Arquivo para literatura simbolista

A Voz

Posted in Literatura with tags , , , , , , , , , on maio 24, 2012 by canibuk

Meu berço ao pé da biblioteca se entendia,

Babel onde ficção e ciência, tudo, o espólio

Da cinza grega ao pó do Lácio se fundia.

Eu tinha a mesma altura de um in-fólio.

Duas vozes ouvi. Uma, insidiosa, a mim

Dizia: “A Terra é um bolo apetitoso à goela;

Eu posso (e teu prazer seria então sem fim!)

Dar-te uma gula tão imensa quanto a dela.”

A outra: “Vem! vem viajar nos sonhos que semeias,

Além da realidade e do que além é infindo!”

E essa cantava como o vento nas areias,

Fantasma não se sabe ao certo de onde vindo,

Que o ouvido ao mesmo tempo atemoriza e afaga.

Eu te respondi: “Sim, doce voz!” É de então

Que data o que afinal se diz ser minha chaga,

Minha fatalidade. E por trás do telão

Dessa existência imensa, e no mais negro abismo,

Distintamente eu vejo os mundos singulares,

E, vítima do lúcido êxtase em que cismo,

Arrasto répteis a morder-me os calcanhares.

E assim como um profeta é que, desde esse dia,

Amo o deserto e a solidão do mar ao largo;

Que sorrio no luto e choro na alegria,

E apraz-me como suave o vinho mais amargo;

Que os fatos mais sombrios tomo por risonhos,

E que, de olhos no céu, tropeço e avanço aos poucos.

Mas a Voz me consola e diz: “Guarda teus sonhos:

Os sábios não têm tão belos quanto os loucos!”

poesia de Charles Baudelaire (“As Flores do Mal – Marginália”).

Leia mais: “As Metamorfoses do Vampiro“.

O Coveiro, A Louca e O Ébrio: Poesias de Augusto dos Anjos

Posted in Literatura with tags , , , , , on dezembro 6, 2011 by canibuk

O Coveiro

Uma tarde de abril suave e pura

Visitava eu somente ao derradeiro

Lar; tinha ido ver a sepultura

De um ente caro, amigo verdadeiro.

.

Lá encontrei um pálido coveiro

Com a cabeça para o chão pendida;

Eu senti a minh’alma entristecida

E interroguei-o: “Eterno companheiro

.

Da morte, quem matou-te o coração?”

Ele apontou para uma cruz no chão,

Ali jazia o seu amor primeiro!

.

Depois, tomando a enxada, gravemente,

Balbuciou, sorrindo tristemente:

– “Ai, foi por isso que me fiz coveiro!”

.

A Louca

Quando ela passa: – a veste desgrenhada,

O cabelo revolto em desalinho,

No seu olhar feroz eu adivinho

O mistério da dor que a traz penada.

.

Moça, tão moça e já desventurada;

Da desdita ferida pelo espinho,

Vai morta em vida assim pelo caminho,

No sudário da mágoa sepultada.

.

Eu sei a sua história. – Em seu passado

Houve um drama d’amor misterioso

– O segredo d’um peito torturado –

.

E hoje, para guardar a mágoa oculta,

Canta, soluça – o coração saudoso,

Chora, gargalha, a desgraçada estulta.

.

O Ébrio

Bebi! Mas sei porque bebi!… Buscava

Em verdes nuanças de miragens, ver

Se nesta ânsia suprema de beber,

Achava a Glória que ninguém achava!

.

E todo o dia então eu me embriagava

– Novo Sileno, – em busca de ascender

A essa Babel fictícia do Prazer

Que procuravam e que eu procurava.

.

Trás de mim, na atra estrada que trilhei,

Quantos também, quantos também deixei,

Mas eu não contarei nunca a ninguém.

.

A ninguém nunca eu contarei a história

Dos que, como eu, foram buscar a Glória

E que, como eu, ira-o morrer também.

poesias de Augusto dos Anjos.

Entrevista com Augusto dos Anjos

Posted in Entrevista, Literatura with tags , , , , , on novembro 4, 2010 by canibuk

Uma das raríssimas entrevistas concedidas pelo poeta simbolista Augusto dos Anjos que achei interessante disponibilizar na net como documento histórico de nossa literatura. Entrevista cedida à Dr. Licínio Santos em 1912 (em 1914 Dr. Licínio Santos publicou seu livro “A Loucura dos Intelectuais”, com teorias contrárias as de Max Nordau).

1- O que pode adiantar sobre sua infância?

Augusto: Desde a mais tenra idade eu me entreguei exclusivamente aos estudos, relegando por completo tudo quanto concerne ao desenvolvimento, numa atmosfera de rigorosíssima moralidade, da chamada vida física.

2- Quais os autores que mais o impressionaram?

Augusto: Shakespeare e Edgar Allan Poe.

3- Como faz o seu trabalho intelectual?

Augusto: Durante o dia, quase sempre andando no meio de toda azáfama ambiente ou a noite deitado. Conservo de memória tudo quanto produzo. São muito poucas vezes que me sento à mesa para produzir.

4- O que sente de anormal quando está produzindo?

Augusto: Uma série indescritível de fenômenos nervosos, acompanhados muitas vezes de uma vontade de chorar.

5- Em que idade começou a produzir?

Augusto: Se não me falha o poder da reminiscência, presumo, comecei a produzir muito antes dos nove anos.

6- Quais os trabalhos que deu a luz até a presente data?

Augusto: Um livro de versos, “Eu”.

7- Sofre de insônia, cefaléia ou amnésia?

Augusto: Até esta data não sofro de amnésia. Tenho insônia raras vezes, mas a cefalalgia persegue-me constantemente.

8- Tem continuado os sonhos fantásticos?

Augusto: Quanto a sonhos fantásticos, é também muito raramente que os tenho.

9- Faz uso excessivo de algum excitante intelectual?

Augusto: Sou contra os excessos, o que não me impede de abusar um pouco do café.

Abaixo o poema “O Deus Verme” escrito por Augusto dos Anjos e ilustrado pelo desenhista Itamar Pessoa, originalmente publicado no fanzine “Necrofília”, número único, que editei em 1992.

E abaixo o poema “Imortal Poeta da Morte” escrito por Denilson L. Hermes e ilustrado pelo desenhista Reno, originalmente publicado no fanzine “Arghhh” número 5.

E, por último, uma adaptação do desenhista Caique para o poema “As Cismas do Destino” de Augusto dos Anjos, originalmente publicado no fanzine “Arghhh” número 22.