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Morte e Morte de Johnny Zombie

Posted in Cinema, Vídeo Independente with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on dezembro 12, 2011 by canibuk

“Morte e Morte de Johnny Zombie” (2011, 14 minutos) de Gabriel Carneiro. Maquiagens de Fritz Martiliano. Com: Joel Caetano, Charlene Chagas, Ana Luiza Garcia, Felipe Guerra e Mariana Zani.

Johnny trabalha num galpão onde é produzido o pesticida Romero e, durante um vazamento, é contaminado pelo produto, se tornando aos poucos um zumbi.

“Morte e Morte de Johnny Zombie” é o curta-metragem de estréia do jornalista e crítico de cinema Gabriel Carneiro na direção. Optando por um ritmo mais intimista, Gabriel conta uma história de zumbis sob a ótica do próprio zumbi, mostrando essa transformação aos poucos. Seus elaborados takes subjetivos ajudam a construir a morte do Johnny humano (interpretado pelo sempre ótimo Joel Caetano, herói no longa-metragem “A Noite do Chupacabras” (2011) de Rodrigo Aragão), até se tornar o clássico zumbi comedor de carne humana e enfrentar sua eventual nova morte como zumbi, filmada de maneira espetacular por Gabriel carneiro, que dá uma uma importante contribuição ao subgênero “zombie movies”. Não vou contar aqui como foi feita essa cena, ela precisa ser assistida no curta, mas posso dizer que fazia anos que eu não me surpreendia tanto com um final de filme independente brasileiro.

É importante dizer que o filme conta com atuações de ícones do cinema independente brasileiro, além de Joel Caetano, sua esposa e sócia na produtora Recurso Zero, Mariana Zani, faz uma participação especial e o diretor Felipe Guerra interpreta o incrível falastrão fã de cinema, ou seja, interpreta a si mesmo de maneira soberba.

Gabriel Carneiro, além de jornalista e crítico de cinema, é membro fundador da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), escreveu o guia de cinema “Quem Apertou o Botão de Pânico? – Como a Ficção Científica Cinematográfica Norte-Americana, de 1950 a 1964, Abusou da Guerra Fria e de seu Contexto para Ganhar Dinheiro”, ainda não publicado; também escreveu o capítulo “O Anjo Embriagado” do livro “Os Filmes que Sonhamos”, organizado por Frederico Machado, colabora com a Revista de Cinema, nos sites Cinequanon e Zingu! e, atualmente, faz a pesquisa para o longa documental “O Cinema de Ozualdo Candeias”.

Achei o curta de estréia de Gabriel Carneiro imperdível. Acho que merecia um lançamento em DVD coletânea contendo trabalhos de vários diretores independentes, sinto falta dessa união de produtores independentes na hora de distribuir seus trabalhos. E já poderia aproveitar o gancho colocando num mesmo DVD o “Morte e Morte de Johnnie Zombie”, “Estranha” (última direção de Joel Caetano), “Extrema Unção” (última direção de Felipe Guerra) e mais alguns curtas de outros diretores. Único pecado desta nova geração de realizadores está na distribuição de seus filmes que, quase sempre, ficam restritas à mostras, festivais ou net, privando o colecionador de filmes de ter uma cópia apresentável em sua casa. Só queria deixar aqui a opinião de um colecionador fanático por cinema undergournd de baixíssimo orçamento.

Segue uma entrevista que realizei com Gabriel Carneiro sobre a produção de “Johnnie Zombie”:

Petter Baiestorf: Como surgiu a idéia para filmar “Morte e Morte de Johnny Zombie”?

Carneiro: Tenho uma amiga que adora zumbis, a Marília Passos. Um dia ela veio me dizer que teve uma idéia para um filme de zumbi. Sabe esses filmes em que os zumbis são meros coadjuvantes da história para um bando de paspalhos? Pois bem, seria o contrário, uma história de um zumbi protagonista e de sua transformação. Eu já queria fazer um filme de gênero. Quando ela me contou essa idéia, logo me veio na cabeça: tem que ser mais que um zumbi protagonista, tem que ser a visão do zumbi sobre os acontecimentos, ele percebendo sua transformação. Pedi pra ela fazer um argumento, discutimos a história, mudamos algumas coisas e aí escrevi o roteiro, em três dias. Várias coisinhas foram mudadas nele, depois, mas a estrutura, a priori, sempre foi a mesma.

Baiestorf: Dá prá perceber que é uma produção modesta com um ótimo aproveitamento do material humano, como você conseguiu juntar todo este pessoal talentoso?

Carneiro: A idéia sempre foi fazer um filme o mais profissional possível, dentro das restrições orçamentárias. Para a produção em si, foram gastos pouco menos de R$ 700. Ninguém, obviamente, recebeu. Todo o equipamento foi emprestado, com exceção do shoulder pra câmera, que aluguei, e do gravador de áudio, que é meu. Não sou formado em cinema ou em rádio e TV, conheço minhas limitações. Queria pessoas que realmente entendessem o que estavam fazendo tecnicamente. Já era uma meta quando comecei o projeto, e fui caçando interessados. Fiz um anúncio no facebook e fui juntando gente, amigos que se interessaram pelo projeto e toparam fazer sem pagamento. Claro, veio também muito estudante e/ou recém-formados, mas vários deles já trabalham na área. O Fábio Yamaji, que fez a montagem, é amigo, colega de Cinequanon, já o entrevistei para a Revista de Cinema e tal. Ele é um animador super ocupado, que monta alguns filmes, e fez um curta que rodou o mundo todo chamado O Divino, de Repente. A Adriana Câmara, que foi assistente de direção, já dirigiu várias coisas para TV, como a série Sensacionalista, e foi assistente de direção de longa já, Desenrola. O Rafael Alves Ribeiro, que fez o som direto em duas das três diárias que teve captação de som direto, desempenhou o mesmo cargo nessa série do Canal Brasil sobre a Boca do Lixo. E por aí vai. Esse negócio de contato realmente funciona. Já tinha chamado o Pedro Ribaneto (fotografia), o Dênis Arrepol (produção) e a Adriana, que são mais próximos. O facebook me permitiu uma outra triagem, e muita gente angariei assim. E aí vieram os contatos dos contatos, ou seja, gente que estava na produção foi indicando pessoas para os cargos que faltavam. O Rafael Alves veio assim, é amigo do Dênis de faculdade de cinema. E, claro, não preciso nem falar que sem essa equipe sensacional, esse filme não chegaria perto do resultado que tem.

Baiestorf: E os cenários?

Carneiro: Quanto aos cenários, foram três locações. Em teoria, precisaria de dois, a fábrica, e a casa. Porém não consegui uma casa pra filmar que fosse espaçosa o suficiente para ter toda a movimentação que queria. Acabei optando então por fazer no apartamento da Adriana o cenário principal, que é o interior da casa. A Adriana se mudou pra São Paulo pouco antes do início da gravação e até hoje é meio assim, vazia de móveis e objetos, o que é excelente para usar o baita espaço a favor da movimentação do elenco, em especial na cena do ataque do Johnny. Isso também favoreceu muito nas subjetivas com outros atores, porque ficava o diretor de fotografia e o Johnny Zombie colados, fazendo os movimentos e interagindo com as demais pessoas. Filmei também numa fábrica em Atibaia, que era do irmão de uma das atrizes – e amiga minha de longa data, a pessoa que conheço há mais tempo de todos, ex-colega de colégio e de teatro, que é a Ana Luiza Garcia. Precisava de uma locação crível pra dar a impressão de que Johnny de fato poderia ter se contaminado lá. Ela me apresentou essa opção e foi ótimo. Já estava até meio desesperado. Cogitei várias alternativas e nenhuma se concretizava. Salvou o filme. E o local é ótimo, em termos de cor e espaço. Fica muito bonito no quadro e muito realista. Já o terceiro cenário foi a fachada da casa da tia da diretora de arte e figurinista Fernanda Fernandes. Queria que o último plano desse pra rua mesmo, de preferência pouco movimentada. Ficou ótimo.

Baiestorf: Rolou alguma história engraçada durante as filmagens?

Carneiro: Tem uma história ótima. Quando fomos gravar o plano final, obviamente, não tínhamos autorização alguma, nem nada. Simplesmente chegamos na locação, preparamos a cena e fomos filmar. Então tava lá um monte de gente ensangüentada, em especial uma menina deitada no chão, aparentemente inconsciente, com um monte de sangue na barrida, e tripas improvisadas com jornal saindo pra fora, e outra menina cheia de sangue na cara, subindo e descendo em direção à barriga. Aí teve um carro que passou desacelerando. De repente, ele dá uma ré, abaixa o vidro e fica perguntando: “Tá tudo bem, ai meu deus, precisam de carona, querem que ligue pra alguém?” Até alguém explicar que era um filme e que ele estava no meio da cena (risos).

Baiestorf: Como foi trabalhar com o casal Recurso Zero, Joel Caetano e Mariana Zani? Sou grande fã dos filmes deles e gostei muito de vê-los em outra produção.

Carneiro: Joel e Mariana são ótimos. Os conheci quando fui entrevistá-los para a Zingu!, em 2009, numa série de entrevistas feitas sobre o chamado Cinema de Bordas. Sempre foram super solícitos. E desde aquela época acompanho o trabalho deles. São sensacionais. Gosto demais de alguns de seus filmes. Na Mostra Cinema de Bordas, no Itaú Cultural, em 2011, fiz o convite oficial: não havia encontrado ninguém a altura deles para o papel. Eles são ótimos, mesmo. Não se importam de fazer tudo o que é solicitado, ficaram horas e horas gravando. Pobre Joel: fiz ele vestir uma calça de pijama super justa da qual ele morre de vergonha; ficou horas maquiando; besuntamos ele com óleo de cozinha para a água do suor não escorrer; ele caiu e bateu as costas; apanhou, etc. Não é à toa: Johnny Zombie não existiria sem Joel, ele é a alma do negócio. A Mariana tinha um papel menor, mas nem por isso menos dedicação. Acompanhou o Joel em todos os momentos – só não foi à fábrica por falta de verba da produção. Dei a ela um prêmio por conta disso: a oportunidade de se vingar de anos de abusos, mortes e espancamentos nos filmes dirigidos por Joel, dando uma cadeirada nele!

Baiestorf: E o Felipe Guerra? No pequeno papel que ele faz percebemos ele “interpretando” o Felipe Guerra. Tu quem pediu isso?

Carneiro: Sim. O Guerra foi uma das primeiras pessoas que se interessou em participar da produção. Nem tinha roteiro ainda e ele disse que queria fazer o filme. Então escrevi o personagem pensando nele. Foi o único personagem feito para alguém específico. E ele tá ótimo como ele mesmo.

Baiestorf: Gostei muito dos efeitos de maquiagens gore feitos pelo Fritz Martiliano. Ele foi aluno em uma das oficinas do Rodrigo Aragão e começou a fazer filmes, certo? Como foi trabalhar com ele? Tem uma cena dos efeitos que me incomodou, a cena onde o Joel aparece bem pálido, achei ele branco demais, isso foi problema na maquiagem ou iluminação errada?

Carneiro: Sim, é isso mesmo, Petter. O Fritz é ótimo. Conheci através do Guerra, precisava de alguém pra fazer a maquiagem de efeitos. Acho sensacional a maquiagem, especialmente quando Johnny vira morto-vivo. E conseguiu extrair o melhor da minha solicitação. Como Johnny era um zumbi recente, queria que as feridas e mutações ainda fossem recentes. Não queria próteses, porque dão a impressão de que o cara secou há muito. Queria manter uma certa vitalidade – e humanidade – no personagem, e Fritz conseguiu isso de maneira muito boa. Só com tinta. Foi ótimo. Quanto à questão do branco demais, assumo toda a responsabilidade. Foi falta de coordenação de minha parte. Começamos o filme gravando as cenas com todos reunidos na sala. Ou seja, a primeira vez que vemos Johnny, durante a filmagem, ele tá branco daquele jeito. Queria ele branco, mais branco do que é normalmente. Quando o Fritz me mostrou a maquiagem, pareceu boa. E na câmera também, apesar de a iluminação não ter agradado nem a mim e nem ao fotógrafo – foi a que mais demorou pra ser feita. Só que eu estava com muita pressa. Precisava filmar todas as cenas com elenco completo naquele mesmo dia, e ainda faltava todo o ataque, que tinha mais planos, mais ação, e era mais complexo. Fora as observações de Johnny no espelho. Então falei pra deixar como estava mesmo e gravei. Quando fomos gravar as outras cenas, Johnny não ficou branco gradualmente como eu queria por falta de continuidade. Parece que estava ok, mas quando foi montar, ficou esquisito. Ainda mais por que ele está branco, com camiseta branca e parede branca ao fundo, ou seja, a impressão do branco fica ainda maior. E não vi isso. Até pedi para o Rodrigo Mesquisa, que fez a correção de cor, dar uma escurecida ali, mas nada que salvasse o plano.

Baiestorf: “Morte e Morte de Johnny Zombie” é seu primeiro curta, a experiência foi satisfatória? Como foi o lançamento dele? Vai sair em DVD ou festivais?

Carneiro: Foi uma experiência muito enriquecedora e muito estressante. Durante as filmagens, quase cogitei largar tudo, abandonar no meio. Era muita pressão, tentar fazer o melhor tecnicamente, quase sem tempo ou sem dinheiro. Pessoas do elenco/equipe pedindo pra ir embora e eu tendo que terminar as gravações. E entendo que quisessem ir embora, estavam há quase 18 horas lá, mas eu tinha que terminar. E foi muito enriquecedora por isso também. Não tinha nenhuma experiência prática, então aprendi muito a planejar melhor, buscar soluções menos trabalhosas, deixar os planos rolarem, em outros ângulos, para não ter problema de edição – não deu nenhum, mas não deixei muitas opções… Acho que sem o Johnny, não estaria nem um pouco preparado para projetos mais ambiciosos. O filme existe em autoração caseira de DVD, com capinha e tal, mas sem prensagem. E nem pretendo fazer. Ninguém vai querer comprar um curta-metragem. E se começar a vender, logo aparece para download na internet e fode tudo. Tenho exibido apenas em festivais por enquanto. Até agora, passou em 7: Curta Cinema, Zinema Zombie Fest (na Colômbia), Mostra de Cinema Independente da CODE, Cinefantasy, Mostra Outros Cinemas, FIM e Autorock.

Baiestorf: Gostei dos takes com câmera subjetiva, isso tornou o curta mais intimista. Fale sobre a construção do filme e da personagem, percebi uma vontade muito grande sua de fazer cinema autoral, mas com um pé no filme de gênero:

Carneiro: Nem sei se a palavra é autoral. Tenho problemas com esse termo, especialmente pela maneira como foi apropriado pela intelectualidade. Nunca quis fazer um filme de zumbi igual a todos os filmes de zumbi. Queria que tivesse algo diferente. Para mim, MMJZ só existe por conta da subjetiva. É a graça dele, mostrar o processo de transformação através dos olhos do transformado. Mas é um filme de gênero, com uma história super convencional. E por isso ser super convencional, quis brincar com a direção, com a fotografia, com a trilha musical, para quebrar, criar anticlímax. Gosto de falar que MMJZ é um exercício com o gênero filme de zumbi, em que pude experimentar em diversos campos. Não queria que fosse convencional e não queria fazer uma paródia, não é uma comédia, mesmo que haja momentos de alívio cômico. Johnny Zombie para mim é uma vítima. É um pouco da lógica do cinema noir: em algum momento, o destino lhe resolve dar um tapa na cara, e você tem que lidar com isso. Só que no caso, por mais que julgue banal, ele está se zumbificando, e não há nada que pode fazer. Ele não morde os amigos porque é mau, mas porque um instinto é acionado. Tudo que ele quer é sair de casa, todos os seus movimentos são em direção à porta, mas sempre tem alguém que o para. É quando ele vai pra cima, morde. As referências para a personagem foram monstros clássicos do cinema: King Kong, Monstro da Lagoa Negra e Ymir (A Vinte Milhões de Milha da Terra), todos referenciados no filme fisicamente.

Baiestorf: O final de “Morte e Morte de Johnny Zombie” (que não vou revelar) eu achei muito inventivo, nunca tinha visto algo assim em um filme de zumbi e achei que foi uma colaboração bem interessante ao subgênero “zombie movies”. Como surgiu essa idéia?

Carneiro: Pô, Petter, fico lisonjeado com tuas palavras. Mesmo. O final foi muito discutido com a Marília na época que finalizávamos o argumento. Como terminar a história. Sabíamos que Johnny morreria de novo. Foi rejeitando idéias que pensei em fazer um final esperançoso (risos), em que a morte de Johnny não finalizasse com os zumbis, que mostrasse a continuidade da espécie (risos). A questão da subjetiva era a idéia principal do filme, então a última cena não poderia deixar de tê-la. É isso que conduz o término: como é um filme que mostra a percepção do Johnny, mostra sua percepção da própria morte, ele vislumbrado, caído, o horizonte. Para dar esse clima, quis que o único som audível fosse o das pancadas. O tempo também é o de sua morte.

Baiestorf: Seus Projetos?

Carneiro: Como jornalista, devo continuar na Zingu!, no Cinequanon e na Revista de Cinema, fazendo sempre que possível alguns freelas. Na produção audiovisual, devo filmar no próximo ano um clipe para a banda Drakula, de Campinas, e devo filmar outro projeto de ficção, do qual ainda não posso falar muito, que não tem nada a ver com terror e deve ser feito com grana. Tenho outros projetos que precisaria de dinheiro pra fazer, como alguns documentários, que envolveriam viagem e uma produção mais arrojada. Paralelamente a isso, continuo gravando quase todas entrevistas da Zingu! em vídeo. A Marília também está desenvolvendo uma idéia ótima para um próximo curta de horror – e dessa vez, ela diz, quer fazer o roteiro -, que se passa na Folia de Reis, e eu devo dirigir.