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Não sou músico, o que não me impede de retirar alguns dos ruídos que dançam na minha cabeça para compartilhar com você. Não sou músico, o que não me impede de parir um terceiro disco inspirado no meu guru musical, Gurcius Gewdner, que afirma: “Não saber tocar nenhum instrumento não é desculpa para não fazer!”.
Essa experimentação do caos cósmico também bebe da liberdade com que Jesus Franco fazia músicas, com seu free jazz realmente livre. O minimalismo das melodias de John Carpenter também me incentivaram na busca dos ruídos cósmicos do theremin e da sujeira do sintetizador.
Gravei essa demo-tape sem pretensão nenhuma. São testes iniciais de uma mente barulhenta que está usando estes instrumentos a 24 horas e, naquela hiper-atividade dos sem-noção, quis registrar as primeiras sonoridades arrancadas dos desarranjos hiper nucleares espaciais.
Ouça no escuro, usando fones de ouvido, no volume máximo.
1-Experiência da Desconstrução Cósmica – Você assistiu o filme Dark Star? Lembra do surfista espacial que desliza rumo ao cosmos infinito sobre os escombros da espaçonave? Pois bem, este som fala de uma canção cósmica que este surfista estelar ouve no infinito, só que aqui a imaginei com as notas batidas de forma invertida no vácuo do espaço gelado.
2- Experiência Espacial Plano 2 – Tentei compartilhar a melodia que ouço quando cavalgo a baleia espacial, seguida de corais de golfinhos, nos mais tenros rincões interestelares do passado imemorial.
3- Experiência Carvão Termo-Nuclear – Ontem teve um momento em que parei dentro de um milésimo. Sentei no milésimo e quis ficar olhando as notas do silêncio barulhento. O treco é que o chão do milésimo ondula, hora pra dentro, hora pra fora. Este ondular é mais intenso pra fora, diminuindo ao re-entrar. Musiquei este milésimo aqui.
4- Experiência Espacial Plano 4 – Às vezes o espaço-tempo tem coordenadas tão relativas restritas que o fundo do espaço faz uma dobra que dá nas fossas abissais do oceano terrestre onde vivem as sereias. Nesta faixa fiz uma reflexão na linguagem delas, que é um dialeto do baleionês.
5- Experiência Caótica do Plasma Espectral – O free jazz que o Jesus Franco compôs para o seu filme Vampyros Lesbos serviu de inspiração para a composição dessa canção. Digamos assim que é uma volta aos prazeres profanos terrestres. Existe duas falhas nessa canção que não são falhas.
Nuda Per Satana (“Nude For Satan”, 1974, 82 min.) de Luigi Batzella (sob pseudônimo de Paolo Solvay). Com: Rita Calderoni, Stelio Candelli e James Harris.
Um médico (Candelli) em viagem pelo campo encontra uma mulher (Rita Calderoni) inconsciente em seu carro acidentado e, em sua busca por ajuda, chegam até um castelo isolado onde um espelho lhes mostra o lado negro de suas almas numa eletrizante aventura macabra-sexual que pede que você, espectador, desligue a lógica e se divirta. “Nuda Per Satana” é uma produção de baixo orçamento que conseguiu criar uma atmosfera bem pesada para seu horror experimental, quase surreal, funcionar dentro de suas limitações. Os créditos iniciais sobre o capô de um fusca são ridículos, o acidente de carro, logo em seguida, é sem noção (ouve-se o barulho do carro batendo e um pneu rola pela estradinha de terra, depois o carro é revelado sem nada estragado, nem o pneu que rolou está faltando), mas a ambientação no castelo com sua narrativa cheia de inserções de sexo explícito, seus incontáveis zoons sem razão de existirem, câmera desfocada, cortes secos e ritmo de pesadelo satânico fazem do filme uma diversão de primeira grandeza (em vários momentos lembra as produções do espanhol Jesus Franco).
Luigi Batzella, um cineasta italiano medíocre geralmente comparado ao americano Edward D. Wood Jr., nasceu em 1924 (e faleceu em 2008) e fez a maioria de seus filmes usando o pseudônimo de Paolo Solvay. Como todo bom cineasta classe Z produziu filmes nos mais variados gêneros na vã tentativa de capitalizar uns trocados com gêneros que estavam na moda. Estreou como diretor com o drama “Tre Franchi di Pietà” (1966) usando o pseudônimo de Paul Hamus e estrelado pelo ator Gino Turini (dos clássicos “L’Amante Del Vampiro/The Vampire and the Ballerina” (1960) de Renato Polselli e “Il Boia Scarlatto/Bloody Pit of Horror” (1965) de Massimo Pupillo). Começou os anos de 1970 tentando ganhar dinheiro com westerns e realizou “Anche Per Django le Carogne Hanno um Prezzo” (1971); “Quelle Sporche Anime Dannate” (1971) e “La Colt Era il Suo Dio/O Colt era o Seu Deus” (1972), os três estrelados por Jeff Cameron e que passaram desapercebidos da audiência dos bangüê bangüês. Com Rosalba Neri (a Lisa do Cult “The Castle of Fu Manchu” (1969) do gênio Jesus Franco) e Mark Damon (de inúmeros spaghetti westerns) realizou a comédia ligeira “Confessioni Segrete di um Convento di Clausura” (1972) e entrou de cabeça no horror com “Il Plenilunio Delle Vergini/O Castelo de Drácula” (1973), um lixo cinematográfico que fez com que Rosalba usasse o pseudônimo de Sara Bay. Depois de “Nude Per Satana” Batzella despirocou de vez e passou a fazer filmes ainda mais selvagens como “Kaput Lager – Gli Ultimi Gioni Delle SS/Achtung! The Desert Tigers” (1977), um delicioso nazixploitation onde o nazista chefe de um campo de concentração sente prazer chicoteando as prisioneiras e “La Bestia in Calore/SS Hell Camp” (1977), outro nazixploitation repleto de garotas nuas e atrocidades (tanto sexuais, quanto cinematográficas), produções essas onde assinou a direção com o pseudônimo de Ivan Kathansky. Com seu filme de ação “Strategia Per uma Missione di Morte” (1979), estrelado por Richard Harrison e Gordon Mitchell, a distribuidora francesa usou o pseudônimo de A. M. Frank nas cópias, mesmo pseudônimo usado nas cópias francesas de alguns filmes de Jesus Franco, a exemplo do maravilhoso “La Tumba de los Muertos Vivos/Oasis of the Zombies” (1982, lançado em DVD no Brasil pela distribuidora Vinny Filmes com o título de “Oásis dos Zumbis”), provando que quando você produz uma série de lixo cinematográficos é melhor plantar o caos e a confusão na mente do espectador para fazê-lo continuar a consumir suas obras. Seu último filme como diretor foi o inacreditavelmente hilário bruceploitation “Challenge of the Tiger” (1980) estrelado por Bruce Le (um clone do lendário Bruce Lee, nascido como Kin Lung Huang, responsável por pérolas do quilate de “Zui She Xiao Zi/Bruce Lee – King of Kung Fu” (1982), co-dirigido por Darve Lau, e “Bruce the Super Hero” (1984), que também trás Bolo Yeung no elenco) e que conta a história de dois agentes da CIA lutando contra um grupo neonazista. Nos USA a Mondo Macabro lançou “Challenge of the Tiger” num DVD Double Feature com “For Your Eight Only” (1981), clássico estrelado pelo anão Weng Weng e dirigido por Eddie Nicart. Melhor dupla de filmes num DVD, impossível.
“Nuda Per Satana” é estrelado pela bela Rita Calderoni que se especializou em papéis em filmes de suspense e horror de produção duvidosa. Em 1969 esteve no elenco de “La Monaca di Monza/A Monja de Monza” de Eriprando Visconti. Depois de fazer pequenas participações em filmes de diretores conceituados como Ettore Scola, Rita trabalhou no horror “La Verità Secondo Satana” (1972) de Renato Polselli e tomou gosto pelo sangue de groselha. Ainda com Polselli fez o thriller “Delirio Caldo/Delirium” (1972) já em papel principal na trágica história de um médico que se torna o suspeito de uma série de assassinatos e o delirante clássico satânico “Riti, Magie Nere e Segrete Orge Nel Trecento…/The Reincarnation of Isabel” (1973) onde um grupo de vampiros busca o sangue de uma virgem para ressuscitar uma poderosa bruxa. Como europeu aceita de boa a participação de atores e atrizes em filmes adultos, depois de “Nuda Per Satana” Rita esteve no elenco do classudo “Anno Uno” (1974), drama sério e com boa produção sobre a reconstrução da Itália pós o regime fascista dirigido por Roberto Rossellini.
Já Stelio Candelli, o canastrão herói mal dirigido de “Nuda Per Satana, é outra figura muito conhecida dos fãs de horror europeu. Em 1965 esteve no elenco do sci-fi gótico “Terrore Nello Spazio/O Planeta dos Vampiros” de Mario Bava, que também trazia em seu elenco a brasileira Norma Bengell. Em 1972 estrelou o suspense “La Morte Scende Leggera” do diretor Leopoldo Savona. Versátil como todo ator europeu, esteve no elenco de “From Hell to Victory” (1979), filme de guerra dirigido pelo especialista em filmes baratos Umberto Lenzi; “La Cage Aux Folles II/A Gaiola das Loucas 2” (1980), comédia homossexual de Édouard Molinaro que marcou época; e voltou ao gênero horror pelas mãos de Lamberto Bava em “Dèmoni/Demons – Filhos das Trevas” (1985).
Infelizmente “Nuda Per Satana” continua inédito em vídeo no Brasil (mas claro que ele é relativamente fácil de ser encontrado para download nestes tempos de mundo virtual).
escrito por Petter Baiestorf para o livro “Arrepios Divertidos”.
Blood Sabbath (1972, 86 min.) de Brianne Murphy. Com: Anthony Geary, Dyanne Thorne, Susan Damante, Sam Gilman, Steve Gravers, Kathy Hilton, Jane Tsentas e Uschi Digard.
Um veterano do Vietnã está viajando a pé pelos USA quando sofre um acidente e é encontrado por uma ninfa d’água por quem se apaixona. Alotta (Dyanne Throne), a rainha das bruxas e inimiga da ninfa d’água quer o jovem soldado para ela e, com seu clã de feiticeiras, seduz não só o soldado como, também, um padre e Lonzo, um andarilho da floresta que abrigou o soldado em sua casinha.
Filmado em apenas 10 dias, “Blood Sabbath” é uma grande diversão que não se leva a sério em momento algum. O roteiro é todo furado, todas as atrizes ficam peladas o tempo todo, o trabalho de câmera é toscão e os diálogos nonsenses foram captados num sistema de som extremamente vagabundo, bem no clima das produções sem grana que produtores exploitations realizavam de qualquer jeito no início dos anos de 1970 para suprir a demanda por lixos cinematográficos em drive-ins e grindhouses.
“Blood Sabbath” foi dirigido pela atriz inglesa Brianne Murphy em clima de curtição (o filme parece uma grande brincadeira de amigos). Em 1960 Brianne atuou em “Teenage Zombies” de Jerry Warren e se apaixonou pela produção vagabunda americana (tendo se casado com o ator/produtor/diretor Ralph Brooke que concebeu asneiras como “Bloodlust!” de 1961). Ainda no início da década de 1960 se tornou diretora de fotografia e trabalhou em filmes de Hollywood como “Fatso” (1980) de Anne Bancroft e inúmeras séries de TV. Curiosidade: Brianne foi a primeira diretora de fotografia a trabalhar num grande estúdio de Hollywood (a função é dominada por homens).
Ainda na equipe técnica de “Blood Sabbath” encontramos Lex Baxter assinando (como Bax) a trilha sonora do filme. Com mais de 100 trilhas nas costas, Baxter já havia trabalhado em filmes como as produções de baixo orçamento “The Bride and the Beast” (1958), de Adrian Weiss, e realizações da A.I.P., muitas dirigidas por Roger Corman, como “House of Usher/O Solar Maldito” (1960); “Tales of Terror/Muralhas do Pavor” (1962) e “The Raven/O Corvo” (1963).
No elenco vemos Dyanne Thorne se divertindo horrores no papel da bruxa Alotta. Nascida em 1943 se tornou atriz e surpreendeu no softcore “Sin in the Suburbs” (1964) de Joe Sarno. Sempre adepta das produções de baixo orçamento esteve no pequeno clássico da ruindade “Wham! Bam! Thank You, Spaceman!” (1975), de William A. Levey, e entrou definitivamente para a história do cinema vagabundo ao encarnar a oficial nazista Ilsa em uma série de nazixploitations de Don Edmonds com “Ilsa: The She Wolf of the SS” (1975); “Ilsa, Harem Keeper of the Oil Sheiks” (1976) e “Ilsa the Tigress of Siberia” (1977), desta vez dirigida por Jean LaFleur (sem contar “Greta Haus Ohne Männer/Ilsa – The Wicked Warden” (1977), uma picaretagem do Jesus Franco). Sem nunca ter se livrado da personagem Ilsa, Dyanne Thorne apareceu em “House of Forbidden Secrets” (2013), produção do videomaker Todd Sheets, onde contracenou com Lloyd Kaufman da Troma. Entre as garotas peladas de “Blood Sabbath” encontramos ainda Jane Tsentas (atriz em mais de 40 sexploitations, incluindo deliciosas bobagens como “The Exotic Dreams of Casanova” (1971) de Dwayne Avery e “Terror at Orgy Castle” (1972) do especialista em satanismo retardado Zoltan G. Spencer), Kathy Hilton (atriz em mais de 60 produções, incluindo “Sex Ritual of the Cult” (1970) de Robert Caramico, um filme satânico tão imbecil quanto “Blood Sabbath”; “The Toy Box” (1971) de Ron Garcia e “Invasion of the Bee Girls/Invasão das Mulheres Abelhas” (1973) de Denis Sanders) e, segundo o site IMDB, Uschi Digard (atriz que dispensa apresentações aos fanáticos por filmes bagaceiros), que não consegui identificar na cópia ruim que tenho do inacreditável “Blood Sabbath”.
Por Petter Baiestorf para seu livro “Arrepios Divertidos”.
A mais diabólica personificação do perigo amarelo!
O Dr. Fu Manchu, o gênio do mal criado pelo escritor inglês Sax Rohmer – exótico pseudônimo adotado por Arthur Henry Sarsfield Ward – fez uma rápida transição das páginas para as telas. A estreia cinematográfica oficial do legítimo representante dos medos e paranoias de toda uma geração de ocidentais – um amálgama de vários estereótipos atribuídos especialmente aos chineses – data de 1923, quando foi interpretado por Harry Agar-Lyons em dois seriados mudos, dez anos após o lançamento de sua primeira aventura na Inglaterra, The mistery of Dr. Fu Manchu (The insidious Dr. Fu Manchu, nos EUA), em 1913.
Apesar da notável diferença com a descrição física do personagem (“um homem alto, magro e felino, de ombros elevados, testa ampla como a de Shakespeare, rosto satânico, crânio raspado, olhos oblíquos, magnéticos, de pupilas verdadeiramente verde-gato”), o gorducho Warner Oland – o mais popular Charlie Chan do cinema – herdou o personagem de Lyons, estrelando três filmes para a Paramount e inaugurando a fase sonora do vilão. Em seguida, a MGM investiu pesado em A máscara de Fu Manchu (The mask of Fu Manchu, 1932), trazendo Boris Karloff na pele do temível doutor. Na década de 1940, foi a vez de Henry Brandon, que não fez feio no excelente seriado da Republic Pictures, Os tambores de Fu Manchu (The drums of Fu Manchu, 1940) e do espanhol Manuel Requena, astro do obscuro El otro Fu-Man-Chú, dirigido por Ramón Barreiro em 1946. Após a incursão espanhola, o personagem foi esquecido pelos produtores e apenas duas versões televisivas de Fu Manchu aparecem nos anos 1950: a primeira com John Carradine – em apenas um episódio piloto não aproveitado pela emissora NBC, The zayat kiss – e a segunda, de baixíssimo orçamento, com o caricato Glen Gordon no papel do vilão.
Fu Manchu só voltaria às telas de cinema quase vinte anos depois, quando o produtor Harry Alan Towers (1920-2009) – até então responsável por alguns filmes e seriados para a TV inglesa – ressuscita o gênio do crime em grande estilo. Towers, um fã confesso de Rohmer e de literatura pulp, observando o sucesso estrondoso da série 007 e seus exóticos vilões, decide investir pesado – algo atípico para sua carreira – numa nova aventura do perigo amarelo. Além da campanha publicitária agressiva, Towers contrata profissionais competentes, como o talentoso artesão Don Sharp (de O beijo do vampiro, produção da Hammer) e um elenco de peso – que incluía Nigel Green e Howard Marion-Crawford, além de atores alemães veteranos dos krimis como Karin Dor e Joachim Fuchsberger – capitaneado por Christopher Lee no papel de Fu Manchu.
O resultado, A face de Fu Manchu (The face of Fu Manchu, 1965), uma mistura de Rohmer e Ian Fleming, escrito por “Peter Welbeck” (pseudônimo tradicional do próprio Towers), mostrou-se lucrativo o suficiente para dar origem a quatro sequências. A primeira, As 13 noivas de Fu Manchu (The brides of Fu Manchu, 1966), também dirigida por Sharp, traz Douglas Wilmer substituindo Green no papel do arquiinimigo de Fu Manchu, o Dr. Nayland Smith. Wilmer repetiria o papel no terceiro filme da série, A filha diabólica de Fu Manchu (The vengeance of Fu Manchu, 1967), de Jeremy Summers.
Os tempos mudavam e, na efervescência do final dos anos 1960, a série já dava sinais de cansaço. O retorno nas bilheterias diminuía e Towers não dispunha mais de orçamentos tão generosos quanto o de A face de Fu Manchu. Com menos tempo e menos dinheiro para filmar, que outro diretor se adequaria tão bem quanto o espanhol Jesús Franco Manera, mais conhecido como “Jess Franco“?
Em Franco, Towers encontra seu parceiro ideal: gourmet, músico de jazz e bon vivant, o espanhol é o autor de centenas de filmes – dentre os quais dezenas de versões alternativas de um mesmo filme, o que torna a compilação de sua filmografia uma missão quase impossível. Os resultados iam do puro lixo a obras primas incontestáveis. Com sua rapidez e economia, Franco surpreendia produtores – como o suíço Erwin C. Dietrich, com quem manteve uma duradoura parceria – ao ser contratado para fazer um filme e entregar dois, usando a mesma equipe e locações, sem qualquer tipo de acréscimo no orçamento ou no cronograma de filmagens!
A parceria Towers-Franco dá origem ao quarto filme da série, Fu Manchu e o beijo da morte (1968), que, para desgosto de Lee, baseia-se novamente num roteiro original do próprio Towers, consideravelmente distante dos textos originais de Rohmer. Nele, os obstinados Fu Manchu (Lee) e sua filha Lin Tang (Tsai Chin, presença assídua desde o primeiro filme da série de Towers) montam sua base de operações em uma caverna na América do Sul, de onde pretendem, mais uma vez, dominar o mundo. O plano é engenhoso: dez belas mulheres são sequestradas e infectadas com o poderoso veneno da “cobra negra”, sendo posteriormente enviadas para diversas capitais para administrar o “beijo da morte” em personalidades de renome mundial. Um dos escolhidos é o incansável arquiinimigo de Fu, Nayland Smith (Richard Greene, substituindo Douglas Wilmer), que após ser beijado por Celeste (Loni Von Friedl), percebe que sua única chance de cura é localizar o esconderijo de seu velho rival. Cego e debilitado, Smith e seu fiel assistente Dr. Petrie (Howard Marion Crawford, em sua quarta aparição na série) são ajudados na difícil missão pela enfermeira Ursula (Maria Rohm, esposa de Towers) e pelo arqueólogo Carl Jansen (Götz George) e enfrentam os inúmeros perigos das florestas sul americanas, como o bando de Sancho Lopez (o espanhol Ricardo Palacios, usando chapéu de cangaceiro).
Certamente o mais fraco exemplar da série, Fu Manchu e o beijo da morte mostra um Franco contido e discreto, muito distante de seus trabalhos mais autorais. Ainda que a trama permitisse que Franco, um fã confesso da obra de Rohmer, chafurdasse em suas obsessões com sexo, sadismo e morte – a ideia do exército de garotas hipnotizadas distribuindo beijos da morte pelo mundo remete a outros filmes do espanhol -, o resultado é curiosamente impessoal.
Os fãs de Franco sabem que o diretor nunca foi afeito a sequências de ação e as deste filme, canhestras em sua maioria, provam isso. O final, quando o esconderijo de Fu Manchu é destruído, é especialmente insatisfatório, tamanha a facilidade com que Nayland Smith elimina o gênio do mal.
Mas o filme guarda alguns atrativos, especialmente para os fãs brasileiros. Apesar de a ação se passar na fronteira imaginária entre “Melia” e “Santa Cristabel” (em determinado momento, Smith diz que Fu Manchu está escondido “em uma determinada região da América do Sul, protegido de um lado pelos Andes e do outro pelo Mato Grosso”), Franco e sua equipe desembarcaram no Rio de Janeiro, onde o filme foi praticamente todo rodado.
Segundo a atriz, produtora e musa da pornochanchada carioca Olívia Pineschi (que aparece como uma cigana nas sequências onde “Melia” é invadida pelo bando de Sancho Lopez) Franco estava “impossível” em sua passagem pelo Rio. Encantado com a anatomia das brasileiras, o erudito Jesus chegou a convidar algumas das atrizes a acompanhá-lo em sua volta para a Espanha. Além da Floresta da Tijuca, que serviu como lar para Fu Manchu, a produção utilizou o Parque Lage (o “Palácio do Governador” de “Santa Cristabel”) e os estúdios da Atlântida, onde foram filmados alguns dos interiores da caverna do perigo amarelo, com suas masmorras mal iluminadas.
O ambiente quente e úmido certamente não foi dos mais agradáveis para Lee. Ainda segundo Olívia, Lee, apesar de muito simpático, reclamava bastante da pesada maquiagem, que praticamente o impedia de movimentar os olhos. Mesmo com o cansaço em virtude das limitações e do roteiro de Towers, que pouco lhe dá para fazer, Lee se sai maravilhosamente bem no papel, transformando cada linha de diálogo numa ameaça para seus adversários.
O personagem mais curioso do filme é o bandido Sancho Lopez, vivido por Ricardo Palacios, veterano de dezenas de western spaghetti. Palacios, o mais entusiasmado de todos os atores, é um misto de bandolero e cangaceiro e parece ter saído do set de um de seus westerns.
Franco nunca demonstrou muito apreço pelos mocinhos de seus filmes e Fu Manchu e o beijo da morte não é exceção. O Nayland Smith de Greene (de Contos do Além, de Freddie Francis) passa a maior parte do filme deitado e imóvel. George, no papel do obrigatório “herói ocidental”, o arqueólogo Carl Jansen, ao menos se sai bem nas cenas de ação. O maior destaque é Marion-Crawford, novamente o comic relief da narrativa. Na pele do Dr. Petrie, Crawford tem as melhores frases do filme, à custa de imortais hábitos britânicos, como a sua constante irritação com a falta de chá quente na selva.
Quanto ao elenco brasileiro, Frances Kahn (de Os paqueras) e Isaura de Oliveira são as únicas a receberem crédito. Kahn é Carmen e Isaura é Yuma, integrantes do grupo de dez mulheres selecionadas por Fu Manchu para dominar o mundo. Isaura recebe atenção especial de Franco em uma longa sequência na qual tenta seduzir Sancho Lopez. Dentre os atores não creditados, além de Olívia – que ao longo de sua extensa carreira também atuou em outras produções estrangeiras como Love in the Pacific (1970), de Zygmunt Sulistrowski e 99 mulheres (99 women, 1969), outro filme de Franco com cenas rodadas no Rio -, aparecem Oswaldo Loureiro, como o chefe dos capangas de Fu Manchu (usando bandana vermelha e trajando um roupão preto) e o veterano Rodolfo Arena, como uma autoridade de “Melia” rapidamente despachada pelo bando de Lopez.
O filme, uma eterna vítima de versões cortadas e em full screen, que destruíam alguns dos seus poucos charmes, está disponível em DVD norte-americano (Blue Underground), com imagem cristalina em widescreen anamórfico (1:66:1), realçando o colorido das locações cariocas e os belos enquadramentos do fotógrafo Manuel Merino; o som é alto e claro, evidenciando a inadequada trilha do parceiro habitual de Franco, Daniel White. Os extras contidos no DVD são igualmente impecáveis e contém entrevistas de Franco, Towers, Lee, Chin e Shirley Eaton. Franco diz que vir ao Brasil foi como realizar um sonho, enquanto Lee confirma sua irritação com a maquiagem e com as liberdades tomadas por Towers ao adaptar os originais de Rohmer. Já Eaton (a bond girl que morre asfixiada ao ter o corpo banhado por ouro em 007 contra Goldfinger), não queria ver Towers nem pintado a ouro. Apesar de receber crédito proeminente, Eaton aparece em uma única e rápida cena de Fu Manchu e o beijo da morte, roubada de A mulher do Rio (The girl from Rio, 1969), outra parceria Towers-Franco rodada simultaneamente a Beijo da morte no Rio de Janeiro! Em A mulher do Rio, Eaton reprisa o papel de Sumuru, uma espécie de Fu Manchu de saias, (também criado por Rohmer), que já havia interpretado em O milhão de olhos de Sumuru (The million eyes of Su-muru, 1967), de Lindsay Shonteff. Assim, Eaton virou estrela de um filme no qual não atuou e pelo qual não foi paga!
Para o quinto e último filme da série, The castle of Fu Manchu (1969), rodado logo em seguida a Fu Manchu e o beijo da morte, Towers e Franco trocaram o ensolarado Rio de Janeiro por Istambul e Barcelona. Novamente baseado num roteiro original de Towers, Castle é superior a seu antecessor, ainda que o produtor tenha obrigado Franco a trabalhar com um orçamento espartano; a pobreza é tamanha que faz o filme anterior parecer uma superprodução hollywoodiana.
Desta vez, Fu Manchu (Lee) e sua filha Lin Tang (Tsai Chin), renascidos das cinzas, pretendem dominar o mundo através de um bizarro plano que consiste no congelamento da água, em qualquer temperatura, quando misturada a cristais de ópio! Na sequencia pré-créditos, Fu Manchu dá a primeira demonstração de poder, destruindo um luxuoso transatlântico nos mares do Caribe. Mas como realizar uma sequência desse porte em meio a mais absoluta escassez de recursos? Simples: roube todas as cenas do naufrágio de Somente Deus por testemunha (A night to remember, 1958), clássico de Roy Ward Baker sobre o desastre do Titanic!
Pai e filha invadem o castelo do governo em Istambul (um imenso estoque de ópio) com o auxílio dos homens de Omar Pasha (José Manuel Martín), para logo depois traí-los, mantendo o braço direito de Pasha, a bela Lisa (Rosalba Neri), como refém. Apesar do diabólico plano já ter se mostrado eficiente, Fu Manchu e Lin Tang sequestram o Professor Heracles (Gustavo Re) a fim de aperfeiçoá-lo, sem se dar conta de que o cientista está à beira da morte, devido a um sério problema cardíaco. Para curá-lo, eles ordenam a captura do médico do professor, Dr. Kessler (Günther Stoll) e da enfermeira Ingrid (Maria Perschy), que são obrigados a realizar um transplante de coração. Para azar de Fu, Kessler era amigo de Nayland Smith (Richard Greene), que desconfiado, parte para Istambul. Com a ajuda do Dr. Petrie (o impagável Howard Marion-Crawford), de Pasha e do General Hamid (o próprio Franco), Nayland irá novamente por fim as terríveis maquinações do perigo amarelo.
Um filme que esnoba suas personagens femininas e no qual não há nenhuma temática sexual evidente não pode ser considerado como um verdadeiro filme de Franco, novamente atuando como um hired gun de Towers. É curioso ver como o roteiro ignora a personagem de Rosalba Neri, musa do cinema italiano, após sua captura por Fu Manchu: seu papel, Lisa, uma criminosa obviamente lésbica, parece feito sob medida para Franco, mas não é aproveitado. Mas se Castle of Fu Manchu ainda está distante de obras autorais do diretor como Doriana Grey (1976), ao menos Franco se mostra muito mais à vontade do que em Fu Manchu e o beijo da morte, quando realizou um filme de ação mais convencional. Provavelmente, a maior liberdade foi consequência não só do minúsculo orçamento, mas também do fato de Franco filmar em Istambul, cidade com a qual já estava familiarizado e que serviu de cenário para vários de seus filmes (ainda que o castelo turco de Fu Manchu tenha sido rodado no Parque Güell, em Barcelona). É fácil observar como Franco e seu fotógrafo Manuel Merino fazem melhor proveito das paisagens turcas do que das locações cariocas vistas no quarto filme da série. Nada mais apropriado: um lar oriental para um vilão oriental.
Castle, um delicioso “samba do crioulo doido” cinematográfico, mistura ingredientes de histórias em quadrinhos com literatura pulp e todos os clichês possíveis e imagináveis do cinema de horror B. Não bastasse o inacreditável plano de Fu Manchu e as cenas roubadas de outros filmes, os “laboratórios” de pesquisa são equipados com meia dúzia de balões volumétricos e tubos de ensaio com substâncias coloridas borbulhantes, personagens são congelados e sequestrados em caixões e o (bem sucedido!) transplante de coração parece saído de um filme de terror mexicano de René Cardona Jr., tamanha a simplicidade do “centro cirúrgico” no qual é realizado (ainda que Franco consiga minimizar os óbvios cortes nos gastos com cenografia com uma espertíssima montagem). As masmorras do castelo de Fu Manchu são iluminadas de forma quase monocromática, banhadas alternadamente nas cores mais vibrantes já vistas desde um filme de Mario Bava, com Franco e Merino dando preferência para o verde e o lilás, conferindo um clima de pura psicodelia.
O final é, novamente, pouco convincente, mas a essa altura, o leitor/espectador provavelmente já captou o espírito do filme. Apenas relaxe e aproveite a oportunidade de assistir a última atuação de Lee no papel do perigo amarelo.
Tal como Fu Manchu e o beijo da morte, Castle of Fu Manchu foi lançado em DVD nos EUA pela Blue Underground, companhia do cineasta William Lustig. A versão apresentada não tem cortes (versões anteriores faziam menos sentido que a versão integral, devido a múltiplos cortes) e qualidade de imagem e som impecáveis.
A promessa de volta feita por Fu Manchu ao final de cada filme não se concretizou, já que, após Castle, o personagem simplesmente desapareceu das telas. Em 1980, Peter Sellers, em seu último papel, encarnou tanto Fu quanto Nayland Smith na comédia O diabólico Fu Manchu (The fiendish plot of Dr. Fu Manchu), de Piers Haggard, enquanto o espanhol Alex de da Iglesia alimentou durante algum tempo a esperança de fazer uma nova versão cinematográfica das aventuras do vilão (que, infelizmente, nunca se materializou). Franco escalou sua mulher, Lina Romay (falecida em 2012), na pele da filha de Fu Manchu em Esclavas del crimen de 1986. O lendário astro do horror espanhol, Paul Naschy (Jacinto Molina) apareceu brevemente como Fu Manchu em El aullido del diablo (1988), no qual interpreta diversos monstros e vilões clássicos do cinema e no curta metragem La hija de Fu ManChu’72 (1990), uma bem humorada homenagem ao personagem e aos filmes de Lee. Recentemente, Nicolas Cage interpretou o perigo amarelo num dos trailers – para longas fictícios – em Grindhouse (2007), a reunião de dois longas de Robert Rodriguez (Planeta terror) e Quentin Tarantino (À prova de morte). O trailer no qual Cage é Fu Manchu, Werewolf women of the SS, foi dirigido pelo músico e cineasta Rob Zombie.
Enquanto uma nova produção não surge, o perigo amarelo provavelmente espera nas sombras, bolando seu mais novo plano… “The world shall hear from me again!”
“Torremolinos 73” (“Da Cama Para a Fama”, 2003, 91 min.) de Pablo Berger. Com: Javier Cámara, Candela Peña e Juan Diego.
Este filme é uma bela surpresa para qualquer cinéfilo. Tinha visto ele na época de seu lançamento em DVD aqui no Brasil, com o equivocado título nacional de “Da Cama para a Fama” (coisas da distribuidora Imagem Filmes, que nunca teve grande criatividade para títulos, nem capinhas, e nunca soube muito bem como vender seus produtos para o público certo), e alguns dias atrás revi este pequeno grande filme e continuei achando empolgante e digno de indicação.
“Torremolinos 73” conta a história de Alfredo López (Javier Cámara), vendedor de enciclopédias de porta em porta, que está com problemas em casa: Não entra dinheiro e sua esposa Carmen (Candela Peña) está querendo um filho. Ao ser chamado por seu patrão para uma reunião, Alfredo teme pelo pior. Mas não, eis que surge a oportunidade dele ingressar no maravilhoso mundo do cinema com produções eróticas em Super 8 para serem encartadas numa enciclopédia audiovisual sobre a reprodução humana. Com sua esposa sendo sua atriz-musa inspiradora, nosso aspirante a cineasta começa a fazer vários curtas pornográficos e finalmente o dinheiro começa a entrar em sua vida. Estuda técnicas e iluminações possíveis para o Super 8 e de filme em filme vai evoluindo e caindo nas graças de seu patrão mercenário. Ao mesmo tempo que Alfredo se encanta com as possibilidades do cinema, Carmen fica mais frustrada por não conseguir engravidar (numa linda comparação entre cinema-filhos). É significativo a cena em que Alfredo vai se masturbar no banheiro de um hospital para colher seu esperma para exames – onde a contagem de seu esperma é zero – e ali, se masturbando solitário com uma foto da esposa, ele concebe a idéia para o roteiro de seu primeiro longa, intitulado “Torremolinos 73”.
Alfredo López é fanático pela obra de Ingmar Bergman, mas filma como se fosse Jesus Franco. Essa relação entre Bergman-Franco fica ainda mais óbvia quando a produção de “Torremolinos 73” tem início. Filmado no inverno na cidade de Torremolinos (município turístico banhado pelas água do Mediterrâneo), portanto quase uma cidade fantasma. Alfredo e sua pequena e dedicada equipe-técnica (composta de dinamarqueses que não falam espanhol) vão criando uma homenagem à “Det Sjunde Inseglet/O Sétimo Selo”, com cara de “Macumba Sexual”, que fala sobre sexo, desejo e morte, com momentos do mais puro horror acidentalmente surrealista de Franco. Arte e lixo andam de mãos dadas! Não posso revelar o final, mas basta dizer que numa seqüência chave Alfredo consegue finalizar seu filme e Carmen consegue realizar seu sonho de engravidar. Aliás, Alfredo e Carmen são Jesus e Lina!!!
Ernst Ingmar Bergman (1918-2007) nasceu na Suécia e começou a trabalhar no cinema em 1941 como roteirista. Em 1957 surpreendeu o mundo ao lançar, com apenas 10 meses de intervalo, dois clássicos do cinema mundial, “Det Sjunde Inseglet/O Sétimo Selo” e “Smultronstället/Morangos Silvestres”, filmes eternamente copiados por cineastas acadêmicos sem imaginação ou inventividade. Com uma sucessão incrível de filmes excepcionais, muitos deles explorando a fé e a existência de Deus (o pai de Bergman era um luterano fanático, simpatizante do nazismo, que foi ministro do rei da Suécia), em 1966 escreveu e dirigiu “Persona”, filme que ele considerava sua obra-prima. Em 1976 foi preso por sonegação de impostos e jurou que nunca mais faria um filme na Suécia, promessa quebrada em 1982 quando voltou ao seu país de origem para dirigir “Fanny Och Alexandre”. Bergman é adorado tanto por acadêmicos chatos quanto por trashmaníacos descolados.
Jesús Franco Manera (1930) é o principal cineasta ativo na Espanha (gente como Almodóvar, Iglesia ou Segura, me desculpem, vem depois), um gênio dos filmes de baixo-orçamento nunca reconhecido em seu próprio país. Fez filmes de tudo quanto é gênero e ganhou destaque internacional com seus filmes de horror entrelados por suas deliciosas mulheres, primeiro Soledad Miranda, depois a deusa Lina Romay. Dirigiu mais de 200 longa-metragens (neste ano de 2012, por exemplo, já lançou “La Cripta de las Condenadas” parte 1 e 2 e agora trabalha na pós-produção de “Al Pereira Vs. The Alligator Ladies” e 2012 ainda tem mais quatro meses). Você até pode odiar o cinema de Jesus Franco, mas nunca poderá fugir de suas produções. Aqui no Brasil inúmeros clássicos do mestre espanhol estão sendo laçandos em DVD pela distribuidora Vinny com o abusivo preço de R$ 40.00, em média, cada! Jesus Franco nunca foi preso por sonegação de impostos e seu pai não foi ministro do ditador generalíssimo Francisco Franco.
Pablo Berger (1963) nasceu em Bilbao, Espanha, e se tornou jornalista e, logo depois, publicitário. Em 1988 lançou o genial curta-metragem “Mamá” (que trazia como diretor artístico o cineasta Álex de la Iglesia), uma comédia de humor negro alucinada sobre um moleque fanático por cultura pop vivendo num porão com sua família histérica após os marcianos terem destruido a central Nuclear de Erandio. “Torremolinos 73” foi seu primeiro longa-metragem, onde o jovem diretor exercitou sua paixão pelo cinema com muito bom humor e uma trilha sonora carregada de fantásticos sucessos dançantes da música popular espanhola. Em setembro de 2012 deverá estreiar (na Espanha) seu novo longa, “Blancanieves”, sua versão dramática (seja lá o que isso signifique) do chatinho conto de fadas “Branca de Neves”. Pode ser uma merda, mas se tratando de um filme de Pablo Berger é bom dar uma espiadinha na produção.
“Ein Toter Hing Im Netz” (“Horrors of Spider Island”, 1960, 75 min.) de Fritz Böttger. Com: Helga Franck, Helga Neuner, Harald Maresch e grande elenco de bichos peludos peçonhentos.
A história deste pequeno clássico da tranqueira cinematográfica é das mais vagabundas possíveis: Um grupo de dançarinas de uma boate de New York voa para Singapura onde vão se apresentar num inferninho local. Ao sobrevoar o Oceano Pacífico o avião pega fogo e cai (salvando-se apenas as dançarinas e Gary, o dono da boate). Após alguns dias desidratando num bote salva-vidas, o grupo avista uma ilha. Explorando o terreno eles descobrem água fresca e, também, um estranho martelo que lhes dá esperança de que a ilha seja habitada. Logo em seguida avistam uma cabana e a alegria contagia o grupo de beldades que poderiam estar mais semi-nuas, mas ao abrir a porta se deparam com um homem morto pendurado numa teia de aranha gigante. Lendo o diário as dançarinas descobrem que o morto era um professor que estava procurando urânio (com seu martelo?) e percebem que há comida na cabana para cerca de um mês. Gary resolve explorar o resto da ilha sozinho e é picado por uma inacreditável aranha gigante, se tornando um bestial homem-aranha e, seguindo seus instintos mais primitivos, mata uma das dançarinas. Um mês depois dois homens chegam a ilha com suprimentos para o professor e dão de cara com as meninas que explicam tudo aos heróis e, tendo que esperar o navio voltar no dia seguinte para pegá-los, resolvem comemorar a última noite com uma festa. Nada mais natural, lógico!
Não se iluda com o título do filme, a aranha que pica Gary transformando-o numa besta-fera mistura entre homem e aranha, não aparece nem três minutos na produção (mas sua aparição é motivo de risos involuntários) e Gary, depois de transformado em homem-aranha, não se parece com uma aranha, lembrando mais um lobisomem depilado do que qualquer outra coisa. Aliás, o título original, que significa “Um Cadáver Pendurado na Teia”, tem mais haver com o roteiro. A pobreza da produção é gritante, mera desculpa para colocar lindas atrizes com poucas roupas numa ilha deserta, mas como trashmaníacos não estão atrás de tratados intelectuais filmados, “Ein Toter Hing Im Netz” cumpre bem sua função de divertir, com diálogos ridículos espirituosos onde as mal dirigidas atrizes nunca tem a reação de pânico que a história exige. O filme foi lançado duas vezes nos USA, a primeira em 1962 com o título “It’s Hot in Paradise” e uma segunda vez em 1965 com o título modificado para “Horrors of Spider Island”. Quando lançado em vídeo ganhou o nome de “Girls of Spider Island”.
“Horrors of Spider Island” é dirigido pelo roteirista Fritz Böttger (1902-1981) que se mostra completamente amador e sem criatividade no comando da produção (em 1953 ele tinha assinado outros dois filmes como diretor, “Die Junggesellenfalle” e “Auf Der Grünen Wiese”, que não consegui assistí-los). Como roteirista assinou mais de 35 filmes, principalmente comédias leves e musicais jovens como “Liebe, Jazz und Übermut” (1957) de Erik Ode e “Hula-Hopp, Conny” (1959) de Heinz Paul. Em 1963 passou a escrever roteiros para filmes produzidos pela TV alemã. O filme foi produzido pela dupla Gaston Hakim e Wolf C. Hartwig, ambos especializados em nudie-movies e sexploitation de baixo orçamento e gosto duvidoso. Hakim produziu lindezas como “The Naked Venus” (1959), drama erótico dirigido por Edgar G. Ulmer e “Her Bikini Never Got Wet” (1962), tão vagabundo que não tem nem diretor creditado. Em 1964 se aventurou na direção com “A French Honeymoon”, uma comédia erótica das mais estúpidas possíveis. Hartwig teve carreira repleta de êxitos finaceiros, como “Die Nackte und Der Satan/The Head” (1959) de Victor Trivas, sobre um cientista que inventa um soro capaz de manter a cabeça de um cão viva e, depois de sua morte, é obrigado a ajudar sua enfermeira corcunda numa bizarra experiência; “The Bellboy and the Playgirls” (1962) de Fritz Umgelter, com cenas adicionais escritas e dirigidas por um jovem Francis Ford Coppola; a série sexploitation “Schulmädchen-Report”, que teve 13 filmes entre 1970 e 1980; e o clássico de guerra “Cross of Iron/Cruz de Ferro” (1977) de Sam Peckinpah. A direção de fotografia de “Horrors os Spider Island” é do veterano Georg Krause (1901-1986) que, entre outros, assinou a fotografia de “Paths of Glory/Glória Feita de Sangue” (1957) de Stanley Kubrick. Os efeitos pavorosos desta simpática bomba cinematográfica são de autoria do maquiador Irmgard Forster, sempre incompetente que, em 1968, trabalhou em “Necronomicon – Geträumte Sünden/Succubus”, do genial Jesus Franco.
“Ein Toter Hing Im Netz” conquista por seus defeitos. Coffin Souza me enviou o poster de cinema brasileiro de “Horrors of Spider Island”, que aqui no Brasil de chamou “Um Homem na Rêde”. No próximo post publicaremos a versão dele em fotonovela lançada no Brasil pela revista “Ultra Ciência” (número 6) com o título de “A Ilha do Terror“.
“La Bestia Nello Spazio” (“The Beast in Space”, 1980, 92 min.) de Alfonso Brescia. Com: Sirpa Lane, Vassili Karis, Lucio Rosato, Maria D’Alessandro e Marina Lotar.
“La Bête” (1975), dirigido pelo mestre do erotismo Walerian Borowczyk, sobre um casamento arranjado entre duas famílias burguesas onde a noiva, para que possa receber a herança de seu falecido pai, precisa se casar com um homem deformado que cria cavalos, foi um marco do cinema erótico com suas ousadas cenas de sexo entre uma mulher (Sirpa Lane) e um monstro (a título de curiosidade: A seqüência do sonho onde o monstro estupra/é estuprado pela mulher foi filmado para ser um dos seis episódios do filme “Contes Immoraux/Contos Imorais” (1974), obra anterior de Borowczyk, mas na edição ele e outro episódio ficaram no chão da sala de montagem e o diretor resolveu usa-lo em seu grande clássico). “La Bête” e a tradição da bela sendo estuprada pela fera, que vem do inconsciente branco-cristão europeu antes mesmo da invenção do cinema, serviram de inspiração para a produção de “La Bestia Nello Spazio” de Alfonso Brescia (não confundir com a dupla de diretores Brescia do Brasil).
“La Bestia Nello Spazio” é uma mistura entre “Star Wars” (apesar que produções sci-fi européias sempre ficam mais prá “Barbarella” do que para “Star Wars”) e “La Bête” que conta a história de um grupo de soldados espaciais que recebem a missão de ir ao planeta Lorigon obter Antalium (o elemento chave para a construção da bomba de neutron). Assim que a equipe começa a missão, Sondra (Sirpa Lane, do elenco de “La Bête”) começa a ter sonhos envolvendo sexo violento. Logo chegam ao seu destino e pousam no planeta (o pouso da espaçonave lembra os filme de sci-fi de 30 anos antes, de tão tosco e mal executado). Para poupar dinheiro com cenários, logo o grupo de corajosos desbravadores encontra um bosque igualzinho à qualquer bosque aqui do planeta terra e sua primeira visão perturbadora em Lorigon é ver dois cavalos fazendo sexo (em cenas de stock footage, outra referência explícita à “La Bête”), visão essa que deixa as mulheres do grupo excitadas. Depois desta cena gratuita de sexo animal, encontram uma casa de design alienígena onde seu moderno equipamento detecta Antalium. Em uma entrada triunfal ficam conhecendo Onaph, o anfitrião do planeta, que lhes conta a história de Lorigon e do super computador Zocor. No banquete que é servido de boas-vindas, todos comem, bebem e ficam tarados, vítimas de uma alucinação sexual coletiva, e a pegação entre a tripulação tem início. Onaph se revela um fauno bestial movido a sexo e torna os pesadelos de Sondra reais com cenas de sexo onde as penetrações explícitas foram enxertadas (casualmente todos os closes de penetrações nas vaginas foram feitos na mesma buceta, reconhecível pelo pentelhos pavorosos). Assim que todos conseguem sair da alucinação, escapam da casa e travam uma batalha com robôs lorigonianos, culminando numa cena de absoluta cara de pau onde sacam seus sabres de luz a la “Star Wars”. No meio desta batalha nossos heróis encontram tempo para destruir Zocor, o super computador que se alimenta de Antalium, e até o próprio planeta (a explosão mal feita do planeta fecha o filme com chave de ouro).
Os cenários e figurinos são pobres, mas de cores chamativas como todo bom filme barato que se preze deve ter. As armas são um achado com seus canos montados sobre lanternas, a cada tiro a ponta da arma se acende e os inimigos caem mortos. Os efeitos especiais parecem ter sido feitos para um filme dos anos 60 de tão precários. O roteiro escrito por Brescia, com uma ajudinha de Aldo Crudo, é uma grande bobagem com a missão de mostrar cenas de sexo que são bem filmadas (a versão que assisti tem 92 minutos e mais 3 minutos adicionais de cenas de sexo explícito que acabaram ficando de fora da versão final, mas cuidado, há versões deste filme rodando por aí com duração variando entre 73 e 86 minutos). O super computador é uma caixa gigante colorida com luzes vermelhas que piscam, nada melhor para um filme que não se leva a sério em nenhum momento, dá prá notar que os atores estão se divertindo. A trilha sonora do filme foi composta por Marcello Giombini (sob pseudônimo de Pluto Kennedy).
Alfonso Brescia (nascido em 1930 e falecido em 2001) é mais conhecido pelo pseudônimo de Al Bradley (ou Bradly Al) e se tornou famoso por seus filmes de sci-fi de baixo orçamento (na linha dos filmes de Antonio Margheriti como “Assignment: Outer Space/Destino: Espaço Sideral” (1960) ou “Il Pianeta Degli Uomini Spenti/Battle of the Worlds/O Planeta dos Desaparecidos” (1961), ambos lançados em DVD double feature pela London Films) que valem a pena serem conhecidos. Filmes como “Battaglie Negli Spazi Stellari” (1977), “Anno Zero – Guerra Nello Spazio” (1977), “La Guerra dei Robot” (1978) e “Sette Oumini D’Oro Nello Spazio” (1979) foram todos produzidos para lucrar em cima do sucesso de “Star Wars”, mas são muito mais divertidos, com aquele sabor especial que somente os filmes vagabundos tem. Exploitation man por natureza, começou dirigindo peplum movies. “La Rivolta dei Pretoriani” (1964) e “Il Magnifico Gladiatore” (1964) são sua visão do império romano que, nos anos 60, estavam na moda. Versátil como todos os diretores de exploitations, foi mudando de gênero conforme o gosto do consumidor mudava. Já em 1966 abandonou a produção de peplum para se dedicar ao western e realizou “La Ley del Colt”, na cola do sucesso dos filmes de Sergio Leone. Seu melhor filme no gênero western foi “Killer Calibro 32” (1967). Quando os filmes de faroeste começaram a dar sinais de cansaço, fez o drama “Nel Labirinto de Sesso” (1969) e o filme de guerra “Uccidete Rommel” (1969), para ver qual caminho seguir. Nenhum, nem outro! No início dos anos 70 era o horror que começava a chamar atenção do público, assim fez “Il Tuo Dolce Corpo da Uccidere” (1970), estrelado por Eduardo Fajardo (figurinha fácil dos spaghetti westerns) e “Ragazza Tutta Nuda Assassinata nel Parco” (1972). Depois de algumas comédias onde destaco “Superuomini, Superdonne e Superbotte” (1975), que zoava com o mundo dos super-heróis, e de seus filmes de sci-fi já citados, Brescia teve problemas com Joe D’Amato ao lançar “Ator 3: Iron Warrior” (1986) sem autorização de D’Amato, verdadeiro dono da série. No final dos anos 80 lançou uma imitação barata de “Rambo” chamada “Fuoco Incrociato/Cross Mission/Missão Mortífera” (1988) que tentava lucrar com o gênero ação. Brescia é um diretor pouco citado por trashmaníacos, mas merece destaque por sua carreira cheia de obras muito bagaceiras com alto grau de diversão.
No elenco de “La Bestia Nello Spazio” temos atores/atrizes que topavam tudo que é tipo de filme para pagar o aluguel. Sirpa Lane foi lançada no cinema por Roger Vadim com o filme “La Jeune Fille Assassinée” (1974), thriller erótico que destacou a beleza da jovem e fez com que Borowczyk a chamasse para viver Romilda de L’Esperance, sua personagem mais famosa no cinema, em “La Bête”. Em 1978 Joe D’Amato realizou “Papaya dei Caraibi/Papaya – Love Goddess of the Cannibals” e lhe deu o papel de Sara. Nos anos 80 trabalhou em mais dois filmes que merecem destaque, “Le Notti Segrete di Lucrezia Borgia” (1982) de Roberto Bianchi Montero e “Giochi Carnali” (1983), dirigido por Andrea Bianchi, mesmo diretor dos cults “Malabimba” (1979) e “Le Notti del Terrore/Burial Ground” (1981). Vassili Karis já havia trabalhado com Brescia em “Battaglie Negli Spazi Stellari” e “Anno Zero – Guerra Nello Spazio” antes deste “Bestia”. Outros filmes onde Karis dá as caras são “È Tornato Sabata… Hai Chiuso Un’Altra Volta/O Retorno de Sabata” (1971, disponível em DVD pela MGM Vídeo) de Gianfranco Parolini, um divertido western estrelado por Lee Van Cleef; “Casa Privata per le SS/SS Girls” (1977), asneira nazixploitation de Bruno Mattei; “Le Porno Killers” (1980), comédia de humor negro de Roberto Mauro e “Scalps” (1987) da dupla Claudio Fragasso e Bruno Mattei, um western gore chato, mas lindo. Outro ator de “Battaglie Negli Spazi Stellari” que aparece nesta produção é Lucio Rosato que, como todos os atores italianos em atividade nos anos 60, 70 e 80, teve a oportunidade de trabalhar em muitos filmes divertidos. Não deixe de ver Rosato em ação nos filmes “Gli Specialisti” (1969), western do mestre Sergio Corbucci; “Carcerato” (1981), um drama musical onde foi novamente dirigido por Brescia e “The Barbarian” (1987), um adorável lixo cinematográfico de Ruggero Deodato.
Atentem ainda para a presença da pornostar sueca Marina Hedman Bellis (também conhecida pelos nomes Marina Frajese, Marina Lotar ou Marina Lothar) no elenco. Marina era modelo quando Lucio Fulci lhe deu um pequeno papel (não creditado) na comédia “La Pretora” (1976), estrelado por Edwige Fenech. Logo em seguida apareceu já em sua primeira cena de sexo hardcore no cult movie “Emanuelle in America” (1977) do esperto Joe D’Amato, que com este filme chamou atenção por usar algumas cenas que seriam de torturas reais (mas que sob olhar atento percebemos que são trucagens). Ainda com D’Amato ela fez outros filmes, como a comédia “Il Ginecologo Della Mutua” (1977) e “Immagini di un Convento” (1979), nunsploitation com seqüências de sexo explícito. Depois de trabalhar com D’Amato foi descoberta pelos diretores italianos e trabalhou com vários caras bons. “Pasquale Festa Companile a contratou para “Gegè Bellavista” (1978) e “Come Perdere una Moglie e Trovare un’Amante” (1978); com Dino Risi fez o drama “Primo Amore” (1978); o atento Jesus Franco a chamou para um papel na comédia “Elles Font Tout” (1979), estrelado por sua musa Lina Romay, lógico; e Federico Fellini a chamou para sua obra-prima “La Città Delle Donne/Cidade das Mulheres” (1980), divertido clássico estrelado por Marcello Mastroianni e Anna Prucnal (que faz a personagem Anna Planeta no cult absoluto “Sweet Movie” (1974) de Dusan Makavejev). Fazer cinema na Europa dos anos 70/80 era algo realmente mágico. Depois deste começo de carreira promissor, Marina Hedman resolveu seguir o caminho dos filmes de horror e hardcore e fez o terror adulto “Orgasmo Esotico” (1982) de Mario Siciliano, “La Bimba di Satana/Satan’s Baby Doll” (1972) de Mario Bianchi, “La Bionda e La Bestia” (1985) de Arduino Sacco, “The Devil in Mr. Holmes” (1987) de Giorgio Grand, entre muitos outros pornôs europeus.
Dificilmente “La Bestia Nello Spazio” será lançado em DVD no Brasil, mas deixo aqui a dica para quem quiser conhecer essa pequena peça do selvagem cinema italiano que, quando faliu, deixou saudades. O estilo de filmar dos cineastas italianos sempre foi uma grande bagunça que no fim dava certo e rendia ótimos filmes.
por Petter Baiestorf.
“La Bestia Nello Spazio” copiando a arte de “Zardoz” descaradamente.
“The Killer Barbys” (“O Massacre das Barbys”, 1996, 93 min.) de Jesus Franco. Com: Santiago Segura, Silvia Superstar, Mariangela Giordano, Aldo Sambrell, Charlie S. Chaplin e Carlos Subterfuge.
Seguindo a tradição do hoje clássico trash “Hard Rock Zombies” (1985, de Krishna Shah), “The Killer Barbys” começa com a banda “The Killer Barbies” (no filme “Barbies” virou “Barbys” por questões envolvendo direitos autorais) fazendo uma eletrizante apresentação numa casa de shows vagabunda onde mostram um pouco de seu pop-punk rock (as músicas da banda são pavorosas, tanto que grudam no ouvido e não saem mais). Depois da apresentação a banda pega a estrada e sua van quebra no caminho (na verdade eles são vítimas de uma armadilha que Santiago Segura, hilário e canastrão no papel de um pervertido, preparou). Depois do acidente a banda é acolhida no castelo de uma condessa maligna (Mariangela Giordano, madura e bela, interpretando uma espécie de condessa Báthory moderna) que se mantém jovial bebendo uma poção preparada com o sangue de jovens aprisionados por Segura.
Como em qualquer outro filme do espanhol Jesus Franco, não espere nenhuma lógica. “The Killer Barbys” é uma sucessão de divertidas cenas desprovidas de sentido que valorizam os delírios envolvendo sexo, nudez e violência exagerada, como na magnífica cena do matadouro humano onde Segura tira o sangue das vítimas penduradas como se estivessem num macabro açougue de carnes humanas (tudo isso sem a menor preocupação de fazer as pobres vítimas realistas, cadáveres e cabeças humanas decepadas – cobertos por tinta vermelha – são reveladas e notamos, cúmplices, que tudo é falso, uma linda orgia de sangue doce e corpos de látex).
Jesus Franco é uma lenda do cinema classe Z mundial. Nascido em 12 de maio de 1930 se tornou famoso quando dirigiu “The Awful Dr. Orloff” (1961). Sempre trabalhando com orçamentos minguados, Franco se especializou na produção de filmes de horror carregados de sexo e, na maioria das vezes, estrelado por sua esposa Lina Romay. Filmou tudo que é tipo de gêneros, trabalhou com atores como Christopher Lee, Klaus Kinski e Howard Vernon, tendo um ritmo de trabalho tão intenso que no ano de 1983 chegou a dirigir 14 longa-metragens (em 1986 assinou 13 títulos e em 1973 outros 11 títulos), mantendo uma produção que chega, hoje, aos inacreditáveis 193 filmes dirigidos.
Santiago Segura (nascido em 17 de julho de 1965) é ator, roteirista, produtor e diretor de filmes. Em 1995 ficou famoso na Espanha ao estrelar o longa “El Dia de la Bestia” de Alex de la Iglesia e, em 1998, chamou atenção ao dirigir o mais lucrativo filme do cinema espanhol, “Torrente: El Brazo Tonto de la Ley”, que bateu a bilheteria de “Titanic” em solo espanhol. Voltaremos a falar de Santiago Segura no Canibuk em breve.
A banda “The Killer Barbies” foi formada em 1994 e é comandada pela vocalista Silvia Superstar (Silvia García Pintos). Lançaram pela gravadora espanhola Toxie Records três álbuns: “Dressed to Kiss” (1995), “… Only for Freaks!” (1996) e “Big Muff” (1998). Após o sucesso destes três álbuns (cada um tendo vendido uma média de 10 mil unidades), assinaram com o selo alemão Drakkar Records e venderam suas almas para Satã.
Em 2002 Jesus Franco dirigiu uma continuação de “The Killer Barbys” chamada “Killer Barbys Vs. Dracula”, igualmente divertida e exagerada para a sorte de todos os trashmaníacos. “The Killer Barbys” foi lançado em DVD no Brasil pela sempre picareta distribuidora Continental.
De acordo com José Manuel Serrano, Lina Romay morreu neste último dia 15 de fevereiro, em Malaga/Espanha, vitimada pelo câncer (não foi divulgado o tipo de câncer). Jesus Franco parece que está sofrendo muito com a morte de sua eterna Musa, tanto que só divulgou a morte dela hoje (8 dias depois). Espero que este abatimento não deixe Jesus Franco debilitado ao extremo e o leve a falecer também, já vi muito casal que se ama demais morrer praticamente juntos quando o sentido de sua existência termina com a morte de sua metade!
Nascida em Barcelona em 23 de junho de 1954, Rosa María Almirall Martínez (seu nome real) conheceu Jesus Franco em 1971 (que na época estava se curando da morte de Soledad Miranda) e desde então não se separaram mais, seja na vida pessoal, seja na vida profissional. Lina sempre foi inteligente e independente, sempre falando o que pensava e demonstrando que encarava sua profissão de atriz de maneira bem lúcida, como declarou em certa ocasião: “Dizem que eu sou uma exibicionista. Todo ator é um – Aceito isso de bom grado. Eu não sou uma hipócrita”.
O primeiro filme do casal juntos foi “La Maldición de Frankenstein” (1972) e depois disso continuaram fazendo filmes de horror/putaria (aquele estilo Romay-Franco que os fãs de sleaze tanto adoram) até “Paula-Paula” (2010) onde ela, mesmo velha, continuou tirando a roupa de boa vontade! Lina Romay sempre dizia: “Só coloco roupa quando o roteiro exige!”, se destacando por sua beleza e completa falta de vergonha na cara (adoro atrizes desavergonhadas que ficam o tempo todo peladas e o fazem com um talento natural prá coisa). Com uma filmografia que ultrapassa 115 filmes, vale a pena conhecer produções como “La Comtesse Perverse” (1974), “Frauengefängnis” (“Barbed Wire Dolls”, 1976), “Jack the Ripper” (1976), “Greta – Haus Ohne Männer” (1977), “L’Éventreur de Notre-Dame” (1979), “Justine” (1979), “Mondo Canibale” (1980), “La Tumba de los Muertos Vivientes” (1983), “Macumba Sexual” (1983), “Lilian – La Virgen Pervertida” (1984), “Faceless” (1987), “Tender Flesh” (1997) e “Killer Barbys Vs. Dracula” (2002), todos dirigidos por seu marido Jesus Franco. Outros filmes que merecem destaque são “Roll-Royce Baby” (1975) de Erwin C. Dietrich, “Apocalipsis Sexual” (1982) de Carlos Aured e Sergio Bergonzelli, “Rossa Venezia” (2003) de Andreas Bethman e os filmes dirigidos pela própria tarada Lina Romay (usando, geralmente, o pseudônimo de Candy Coster ou Lulu Laverne), como “Confesiones Íntimas de una Exhibicionista” (1983), “Una Rajita Para Dos” (1984), “El Chupete de Lulú” (1985), “Phollastia” (1987) e “Falo Crest” (1987), todos pornôs lindos!
Lina, continuaremos te cultuando nos filmes maravilhosos que você nos legou! Espero que você tenha sido enterrada pelada como imagino que era seu desejo e de todos seus fãs!
Eurociné é uma empresa cinematográfica européia fundada em 1937 e comandada por Marius Lesoeur. Entre os diretores que trabalhavam prá empresa, nomes picaretas como Jesus Franco e Jean Rollin e atores como Howard Vernon, Richard Harrison, Christopher Mitchum e Christopher Lee. Os melhores filmes da Eurociné foram feitos entre 1960 e 1980, quando começou o declínio deles e é minha fase preferida (não que os filmes anteriores não fossem vagabundos, mas depois dos anos 80 os orçamentos ficaram mais minguados ainda), com filmes como “Mondo Cannibale” (1980, Jesus Franco, não confundir com “Ultimo Mondo Cannibale” de Ruggero Deodato), “L’Abîme des Morts Vivants/Oasis of the Zombies” (1981, Jesus Franco) ou o inacreditável “Le Lac des Morts Vivants/Zombie Lake” (1981, começado por Jesus Franco que sumiu ainda na pré-produção do filme que foi assumido por Jean Rollin com colaborações de Julian Laserna). Sobre “Le Lac des Morts Vivants”, considerado o pior filme francês já feito, Rollin comenta:
“Era um dia antes das filmagens e ninguém sabia onde Jesus Franco estava. Nem sinal, nem nada. Eu estava para sair de férias quando tocou o telefone. Era a Eurociné que perguntou se eu estava interessado em dirigir um filme deles. Eu disse: “Por que não? Quando precisam de mim?” e eles responderam: “Pode começar amanhã.” Não li o roteiro, não sabia nada do filme além de que tratava de zumbis, e o produtor me explicava toda manhã o que eu devia filmar. Nunca levei esse filme a sério. A Eurociné é uma empresa bizarra. Não tenho certeza do que eles fazem. Acho que eles pensam que “Le Lac des Morts Vivants” é um bom filme de terror! Eles vivem em outro planeta!”
De acordo com Pete Tombs e Cathal Tohill no livro “Immoral Tales: European Sex and Horror Movies”:
“O filme foi ultra baixo orçamento até para os padrões da Eurociné. Em certo ponto, problemas técnicos fizeram a câmera rodar mais devagar, deixando os movimentos mais rápidos. Não havia como consertar e o tempo estava correndo, então Rollin teve que ensinar o elenco a atuar em câmera lenta”.
Trasheira exemplar e imperdível. A Eurociné produz filmes até hoje, última produção deles listada no IMDB é “El Rey” (divertido drama sobre o traficante Pedro Rey, aqui no Brasil se chamou “O Rei do Tráfico”). Fiquem com alguns trailers de filmes produzidos pela Eurociné (é díficil de encontrar trailers dos filmes deles, fiz várias buscas e quase sempre com resultado nulo) e quem curtir trash-movies tem obrigação de correr atrás dos filmes deles:
E para quem curtiu o trailer do “Oasis of the Zombies”, segue aqui filme inteiro para ser assistido: