão de uma das atrizes – e amiga minha de longa data, a pessoa que conheço há mais tempo de todos, ex-colega de colégio e de teatro, que é a Ana Luiza Garcia. Precisava de uma locação crível pra dar a impressão de que Johnny de fato poderia ter se contaminado lá. Ela me apresentou essa opção e foi ótimo. Já estava até meio desesperado. Cogitei várias alternativas e nenhuma se concretizava. Salvou o filme. E o local é ótimo, em termos de cor e espaço. Fica muito bonito no quadro e muito realista. Já o terceiro cenário foi a fachada da casa da tia da diretora de arte e figurinista Fernanda Fernandes. Queria que o último plano desse pra rua mesmo, de preferência pouco movimentada. Ficou ótimo.

Baiestorf: Rolou alguma história engraçada durante as filmagens?

Carneiro: Tem uma história ótima. Quando fomos gravar o plano final, obviamente, não tínhamos autorização alguma, nem nada. Simplesmente chegamos na locação, preparamos a cena e fomos filmar. Então tava lá um monte de gente ensangüentada, em especial uma menina deitada no chão, aparentemente inconsciente, com um monte de sangue na barrida, e tripas improvisadas com jornal saindo pra fora, e outra menina cheia de sangue na cara, subindo e descendo em direção à barriga. Aí teve um carro que passou desacelerando. De repente, ele dá uma ré, abaixa o vidro e fica perguntando: “Tá tudo bem, ai meu deus, precisam de carona, querem que ligue pra alguém?” Até alguém explicar que era um filme e que ele estava no meio da cena (risos).

Baiestorf: Como foi trabalhar com o casal Recurso Zero, Joel Caetano e Mariana Zani? Sou grande fã dos filmes deles e gostei muito de vê-los em outra produção.

Carneiro: Joel e Mariana são ótimos. Os conheci quando fui entrevistá-los para a Zingu!, em 2009, numa série de entrevistas feitas sobre o chamado Cinema de Bordas. Sempre foram super solícitos. E desde aquela época acompanho o trabalho deles. São sensacionais. Gosto demais de alguns de seus filmes. Na Mostra Cinema de Bordas, no Itaú Cultural, em 2011, fiz o convite oficial: não havia encontrado ninguém a altura deles para o papel. Eles são ótimos, mesmo. Não se importam de fazer tudo o que é solicitado, ficaram horas e horas gravando. Pobre Joel: fiz ele vestir uma calça de pijama super justa da qual ele morre de vergonha; ficou horas maquiando; besuntamos ele com óleo de cozinha para a água do suor não escorrer; ele caiu e bateu as costas; apanhou, etc. Não é à toa: Johnny Zombie não existiria sem Joel, ele é a alma do negócio. A Mariana tinha um papel menor, mas nem por isso menos dedicação. Acompanhou o Joel em todos os momentos – só não foi à fábrica por falta de verba da produção. Dei a ela um prêmio por conta disso: a oportunidade de se vingar de anos de abusos, mortes e espancamentos nos filmes dirigidos por Joel, dando uma cadeirada nele!

Baiestorf: E o Felipe Guerra? No pequeno papel que ele faz percebemos ele “interpretando” o Felipe Guerra. Tu quem pediu isso?

Carneiro: Sim. O Guerra foi uma das primeiras pessoas que se interessou em participar da produção. Nem tinha roteiro ainda e ele disse que queria fazer o filme. Então escrevi o personagem pensando nele. Foi o único personagem feito para alguém específico. E ele tá ótimo como ele mesmo.

Baiestorf: Gostei muito dos efeitos de maquiagens gore feitos pelo Fritz Martiliano. Ele foi aluno em uma das oficinas do Rodrigo Aragão e começou a fazer filmes, certo? Como foi trabalhar com ele? Tem uma cena dos efeitos que me incomodou, a cena onde o Joel aparece bem pálido, achei ele branco demais, isso foi problema na maquiagem ou iluminação errada?

Carneiro: Sim, é isso mesmo, Petter. O Fritz é ótimo. Conheci através do Guerra, precisava de alguém pra fazer a maquiagem de efeitos. Acho sensacional a maquiagem, especialmente quando Johnny vira morto-vivo. E conseguiu extrair o melhor da minha solicitação. Como Johnny era um zumbi recente, queria que as feridas e mutações ainda fossem recentes. Não queria próteses, porque dão a impressão de que o cara secou há muito. Queria manter uma certa vitalidade – e humanidade – no personagem, e Fritz conseguiu isso de maneira muito boa. Só com tinta. Foi ótimo. Quanto à questão do branco demais, assumo toda a responsabilidade. Foi falta de coordenação de minha parte. Começamos o filme gravando as cenas com todos reunidos na sala. Ou seja, a primeira vez que vemos Johnny, durante a filmagem, ele tá branco daquele jeito. Queria ele branco, mais branco do que é normalmente. Quando o Fritz me mostrou a maquiagem, pareceu boa. E na câmera também, apesar de a iluminação não ter agradado nem a mim e nem ao fotógrafo – foi a que mais demorou pra ser feita. Só que eu estava com muita pressa. Precisava filmar todas as cenas com elenco completo naquele mesmo dia, e ainda faltava todo o ataque, que tinha mais planos, mais ação, e era mais complexo. Fora as observações de Johnny no espelho. Então falei pra deixar como estava mesmo e gravei. Quando fomos gravar as outras cenas, Johnny não ficou branco gradualmente como eu queria por falta de continuidade. Parece que estava ok, mas quando foi montar, ficou esquisito. Ainda mais por que ele está branco, com camiseta branca e parede branca ao fundo, ou seja, a impressão do branco fica ainda maior. E não vi isso. Até pedi para o Rodrigo Mesquisa, que fez a correção de cor, dar uma escurecida ali, mas nada que salvasse o plano.

Baiestorf: “Morte e Morte de Johnny Zombie” é seu primeiro curta, a experiência foi satisfatória? Como foi o lançamento dele? Vai sair em DVD ou festivais?

Carneiro: Foi uma experiência muito enriquecedora e muito estressante. Durante as filmagens, quase cogitei largar tudo, abandonar no meio. Era muita pressão, tentar fazer o melhor tecnicamente, quase sem tempo ou sem dinheiro. Pessoas do elenco/equipe pedindo pra ir embora e eu tendo que terminar as gravações. E entendo que quisessem ir embora, estavam há quase 18 horas lá, mas eu tinha que terminar. E foi muito enriquecedora por isso também. Não tinha nenhuma experiência prática, então aprendi muito a planejar melhor, buscar soluções menos trabalhosas, deixar os planos rolarem, em outros ângulos, para não ter problema de edição – não deu nenhum, mas não deixei muitas opções… Acho que sem o Johnny, não estaria nem um pouco preparado para projetos mais ambiciosos. O filme existe em autoração caseira de DVD, com capinha e tal, mas sem prensagem. E nem pretendo fazer. Ninguém vai querer comprar um curta-metragem. E se começar a vender, logo aparece para download na internet e fode tudo. Tenho exibido apenas em festivais por enquanto. Até agora, passou em 7: Curta Cinema, Zinema Zombie Fest (na Colômbia), Mostra de Cinema Independente da CODE, Cinefantasy, Mostra Outros Cinemas, FIM e Autorock.

Baiestorf: Gostei dos takes com câmera subjetiva, isso tornou o curta mais intimista. Fale sobre a construção do filme e da personagem, percebi uma vontade muito grande sua de fazer cinema autoral, mas com um pé no filme de gênero:

Carneiro: Nem sei se a palavra é autoral. Tenho problemas com esse termo, especialmente pela maneira como foi apropriado pela intelectualidade. Nunca quis fazer um filme de zumbi igual a todos os filmes de zumbi. Queria que tivesse algo diferente. Para mim, MMJZ só existe por conta da subjetiva. É a graça dele, mostrar o processo de transformação através dos olhos do transformado. Mas é um filme de gênero, com uma história super convencional. E por isso ser super convencional, quis brincar com a direção, com a fotografia, com a trilha musical, para quebrar, criar anticlímax. Gosto de falar que MMJZ é um exercício com o gênero filme de zumbi, em que pude experimentar em diversos campos. Não queria que fosse convencional e não queria fazer uma paródia, não é uma comédia, mesmo que haja momentos de alívio cômico. Johnny Zombie para mim é uma vítima. É um pouco da lógica do cinema noir: em algum momento, o destino lhe resolve dar um tapa na cara, e você tem que lidar com isso. Só que no caso, por mais que julgue banal, ele está se zumbificando, e não há nada que pode fazer. Ele não morde os amigos porque é mau, mas porque um instinto é acionado. Tudo que ele quer é sair de casa, todos os seus movimentos são em direção à porta, mas sempre tem alguém que o para. É quando ele vai pra cima, morde. As referências para a personagem foram monstros clássicos do cinema: King Kong, Monstro da Lagoa Negra e Ymir (A Vinte Milhões de Milha da Terra), todos referenciados no filme fisicamente.

Baiestorf: O final de “Morte e Morte de Johnny Zombie” (que não vou revelar) eu achei muito inventivo, nunca tinha visto algo assim em um filme de zumbi e achei que foi uma colaboração bem interessante ao subgênero “zombie movies”. Como surgiu essa idéia?

Carneiro: Pô, Petter, fico lisonjeado com tuas palavras. Mesmo. O final foi muito discutido com a Marília na época que finalizávamos o argumento. Como terminar a história. Sabíamos que Johnny morreria de novo. Foi rejeitando idéias que pensei em fazer um final esperançoso (risos), em que a morte de Johnny não finalizasse com os zumbis, que mostrasse a continuidade da espécie (risos). A questão da subjetiva era a idéia principal do filme, então a última cena não poderia deixar de tê-la. É isso que conduz o término: como é um filme que mostra a percepção do Johnny, mostra sua percepção da própria morte, ele vislumbrado, caído, o horizonte. Para dar esse clima, quis que o único som audível fosse o das pancadas. O tempo também é o de sua morte.

Baiestorf: Seus Projetos?

Carneiro: Como jornalista, devo continuar na Zingu!, no Cinequanon e na Revista de Cinema, fazendo sempre que possível alguns freelas. Na produção audiovisual, devo filmar no próximo ano um clipe para a banda Drakula, de Campinas, e devo filmar outro projeto de ficção, do qual ainda não posso falar muito, que não tem nada a ver com terror e deve ser feito com grana. Tenho outros projetos que precisaria de dinheiro pra fazer, como alguns documentários, que envolveriam viagem e uma produção mais arrojada. Paralelamente a isso, continuo gravando quase todas entrevistas da Zingu! em vídeo. A Marília também está desenvolvendo uma idéia ótima para um próximo curta de horror – e dessa vez, ela diz, quer fazer o roteiro -, que se passa na Folia de Reis, e eu devo dirigir.

Duas Vidas para Antonio Espinosa

Posted in Cinema with tags , , , , , , , , , , , , , , , , on novembro 23, 2011 by canibuk

“Duas Vidas Para Antonio Espinosa” (2010, 16 min.) de Caio D’Andrea e Rodrigo Fonseca. Com: Índio Lopes, Guilherme Lopes, Luiz Fernando Resende, Gessy Fonseca e Angelo Coimbra.

Em 1976 Alberto Espinosa recebe um misterioso bilhete que o faz relembrar uma desavença do passado, quando em 1949, ele, seu irmão Antonio e outros dois amigos, atacaram índios sem terra só pela farra de importunar índios indefesos. A ação se torna desastrosa por conta do Pajé (índio Lopes, magnífico) que parece ter o corpo fechado. Com este ponto de partida, Caio e Rodrigo (os diretores) construíram um western tenso que remete ao clima das antigas HQs da revista de horror “Spektro”, uma publicação brasileira que explorava muito bem o folclore fantástico nacional; misturando ao que de melhor o Spaghetti Western legou aos cinéfilos de todo o mundo: Sergio Leone (principalmente seus inventivos “The Good, The Bad and The Ugly/Três Homens em Conflito” e “Once Upon a Time in the West/Era uma Vez no Oeste”), Sergio Corbucci (“Il Mercenario/Os Violentos Vão Para o Inferno”), Sergio Sollima (“La Resa dei Conti/The Big Gundown”) e Enzo Castellari (“Keoma”). A belíssima seqüência final do curta “Duas Vidas para Antonio Espinosa” remete diretamente ao duelo final de “The Good, The Bad and The Ugly”, com planos inspirados no clássico italiano.

O elenco deste curta é um verdadeiro achado, com destaque ao Índio Lopes (figura dos tempos da Boca do Lixo, amigo de Candeias, de José Mojica Marins; foi assistente de Valentino Guzzo – a antológica Vovó Mafalda no programa do Bozo – chegando a atuar numa novela, “As Minas de Prata”, e participação no clássico “Finis Hominis” de Mojica) que está no filme quase que de maneira acidental, como conta Caio D’Andrea, “O Carlos Sabugo, que fez os efeitos e também o primeiro índio que morre, falou que tinha o contato de um cara que morava no prédio dele que poderia fazer um dos índios. Quando o cara chega é o Índio Lopes”. Rodrigo Fonseca completa, “Já tínhamos em mente colocar alguma referência aos ‘feijoada westerns’ realizados na Boca do Lixo, e foi tranqüilo, o Índio Lopes é um cara muito bacana, além de ser ‘o cara’ para o papel do Pajé ele é uma pessoa legal de conversar, com muita história boa para contar”. Gessy Fonseca (nenhum parentesco com o diretor Rodrigo) é atriz e dubladora, era ela quem fazia a voz da mulher-gato no antigo seriado do Batman. Guilherme Lopes (que interpreta Alberto Espinosa) e Luiz Fernando Resende (que interpreta o Maurão) já haviam trabalhado com Rodrigo no curta “Mundo Cão” e estão completamente a vontade em seus papéis. O resto do elenco, de Angelo Coimbra (que interpreta um Antonio Espinosa adulto de poucas palavras) à Wilson de Andrade (um dos índios), até a garotada mais nova (Caio Merseguel, Lucas Dantas, Tony Budnikas e Samuel Barreto), menos experientes, está bem convincente em seus papéis. Sem esquecer de comentar a ótima fotografia do filme feita por Nicole Samperi e a trilha sonora composta por Renato Galozzi.

“Duas Vidas para Antonio Espinosa” é um filmaço, tecnicamente bem realizado e planejado e que, em minha opinião, deveria virar um longa-metragem (se no caso o Brasil tivesse produtores com visão comercial, algo que infelizmente não temos). Este curta revisita de maneira espetacular o gênero western, dando-lhe pequenos toques do gênero fantástico que não quero revelar aqui para não estragar o prazer que é assisti-lo. Mas Caio, sobre as possibilidades de torná-lo um longa, diz: “Também acho que daria um longa, dá prá desenvolver muita coisa. Mas agora, planos prá isso não tem não, se alguém de fora quiser investir, estamos de braços abertos”. E Rodrigo completa, “Acho que, tanto eu quanto o Caio, ainda vamos fazer muitos filmes nessa onda!”.

Duas Vidas Para Antonio Espinosa.

Segue uma pequena entrevista informativa que realizei com os diretores Caio D’Andrea e Rodrigo Fonseca sobre a produção e concepção de “Duas Vidas para Antonio Espinosa”, exclusivo para o Canibuk.

Petter Baiestorf: Falem sobre seus trabalhos:

Caio D’Andrea: “Duas Vidas…” foi o segundo curta que dirigi. O primeiro foi “O Solitário Ataque de Vorgon” que foi uma experiência bem legal, que inclusive o Rodrigo produziu. Os dois foram feitos no curso de cinema da FAAP em São Paulo. Fora isso, eu trabalhei por 3 anos como assistente de direção em publicidade.

Rodrigo Fonseca: Eu sou sócio de uma produtora chamada Poeira Filmes junto com o André Moreira que foi produtor dos meus três curtas-metragens e do Eduardo Haskel que fotografou todos com exceção do “Duas Vidas…”. O meu primeiro filme chama “Rua Javari” sobre o Juventus, time de origem italiana do bairro da Mooca aqui em São Paulo e sobre seu estádio que dá nome ao filme. Não é um tipo de filme que eu pretendo fazer muito e tem muita coisa que hoje eu faria diferente, mas é um filme do eu gosto e me orgulho muito, e acredito que para um primeiro filme foi muito bom, eu aprendi muito com ele e é isso que vale. O segundo filme, “Mundo Cão”, já está mais dentro do estilo que eu quero desenvolver: tem tiro, sexo, briga de bar, garrafada, duelo, morte etc. Foi o filme mais difícil e mais apertado de fazer, o dinheiro veio 100% do meu bolso e eu tinha menos do que precisava para fazer o filme. Então foi uma correria louca, mas eu gostei muito do resultado. Infelizmente o filme foi recusado em quase todos os festivais, eu gostaria que mais pessoas tivessem assistido a ele. Eu acho curioso que vários amigos meus me falam que é meu melhor filme, melhor até que o “Duas Vidas…” e apesar de eu discordar dessa opinião, acho que isso mostra a falta de sintonia de vários festivais com o público comum (que não faz e nem estuda cinema), não sei se interessa a eles isso também né? Além de dirigir eu produzi alguns curtas dentre os quais eu destaco “O Solitário Ataque de Vorgon” do Caio.

Baiestorf: Como surgiu a idéia para o “Duas Vidas para Antonio Espinosa”?

D’Andrea: Te falar que eu não sei. Com uns 16 anos eu comecei a ver muito western, especialmente os Spaghettis e nunca mais parei. O argumento me veio nessa época. Só lá no quinto semestre da faculdade, o Rodrigo, com quem eu já trocava muita idéia de Spaghettis, virou e falou: “Porra Caio, vamos fazer um projeto de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) juntos?”. Eu joguei a idéia mas precisaria adaptar e trabalhar muito em cima. Então trabalhamos junto no roteiro por uns meses e apresentamos para ser escolhido como um dos projetos a serem filmados de TCC da nossa sala. Para nossa surpresa, ele passou.

Fonseca: No sexto semestre eu apresentei um projeto de um semi- faroeste que não foi selecionado, mas conversando com os professores descobri que ele até que tinha sido bem votado. Conversei sobre isso com o Caio e decidimos que para o TCC apresentaríamos juntos um projeto de um faroeste, pois tínhamos concluído que era muito difícil mas não impossível um faroeste ser escolhido pela banca de professores , ele apresentou o argumento e juntos desenvolvemos mais a história e fizemos o roteiro.

Baiestorf: Os índios retratados no filme remetem aos índios americanos, isso foi proposital? Porque?

D’Andrea: A idéia era ser uma tribo indígena com influências de índios americanos, norte e sul. Pegamos muita influência das tribos norte-americanas e também do povo indígena da Bolívia, mas acho legal a idéia que provavelmente são pessoas de uma tribo que podem ter perdido terras. Mas tudo isso foi porque não queríamos localizar o filme. Como o Rodrigo fala, o filme se passa na fronteira entre o Brasil e o México.

Fonseca: Sim, eles remetem aos índios americanos, mas não somente a eles. Isso foi uma coisa muito discutida ao longo da produção. No começo eu e o Caio pesquisamos sobre diversas etnias indígenas do Brasil. Mas quando decidimos que o filme não seria passado necessariamente no Brasil e nem em algum lugar específico resolvemos misturar algumas coisas que tínhamos achado interessante nessa pesquisa com algumas coisas de outras culturas indígenas. Na verdade chegou em um ponto que a gente desencanou de soar realista e nos demos liberdade total para fazer o filme do jeito que a gente queria, sem se preocupar com detalhes de “quando” ou “aonde”.

Baiestorf: Como vocês conseguiram viabilizar as filmagens?

D’Andrea: A FAAP apóia alunos a filmarem o TCC em 35mm, no sentido de liberar a câmera e duas latas de negativo (que dá uns 6 minutos de filme), isso sem contar os refletores, tripés, garras do cacete a quatro, e também uma grana para cobrir a pós-Produção. O resto foi por nossa conta. Já que era um western, em 35mm, tinha que ser Scope! Lente anamórfica é absurdamente cara, então setamos a câmera pro Super 35mm, arranjamos uma referência do formato 2:35 e rolou o visual scope na pós. Uma solução bem mais barata (mas ainda um tanto cara) e gostei muito do resultado.

Fonseca: Além disso, tivemos um belo desconto em pós-produção graças a nossa colega Sarah Girotto, que estava dirigindo o outro filme da nossa turma, e conseguiu fazer um belo acordo com a Teleimage. Quando enviamos o filme para a Lei Rouanet ele não foi aprovado sobre alegação de que “não apresentava nenhuma inovação narrativa ou estética” e que não era um projeto que apresentava contribuições para a cultura brasileira. Sorte nossa que o Paulo Brito, um grande amigo da minha família, que é produtor de cinema e que iria ser um dos patrocinadores através da lei, resolveu ajudar mesmo assim e nos deu uma contribuição. Ainda assim eu, o Caio e a Nicole, que fotografou o filme, acabamos arcando com boa parte das despesas, o resto do grupo também ajudou um pouco, não era um filme barato.

Baiestorf: As filmagens correram como planejado? No filme percebe-se que houve muito planejamento na construção do filme. Teve alguma história de produção divertida?

D’Andrea: Eu e o Rodrigo tínhamos um storyboard bem completo, decupamos o filme várias vezes, visando a economia de planos. Rolou uma discussão plano a plano com a diretora de fotografia, Nicole Samperi, e nosso produtor André Moreira. Rolaram alguns planos de última hora que um ou outro queriam fazer e fizemos, mas foram poucos. Estávamos sempre na pilha de acabar o negativo então tudo tinha que seguir o planejado. As diárias em geral eram tranqüilas, só uma foi mais foda. Tínhamos duas cenas noturnas, em duas locações diferentes, sendo que no mesmo dia nós deslocamos de Atibaia para Iperó, que dá umas 3 à 4 horas de viagem. Tínhamos o ator da cena apenas por aquela noite, todo mundo cansado, tivemos que redecupar uma cena por uma questão de um efeito que não rolou e a porra do dia amanhecendo. Foi tenso mas rolou. Filmamos a grande maioria do filme na cidade de Iperó, no interior de SP. Lá tem a Floresta Nacional de Ipanema, que é um dos primeiros lugares que foi feito ferro no Brasil. A locação do duelo final é entre os antigos fornos em que se fundia ferro, o lugar é do caralho. Por ser um filme de estudante, eles não cobraram nada pela filmagem e ainda disponibilizaram a casa de apoio deles para ficarmos, foi animal. Além do fator histórico, o lugar tem todo um ar macabro. Era história de fantasma de escravo, homem de três metros, um cara lá viu o irmão matar a cunhada a machadada, um dos guias chegou a tirar foto de um OVNI, que inclusive saiu num jornalzinho local. Acho que metade era história pra assustar um bando de moleque da cidade grande, mas te falar que afetou muita gente da equipe.

Fonseca: O filme foi selecionado para ser filmado em setembro de 2009 e foi filmado em abril de 2010, então não faltou tempo para planejar. Uma das partes que eu mais gosto em fazer filmes é decupar, criar os planos e a seqüência em que você pretende encaixá-los (ainda mais no caso do “Duas Vidas…”, pois nós mesmos iríamos montar o filme), então foram dias e dias de decupagem, ás vezes eu chegava com uma idéia e o Caio complementava ela com outra ou víamos um filme, gostávamos de um plano, e resolvíamos fazer algo parecido, tínhamos planos com nome de diretores, o último plano por exemplo chamava “Corbuccião”, pois achávamos ele bem parecido com alguns planos do Corbucci, o lance do terço em primeiro plano e o Antonio indo embora no fundo. Então, chegamos no set com cada plano estudado e sabendo bem o que queríamos pois a gente estava a seis meses pensando em como executá-los.

Baiestorf: Como está sendo a divulgação do curta? Será exibido em algum canal de Televisão?

D’Andrea: O curta passou em alguns festivais bem bacanas aqui no Brasil, como Fantaspoa, o Festival de Triunfo, inclusive está agora nesse Cinefantasy. Mas lá fora passou em bastante lugar, especialmente nos Estados Unidos, onde a gente ganhou em Atlanta o “Best Foreign Short” e em Geneva o “Student Visionary Award”, que foi bem bacana. Mas acho que o lugar mais bacana foi na Suazilândia, pais que fica logo ao norte da África do Sul. Os caras mandaram um email falando exatamente o que eles curtiam do filme, da questão dos índios terem que achar outras terras, que é uma realidade muito forte pra eles e de forças espirituais influenciarem a vida de pessoas. Achei um tesão. Ainda não tivemos nenhum contato com alguém de emissora de televisão.

Fonseca: Não temos do que reclamar, mas infelizmente ainda rola um preconceito aqui no Brasil com filmes de aventura/ação (acho que isso não é segredo para ninguém). Eu acho que o filme poderia ter sido exibido em mais festivais aqui no Brasil, nem falo de prêmios porque acho que o importante mesmo em festivais de cinema é você poder exibir seu filme, mas que muita gente torceu o nariz por ser um faroeste torceu.

Baiestorf: Há preocupação de vocês com a distribuição? Vocês acreditam no cinema independente brasileiro?

D’Andrea: O único cinema brasileiro que eu acredito no momento é o independente. O cinema nacional, salvas algumas exceções, eu classifico em duas vertentes, a globo filmes e o que chamo de cinema groselha. Falam de indústria sendo que de um lado temos filmes completamente idiotas e do outro filmes que não dialogam com o público que indiretamente pagou por ele. Vejo o pessoal independente pensar em público de uma forma que esses cineastas não fazem. Tanto em querer mostrar o filme para o maior número de pessoas possível como levar em conta a expectativa do público, satisfazendo ou enganando, entretendo ou chocando. Tanto que só vejo esse pessoal explorando gêneros. Não conheço nenhuma indústria cinematográfica no mundo que não se apóie no cinema de gênero.

Fonseca: A preocupação existe não só com a distribuição, mas com o cinema brasileiro em geral. Os filmes se repetem muito e cada vez mais se coloca qualidade artística e potencial comercial como características mutuamente excludentes. Nosso cinema depende de incentivo público e normalmente quem tem acesso a esse incentivo são os que estão menos preocupados em levar seus filmes até as pessoas, ou as pessoas até seus filmes. Quanto ao cinema independente eu acredito sim e muito. Acho que nem teria como não acreditar, pois com todas as barreiras e dificuldades ele está aí muito mais criativo, no bom sentido, que o velho cinemão. Sem falar que existe uma preocupação muito maior em levar o filme até o público. Não adianta você fazer um filme incrível, seja ele um filme “inteligentíssimo” ou filme despretensioso, se ninguém assistir, nem interessa o quão importante ou relevante é sua mensagem se ela não for ouvida.

Baiestorf: Projetos?

D’Andrea: Eu estou terminando um roteiro de um curta, é um filme de vingança (mais um) envolvendo os ataques a homossexuais na Av. Paulista aqui em São Paulo.

Fonseca: Estou escrevendo um argumento sobre um “faroeste” nos garimpos do Pará chama-se “Inferno Verde”. É uma idéia para filmar bem mais para frente, já que teria de ser uma mega-produção com longas cenas de ação, aviões, muitos personagens, etc. Também estou com dois projetos de curta-metragem, não vou falar muito sobre eles, pois os dois são baseados em contos e eu ainda estou conversando com os autores. Um deles inclusive seria para fechar um ciclo que eu comecei com o “Mundo Cão” e depois com o “Duas Vidas para Antonio Espinosa”. Eu brinco que o “Mundo Cão” foi minha homenagem ao Tarantino e “Duas Vidas…” ao Sergio Leone e esse próximo será ao Sam Peckinpah. Mais para frente no “Inferno Verde” eu volto a homenagear os três e mais um monte que faltou (risos).

Contatos com Caio D’Andrea: caiofigo@gmail.com

Contatos com Rodrigo Fonseca: rodrigo1106@hotmail.com

Joel Caetano e seu Cinema de Recurso Zero

Posted in Cinema, Entrevista with tags , , , , , , on setembro 1, 2011 by canibuk

Joel Caetano e sua equipe da Recurso Zero Produções, nos últimos 10 anos, realizaram vários filmes extremamente interessantes. Conheci o Joel quando ele estava divulgando seu curta “Minha Esposa é um Zumbi” e, desde então, me tornei fã das produções dele. Em 2010 fui convidado pelo cineasta Rodrigo Aragão para interpretar o vilão humano no seu filme “A Noite do Chupacabras” (longa recém lançado) e, para minha surpresa, o “mocinho” do filme era interpretado pelo Joel Caetano. Foi divertido demais filmar com o Joel Caetano, temos várias cenas juntos onde fico torturando e sacaneando ele e, após o término das gravações, sempre ficávamos ele, eu e o ator Walderrama dos Santos (que interpreta o Chupacabras), bebendo umas cachaças e contando histórias de nossas produções até o sol raiar (as filmagens do “A Noite do Chupacabras” eram todas noturnas, o que nos permitia dormir durante o dia). Baseado nessas nossas conversas da madrugada, em set do “A Noite do Chupacabras”, que resolvi entrevistá-lo pro Canibuk.

Eu, Rodrigo Aragão e Joel Caetano.

Petter Baiestorf: Fale um pouco sobre sua infância/adolescência e como você acabou se interessando em virar produtor de filmes independentes:

Joel Caetano: Fui uma criança com muita imaginação! Desde pequeno, gostava de ver filmes, desenhos animados e ler livros e histórias em quadrinhos de super-heróis, ficção científica e terror. Sempre tive facilidade de me transpor ao universo dessas histórias fantásticas, e num dado momento, eu comecei a criar, e a melhor maneira que tive de fazer isso na época foi o desenho. As minhas primeiras lembranças de infância são de estar debruçado sobre uma folha de papel desenhando meus personagens favoritos, Batman, Superman, Sprectreman, Tom e Jerry, Disney entre outros. Comecei a desenhar antes mesmo de saber escrever. Eu tinha muita imaginação e as vezes isso saía do controle. Me lembro que um dia, amarrei uma toalha no pescoço e pulei de uma escada muito grande, achando que ia voar como o Superman… Resultado, quebrei o nariz de todas as formas e lugares possíveis, e devo ter quebrado algo no cérebro também, pois ele nunca mais voltou a funcionar normalmente desde então rs. Cresci nesse universo de desenhos e fantasias, e ao chegar na época da escola, eu me dei bem, pois costumava chamar atenção pelos desenhos. Enquanto os outros alunos desenhavam bonecos de pauzinho e bolinha, eu já desenhava meus personagens favoritos da TV. Logo depois comecei a desenhar caricaturas dos outros alunos (o me causou algumas brigas eu confesso), e me tornei uma figura cômica da sala de aula, sempre aprontando para os outros rirem. Outro momento marcante de minha infância foi a primeira vez que estive num cinema, levado por minhas irmãs que eram um pouco mais velhas que eu. Assisti “Labirinto – A magia do tempo” (“Labyrinth”, 1986, de Jim Henson). Foi uma experiência incrível, saí muito  impressionado da sala. Para uma criança com a imaginação que eu tinha, ver toda aquela fantasia bizarra, criada por Jim Henson, seus bonecos e a música de David Bowie e naquela tela enorme com som para todos os lados, causou um grande impacto em minha vida que até hoje, ao ir no cinema, sinto uma emoção juvenil que me transporta no tempo e espaço de uma forma que não posso mensurar, sou privilegiado em poder  vivenciar essa emoção mesmo depois de tantos anos, é inexplicável.  O segundo filme que assisti no cinema foi, “Robocop – O policial do futuro”, que impressionou pela violência gráfica, nunca tinha visto um filme de ação/ficção científica tão violento e sangrento, não preciso dizer que adorei não é? Aos 13 anos, tentei fazer minhas próprias HQs, primeiro mais infantis, uma espécie de Liga da Justiça só com animais, no bom e velho estilo Disney,  que se chamava “Liga Maluca” que enfrentava a “Liga do Mal” (Qualquer semelhança com os “Superamigos” e a “Legião do Mal” é mera cópia), mas eu era meio preguiçoso e só ficou na primeira edição, mas os tenho até hoje. Fui crescendo e entre as coisas comuns da idade, continuei desenhando, sempre focado no universo de Super-heróis e FC. Nessa época, comecei a ter contato com filmes de terror como, “A hora do Pesadelo” (construí uma luva com lata parecida com a do Freddy para brincar, eu adorava esse personagem), “Brinquedo Assassino”, “A volta dos Mortos Vivos”, “Sexta-feira 13”, “Halloween”, “A coisa”, “A mosca”, “Colheita Maldita”, “A Casa do Espanto” e é claro “Evil Dead”, que na minha opinião é o maior clássico do gênero. Sobre esse filme, me lembro de ficar acordado até tarde toda vez que passava na TV, era como um ritual, não perdia por nada.Eram todos filmes que passavam na TV aberta, pois naquela época, eu não tinha vídeo-cassete. Tudo que eu podia ver do gênero na TV eu via, só me lembro de ter medo de um filme, “O Exorcista”, na época eu tinha medo de tudo que envolve espíritos (isso não mudou muito hoje em dia, esse tipo de filme sempre me incomoda,  é um lado irracional que me persegue, posso ver sangue jorrando em um filme, mas não uma criança morta que se esconde debaixo da cama, vai entender). Falando sobre filme, eu via de tudo. Nos anos de 1980 eram o auge das comédias adolescentes, e as que mais me marcaram foram, “Porks”, “Curtindo a Vida Adoidado”, “Namorada de aluguel”, “Loverboy”, “A primeira Transa de Jonathan”, “Te pego lá fora”, “Mulher Nota 1000” entre outras tranqueiras. Eu assistia Porks, que tinha algumas cenas de nudez e sacanagem (muito leves se levar em consideração hoje, mas para um garoto de 8 a 10 anos, ver um mamilo era o máximo) escondido da minha mãe, com o dedo no botão de mudar de canal e o som bem baixo, quando ela chegava, eu rapidamente mudava de canal tentando disfarçar, acho que ela sempre soube a verdade rs. Falando em comédia, assisti muitos filmes do Jerry Lewis e dos Trapalhões (os mais antigos), sempre adorei comédias desse tipo pastelão mesmo, hoje em dia faltam caras como esses para fazer bem filmes desse tipo, tem o Jim Carrey, mas faz tempo que não faz nada significativo, é uma pena. Não posso falar de filmes sem citar algo que me influenciou por muito tempo, os filmes da primeira trilogia de “Guerra nas Estrelas” (antes daquela frescura de “Uma nova Esperança” etc). Me lembro de brincar de “sabre de luz” com os amigos, fazendo aquele som característico com a boca, “Vrummm… Vrummmm” era muito divertido (principalmente quando algum vizinho trocava as lâmpadas fluorescentes de sua garagem). Eu via e revia esses filmes dezenas de vezes, era um evento quando passava na sessão da tarde, todas as crianças iam assistir, depois saímos com nossos cabos de vassoura e enfrentávamos a nossa própria “Estrela da Morte”. De ficção científica, ainda tinha o “Blade Runner”, “De volta para o Futuro”, “Superman” de Richard Donner (a melhor personificação desse personagem até hoje) e muitos outros, que alimentavam minha fértil imaginação. Destaque para, “O planeta dos Macacos”, e seu final arrebatador, que me deixou por muito tempo chocado com a possibilidade de um futuro tão assustador. Eu gostava muito também dos filmes de ação, aventura e fantasia da sessão da tarde, tipo Krull (odiava a cena que o ciclope morria, era o melhor personagem do filme), Fúria de Titãs, Conan, o Bárbaro, Fuga de NY, Aventureiros do Bairro Proibido, Indiana Jones entre outros. Tive também minha época de ver filmes de artes marciais, os filmes de Bruce Lee e Van Damme eram meus favoritos, eu via os filmes e ficava no quintal de casa treinando os golpes, fazendo exercícios, para depois, ir treinar com os moleques na rua, era uma curtição só, saía briga pra tudo quanto é lado, mas nada sério, só coisa de moleque. Nessa época, já com uns 15 anos, eu tentei novamente fazer uma HQ, O “Ninja X”, a história de um garoto que é salvo de um acidente de avião por um mestre em artes marciais e passa a integrar o seu clã. Quando se torna adulto, ele resolve voltar para sua terra natal para descobrir quem derrubou o avião que matou seus pais. Mais uma vez não terminei, quadrinhos dava muito trabalho. Quando cheguei à adolescência, os hormônios falaram mais alto, comecei a namorar, me afastei dos filmes, tentei ser músico (aprendi a tocar violão), e  estudei eletrônica, foi uma época de trevas, onde a minha diversão era somente encher a cara, jogar futebol e sair em baladas com os amigos, obviamente tudo isso deu errado, eu só voltaria a me dedicar a arte quando, anos depois, comecei a faculdade de Rádio e TV em 2001.

Baiestorf: Você trabalha com o que para sobreviver?

Caetano: Sou formado em Rádio e TV, com pós Graduação em Comunicação organizacional.  Trabalho como editor, assistente de direção e eventualmente como roteirista em uma produtora de vídeos institucionais e propaganda.  O mais interessante é que entrei nessa empresa pois a dona da produtora era uma das alunas da faculdade onde estudei, e ela se lembrou de mim por causa do curta “Dupla Surpresa”, que fiz no primeiro ano do curso e decidiu me chamar para um trabalho, estou lá, desde 2007 e tem sido um ótimo lugar, pois consigo  conciliar meu trabalho com meus filmes e estar perto de profissionais altamente qualificados, com os quais aprendo muito tecnicamente.

Baiestorf: Fale um pouco da sua cara metade, Mariana Zani, que te acompanha desde o início. Vocês se conheceram antes de começar a fazer filmes?

Caetano: Conheci Mariana em 2000, começamos a namorar e 6 meses depois,  decidimos fazer faculdade, estudamos juntos os 4 anos de curso mais 1 ano de pós graduação, tudo isso na mesma sala, o que pra ambos foi muito bom, pois estávamos focados no aprendizado, e um dava suporte ao outro, estudando juntos ou fazendo trabalhos e seminários. A Mariana vem de uma família de artistas, seus pais, Ivete Zani e Luiz Carlos Batista (que hoje participam dos filmes da RZP) se conheceram no teatro na década de 1970. Sua mãe, atriz e seu pai, ator, diretor e roteirista, (que escreve até hoje para o “Grupo Ato”, companhia teatral muito influente na cidade de Bauru em São Paulo) logo se casaram e dessa união, nasceu a Mariana. Pelos relatos da família, Mariana sempre foi muito talentosa e ainda pequena, nas festas de família fazia shows enquanto as outras crianças engatinhavam. Seus pais sempre a incentivaram a seguir essa carreira, por isso ela sabe de tudo um pouco, desenhar, pintar, dançar, atuar e escrever, tudo com muita naturalidade e competência. Quando estávamos na faculdade, nossa idéia era começar a produzir logo no primeiro ano, um pouco por entusiasmo e inocência de nossa parte, mas acabou dando certo.  Decidimos começar por um documentário sobre a praça Benedito Calixto, em Pinheiros, onde acontece, até hoje, uma feira de antigüidades muito famosa. Marcamos uma reunião com várias pessoas, mas só veio, uma hora depois, o Danilo Baia, que era o único que tinha uma filmadora, na época uma Hi-8. Nos juntamos e gravamos várias horas de material, mas cometemos o erro de não pedir autorização de imagem para ninguém, o documentário não deu certo, mas nascia ali, batizada pela própria Mariana Zani, a “Recurso Zero Produções”. A Mariana me ajuda em tudo, ela lê os roteiros e emite suas opiniões, me ajudando no processo de criação, faz produção, maquiagem, ajuda na organização geral, evita que eu maltrate os atores com intermináveis horas de gravação (eu sou meio sem noção às vezes), e me ajuda na divulgação e palestras da RZP. Sem ela nada disso seria possível, funcionamos muito bem juntos, procuramos sempre separar o relacionamento do trabalho, não vou negar que existem divergências, mas fazem parte do processo. Não consigo me imaginar fazendo filmes sem ela, normalmente quando falo dos filmes, não os cito como meus filmes, e sim da RZP, pois é sempre um trabalho em grupo.

Mariana e Joel.

Baiestorf: Como é o processo de criação dos teus filmes? Mariana colabora com idéias sempre?

Caetano: Na verdade as idéias e roteiros vêm da minha cabeça mesmo. Tenho lampejos de inspiração o tempo todo e vou anotado em  qualquer papel que me apareça na frente. Depois de ter a idéia central, escrevo de forma literal, ainda uma espécie de rascunho, e vou aos poucos recheando esse argumento com elementos, dado personalidade e profundidade as personagens, estruturando a história de acordo com o formato e narrativa que pretendo seguir. Nesse momento, conto pra Mariana a história sem muitos detalhes, só para ver sua opinião, muitas vezes ela torce o nariz e eu tento convencê-la do meu argumento, se conseguir, normalmente estou no caminho certo. Feito isso, escrevo o roteiro e depois de pronto, desenho o Storyboard, que me ajuda a definir o visual do filme. Uma coisa importante, é que durante quase todo o processo, eu desenho algo, pois sou muito visual, eu tento montar o filme na minha cabeça antes mesmo do roteiro estar pronto. Esse exercício me ajuda a dar ritmo à história, acho que é coisa de editor, sei lá, mas funciona muito bem comigo.

Baiestorf: Assim como o Felipe Guerra, outro batalhador do cinema independente, você faz vários filmes usando sua família (seu pai, seus sogros, etc…). Como funciona isso?

Caetano: Quando comecei era muito inseguro, pois tinha vontade de fazer filmes que não se via por aí em nosso cinema convencional, principalmente na faculdade, onde a maioria das pessoas queriam fazer filmes mais “sérios”. Minha vontade sempre foi fazer filmes de terror, de ficção científica, com efeitos especiais, sem muita frescura. Para resolver esse problema de ter que persuadir algum ator a trabalhar nos filmes, decidi que tudo seria feito por nós mesmos, eu Mariana Zani e Danilo Baia, a RZP. Foi assim nos dois primeiros filmes, “Afrodite” e “Dupla Surpresa”. Nos dois, eu e Mariana atuamos, eu escrevo e dirijo e o Danilo Baia faz a câmera e direção de fotografia. Com o passar do tempo, nosso trabalho foi amadurecendo, fui estudando mais e aprendendo a escrever melhor, ter mais controle, conhecimento e segurança do que queria. Ainda na faculdade, no último ano, em 2004, fizemos o “Despedida”, um curta de terror, com um fantasma, estrelado por mim e Mariana. O resultado técnico foi bem satisfatório, me senti mais seguro para envolver outras pessoas numa produção. No ano seguinte, fiquei sabendo que iria ter um festival de Cinema Fantástico aqui no estado, na cidade litorânea de Ilha Comprida, e decidi fazer um curta para enviar. Eu e Mariana, tínhamos acabado de casar, e isso refletiu no curta,  no sentido de que, aproveitar o que tínhamos em mãos na época, que era o nosso apartamento, uma câmera mini-dv e uma luz que o Danilo conseguiu por aí (diz a lenda que “pegou emprestado” de uma igreja). Já mais seguro e com um roteiro que, ao meu ver, era bom (diante das circunstâncias), decidi chamar os pais da Mariana e uma amiga dela para participarem como atores, todos toparam no ato e foi uma experiência muito gratificante que resultou no filme “Minha Esposa é um Zumbi”. Desde então, tenho trabalhado com esse grupo de pessoas (menos a amiga da Mariana, que decidiu encerrar sua carreira como atriz depois de fazer o filme conosco), e apesar de serem da família, todos são profissionais do ramo e tenho sorte de poder contar com pessoas tão talentosas. Hoje não trabalho só com esse grupo, já filmei com outros atores, como o Davi de Almeida, ótimo ator que participou do GATO em uma ponta e que já trabalhou em novelas, filmes (VIPs) e séries de TV e Kika Oliveira e Walderrama dos Santos, atores da Fábulas Negras Produções. O casal mais gore do cinema nacional, o Luis da Machadinha e Raquel do filme “Mangue Negro”.  Foi um prazer trabalhar com esse pessoal e pretendo continuar agregando novos parceiros, de acordo com a proposta do filme, mas sem descartar nunca o grupo com quem venho trabalhando ha tantos anos.

Baiestorf: Teus primeiros filmes foram projetos de faculdade, certo?

Caetano: Eu fiz curso de Rádio e Tv, mas meus professores, em grande maioria já tinham trabalhado no cinema e teatro, por isso tive praticamente aulas de cinema. O que me ajudou bastante também, é que durante o curso de Rádio e TV, fiz em paralelo, um curso de teatro, a fim de entender melhor a arte de atuação, e por fim, acabei tomando gosto e atuo nos filme até hoje.

Baiestorf: Como era sua relação com os colegas e professores na faculdade, já que na maioria das vezes faculdades ficam somente na teoria e não na prática?

Caetano: Bom, não esperei a faculdade para começar a realizar meus filmes. Meu primeiro curta pronto foi o Afrodite, que fiz com a Mariana Zani e o Danilo Baia, de uma forma bem improvisada. O mais legal é que a gente exibiu o curta na faculdade (quase que clandestinamente) num evento que estava tendo, não me lembro do quê, e fez o maior sucesso entre os alunos, foi engraçado. Era a primeira vez que eu sentia o gosto de ver meu filme sendo assistido por outras pessoas, uma sensação indescritível até hoje. Nós da RZP éramos meio que um grupo fechado, pois a maioria dos alunos do curso tinham outras aspirações e temas mais sérios, e nós, sempre íamos para as vertentes do cinema de gênero, mas sempre tivemos uma relação muito boa com todos, cada um na sua. Mas foi uma boa época, onde pude experimentar muito, sem medo de errar, sempre defendendo minhas idéias, por isso aprendi bastante.

Baiestorf: Fale sobre “Afrodite”, seu primeiro curta:

Caetano: O “Afrodite” foi gravado depois do “Dupla Surpresa”, mas finalizado antes, pois não tinha muitos efeitos especiais. Foi uma tentativa de fazer um drama, mas que acabou saindo com sangue demais para ser classificado assim. Queríamos impressionar um professor que curtia Nelson Rodrigues e coisas do tipo, foi o máximo que cheguei desse tipo de narrativa. O filme é sobre um cara que procura desesperadamente algo que sua esposa escondeu, descobrimos que ele a traiu e que ela então está se vingando. Por fim, tem uma surpresa muito sangrenta. Foi um curta feito com uma câmera Hi-8 do Danilo Baia, uma luz pendurada numa escada dobrável, um pepino, uma faca de cozinha, uma caixa de fósforos e dois atores, eu e a Mariana. Nem me lembro quanto tempo demorei para escrever o roteiro, foi tudo feito no improviso, acho que nem usei storyboard. Gravamos em um dia e editei no computador sem trilha nem nada, só diálogos.  Como disse anteriormente, ele foi exibido na faculdade e serviu de incentivo para outras produções de alunos, achei isso bacana.

Baiestorf: “Afrodite” teve distribuição? Foi exibido em festivais?

Caetano: Ele foi exibido somente na faculdade, depois coloquei na internet, quem quiser assistir é só acessar a página da Recurso Zero Produções no YouTube.

Baiestorf: “Dupla Surpresa”, de 2002, é um bom “fanfilm”. Como surgiu a idéia de fazê-lo?

Caetano: Quando comecei a fazer faculdade, pesquisei sobre filmes independentes, e a primeira coisa que procurei, por ser muito fã na época, foi filmes do universo de “Guerra nas Estrelas”. Descobri que havia centenas de fanfilms e isso abriu um universo de possibilidades para mim. Na época, nunca tinha imaginado que era possível fazer filmes com efeitos especiais como sabres de luz em casa, isso foi algo totalmente mágico pra mim. Decidi então estudar sobre o assunto, e aprender as técnicas usadas por essas pessoas. Fiz vários testes em casa, eu tinha uma câmera VHS velha e uma placa de captura que comprei usada na Santa Efigênia, a câmera só gravava em preto e branco sem som, mesmo assim serviu para esses testes iniciais, onde aprendi muito sobre After Effects, Studio Max 3d e outros softwares de edição e sonorização. Logo depois, os alunos da minha sala de RTV decidiram fazer uma vaquinha para alugar equipamentos e gravar alguns curtas em um fim de semana, não deu outra, escrevi o roteiro de “Dupla Surpresa” e gravei no estúdio da faculdade, num fundo verde (chroma key). A edição desse curta demorou mais ou menos 6 meses, pois tive que capturar todo material na faculdade, copiar em cds, levar para casa, criar os efeitos dos sabres de luz quadro a quadro, criar o fundo virtual (grande parte peguei “emprestado” de modelos 3D do filme mesmo), animar as naves de fundo, editar e sonorizar em um computador com processador Pentium 160 MHZ (que já era obsoleto na época), que demorava dias para renderizar minutos de trabalho. No fim, apesar de não ter ficado perfeito, o curta foi exibido na faculdade e fez sucesso entre os alunos que como eu, viram que era possível fazer filmes de ficção científica, mesmo sem muitos recursos. Ainda gosto de Star Wars, mas não sou tão fanático, acho que fazer esse filme , o “Dupla Surpresa”, me ajudou a seguir em frente e procurar outras inspirações, como o trash e o terror por exemplo.

Baiestorf: “Dupla Supresa” ganhou vários prêmios, algo habitual em sua carreira. Você faz os filmes pensando em ganhar prêmios?

Caetano: O “Dupla Surpresa” não ganhou tantos prêmios assim, somente prêmios de um festival acadêmico. Na verdade o fiz por gostar mesmo desse tipo de filme, e para aprender a fazer efeitos especiais e composição usando programas de computador. Quando escrevo os filme a última coisa que penso é em prêmios. Sempre me preocupo em fazer uma boa história, e esse é sempre o meu maior objetivo. Acho que esse lance de ganhar prêmios é importante, pois indica que meu trabalho vem sendo reconhecido, mas de maneira alguma tem como prever isso, se fosse algo tão preciso assim, seria matemática, não arte!

Dupla Surpresa (2002).

Baiestorf: Você também já experimentou no campo da animação com os curtas “Onde há Fumaça” (2003) e “Bruma” (2005). Como esses curtas foram concebidos? E como você fez para realiza-los com orçamento zero?

Caetano: “Onde há fumaça” é um curta em stop-motion usando recortes de jornais e revistas, que fala dos males que assolam a humanidade, como drogas, religião, guerra etc. Foi feito meio que sob encomenda para um evento que aconteceu na faculdade e só foi exibido por lá. Gravei em estúdio, com luz e equipamento profissional em apenas um dia. Gosto muito de stop-motion, penso em voltar a usar essa técnica futuramente. O curta “Bruma” foi feito em 2005, um ano depois do término da faculdade. Eu estava meio sem produzir nada, e decidi fazer algo que poderia realizar sozinho. Já tinha usado esse personagem no trailer falso “Heróiz com Z de Brazil”, e decidi fazer um HQ.  Gostei tanto do resultado que decidi fazer um curta animado do “Bruma” nos mesmo moldes das animações da Marvel (Thor, Hulk, Capitão América e Homem de Ferro) da década de 1960, usando uma técnica que consistia em capturar os frames dos HQs e depois transforma-los em animações com o mínimo de movimentos possíveis. Era um estilo que fez muito sucesso na época, e no fim, gostei do resultado dessa técnica para meu curta. Foi uma boa experiência, que viria a ser útil, pois voltei a usar animações no filme “Minha Esposa é um Zumbi” no ano seguinte.

Baiestorf: E a recepção do público como é quando assistem suas animações?

Caetano: “Onde há fumaça” é só um curta experimental, mas me lembro que as pessoas gostaram na época. O “Bruma” faz sucesso devido à animação e o traço, mas não agrada muito no roteiro e locução (que fiz precariamente num microfone de computador). Acho  ambos  trabalhos válidos como aprendizado e desenvolvimento da técnica, mas os roteiros não considero dos meus melhores.

Baiestorf: Fale um pouco sobre seu trabalho como ator? Em 2003 você trabalhou no filme “Véio Mentiroso” e pós 2010 você aceitou vários trabalhos como ator em filmes de outros diretores.

Caetano: Além de “Véio Mentiroso”, interpretei mais papéis em filme de terceiros, como “O Tormento de Mathias” do diretor Sandro Debiazzi, “Morte e Morte de Johnny Zombie” de Gabriel Carneiro e o longa “A noite do Chupacabras” do Rodrigo Aragão. Normalmente procuro ler bastante o roteiro e entender as motivações dos personagens. Gosto de saber como o diretor vê esse personagem, e para isso costumo conversar até entender essa visão e poder integrá-la a minha. Feito isso, o resto é ensaio. O que gosto de fazer é imaginar que estou numa grande brincadeira de faz-de-conta, em alguns momentos mais densos, procuro intensificar mais a minha imersão nesse mundo criado pelo roteirista, mas no geral, eu apenas ligo a tomada e o personagem aparece. Claro que isso depende do quanto ele exige em termos de texto e profundidade, por isso, procuro estudar cada papel de acordo com a sua proposta, sempre respeitando e dando prioridade a visão do diretor.

Baiestorf: Ainda não vi teus curtas “Trabalhador” (2003), “Trailer Heróiz com Z de Brazil” (2004) e “Despedida” (2005). Fale um pouco sobre eles:

Caetano: “Trabalhador” era pra ser um exercício de iluminação na faculdade que aproveitei para fazer um curta. É uma homenagem a Charles Chaplin em tempos modernos, um curta que mostra como o cotidiano de um trabalhador pode ser desgastante e cruel. O destaque do curta é a ótima interpretação de Danilo Baia no personagem título. O Trailer “Heróiz com Z de Brazil” era pra ser um curta, com os mesmo personagens de “O assassinato da Mulher Mental”, mas o roteiro que escrevi na época era totalmente sem pé nem cabeça, para não perder a viagem fiz um trailer falso, sem saber que viraria um filme no futuro. Já “Despedida” é meu curta de formatura da faculdade de RTV. É uma história de amor e fantasmas. Foi a primeira vez que trabalhei com terror sobrenatural. Mais uma vez, me reuni com Mariana Zani e Danilo Baia, fizemos uma produção respeitando todos os passos propostos em sala de aula, e nesse sentido foi muito interessante, apesar de ser uma produção pequena, foram seguidas todas as regras de um filme profissional, e o resultado ficou bem satisfatório. Os três curtas citados acima estão no YouTube, quem quiser conferir é só acessar o canal da Recurso Zero Produções.

Baiestorf: E eles tiveram boa recepção do público?

Caetano: O “Trabalhador” ficou em segundo lugar no júri popular em um festival acadêmico. O Trailer “Heroiz com Z de Brazil” está na internet desde que foi feito, não tem muitos acessos, acabei não divulgando muito, foi só uma brincadeira na época, já o “Despedida” foi exibido no I Cinefantasy, não sei a aceitação do público pois não estava lá na ocasião, foram curtas que fiz e coloquei logo na internet sem pretensão ou divulgação. Esse último é o mais visto na internet, nada demais, mas tem boas avaliações.

Baiestorf: Acho que tua carreira tem 2 fases: Joel estudante, onde você estava experimentando as ferramentas que tinha à mão, e Joel pós-estudante, quando você começou a aplicar com maior segurança tudo que aprendeu com as experiências anteriores. Creio que o teu ótimo curta “Minha Esposa é um Zumbi” (2006) é o divisor dessas 2 fases. Fale um pouco sobre a produção do curta “Minha Esposa é um Zumbi”:

Caetano: Em 2006, eu já havia terminado a faculdade havia 2 anos e não conseguia emprego na área, somente alguns trabalhos esporádicos como editor e cinegrafista. Sempre pensei que se produzisse algo bom, serviria como uma vitrine do meu trabalho e com isso conseguiria algum êxito profissional (o que aconteceu logo depois), mas eu precisava ser visto. Fiquei sabendo de um festival de cinema fantástico que aconteceria em Ilha Comprida, no litoral de São Paulo (que mais tarde mudaria para a capital com o nome de Cinefantasy) e decidi fazer um filme para me inscrever. Nessa época, eu estava imerso nos filmes trash (que maneira de começar a me mostrar para o mercado hein), me deliciando com zumbis, monstros do espaço e toda gama de absurdos deliciosos que só esse tipo de filme pode nos propiciar. Percebi que o terror não precisava ser somente assustador, poderia ser nojento e engraçado. Filme como “Fome Animal”, “Evil Dead” e outros voltavam, com força total, não só como entretenimento juvenil, mas como uma forma de inspiração. O ponto crucial desse despertar para o terror com elementos de comedia aconteceu quando vi o filme, “Todo mundo quase morto” (“Shaun of the Dead” de Edgard Wright). Vi nesse filme, toda a magia dos clássicos filmes de zumbis, mas com uma dose “cavalar” de humor negro, tudo o que eu queria fazer, mais uma vez a inspiração veio de bons e simples exemplos. Decidi então fazer meu próprio filme de zumbi, com terror, comédia e tudo que tinha direito, só tinha um problema… Como eu ia conseguir fazer uma invasão de zumbis quando nem conseguia atores para encenar um curta simples com poucas pessoas. O “pulo do gato” foi pensar na produção ao contrário (coisa que faço até hoje), ver o que tinha em mãos e escrever uma história a partir disso. Bom, eu não poderia ter muitos zumbis, então decidi usar apenas um, ou uma, no caso a Mariana. Já que tínhamos acabado de casar, pensei em ela ser minha esposa mesmo no filme, ia facilitar na interpretação. Logo depois chamei sua mãe que fez o papel de sogra mesmo e o Danilo, que era o melhor amigo de Tonho, meu personagem. Foi também a primeira vez que trabalhei com Luiz Carlos Batista, meu sogro, e como eu sabia que ele era mais experiente ator do grupo, lhe dei um papel de cientista que cria a fórmula de zumbificação. A doutora Melissa, foi interpretada por uma amiga da Mariana chamada Adriana, que foi chamada no dia mesmo. Ela nem era atriz (e desistiu de tentar depois de trabalhar conosco), mas isso foi ótimo para o caráter cômico do personagem. Com todos os elementos em mãos escrevi o roteiro, com intenção de fazê-lo com o máximo de piadas possíveis e ganchos estapafúrdios. Eu parti da premissa de que se não pudesse fazer o melhor, faria o pior filme possível! Gravamos tudo em uns 4 fins de semana, e a edição durou um mês mais ou menos. Durante as gravações, pedi aos atores que interpretassem o mais exagerado que conseguissem, eu queria algo caricato mesmo, próximo do humor físico que citei gostar tanto nas respostas anteriores. Terminado o filme, mandei para o Cinefantasy (que aconteceu em 2006), mas não fui assistir, pois era longe e eu trabalhava muito na época. Para minha surpresa, “Minha Esposa é um Zumbi” ficou em primeiro lugar no júri popular, algo inusitado, visto a forma despretensiosa como foi realizado. “Minha Esposa é um Zumbi” me despertou para o mundo de festivais, que até então eu não via a possibilidade de participar. A partir desse filme, comecei a mandar meus trabalhos para esses eventos cuja importância está na possibilidade de se difundir o cinema de gênero pelo país. O curta também foi escolhido para fazer parte do livro “Cinema de Bordas II”, num capítulo chamado “Minha esposa é um zumbi e a mistura de gêneros de Joel Caetano”,  escrito pelo professor e pesquisador Rogério Ferraraz, que fala do meu trabalho e faz uma análise do filme. Esse filme acabou tomando o status de cult entre algumas pessoas, e é citado como um dos 5 filmes mais importantes para se entender o trash nacional, título que ostento com muita honra.

Baiestorf: Gosto do senso de humor que você imprime nos teus filmes, como o público reage a ele?

Caetano: Normalmente assistir meus filmes com o público é muito divertido. A sala fica totalmente inquieta com os absurdos na tela. O mais engraçado é que as pessoas comentam durante o filme, riem, se assustam, ficam indignadas e em alguns casos até chocadas, é quase como ir a um circo, onde as pessoas se sentem à vontade para se divertir e jogar pipocas no palhaço.

Baiestorf: “Minha Esposa é um Zumbi” foi lançado comercialmente? Você acredita que filmes undergrounds possam ter carreira comercial em cinema e lançamento em DVD?

Caetano: No passado, fiz algumas tentativas com distribuidoras para lançamento de uma coletânea sem sucesso. Hoje acredito em um mercado paralelo, underground mesmo, criado pelos próprios realizadores. Temos que nos unir cada vez mais e fortificar nosso mercado, que é muito segmentado mas existe, só precisa ser explorado de uma forma mais profissional. É muito cedo para se falar numa indústria de filmes de gênero no Brasil, mas existe esse nicho de mercado que tem uma enorme carência de material e que deve ser alimentado, hoje podemos nos gabar de ter diversos produtores independentes que fazem filmes cada vez mais profissionais, sem precisar de apoio do governo, e que podem suprir a necessidade de demanda desses consumidores, o que falta é organização.

Baiestorf: Como surgiu a idéia para a produção de “Junho Sangrento” (2007)?

Caetano: “Junho Sangrento” era uma tentativa de fazer uma sessão dupla de filmes, com trailers falsos (tipo Grindhouse do Tarantino/Rodrigues, cineastas que também adoro), que infelizmente só funcionou pela metade. Escrevi dois roteiros, o “Junho Sangrento e o “Carne Mutante Zumbi do Espaço” e reuni uma galera para passar o fim de semana no sítio de um casal de amigos. Tinha umas 15 pessoas (foi a maior equipe que liderei), e todos trabalhavam por churrasco, cerveja e diversão. No primeiro dia, gravamos algumas cenas do “Carne Mutante” e ao cair da noite decidimos gravar o “Junho Sangrento” até o fim, pois se passava durante o período noturno. Gravamos tudo com sucesso, mas ao terminar, na hora de tomar banho para dormir, descobrimos que a água da região havia acabado, e isso aliado ao cansaço, minou todas as possibilidades de gravar o outro curta no domingo. No fim, editei o “Junho Sangrento”, e juntei a um trailer falso que a Mariana tinha gravado no começo da faculdade o “Jogando com Espíritos”, que nunca tinha sido editado.  Gravei também mais algumas cenas do “Carne Mutante Zumbi no Espaço” no chroma mesmo e fiz um trailer falso (que na minha opinião é a melhor coisa do filme), juntei tudo e o filme ficou pronto. É um filme meio picareta, mas acho divertido pela cara-de-pau desse que vos fala de ter lançado algo desse tipo!

Baiestorf: Rolou algum problema durante as filmagens do “Junho Sangrento”? Acho este curta bem confuso.

Caetano: O nosso problema foi a falta de água e a dificuldade de se filmar um curta com tanta gente em apenas uma tarde e uma noite. Por isso abdicamos de várias cenas e efeitos. Tudo foi gravado com muita pressa, felizmente deu pra montar no final, mas foi só isso mesmo.

Método de trabalho de Joel Caetano.

Baiestorf: E os trailers falsos que tem no “Junho Sangrento”, fale sobre a idéia de fazê-los. Algum pode virar um filme?

Caetano: Ainda tenho o roteiro de “Carne Mutante Zumbi do Espaço”, que quem sabe um dia, possa vir a filmar, só espero que faça jus ao trailer, que acho muito divertido.

Baiestorf: Algo que acho fantástico nos teus curtas é sua habilidade de filmar num único cenário, na maioria das vezes dentro de seu próprio apartamento, como foi com seus curtas “Gato” e “Estranha”, sobre os quais falaremos mais adiante. Como é isso de filmar, na maioria das vezes, num único cenário? É uma opção estética ou uma necessidade?

Caetano: Depende do caso! O “Minha Esposa é um zumbi” foi feito em casa por não haver outra alternativa, mas o “GATO” por exemplo, achei o apartamento ideal para a história, nem pensei em outro lugar. No caso do “ESTRANHA”, eu usei mesmo por conveniência, pois teria os atores convidados Kika Oliveira e Walderrama dos Santos por pouco tempo, então seria mais fácil, até porque eles estavam hospedados aqui em casa. Tenho diversos roteiros que se passam em outros locais, acho que devo aposentar meu apartamento, mas “nunca diga nunca”!

Baiestorf: Nos últimos anos você fez 3 filmaços como diretor/roteirista, fazendo um curta por ano. É importante para você realizar um filme por ano? Como é o planejamento dos teus filmes?

Caetano: Eu tento manter essa constância, até para não “enferrujar”! Normalmente tenho a idéia e  escrevo o roteiro num período de um mês. Depois me junto com a Mariana e fazemos a pré-produção e cronograma. Os filmes que fiz até hoje foram gravados rapidamente, nos fins de semana.  Normalmente começamos na sexta à noite e gravamos até domingo de madrugada (com devidas pausas para dormir, comer,  etc), gosto de deixar o dia de domingo livre para descanso, pois ninguém é de ferro! Terminada as gravações vou para a edição, esse processo pode demorar de um a seis meses, dependendo da minha disponibilidade e do filme em questão. Minha idéia agora é fazer os filmes com mais tempo e profissionalismo, graças a projeção de meus trabalhos, tenho a possibilidade de agregar mais pessoas à equipe, sem contar que a partir de agora, tenho a responsabilidade de me superar nas produções, e esse é um desafio muito interessante e inspirador.

O Assassinato da Mulher Mental.

Baiestorf: “O Assassinato da Mulher Mental” (2008) é um ótimo exemplo de como fazer um filme cheio de efeitos visuais com orçamento quase zero. Como é a concepção dos efeitos visuais dos teus filmes?

Caetano: Sempre achei que os efeitos especiais devem servir à narrativa e não o contrário, então, só os uso se há necessidade dramática na cena, não gosto de fazer histórias calcadas nos efeitos e sim o contrário. Na época da faculdade, estudei muito sobre isso, o título de minha monografia de conclusão de curso é “O uso dos efeitos especiais no cinema de Ficção Cinetífica” para você ter idéia. Para conseguir realizar tudo isso sem dinheiro é importante estudar bastante sobre o assunto. Existem alternativas simples que dão ótimos resultados se você tiver uma tela verde para colocar o ator na frente, é importante dominar a técnica, mas e mais importante ainda, entender conceito  e quando é o momento certo de se aplicar os efeitos especiais.

Baiestorf: “O Assassinato da Mulher Mental”  pode virar uma série? Como o público reage a ele? Pergunto isso levando em conta que o público deste tipo de filme, super-heróis, está acostumado com super-produções onde os efeitos visuais custam verdadeiras fortunas.

Caetano: Eu escrevi “O assassinato da Mulher Mental” inspirado em tudo que eu já havia visto em matéria de histórias em quadrinhos. Por ler muito esse tipo de material, sempre sonhei em ver super-heróis brasileiros, mas não aquelas paródias tipo “Casseta e Planeta”, algo menos imbecil ou ingênuo, que tivesse uma certa consistência, mas que também fosse divertido. Eu fiz esse filme pensando nessa minha carência e sabendo que outras pessoas, no Brasil também queriam ver algo do tipo. Não queria uma história convencional de heróis que salvam mocinhas de vilões maquiavélicos, por isso, criei personagens, que apesar de seus poderes e serviços a humanidade, são falhos e decadentes. O resultado foi bem interessante, nos eventos que exibi, percebi que é um filme que faz muito sucesso com as crianças (apesar de ter um ou dois palavrões) e que, quem gosta de quadrinhos, se diverte com as muitas referências que coloquei, desde as mais óbvias como a foto onde o Hiper-Homem segura uma Rural (emulando a capa da Action Comics número 1, onde o Superman aparece pela primeira vez) até as situações cômicas e diálogos rápidos como os da “Liga da Justiça Internacional”, que gosto muito. Tive várias críticas positivas, em uma delas, o filme era comparado ao “Watchmen” (cujo a HQ é uma das minhas referências para o filme) de Zack Snyder, me divirto com isso, acho que o filme cumpriu sua proposta de divertir e transportar quem assiste para esse universo cheio de reviravoltas, personagens que voltam da morte, heróis pomposos e vilões absurdos que permeiam as histórias em quadrinhos.

Baiestorf: Você trabalha como técnico de efeitos visuais se algum produtor te convidar? Como seria isso?

Caetano: Não tive essa proposta ainda, se rolar, vou analisar para ver se é algo que eu possa fazer. Se sim, trabalharia sem problema algum.

Baiestorf: Como um curta de orçamento baixíssimo deve ser planejado quando elaborado prá ter inúmeras cenas com efeitos visuais?

Caetano: Acho que você deve primeiro pensar em o que você é capaz de fazer bem. Estudar bastante a técnica e testar. Já ocorreu comigo de ter idéias que achei que poderia executar, mas no final, não deram certo. É muito frustrante. O seu filme deve ser do tamanho de sua capacidade, assim, você aprende a cada trabalho e vai aperfeiçoando com o tempo. Planejamento é uma das coisas mais importantes na hora de se realizar um efeito especial, mas deve-se estar seguro do que está fazendo, e essa segurança, só vem com muitos testes.

Baiestorf: Você e a Mariana realizam oficinas de vídeo, como são essas oficinas?

Caetano: Nós trabalhamos o conceito da idéia como principal instrumento de um filme, e que essa idéia, sendo um filme de baixo orçamento, deve ser desenvolvida a partir do que se tem em disponível, tanto de equipamentos quanto de pessoas. Vamos desde a concepção dessa idéia e roteiro, até a produção e finalização de um curta dentro desses preceitos. A última oficina que ministramos foi na “Mostra de Cinema de Bordas” esse ano, onde dividimos a sala em dois grupos que produziram um curta cada um. Foi uma grande proeza, visto que muita gente sai da faculdade de cinema sem produzir quase nada e esses grupos, usando os preceitos da produção independente, conseguiram finalizar dois filmes em apenas 3 dias, com qualidade técnica e narrativa muito interessante. O mais importante é abrir as portas da percepção das pessoas, de que é possível produzir com qualidade e baixo recurso, basta ter criatividade e saber usar o que se tem em mãos da melhor maneira possível.

Baiestorf: Como foi a criação do “Gato” (2009)?

Caetano: Bom, antes de contar como o filme foi criado, primeiro tenho que falar sobre o “gato” ou melhor gata que participou do filme, a Cindy Lauper Maria Mancini. Essa gata foi resgatada da rua por Mariana, minha esposa, no dia dos mortos (que coincidência não?), quando ela voltava do trabalho. A bichana havia sido atropelada ou espancada, não se sabe ao certo, e estava com uma pata totalmente comprometida, que arrastava ao andar. Ao decidir pega-la, Mariana me ligou perguntando o que eu achava, e como sempre fui muito apegado aos animais, concordei e apoiei sua nobre atitude. Desde o primeiro dia que vi a Cindy, sabia que íamos ficar com ela, e depois de semanas de tratamento (e uma pata amputada), ela se restabeleceu e vive conosco até hoje. Agora vocês me perguntam por que contei tudo isso antes de falar do filme não é? Bem, é que o filme “GATO” não existiria sem a Cindy. Eu trabalho em uma produtora como editor no período da manhã, e à tarde, trabalho em meus projetos artísticos, hora escrevendo roteiros, hora fazendo a pré-produção de um filme, hora vendo e revendo referências e por aí vai. Nessas tardes, depois que adotamos a Cindy, ela passou a me fazer companhia. Ela estava sempre presente onde eu estava, quando escrevia, quando via um filme ou lia um livro, quando ia no banheiro e tudo mais. Ela têm uma característica estranha, na verdade uma mania de ficar nos encarando por horas e horas, sem um motivo aparente, parece até que entende o que falamos, é muito estranho (inclusive quem vem aqui em casa sempre fica  meio espantado com essa mania dela). Tudo isso aliado ao fato de ela ter apenas 3 patas a torna uma gata especial. Dessas observações diárias comecei a pensar o quanto ela entendia o que eu estava pensando e dando asas a minha imaginação fértil, imaginei se por acaso, um dia, ela pudesse falar, o que acharia de mim? Pronto, surgiu o primeiro “estalo” da idéia. Decidi então escrever algo sobre isso, e fui criando primeiro o personagem do homem solitário que fala com o seu gato todos os dias, e que em um dado momento, ele ouve o animal responder. A princípio, era pra ter só os personagens do homem e o gato em sua forma animal, e a comunicação seria telepática, uma loucura só. Mas fui agregando elementos para rechear essa trama, a vizinha xereta, a mulher que o abandonou, a amante que ele traz pra casa e por fim, o gato humanóide, que ao meu ver, só funcionou muito bem por causa do ator, Luiz Carlos Batista, que por meio de sua impressionante interpretação,  deu vida a esse personagem. Depois de gravado, o filme foi para o festival de curta fantástico, o Cinefantasy  que aconteceu em 2009, agora em São Paulo. O festival cresceu muito e havia filmes de todo o mundo, com grandes orçamentos e histórias fantásticas em todos os sentidos, para minha surpresa, o filme “GATO” ganhou o júri popular daquele ano, fiquei muito impressionado com o resultado! A partir daí, o filme participou de 17 festivais, ganhando 5 prêmios nacionais e um internacional, o de Melhor Curta Metragem Latino-americano no Montevidéu Fantástico 2010. O filme ainda continua sendo exibido em  mostras  e festivais por aí. Moral da história, a Cindy pagou em dobro todo o carinho que tivemos por ela, pois se não a tivéssemos resgatado, esse filme, que hoje é o nosso maior sucesso, não teria sido realizado.

Baiestorf: A maquiagem da personagem do filme “Gato” foi criada por você? O que você utilizou para confeccioná-la?

Caetano: A maquiagem foi feita por mim sim. Sempre tive vontade de fazer esse tipo de maquiagem, mas achava meio distante, pois só via coisas assim em filmes de hollywood ou grandes produções. Foi então que assisti o filme “Mangue Negro” do Rodrigo Aragão. Vi que o cara fazia esse tipo de maquiagem aqui no Brasil, e que funcionava tão bem quanto as de fora. Comecei a pesquisar, e achei vários tutoriais na internet e fiz alguns testes. Como sou louco pela maquiagem do filme “O planeta dos Macacos” o primeiro teste que fiz foi uma máscara de símio, parecida com as do filme. O resultado não ficou muito satisfatório, mas percebi que com treino, poderia fazer melhor. Então, durante as gravações, eu fui fazendo a máscara, tirei o molde do rosto do ator, fiz um positivo de gesso, modelei a máscara do gato, fiz um negativo disso, usei látex para fazer a máscara, e depois finalizei colando pêlos (de um tecido sintético que comprei na 25 de março, uma rua de bugigangas aqui em São Paulo), para dar o toque final, colei piaçava (nem sei se á assim que se escreve) de vassoura para fazer os bigodes. Um processo totalmente artesanal, que finalizei com uma capuz peludo que cobria o resto da cabeça, e um chapéu de porco, que cortei o nariz e revesti as orelhas de pelo para parecerem de gato. O resultado foi o que todos viram na tela.

Baiestorf: Conte-me, por favor, como foi filmar com sua gatinha de verdade? Adoro felinos de todos os tipos, mas nunca tive paciência de filmar com os bichanos. Foi difícil?

Caetano: A Cindy, como disse, foi uma maravilha do começo ao fim. Tudo que fizemos com ela foi rápido, pois ela é muito esperta. Costumávamos gravar as cenas sem ela perceber e encaixamos tudo no filme de acordo com a necessidade. Cenas mais complexas como a da janela, usei um brinquedo que ela gosta escondido em minha mão, eu balançava e ela vinha naturalmente, gravamos essa cena em apenas 4 takes, com um pra garantir no final. A Cindy tem uma gratidão muito forte por nós, por isso ficou fácil fazer tudo, não forçamos ela à nada. Até a cena do banheiro, onde parece que o personagem principal está estrangulando o gato, foi tranqüilo, pra ela tudo não passou de mais uma brincadeira e em momento algum a forçamos ou machucamos de alguma forma, ela é nossa estrela!

Baiestorf: Teve um importante festival de cinema fantástico aqui no Sul do Brasil que se recusou a exibir “Gato”, dizendo que ele era uma produção amadora. O que você pode falar sobre este episódio?

Caetano: A seleção ou não em alguns festivais depende muito do critério de avaliação de cada um deles e eu respeito isso. Infelizmente não pude participar de alguns festivais, mas entrei em outros, que ao meu ver, conseguem entender a diferença entre um filme amador à um filme de baixo orçamento. Felizmente tive a oportunidade de exibir meus curtas em Porto Alegre, tanto o  “GATO” quanto a “ESTRANHA” em mostras como “A vingança dos Filmes B”, organizada pelo também cineasta (e companheiro de cena em “A noite do Chupacabras”) Cristian Verardi, e fico muito feliz por isso, pois o público teve a oportunidade de ver os filmes, e isso é o que importa no final. É normal não entrar em alguns festivais que normalmente achamos que seríamos aceitos, como é normal também entrar em outros que nem esperamos, não dá pra agradar todo mundo e nem espero que isso aconteça, por que senão ia ser um saco. O mais interessante é que essas barreiras de pré-conceito vêm sendo quebradas pois o filme “GATO” foi exibido em alguns festivais importantíssimos que não são sequer de de gênero, como o Festival de Curtas de BH e o Cine Amazônia, e o internacional Piriápolis de Película no Uruguai, isso é uma vitória não só para mim, mas para todos que fazem e curtem cinema de gênero no país.

Baiestorf: Acho que seus últimos curtas mereciam lançamento comercial. Você tentou  negociar com alguma distribuidora ou tem planos de lançar alguma coletânea de curtas de forma independente mesmo?

Caetano: Eu já tentei lançar os antigos, esses novos ainda não, mas pretendo futuramente fazer isso, seria muito bom poder ter um DVD oficial dos filmes, preciso começar a me organizar quanto a isso!

Baiestorf: E exibição em TV, já teve alguma proposta?

Caetano: Comecei a pensar nesse tipo de coisa mais recentemente e pretendo em breve, poder oferecer esse material tanto para emissoras de TV quanto para distribuidores.

Baiestorf: O que é o “Wonderlandigital”?

Caetano: Foi um curtinha que fiz com a Mariana num fim de semana que não tinha nada pra fazer, foi só pra testar a capacidade de uma filmadora que havia comprado na época.

Baiestorf: Percebo que após 2009 você aceitou vários trabalhos como ator, como é isso?

Caetano: Eu gosto de atuar, mas não pensava em fazer filmes de outras pessoas, já estava feliz em poder fazer meus próprios filmes. Foi então, que fui a um evento chamado CineTerror na Praia II, em Guarapari, Espírito Santo, onde estava passando uma retrospectiva da RZP, do “Minha Esposa é um Zumbi” até o “GATO”. Essa mostra foi organizada pela Fábulas Negras Produções, do diretor Rodrigo Aragão. Chegando lá fui muito bem recepcionado por todos e o Rodrigo, junto com a Mayra (atriz, produtora e esposa do Rodrigo), me disseram que tinham escrito um papel para mim no próximo filme, “A noite do Chupacabras”, fiquei surpreso e feliz, e mesmo sem ler e nem saber nada sobre o tal papel, aceitei na hora, primeiro por ter feito uma grande amizade por todos lá do Espírito Santo, depois, por admirar o filme “Mangue Negro”, que ao meu ver, é um divisor de águas no cinema de terror nacional.  Era uma grande oportunidade  de trabalhar e aprender com esse grupo muito talentoso de pessoas, lideradas pelo Rodrigo. O papel foi maior do que eu esperava, e aprendi e me diverti muito nesse processo todo, foi um sonho de infância realizado. Depois de participar de “A noite do Chupacabras”, recebi alguns convites, uns tive que recusar, por não ter tempo, ou não terem muito haver com meu perfil, e outros aceitei como a ponta no filme “O Tormento de Mathias” de Sandro Debiazzi, filme que gosto muito e tenho orgulho de ter participado e “Morte e Morte de Johnny Zombie” de Gabriel Carneiro, a quem respeito muito e acho um novo diretor que ainda vai dar o que falar, pois é muito profissional e talentoso.

Baiestorf: Como foi ser dirigido pelo Rodrigo Aragão, que, na minha opinião, é o mais significativo diretor de filmes de gênero surgido no Brasil nos últimos 20 anos. Como rolou o convite?

Caetano: O personagem Douglas Silva, foi um presente maravilhoso e interessante e que adorei interpretar. Trabalhar com o Rodrigo é muito bom, além de todo aspecto técnico, todos trabalhavam o tempo todo com o sorriso no rosto, por amarem o que estavam fazendo, é uma equipe muito apaixonada e apaixonante. O Rodrigo é um cara muito inteligente e focado no que está fazendo, e ele tem uma característica muito boa que é conseguir juntar bons profissionais com uma maneira de agir, caráter e determinação iguais a sua e isso facilita tudo. Conversamos muito sobre o personagem antes das gravações e a medida que íamos fazendo as cenas, ele ia apontando algumas modificações que queria, até um ponto que eu já estava totalmente imerso no universo criado por ele no filme e isso foi ótimo. Considero minha participação em “A noite do chupacabras” um grande aprendizado em todos os sentidos, pois pude acompanhar de perto e participar efetivamente de todo o processo (menos da finalização), desde atuar, até ajudar na produção, construção de cenário, máquina de fumaça (o pior trabalho desse set), ver o processo de maquiagem (onde aprendi muito também) entre outras coisas mais, para mim, foi tudo uma grande diversão. Quando atuava, me sentia como na infância, naqueles mundos que criava em minha cabeça, e isso só foi possível de ser realizado por causa desse maravilhoso convite, por isso agradeço muito ao Rodrigo Aragão e a toda sua equipe que me acolheu como um dos seus, hoje me considero um capixaba de coração.

Baiestorf: E sua participação nos filmes “O Tormento de Mathias” (2011) e “Morte e Morte de Johnny Zombie” (2011). Conte como foram as filmagens destas produções:

Caetano: Conheci o diretor Sandro Debiazzi, de “O tormento de Mathias”, em uma das edições da Mostra de Cinema de Bordas em São Paulo. Ele se apresentou, dizendo que tinha visto alguns de meus filmes e que tinha gostado, e que estava com uma idéia de escrever uma dissertação de mestrado falando sobre meu trabalho. Quando ele disse isso, achei que estava “tirando uma” com a minha cara, uma dissertação de mestrado sobre meu trabalho, só podia ser brincadeira (apesar de já terem escrito um capítulo no livro “Cinema de Bordas II, sobre o filme “Minha Esposa é um Zumbi”, vejam como boto fé em mim mesmo rs). Um belo dia, em uma conversa com outro grande diretor independente chamado Felipe M. Guerra, fiquei sabendo que o tal Sandro também o havia abordado, e que o negócio era sério. Logo depois, ele me mandou um e-mail, falando sobre a tal dissertação, e claro que prontamente atendi todas as suas solicitações, pois me senti muito honrado em ser objeto de estudo de um trabalho tão importante. Desde então, eu e Sandro fizemos uma boa amizade, ele terminou sua dissertação denominada “Que horror é esse”, onde analisou o meu trabalho cineasta, o do Felipe M. Guerra e o dele mesmo, sob o pseudônimo de Thitus André. Sobre isso, fiquei sabendo que Sandro vinha gravando um filme à mais ou menos 20 anos, chamado “O Tormento de Mathias”, e que estava com vontade de finalizar. Ele falou comigo sobre o assunto e disse que muita gente o havia persuadido a finalizar sua obra, e eu, fui um dos que incentivei também, alegando que esse tipo de coisa pode se tornar “a maldição da punheta eterna” (termo que roubei do Rodrigo Aragão), onde você nunca chega ao ápice final que é o gozo de se terminar um filme e jogá-lo na face do espectador! Sandro começou a filmar as partes que faltavam e chamou o Felipe M. Guerra para participar como ator, uma escolha totalmente apropriada, pois sua participação é impagável no filme. As cenas que foram gravadas em VHS no passado, serviriam de flash back, uma tirada genial do diretor. Com quase tudo gravado, Sandro decidiu me chamar para fazer uma pequena participação como ator da cena de abertura do filme. Não tinha como negar, participar de algo tão interessante quanto esse filme, que só pelo fato de ter sido filmado em 20 anos, já se torna cult. No filme, interpreto o Dr. Dantas, um médico que usa meios nada convencionais para controle de doentes mentais. Gravamos tudo numa noite, muito rapidamente, mas gostei bastante do resultado, o Sandro além de ter ótimas idéias e soluções para fazer filmes de baixo orçamento, é também um bom editor, o filme tem um ritmo ótimo. O Mathias já é um slasher clássico 100% nacional! Sobre “Morte e Morte de Johnny Zombie” é o seguinte. Também conheço o diretor Gabriel Carneiro de “outros carnavais”. Ele é jornalista, editor chefe da revista eletrônica Zingu e trabalha na Revista de Cinema. Em 2008, quando lancei o curta “O assassinato da Mulher Mental”, ele me entrevistou para a Revista Zingu, numa série de entrevistas que fez com vários diretores independentes (inclusive o Sr. Petter Baiestorf). Desde então, nos encontramos em eventos e ele já escreveu algumas vezes sobre meus curtas, sempre com textos muito bem escritos e bastante críticos de forma muito lúcida e analítica. Em algumas conversas, Gabriel me confidenciou que gostaria de trabalhar em alguma produção, mas que tinha dificuldades de conseguir algo. Eu pensei em chamá-lo algumas vezes, mas acabou não rolando por causa de agendas e outras coisas. Esse ano, fiquei sabendo que Gabriel estava fazendo teste de elenco para seu primeiro curta chamado “Morte e Morte de Johnny Zombie”, até pensei em ir fazer o teste, mas acabei deixando passar por falta de tempo e por achar que talvez não fosse um papel para mim. Foi então, que para minha surpresa, durante a “Mostra de Cinema de Bordas”, Gabriel e Adriana Câmara, sua assistente de direção (e também diretora premiada com o excelente curta “1:21”) me abordaram na fila do ingresso, ele portava em suas mãos um roteiro do curta e ao me entregar, disse que tentou fazer testes com outros atores, mas que o Johnny Zombie tinha que ser interpretado por mim! Não posso dizer o quanto fiquei feliz ao ouvir isso, e é claro que aceitei na hora. As gravações do curta foram extremamente profissionais, fizemos ensaios e durante as filmagens tinha até claquete (coisa que nunca usei nos meus curtas). Por fim, Gabriel se revelou um diretor que sabe o que quer, meticuloso e extremamente perfeccionista. Acredito que o resultado final (ainda não vi a edição final do curta) será um filme de zumbis muito diferente do convencional. Por fim, deu pra perceber que aceito trabalhos motivado pelo envolvimento pessoal e principalmente pela idéia do filme. Como já trabalho com produção de vídeo profissional e ganho a vida com isso, fazer cinema tem que ser divertido e inspirador, senão não faz sentido. Vi tanto nessas propostas, uma forma de aprender e de participar de uma experiência única, por isso aceitei os papéis.

Baiestorf: Teu último filme, “Estranha”, é bem mais violento que seus trabalhos anteriores. Teremos um Joel Caetano mais sangrento nas próximas produções?

Caetano: Tenho me divertido muito com esse negócio de sangue, mas é meio imprevisível. Sou um artista caótico, muitas vezes movido pelo impulso. Pode ser que eu faça uma comédia romântica ou até um western da próxima vez, tudo pode acontecer, mas com certeza, farei mais filmes com sangue, pois me divirto muito com isso.

Baiestorf: No curta “Estranha” você contou com a colaboração dos atores Walderrama dos Santos e Kika de Oliveira, dos filmes do Rodrigo Aragão. Como rolou isso?

Caetano: Ao fazer parte do elenco de “A noite do Chupacabras”, acabei passando muito tempo no Espírito Santo (uns 40 dias se contar tudo). Logo de cara, me apaixonei pelo lugar e pelas pessoas, posso dizer que fiz grande amigos naquele lugar, que espero levar para toda a vida. Kika e Walderrama são dois exemplos, adoro os dois como amigos, mas também são ótimos profissionais. No ano de 2010, eles decidiram vir para São Paulo para participar do Cinefantasy, um grande festival de cinema fantástico que ocorre aqui na cidade. Prontamente, os convidei para ficar em minha casa e eles aceitaram. Nesse meio tempo, voltei ao Espírito Santo para gravar mais cenas do longa do Aragão, e em conversas com a Kika, ela manifestou a vontade de filmar algo com a Recurso Zero, eu é claro, adorei a idéia. Quando voltei para São Paulo, comecei a escrever o roteiro, queria algo simples, que pudesse ser gravado em apenas um ou dois dias,  com equipe reduzida. Tive então a idéia de fazer um filme só com mulheres (para aproveitar a Kika e a Mariana), que fosse bem violento e com um certo apelo sensual. Nasceu então a idéia do curta “ESTRANHA”, e quando eles vieram pra cá, gravamos tudo somente em quatro pessoas, eu dirigi e fiz câmera, fotografia, maquiagem de efeitos e direção de arte, a Mariana Zani atuou, fez maquiagem, figurino e produção, a Kika atuou e fez produção e o Walderrama (só avisei que ele tinha um papel quando estava aqui), fez microfone e atuou. Foi tudo muito divertido, e apesar de ter sido feito rapidamente (foi gravado em 2 noites e 1 dia), gostei muito do resultado final do curta.

Baiestorf: E a recepção do público com o “Estranha”?

Caetano: Está sendo muito bom. Já vi algumas vezes com o público, e são reações diferentes dos meus outros curtas que são mais engraçados. Vejo pessoas rindo de nervoso e algumas se contorcendo em algumas cenas, e por fim, o silêncio total. Sinto que o filme causa um certo estranhamento no público, que fica sem saber o que dizer nos primeiros minutos após seu término, é muito interessante. Do ponto de vista da crítica, vem sendo bem aceito, inclusive acabamos de ganhar o prêmio de Melhor Curta Profissional no ESPANTOMANIA II pelo júri técnico, é o primeiro prêmio do curta. Enviei o filme para alguns festivais que ainda estão rolando, ainda não sei totalmente qual a recepção do filme, só o tempo dirá.

Baiestorf: “Estranha” está com uma ótima qualidade de imagem, que equipamentos tu está utilizando para produzir teus filmes?

Caetano: Estou usando uma câmera DSLR, a T2I 550d. A vantagem dessas câmeras é que se pode gravar com qualidade HD e estética de cinema, por causa da possibilidade de se trocar as lentes, é uma maravilha. No mais, tento trabalhar bem a parte de fotografia, sendo bem criterioso na iluminação das cenas. Uma coisa que preciso citar que fez uma enorme diferença na finalização desse curta é a trilha, que foi feita exclusivamente para o filme pelo artista Tiago Fernando Galvão, que desenhou de forma marcante curva dramáticas e de tensão, levando ao tema do filme ao extremo de forma delicada e muito sensível, entendendo profundamente a proposta do filme.

Baiestorf: O que você pode adiantar sobre teus projetos futuros?

Caetano: Estou fazendo alguns testes com Stop Motion e tenho alguns roteiros que pretendo filmar. Eu pretendia começar a produção de um longa ainda esse ano, mas por problemas pessoais tive que adiar. Nesse momento estou na produção de um curta de um diretor amigo meu, chamado Tiago Fernando Galvão (que fez a trilha de “ESTRANHA”), ajudei ele a escrever o roteiro e estou auxiliando na concepção geral do curta, que terá uma produção muito interessante. Fui também convidado pelo Felipe M. Guerra para participar de seu novo curta, e pretendo filmar um curta também até o final de 2011.

Baiestorf: Como os interessados podem adquirir teus filmes?

Caetano: Ainda não estou vendendo, mas estou preparando alguns DVDS com material inédito para lançar entre o final desse ano ou começo do próximo! Assim que tiver novidades sobre isso lhe aviso, para que possa postar em seu blog!

Baiestorf: Que dicas Joel Caetano deixa para os novatos que queiram começar a produzir filmes?

Caetano: Façam seus filmes acima de qualquer coisa! Acreditem nas suas idéias, pois só assim podem convencer os outros. Não se prendam ao equipamento, eles são só ferramentas, vocês devem usá-los para contar uma boa história, não depender deles. No mais, se divirtam na hora de fazer o filme, isso já é meio caminho andado para seu sucesso.

RZP and Troma.

Projeto Páscoa Sarnenta 2: Observações de um Gaúcho Necrófilo

Posted in Vídeo Independente with tags , , , , , , , , , , , , , on abril 29, 2011 by canibuk

Nos últimos dias, estive afastado do blog (Nota do Canibuk: Do blog Filmes Para Doidos) por estar envolvido em dois eventos únicos: a Mostra Cinema de Bordas promovida pelo Itaú Cultural, que chegou à sua terceira edição, e “Páscoa Sarnenta”, um projeto conjunto com a lenda do cinema independente brasileiro Petter Baiestorf.

Algumas considerações sobre ambos, pois sempre acho que vale a pena dividir pequenos fragmentos de memórias cinematográficas com leitores de um blog sobre cinema…

Felipe Guerra & Baiestorf.

1. Cinema de Bordas
Infelizmente, neste ano não pude acompanhar o Cinema de Bordas todos os dias por causa deste projeto com o Baiestorf. Mesmo assim, o evento no Itaú Cultural proporcionou uma daquelas raras oportunidades de reencontrar velhos amigos e fazer novos.

Estiveram presentes realizadores como Rodrigo Aragão, Joel Caetano, Sandro Debiazzi, Rodrigo Brandão e o próprio Baiestorf, mas quem roubou a cena foram duas lendas vivas do cinema underground nacional: Manoel Loreno, conhecido como Seu Manoelzinho, e Aldenir Coty, ninguém mais ninguém menos que o Rambú da Amazônia!!!

Seu Manoelzinho é a própria encarnação do chamado “Cinema de Bordas”, e realizou filmes ingênuos e muito divertidos feitos em VHS, com roteiros improvisados (o realizador é analfabeto), situações sem pé nem cabeça e uma montagem que beira o surreal.

Ver aquele sujeito humilde e desajeitado, lavrador e faxineiro de cinema em Mantenópolis (interior do Espírito Santo), apenas confirmou a famosa frase de Werner Herzog que adoro citar em benefício próprio: “O cinema não é uma arte de eruditos, mas de analfabetos”.

Também me deu a certeza de que esses estudantes de cinema de hoje são tudo uns chorões, porque se um analfabeto de Mantenópolis consegue pegar uma câmera e fazer 20 longas-metragens, e eles não conseguem nem ao menos terminar seus curtas, é porque alguma coisa está MUITO errada…

Fiz questão de tirar foto e comprar DVDs com filmes de Seu Manoelzinho, entre eles o clássico western “O Homem Sem Lei”, que tem cenários mostrando apenas a fachada de estabelecimentos como delegacia e saloon, e tiroteios filmados através de bombinhas acesas diretamente no cano dos “revólveres”!!!

Também dei um furo ao pedir autógrafos nos DVDs sem lembrar que o célebre Loreno não é versado no dom da escrita: mesmo assim, o esforçado realizador fez dois garranchos completamente diferentes em cada caixinha!

Já Rambú roubou a cena quando apareceu no Itaú Cultural vestido com calça militar, chinelos-de-dedo e faixa vermelha amarrada na testa, como manda o figurino de seu personagem calcado no Rambo de Stallone.

Percebi que Coty realmente acredita ser uma espécie de sósia do famoso Sylvester, tanto que na Mostra estava exibindo sua nova produção, “Roquí – O Boxeador da Amazônia”, um curta hilário que já está no YouTube.

Bastante assediado e exigido para fotografias, o astro amazonense já revelou que deverá estrelar também uma versão genérica de “Stallone Cobra” – que, pela lógica dos títulos anteriores, deverá se chamar “Cobrá da Amazônia” (já deixo a sugestão)! Vai ser engraçado vê-lo com óculos espelhados e falando “Você é um cocô” com sotaque de Manaus…

Na quinta-feira, 21, teve a exibição conjunta de meu curta “Extrema Unção” e do filme do Baiestorf “O Doce Avanço da Faca”, que teve alguns cortes nas cenas de sacanagem exigidos pelos organizadores.

Eu já tinha visto o filme do Petter e não me importei com a retirada do sexo gratuito, mas foi uma pena eliminarem a bela história em quadrinhos exibida no começo do curta e até O FINAL da obra, mutilando completamente a obra do realizador! (Nota de Canibuk: Eu, Baiestorf, concordei com os cortes e assumo a responsabilidade por estes cortes, chega deste assunto!)

Depois da exibição, rolou um bate-papo meu e do Baiestorf com o moderador Lúcio Reis. Já fiz um lance parecido no Fantaspoa alguns anos atrás e sabia que o Petter fala sem parar, então fiquei servindo de escada para ele e fizemos inúmeras piadinhas que levaram o público às gargalhadas. Parecia até show de stand-up comedy, só que sentados.

Lucio Reis, Guerra & Baiestorf.

O mais surpreendente foi a presença de dois estudantes de cinema que fizeram perguntas. Pensei que eles iriam nos detonar, pois isso é bem do feitio desse tipo de estudante, mas eles na verdade elogiaram nossa iniciativa de “fazer por conta” e reclamaram da faculdade, que não lhes dá a liberdade de fazer o mesmo.

Aí eu e o Petter aproveitamos para dar nosso pitacos sobre o tema, em trecho que foi filmado pelo amigo Fritz e você pode ver no vídeo abaixo.

Infelizmente, não pude ver a estreia do média-metragem “O Tormento de Mathias”, de Sandro Debiazzi, onde apareci como ator ao lado do Joel Caetano e outras feras (ô loco, bicho!). Queria ver a reação do público ao filme e à minha interpretação tenebrosa, mas naquele momento eu já estava a caminho de Palmitos, interior de Santa Catarina, para filmar com o Baiestorf.

2. Páscoa Sarnenta
Logo após o bate-papo no Cinema de Bordas, tivemos uma reunião sobre um possível projeto cinematográfico conjunto que juntará, no mesmo filme, eu, Rodrigo Aragão, Baiestorf e Joel Caetano. Não vou dar detalhes enquanto isso não sai do papel, mas a reunião deixou todo mundo otimista.

Petter então lembrou que precisávamos pegar o avião para Santa Catarina bem cedinho no dia seguinte, e pediu para voltarmos cedo para casa – porque ele ia dormir num colchão na minha sala, para chegarmos mais rápido ao aeroporto.

Claro que na prática não foi bem assim: acabamos a noite num bar na Augusta onde ficamos bebendo até quase cinco da manhã, entre risadas e doideiras como o telefonema em que Fernando Rick supostamente falou comigo e eu estava em casa, embora eu estivesse no bar e nunca tenha recebido nenhuma ligação dele!!!

No dia seguinte, mortos de sono e de cansaço, finalmente pegamos o avião para Chapecó e o puto do Baiestorf aproveitou para explorar meu medo de voar: sentado na porta de emergência da aeronave, ficava ameaçando abrir aquela merda durante todo o voo!

Chegamos em Chapecó sem maiores problemas (apesar das sacanagens do Petter) e pegamos carona com Carli Bortolanza para Palmitos, onde parte da equipe do Baiestorf já esperava para o início do Projeto Páscoa Sarnenta.

Vou explicar rapidamente o que foi esse negócio: há alguns meses, fuçando no YouTube, descobri o trailer de um documentário chamado “Lado B – Como Fazer um Longa Sem Grana no Brasil”, de Marcelo Galvão.

O título é chamativo e a sinopse diz: “Longe das verbas milionárias, o filme revela as dificuldades enfrentadas por quem não dispõe de recursos para realizar um projeto”.

Confesso que a primeira coisa que pensei foi: “Ué, por que não me entrevistaram para esse negócio?”. Afinal, fiz um curta de 40 reais ano passado. Aí vi o trailer de “Lado B” e descobri que eles usaram depoimentos de cineastas como Fernando Meirelles e Ugo Giorgetti, choramingando por terem feito curtas com APENAS 90 mil reais.

Fiquei tão puto que resolvi realizar um verdadeiro documentário sobre “como fazer cinema sem grana no Brasil”, e entrei em contato com o Baiestorf sugerindo que ele filmasse um curta-metragem de baixíssimo orçamento num final de semana enquanto eu acompanhava os bastidores, estilo “Popatopolis”, em que Clay Westervelt acompanhou Jim Wynorski enquanto ele fazia um filme em três dias.

O Petter gostou da ideia, mas, como ele é um sem noção, resolveu fazer não um, mas QUATRO curtas nos três dias do feriadão de Páscoa: “Pampa’Migo”, uma espécie de western sangrento; “O Monstro Espacial”, com efeitos e monstrinhos elaborados por Rodrigo Aragão; “Filme Político Número Um”, um curta experimental com pintos e pererecas em close, e finalmente seu próprio documentário sobre o documentário que eu estava filmando!

Teste de Efeitos: Vermes Espaciais com design de Rodrigo Aragão.

Enfim, nos acomodamos no sítio da família Baiestorf, em Palmitos, para engraçadíssimos três dias sobre os quais não vou dar muitos detalhes, mas que vão render um filme divertidíssimo sobre os bastidores da produção independente nacional.

Conheci gente que só conhecia de nome e de fama, como a nova estrela das produções de Petter, Gisele Ferran, e a lenda viva Jorge Timm, entre outros. Dividi uma cama de casal com Gurcius Gewdner, responsável por algumas das maiores gargalhadas dos três dias de filmagem, principalmente por tentar censurar o documentário após emitir opiniões polêmicas sobre pessoas conhecidas e ex-namoradas.

E, finalmente, descobri que há um ano estou acreditando numa mentira contada pelo Petter, de que o seu diretor de fotografia, o australiano Daniel Yencken, havia sido um dos atores-mirins de “Mad Max – Além da Cúpula do Trovão”, algo que o Baiestorf me contou ainda em 2010 e que o próprio Daniel fez questão de negar – e eu que estava até pensando em entrevistá-lo sobre suas experiências com Mel Gibson e George Miller!

No fim, Baiestorf conseguiu concluir apenas dois dos curtas planejados, “Pampa’Migo” e “Filme Político”, em virtude da chuva que estragou um dia inteiro de filmagens.

Participei como figurante em “Pampa’Migo”, interpretando um personagem batizado “Cagão”, que posteriormente também deveria aparecer numa espécie de suruba entre sangue e tripas no curta não-filmado “O Monstro Espacial” – mas não foi dessa vez que protagonizei uma cena erótica no cinema, para a sorte dos espectadores!

Teste de figurino do Monstro Espacial (Elio Copini).

Depois, fiquei duas noites hospedado na casa do Baiestorf com o Gurcius até a longa viagem de volta, de ônibus, para o Rio Grande do Sul, onde estou nesse momento para os festejos do Dia das Mães. Vimos muitos filmes entre risadas e cervejas.

Achei que o Petter iria me bombardear com filmes tipo “Nekromantik”, mas, para minha total surpresa, passamos esses dias vendo ingênuos filmes de praia estrelados por Frankie Avalon e Annette Funicello, e rindo como completos imbecis!

Também teve uma hilária, mas hilária mesmo, sessão de “Invasão USA”, do Chuck Norris, que se transformou numa comédia involuntária total diante dos comentários meus, do Gurcius e do Petter. E vimos “O Espantalho Assassino”, do Seu Manoelzinho, numa experiência verdadeiramente mágica.

Despedi-me de Palmitos e de sua fauna de pessoas excêntricas (sem dúvidas, a verdadeira Twin Peaks brasileira) e embarquei para o RS na manhã de terça-feira.

3. Sobre viagens longas e leituras
Para voltar para casa, eu teria que utilizar três meios de transporte: ônibus de Palmitos a Chapecó, então esperar quatro horas até o ônibus de Chapecó para Porto Alegre, e então pegar uma carona com uma amiga de volta a Carlos Barbosa.

Como eu sou hiperativo, sabia que jamais iria aguentar essa maratona toda de viagens, até porque só a ida de Chapecó a Porto Alegre duraria quase 15 HORAS! Desesperado e sem companhia para conversar, resolvi comprar um livro na esperança de que ler no ônibus me desse sono e eu dormisse parte da viagem – porque, acreditem ou não, eu não consigo dormir no ônibus, nem numa viagem de 15 horas!

Foi aí que descobri que o confinamento em um ambiente sem outras opções (como cinema e internet) e sem possibilidade de fuga permite que você leia muito e sem parar. A edição de bolso de “A Hora do Vampiro”, de Stephen King (livro cuja leitura eu estava adiando há décadas), foi devorada em cerca de oito horas, e estamos falando de um livro de 580 páginas!

Aí lembrei da semana que passei internado no hospital com intoxicação alimentar e, sem poder sair da cama, tinha que escolher entre ler ou ver o Programa do Ratinho na TV. Naquela semana, li um livro por dia.

Todos sabem que não gosto de aviões, mas gosto menos ainda de perder tempo. Porém a viagem de Santa Catarina ao RS me fez perceber que longas viagens de ônibus são uma excelente oportunidade para ler sem parar e sem ser interrompido por coisas como a internet.

Tanto que vou fazer a experiência de voltar a São Paulo de ônibus, com vários livros na mochila, para ver se consigo colocar a leitura em dia!

Observações de Felipe Guerra sobre o Projeto Páscoa Sarnenta, publicada originalmente no seu blog FILMES PARA DOIDOS: http://filmesparadoidos.blogspot.com/