Arquivo para libertários

Parafusos, Zumbis, Monstros do Espaço e outros lançamentos da Veneta

Posted in Literatura, Quadrinhos with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on janeiro 4, 2014 by canibuk

Dangerous GlitterA editora Veneta é uma jovem editora brasileira criada por Rogério de Campos que vem se destacando por seus ótimos lançamentos de quadrinhos e livros de literatura obrigatórios. A frase “o que queremos, de fato, é que as ideias voltem a ser perigosas”, de Raoul Vaneigem, se aplica perfeitamente aos lançamentos deles (mesmo que os lançamentos mais transgressores continuem sendo obras lançadas originalmente nos anos 60 e 70). Por conta do prefácio que escrevi para o álbum “Parafusos, Zumbis & Monstros do Espaço”, lançado por eles, ganhei um pacotão de lançamentos e já me tornei fã da jovem editora, tanto que agora preciso comprar urgentemente o livro “Dangerous Glitter” de Dave Thompson, recém lançado e que conta “como David Bowie, Lou Reed e Iggy Pop foram ao inferno e salvaram o Rock’n’Roll”. Como um grande fã do filme “Velvet Goldmine” (1998) de Todd Haynes, este livro se torna item obrigatório para o enriquecimento da cultura inútil tão necessária ao meu cérebro. A seguir apresentação dos livros lançados pela Veneta que devorei em poucos dias.

Parafusos Zumbis e Monstros do Espaço1“Parafusos, Zumbis & Monstros do Espaço” (115 páginas) é uma HQ de Juscelino Neco (que já foi publicado aqui no Canibuk com a HQ “A Maldição dos Sapos“) que é diversão gore pop do início ao fim. “Parafusos, Zumbis & Monstros do Espaço brinca com a estética do cinema B, cultura pop e obsessões cronenberguianas na divertida e azarada vida do herói Dolfilander que, após extraordinários acontecimentos envolvendo num parafuso, se revela um para-raios de objetos pontiagudos pontiagudos e estranhas criaturas em eventos de ultra-violência nonsense gore estreladas por gorilas com cérebros humanos, zumbis melequentos e aliens bagaceiros que nos fazem pensar sobre como a vida neste grão de areia chamado Terra, perdido nos cafundós do Universo, pode ser somente um joguinho bobo para nos livrar do tédio.”, do meu prefácio que dá uma ideia geral da delícia despretensiosa que é este incrível trabalho de Neco. Como curiosidade, quase que Neco fez parte da equipe de meu longa “Zombio 2: Chimarrão Zombies“, na qualidade de biógrafo quadrinista da produção. Junto de “Baratão 66” um dos melhores lançamentos de 2013.

Parafusos Zumbis e Monstros do Espaço2

Crumb1“A Mente Suja de Robert Crumb” (230 páginas) é um álbum de luxo com seleção (por Rogério de Campos) de HQs de Robert Crumb, talvez o melhor e mais completo álbum de Crumb já lançado no Brasil. A introdução desta peça magnifica fala sobre a censura americana aos quadrinistas, que sempre foi muito forte por conta das ligas religiosas e de pais desocupados. Robert Crumb nasceu na Pensilvânia em 30 de agosto de 1943 e se tornou o quadrinista underground mais famoso da contra-cultura mundial. Uma boa pedida para saber mais sobre ele é assistir ao documentário “Crumb” (1994) de Terry Zwigoff, seu parceiro na banda R. Crumb and his Cheap Suit Serenaders, que, em virtude da amizade com o documentado, teve acesso irrestrito à vida de Crumb e seus irmãos, figuras ainda mais interessantes do que o próprio gênio. A HQ “Bundão das Cavernas” faz parte deste imperdível lançamento. A seleção de material deste álbum enfoca mais suas HQs sexuais cheias de suas carnudas mulheres em situações pervertidas, como o próprio Crumb define: “Minha obsessão por mulheres grandes interfere na maneira como algumas pessoas avaliam meu trabalho. Algumas acham interessantes, mas ver isso de novo e de novo… Eu mesmo até me sinto mal a respeito, mas assim que as coisas começam a sair, não consigo parar”. Um lançamento fabuloso e obrigatório na coleção de qualquer fã de quadrinhos.

Crumb2Crumb3Crumb4

O Livro dos Santos1“O Livro dos Santos” (368 páginas), do poderoso chefão da Veneta, Rogério de Campos, se tornou minha leitura preferida do final de 2013. Enquanto cristãos do mundo inteiro se reuniam para festejar sua mitologia repleta de contos fantásticos, milagres duvidosos e lenga-lenga pseudo moralista, eu me divertia com essa incrível seleção histórica de barbaridades inacreditavelmente absurdas perpetuadas por cristãos em todos os períodos de sua, ainda, curta história. Neste livro ficamos por dentro do pensamento cristão sobre mulheres (que os santos católicos consideram seres perversos), milagres criados pela igreja, virtudes dos machos, guerras cristãs para conquistar e subjugar outros povos, justiça cristã (que é extremamente vingativa, principalmente se você for pobre), as delícias das dores e do sofrimento e o medo que os santos possuíam das mulheres, à quem eles claramente não entendiam. Sério, se você é cristão, você precisa ler este livro. Um exemplo da bondade cristã: “O Languedoc, no sudoeste da França, era, no século XII e XIII, uma região próspera, relativamente tranquila e com uma cultura muito viva. O nível de igualdade entre homens e mulheres era mais alto que no resto da cristandade. E os troubadours e as trobairitz, com suas canções, satirizavam as autoridades políticas e religiosas, mas principalmente enalteciam o “amor fino” e o “amor cortês”. Foi lá que se inventou a palavra “romance” para descrever histórias populares de amor. Mas não foi isso o que irritou São Domingos de Gusmão quando ele chegou para uma inspeção, em 1203. O que lhe pareceu intolerável foi que o Languedoc era talvez o lugar mais tolerante do mundo cristão da época. Não só os cristãos em geral, mas até mesmo alguns padres conviviam em paz com judeus e, pior, com os hereges Cátaros, que eram pacíficos, vegetarianos e prestativos, e seus líderes cumpriam rigorosamente o voto  de pobreza e castidade. Isso em uma época em que os representantes da igreja Católica faziam questão de exibir seu poder e riqueza. O piedoso Inocêncio III não teve outra saída a não ser convocar uma cruzada contra o Languedoc. Foram mortas 20 mil pessoas, sem distinção de posição social, sexo ou idade. E, quando finalmente o Languedoc foi derrotado pelo poderio militar, veio a Inquisição com seus julgamentos, que mandaram uma boa parte dos sobreviventes para a fogueira”. Impossível se identificar com uma religião tão imbecil (aliás, qualquer religião é fruto da imbecilidade humana), primeiro sintoma da burrice crônica é quando você acha que a sociedade em que você vive é dona da verdade universal (aliás, a verdade universal está no mesmo patamar de deus, ou seja, não existe).

O Livro dos Santos2

Memorias de uma beatnik“Memórias de uma Beatnik” (215 páginas) de Diane di Prima é uma rara oportunidade de ler um romance beatnik narrado por uma mulher que viveu a boemia de New York dos anos de 1950 e 1960, frequentadora de clubes de jazz, cafés literários de poetas marginalizados e adepta do sexo livre. Diane di Prima nasceu em 06 de agosto de 1934 (ela ainda é viva) em berço de ouro, explico, seu avô materno foi militante anarquista, amigo de Emma Goldman, e ser educada por um anarquista vale muito mais do que todo o dinheiro do mundo. Ainda criança começou a escrever poesias e adolescente trocou correspondência com Ezra Pound e Kenneth Patchen (que a exemplo de Pound, também era poeta, só que muito mais experimental). Nos anos 50 foi para Manhattan onde tomou contato com o movimento beat. Em 1961 criou, com LeRoi Jones, a revista “Floating Bear” que publicou muita poesia transgressora, chegando a ser presa pelo FBI com acusações de obscenidade. Em 1969 escreveu este “Memórias de uma Beatnik”, um poderoso relato erótico que tem como base suas experiências com o movimento beatnik, contendo inúmeras passagens de sexo explícito falando, principalmente, do prazer feminino com as delícias do sexo sem culpa. Fãs de William Burroughs, Jack Kerouac, Allen Ginsberg e Timothy Leary irão adorar.

Diane di Prima

Diane di Prima

Stieg Larsson antes de Millennium“Stieg Larsson Antes de Millennium” (60 páginas) é uma HQ de Guillaume Lebeau e Frédéric Rébéna e conta, de maneira fragmentada, alguns episódios da vida do autor Stieg Larsson (1954-2004) que se tornou conhecido com sua trilogia de livros “Millennium” (que viraram filmes suecos que, depois, foram devidamente ruminados por Hollywood em refilmagens toscas). A HQ mostra três situações envolvendo Larsson, mas devido as poucas páginas nunca chega a empolgar e desemboca em lugar nenhum. O grande feito de Larsson em vida foi combater os fascistas em sua terra natal, a branquela Suécia, mas não há nada de especial nisso já que combater fascistas e nazistas é um dever de todos.

Enfim, longa vida a Editora Veneta que, nos moldes da finada Conrad Editora, vem com a sempre bem-vinda vontade de incomodar os acomodados.

dicas de Petter Baiestorf.

Declaração Pirata

Posted in Anarquismo, Literatura with tags , , , , , , , , , , , on maio 21, 2012 by canibuk

Daniel Defoe, escrevendo sob o pseudônimo de capitão Charles Johnson, escreveu o que se tornou o primeiro texto histórico sobre os piratas, A General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates (Uma história Geral dos Roubos e Assassinatos dos Mais Notórios Piratas). De Acordo com Jolly Roger (a bandeira pirata), de Patrick Pringle, o recrutamento de piratas era mais efetivo entre os desempregados, fugitivos e criminosos desterrados. O alto-mar contribuiu para um instantâneo nivelamento das desigualdades de classe. Defoe relata que um pirata chamado capitão Bellamy fez este discurso para o capitão de um navio mercante que ele tomou como refém. O capitão tinha acabado de recusar um convite para se juntar aos piratas:

Sinto muito que eles não vão deixar você ter sua chalupa de volta, pois eu desaprovo fazer mesquinharia com qualquer um, quando não é para minha vantagem. Dane-se a chalupa, nós vamos naufragá-la e ela poderia ser de uso para você. Embora você seja um cachorrinho servil, e assim são todos aqueles que se submetem a ser governados por leis que os homens ricos fazem para sua própria segurança; pois os covardes não têm coragem nem para defender eles mesmos o que conseguiram por vilania; mas danem-se todos vocês: danem-se eles, um monte de patifes astutos e vocês, que os servem, um bando de corações de galinha cabeças ocas. Eles nos difamam, os canalhas, quando há apenas esta diferença: eles roubam os pobres sob a cobertura da lei, sem dúvida, e nós roubamos os ricos sob a proteção de nossa própria coragem. Não é melhor tornar-se então um de nós, em vez de rastejar atrás desses vilões por emprego?

Quando o capitão replicou que a sua consciência não o deixaria romper com as regras de Deus e dos homens, o pirata Bellamy continuou:

Você é um patife de consciência diabólica, eu sou um príncipe livre e tenho autoridade suficiente para levantar guerra contra o mundo todo, como quem tem uma centena de navios no mar e um exército de 100 mil homens no campo; e isto a minha consciência me diz: não há conversa com tais cães chorões, que deixam os superiores chutá-los pelos convés a seu belprazer.

Capitão Bellamy & Hakim Bey* (do livro TAZ – Zona Autônoma Temporária, editora Conrad).

* Hakim Bey é pseudônimo do historiador Peter Lamborn Wilson.

O Caso Idalina

Posted in Anarquismo with tags , , , , , , , on fevereiro 12, 2011 by canibuk

Entre 1910 a 1912, destacou-se na imprensa anticlerical e anarquista a campanha de denúncias sobre o desaparecimento de uma menina de dez anos, Idalina de Oliveira, que se encontrava internada no Orfanato Cristóvão Colombo, em São Paulo.

Os jornais La Battaglia e A Lanterna, seguidos por outros jornais libertários, acusaram o padre Stefani de ter estuprado a menina, e que ela teria sido morta a golpes de pá na cabeça pelo padre Faustino Consoni, diretor do orfanato, ao tentar fugir.

Os jornais que denunciaram o estupro e a ocultação do cadáver, publicaram vários números especiais sobre o caso. Cartas de ex-alunos da escola foram enviadas às redações, denunciando novos crimes cometidos no orfanato-escola e em outras instituições religiosas. Os redatores, nas suas manchetes insistiam: “Onde está Idalina?” Os grupos anticlericais convocaram uma série de manifestações e comícios de protesto, exigindo o fechamento do estabelecimento e a punição dos envolvidos. Os responsáveis pelo inquérito policial foram acusados de conivência com os envolvidos e de não procurarem apurar com afinco o episódio.

A Igreja reagiu, chamando a polícia para reprimir as manifestações e recebendo o apoio da grande imprensa diária. Os denunciantes foram acusados de difamadores, procurando com suas ideologias exóticas denegrir a Santa Madre Igreja. Vários padres, procurando resguardar a reputação da Igreja e absolver os implicados no caso, partiram para o ataque. Artigos nos jornais e panfletos foram publicados produrando desmoralizar os “hereges anarquistas”. Entre os folhetos publicados, encontrava-se um do frei Pedo Sinzig, que apesar de ter como principal preocupação, impedir a criação de uma Escola Racionalista em Petrópolis e denunciar a pedagogia de Ferrer, acabava refutando a versão dos anticlericais sobre o ocorrido no orfanato Cristóvão Colombo.

– Muito bem, vamos a Idalina! Pensa o Sr. que são os católicos que têm de fugir da discussão? Vamos. Sabe como foi o fato, a calúnia? Foi esta: “o padre Stefani fez mal a Idalina em junho de 1907.” Foi ou não foi assim que disseram?

– Foi sim.

– Pois bem, o padre Stefani, nesta data estava na Itália, como podia fazer mal a uma menina em São Paulo?

Vamos ao segundo ponto. Sua imprensa lá, A Lanterna, que de luz não tem nada, afirmou…

– A Lanterna é uma luz verdadeira.

– Sim, como uma vela ao lado do sol rutilante. Vamos ao caso. Sua imprensa afirmou que “depois Idalina fora morta pelo padre Faustino Consoni, diretor do estabeleciemnto.

– Como o padre Faustino Consoni podia matá-la se ele estava muito longe, na fazenda S. Martinho!

O jornal A Lanterna retrucou as colocações do padre Sinzig com um agressivo artigo, cujo título era: “Fustigando um miserável Tartufo – resposta ao pé da letra ao frade Pedo (sic) Sinzig, que publicou um imundo folheto difamando a memória do grande mártir.”

Frei Pedo, o autor de tal moxinifada, é um ser anormal, de temperamento doentio, irritável, perigoso. Ele odeia mortalmente a todos os homens livres, a todas as iniciativas tendentes a instruir e educar racionalmente o povo, e, para impedir o progresso das idéias novas, a golpe de audácia, inverter a ordem natural das coisas.

Apesar de toda agitação, os padres acusados não foram castigados. Pelo contrário, a polícia prendeu Edgard Leuenrouth, diretor do jornal A Lanterna, e Oresti Ristori, diretor do La Battaglia.

O caso chegou aos tribunais. O frade Dr. J. de Souza Carvalho “pede 30 anos de prisão para O. Ristori e E. Leuenrouth, como reparo moral ao seu colega Faustino Consoni, por não existir pena de morte no Brasil”.

Apenas o crescimento dos protestos, a injustiça da acusação e os esforços do advogado e anarquista Benjamim Mota – que havia sido fundador do jornal A Lanterna – permitiram com que os prisioneiros fossem libertados.

escrito por Eduardo Valladares, parte do livro “Anarquismo e Anticlericalismo” (editoras Imaginário, Nu-Sol e Coletivo Anarquista SOMA). 

Nota do Blog: Pelos menos nos dias de hoje, aos poucos, os padres pedófilos estão (as vezes) pagando por seus crimes. A Igreja Católica dos U.S.A. já gastou mais de 3 bilhões de dólares para defender seus padres pedófilos.