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Estes Praticamente Estranhos Filmes de Horror Nacional

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Com um atraso incrível (as primeiras salas de exibição brasileiras surgiram em 1896 e as primeiras produções locais logo em seguida) num país sabidamente supersticioso e com um rico folclore, nossos primeiros filmes de terror e sobrenatural só apareceram durante os anos 1960, Assim sendo, a trajetória do gênero no Brasil se confunde com a de seu maior ícone: José Mojica Marins (1931). Paulista, neto de espanhóis, criado dentro de um pequeno cinema que seu pai gerenciava na Vila Anastácio, Lapa. Desde criança, se interessou por teatro, histórias em quadrinhos e principalmente cinema. Com a colaboração da família e amigos criou uma escola de atores/produtora mambembe e depois de rodar um faroeste nacional e um melodrama infantil criou o personagem Josefel Zanatas, mais conhecido como Zé do Caixão para o clássico “A Meia Noite Levarei a sua Alma” ( 1964). O próprio diretor/roteirista assumiu o papel do coveiro sádico em sua busca insana por uma mulher perfeita que lhe daria um filho superior e a imortalidade. Julgando ter encontrado a mulher ideal, Zé violenta a namorada virgem de um amigo seu. A garota desesperada se suicida, mas antes promete voltar dos mortos para buscá-lo. A figura sinistra de longas unhas, barba, cartola e capa preta iniciaria uma longa relação simbiótica entre criador-criatura/ator-personagem, que extrapolaria a mídia e criaria raízes no imaginário popular. “A Meia Noite Levarei a Sua Alma” dividiu a crítica da época, afinal a produção era recheada de blasfêmias, sexo, violência, filosofia de botequim, diálogos hilários e cenários de papelão. O terror e o trash nasceram juntos entre nós, e o público adorou. Estreando primeiro em São Paulo e depois no Rio de Janeiro, o filme foi um grande sucesso, mas por total falta de gerenciamento da produção, Mojica ficou sem nenhum centavo das bilheterias lotadas.

Em Belo Horizonte (MG), o veterinário Luiz Renato Brescia ( 1903-1988) realizador independente de pequenos documentários, também se aventurava em gêneros pouco comuns por aqui. Tentou rodar um Western em 1945 e sete anos depois produziu um Peplum (Épico romano) “Nos Tempos de Tibério César” com direção de seu filho Ettore. Com parcos recursos começou a rodar nos fins de semana, “Phobus, Ministro do Diabo” (1965), sobre um ser nascido com a missão de espalhar o mal sobre a terra. Realizado com um elenco de amadores, equipe técnica diminuta e contando com inúmeros “defeitos especiais” óticos desenvolvidos pelo próprio diretor, a obra só ficou pronta na década seguinte e recebeu um lançamento precário em 1974, encerrando a carreira de Brescia e lhe legando um status cult/trash digno de um Ed Wood nacional.

Após transferir seus modestos estúdios para uma sinagoga abandonada (e com fama de assombrada, um ótimo marketing!), Mojica entusiasmado com o sucesso de seu primeiro filme de terror, decide dar continuidade a história. Em “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver” (1966), Zé do Caixão continua sua busca insana e com a ajuda de seu fiel criado, o corcunda Bruno rapta várias jovens e as submete a torturas que envolvem aranhas caranguejeiras e um poço com serpentes (exigindo realismo e poupando nos efeitos especiais, Mojica utilizou bichos de verdade, uma tortura verdadeira para o elenco feminino e técnicos). Atormentado pela culpa de ter assassinado uma mulher grávida, Zé sonha que é arrastado para um inferno gelado e a cores (o filme assim como o anterior era em p&b, com exceção desta seqüência antológica) e no fim acaba morrendo afogado e blasfemando. A rígida censura da época, já preocupada com as ousadias do diretor, o obrigou a realizar uma re-dublagem tosca mostrando o personagem amoral e agnóstico se convertendo no último instante. Promovido pela imprensa a superstar e paparicado pelos cineastas do movimento “Cinema Marginal” (Sganzerla, Reinchenbach e outros), José Mojica ganhou um programa na TV Bandeirantes: “Além, Muito Além do Além” (1967/1968) que tinha episódios de uma hora de duração com direção sua e tendo Zé do Caixão como mestre de cerimônias. O sucesso de audiência muito se deve as histórias escritas por Rubens Francisco Lucchetti (1934), autor de centenas de livros populares de bolso, histórias em quadrinhos e roteiros para cinema e TV. Baseado nas histórias de Lucchetti para o show, o produtor Antonio P. Galante (1934), astuto empresário da “Boca do Lixo”, investiu em um filme de episódios de terror. Mojica dirigiu “Pesadelo Macabro”, sobre catalepsia e enterro prematuro, enredo bastante influenciado pelo escritor americano Edgar Allan Poe (1809-1849). Ozualdo Candeias (1922) adaptou “O Acordo”, sobre um pacto com o capeta, e Luiz Sérgio Person (1936-1976) conduziu “A Procissão dos Mortos”aonde apareciam guerrilheiros fantasmas. Apesar do filme se chamar “Trilogia de Terror” (1967), as adaptações dos outros dois cineastas nada tinham de assustador, pendendo para o experimentalismo marginal e a crítica política (com um explícito chamamento às armas, numa época onde as esquerdas estavam abaladas pela morte do líder guerrilheiro Che Guevara). Mas Mojica gostou da fórmula de um filme em episódios e tocou a produção de “O Estranho Mundo De Zé do Caixão” (1968), que ele encomendara para R.F. Lucchetti antes ainda do programa televisivo. As três histórias macabras foram rodadas em apenas  17 dias, em cenários construídos na sinagoga. Em “O Fabricante de Bonecas”, marginais invadem a casa de um  artesão para roubar e abusar de suas filhas e descobrem da pior forma  como o velho conseguia olhos realistas para seus brinquedos; em “A Tara”, um pobre corcunda vendedor de balões é apaixonado por uma bela jovem e só consegue consumar sua paixão depois que ele morre; finalmente em “A Ideologia”, Mojica apresenta seu “novo” personagem, o Professor Oaxiac Odez, que desafiado em um programa de debates na TV a provar sua tese que o instinto supera a razão, tranca um casal em sua masmorra e os submete a torturas, humilhações e canibalismo, se o nome do professor era  Zé do Caixão ao contrário, suas idéias e métodos são muito parecidos e até mais cruéis. “Trilogia do Terror” e “O Estranho Mundo De Zé do Caixão” estrearam em 1968 com uma infinidade de cortes exigidos pela censura.

O formato de longa com histórias curtas foi utilizado em 1969 em “Incrível, Fantástico, Extraordinário”, adaptação de um programa radiofônico muito popular nos anos 50/60. Realizado por Adolpho Chadler (1931), com o astro-cantor Cyll Farney (1925) num elenco que vivia 4 histórias populares de sobrenatural: “A Ajuda”, sobre um motorista que é avisado por uma mulher de um trágico acidente e ao salvar o filho dela descobre que ela já estava morta; “O Sonho”, com uma garota que pode prever mortes em sonhos, inclusive a sua; “A Volta”, onde uma viúva é atormentada pelo retrato do falecido e “O Coveiro”, sobre um ladrão de túmulos que recebe o castigo merecido.

Chadler voltaria com outra antologia “O Impossível Acontece” (1970), agora com roteiro e co-direção dos famosos Anselmo Duarte (1936) e Daniel Filho (1937) e os episódios fantásticos ”O Acidente”, “Eu, Ela e o Outro” e “O Reimplante” (com os hilários Tião Macalé & Wilza Carla) ao estilo do seriado americano “Além da Imaginação” (Twilight Zone) com um tempero nacional. Uma sátira ao gênero, com a brasileiríssima fórmula da Chanchada trouxe em 1969 “Um Sonho de Vampiros” de Iberê Cavalcante (1935), O humorista Ankito (1923) vive o Dr. Pan, um velho médico da pacata cidade de Paraíso Tropical que faz um pacto secreto com a Morte e acaba se transformando em um vampiro que ataca e transforma as principais autoridades de sua pequena cidade. Fugindo da infestação de vampiros, um jovem casal de namorados vive várias aventuras.

José Mojica apesar de ter se transformado em um artista multimídia (cinema, TV, histórias em quadrinhos, disco de carnaval, marca de cachaça e até uma linha de perfumes!) continuava não administrando sua carreira e estava falido. Com a ajuda de seus alunos, amigos do Cinema marginal e um providencial financiamento bancário, decidiu rodar um filme radical, misturando horror, violência urbana, drogas e metalinguagem seguindo a onda sessentista de filmes psicodélicos. “Ritual dos Sádicos” escrito por Lucchetti e dirigido por Mojica, contava como um psicólogo utilizava quatro cobaias humanas, fazendo-as ter alucinações envolvendo Zé do caixão através de injeções de LSD. Rodado e divulgado em 1969, foi totalmente barrado pela censura e só liberado em 1983, já com o título de “O Despertar da Besta”, tendo lançamento apenas em festivais e mostras especiais.

A década de 70 foi a mais promissora para o Horror brazuca, o movimento Udigrudi (Underground verde-amarelo, também conhecido como Cinema Marginal) e a emergente produção da chamada “Boca do Lixo” providenciaram o estufo “B” necessário. “Os Monstros de Babaloo” de Elyseu  Visconti Cavallero (1939) e “A Possuída dos Mil Demônios” de Carlos Frederico (1945), ambos de 1970, são fantasias bizarras e simbólicas que tanto podem ser vistas como variações burlescas do terror, como alucinadas críticas a sociedade. O primeiro à sociedade burguesa com um humor negro pré John Waters nas desventuras de uma família grotesca em uma ilha; e o segundo à pobreza e ignorância de nossas favelas onde afloram superstições  e loucura à lá Passolini.

“Fantasticon, Os Deuses do Sexo”, de 1971 é mais um filme em episódios. “A Curtição” de Teresa Trautman (1951) e “Os Últimos” e “Kelak, A Bruxa” de José Marreco (1946), possuem toques de psicodelia, ficção científica e sobrenatural, respectivamente, e narrativas experimentais, em uma produção de baixíssimo orçamento realizada pelo casal com equipamentos emprestados.

“O Macabro Dr. Scivano” (1971) de Raul calhado(1938) e Rosalvo caçador (?), mostrava como um político fracassado se envolvia com magia negra e em troca de riqueza e poder se transformava numa espécie de vampiro tupiniquim. No final, depois de reduzido a pó pela força de uma cruz, um psicólogo diagnostica que ele era apenas um paranóico (em um final copiado descaradamente de “Psicose” de Alfred Hithcock de 1960). Promovido na época como “O Primeiro filme brasileiro de Ficção Científica” (?!), era na verdade uma tentativa de imitar o terror de Mojica, inclusive com o ator e co-diretor Calhado fazendo aparições públicas caracterizado como o seu personagem.

O ítalo-brasileiro Raffaele Rossi (1938), escreveu, dirigiu e estrelou uma fábula de horror questionando a autoridade paterna e a negligência familiar intitulada “O Homem Lobo” (1971), onde um professor de uma cidade do interior  descobre que seu filho adotivo, que fora criado longe dele  sofre de licantropia , e nas noites de lua cheia se transforma em uma criatura que ataca as mulheres da região. Primeiro ele tenta encobrir os crimes assumiando a culpa e depois decide caçar e eliminar o lobisomem.

Rituais de magia negra e cultos jovens com líderes ao estilo do americano Charles Mason são o tópico de “O Guru Das Sete Cidades” (1972) de Carlos Binni (1940), sobre um casal de milionários em crise que se envolve com uma seita hippie que exige sacrifícios humanos. Outro casal se enreda com o capeta e seus seguidores em “O Diabo tem Mil Chifres” (1972) de Penna filho (1936). Recém casados, eles recebem uma carta de uma misteriosa “corrente” e logo aparece um artista plástico determinado a seduzir e levar a mulher. O marido recebe uma proposta do demônio para resolver toda a questão… A Licantropia, tema presente em inúmeros relatos de nosso folclore e certamente trazido da Europa por nossos colonizadores, retornou a tela em 1974 com “Lobisomem, O Demônio da Meia Noite”. A pobreza da produção, a edição caótica e os diálogos beirando o surrealismo marcam outro udigrudi típico de Eliseu Cavallero. Wilson Grey (1923-1993) em seu primeiro papel principal, é um milionário exêntrico, que mora em  um chalé próximo a uma mata e que preside um culto de bebedores de sangue, se transformando em um lobisomem (que mais parece um vampiro), até ser exterminado por uma figura mística chamada Branca Justiça.

Já “Quem Tem Medo de Lobisomem?” de Reginaldo Faria (1938), do mesmo ano, brinca com o tema e coloca dois rapazes da cidade grande em busca de suas raìzes e da lenda do “lobisomem das sete encruzilhadas” e que acabam encontrando uma família do interior que parece asombrada por fantasmas e que tem seis filhas mulheres e um caçula que seria um homem lobo. Uma mistura confusa que seu diretor/ator definiu como “um filme de terror com bom humor”.

O suceso internacional do terror-católico “O Exorcista”, de 1973, levou o produtor Aníbal Massaini Netto (1945) a investir em um similar nacional : “Exorcismo Negro”(1974) de e com… José Mojica Marins. Na trama bolada por Lucchetti, o diretor Mojica descança na casa de campo de uma família tradicional e pacata (com um elenco Global da época) e acaba enfrentando uma bruxa (Wanda Kosmo), um filho do capeta e o próprio Zé do Caixão, que é convocado pela feiticeira para cobrar uma dívida infernal. Numa produção refinada e bem acabada para os padrões de Mojica, ele acabou representando uma auto-paródia, ao ser mostrado como um intelectual de muito sucesso. Numa jogada publicitária genial, o próprio Zé do Caixão improvisava comícios na frente dos cinemas que exibiam o filme gringo e anunciava “O diabo é nosso! O diabo brasileiro é melhor!”, conclamando o público a assistir sua versão.

Ainda em 1974 tivemos o surpreendente “O Anjo da Noite” de Walter Hugo Khoury (1929-2003), um drama de suspense e terror psicológico baseado em um fato verídico vivido por uma babá brasileira nos EUA (que também inspirou o americano John Carpenter  a criar seu clássico “Halloween” em 1978). Na história, premiada no Festival de Cinema Fantástico e de Terror de Sitges (Espanha), uma jovem universitária (a linda e expressiva Selma Egrei) aceita cuidar de duas crianças durante uma noite em uma mansão isolada. Pouco a pouco ela é assustada por misteriosos telefonemas e por uma presença sinistra dentro da casa. Uma pequena obra prima densa e perturbadora. O argentino Carlos Hugo Christensen (1914-1999) também fez uso do telefone como instrumento torturador em “Enigma para Demônios” (1975), baseado no conto de Carlos Drumond de Andrade “Flor, Telefone, Moça”. Monique Lafond vive uma mulher que após perder seu filho, volta para a casa da família. Depois de retirar uma rosa depositada em um túmulo, passa a ser aterrorizada por contínuos telefonemas, em que uma voz  pergunta “onde está a rosa que você tirou da minha sepultura?”. Ela refugia-se em um sítio onde não há telefone, mas outros fatos misteriosos parecem confirmar uma trama sobrenatural. Christensen voltaria ao suspense fantástico com “A Mulher do Desejo” (1976) baseado em idéias do escritor Nathaniel Hawthorne sobre a sobrevivência do espírito e com diálogos precisos de Orígenes Lessa. Recém casados vão morar em um casarão do sec.XVIII e o homem parece possuído pelo fantasma de seu tio, adquirindo até algumas características físicas do morto, o que obriga sua esposa a procurar um exorcista. Foi filmado sob o título de “A Casa das Sombras”, utilizando atores amadores e a arquitetura peculiar de Minas Gerais. “Seduzidas pelo Demônio”(1975) foi a volta de Raffaele Rossi (que faria fortuna anos depois ao iniciar o ciclo de sexo explícito com seu “Coisas Eróticas”) ao terror misturado com conflitos familiares tendo como pano de fundo o tema da moda, a possessão diabólica. Um universitário é possuido espírito do mal e provoca a morte de várias mulheres. Seu pai adotivo vem em seu auxílio e descobre que ele fora resgatado quando criança de um grupo de adoradores do diabo. O conflito final entre os dois é inevitável, assim como o uso de uma cruz como arma contra o Tinhoso…

Uma livre adaptação da história policial “O Caso dos Dez Negrinhos” da escritora Agatha Christie, gerou o suspense “O Signo de Escorpião” de Carlos Coimbra (1928). Um grupo de doze pessoas  é covidado por um famoso astrólogo a visitar sua ilha e passam a ser assassinados  um a um, de acordo com seus signos do Zodíaco. Em meio a um elenco de atores conhecidos, a presença sinistra de Wanda Kosmo; da gostosinha Kate Lyra e do famoso na época , astrólogo televisivo Omar Cardoso. A participação especial de Cardoso era um Gimmick para atrair telespectadores e dar uma certa credibilidade a história envolvendo o horóscopo, mas ele ficou parecendo uma versão tupiniquim de Criswell nos filmes Ed Wood Jr.

O discípulo de Mojica, Marcelo Motta (1952), dirigiu seu mestre  em “A Estranha Hospedaria dos Prazeres” (1976), sobre uma pousada mal-assombrada, que seria uma espécie de purgatório gerenciado pela própria morte (Mojica, trocando a cartola por um chapéu-côco). Em uma noite de tempestade, casais adúlteros, malandros, criminosos e um grupo de engraçados hippies motoqueiros  acabam se refugiando no local e encontrando a danação eterna. A pobreza e o amadorismo da produção (Mojica enfrentava sérissimos problemas financeiros e pessoais) se repetiram em “Inferno Carnal” (1976), uma refilmagem de um episódio televisivo de sua série de 1969. Tentando acertar com um terror mais tradicional, Mojica acabou fazendo um Trash muito parecido com os melodramas sobrenaturais mexicanos dos anos 60, com uma história clichê de um cientista traído e deformado que se vinga  da esposa e sócio adúlteros. Um dos acertos do filme foi a escalação da linda Helena Ramos (1955), a futura “Rainha do cinema erótico brasileiro” no papel de uma garota sexy, mas ingênua protegida pelo cientista atormentado.

“Excitação” (1976), de Jean Garret (José Antônio N.G. Silva, 1947-1996, português de nascimento), por detrás de mais um título com chamariz sexual, é uma mistura de macumba, reencarnação  e fenômenos parapsicológicos. Uma mulher (Kate Hansen) vai morar em uma casa de praia para se recuperar de uma crise nervosa, passando a ter visões com um suicida e enlouquecendo quando aparelhos eletrodomésticos passam a funcionar sózinhos e a ameaçam. A produção paulista “A Virgem da Colina”(1977), de Celso Falcão (?) chegou a ser lançada nos Estados Unidos com o título de “The Ring of Evil”, contando o caso de um anel que pertencera a uma prostituta com poderes sobrenaturais e que divide a personalidade de uma jovem noiva (Cristina Amaral) e acaba deformando seu rosto obrigando-a a usar uma máscara.

Um curioso mix de subgêneros surgiu no argumento criado pelo produtor  Antônio  P. Galante  (1934) para “Escola Penal de Meninas Violentadas” (1977) de Antonio Meliande (1945): Garotas marginais são recolhidas para uma escola penal dirigida por um grupo de freiras. Um cadáver encontrado nas redondezas trás a tona uma série de crimes e torturas ocorridas no local. Um policial veterano descobre que a tirânica madre superiora é na verdade uma psicopata fugitiva que assassinara e tomara o lugar da religiosa, transformando a instituição num lugar infernal. Um carcereiro brutamontes e mudo, uma freira possuída pelo diabo, detentas com pouca (ou nenhuma ) roupa e a presença dos ótimos Sergio Hingst e Zilda Mayo e de uma muito jovem Nicole Puzzi no elenco, completam o coquetel.

O prolífico diretor-produtor Fauzi Mansur (1941) flertou com o gênero a primeira vez com “Belas e Corrompidas” (1977), sobre uma psicopata (Maria Izabel de Lizandra) que se diverte seduzindo homens para depois assassina-los de maneiras variadas, sempre com a ajuda de sua fiel assistente corcunda Tula (contrapartida feminina do personagem clichê “Ygor”) num suspense erótico que tinha o saudável sub-título de “Sexta-Feira as Bruxas Ficam Nuas”.

Inspirados por manchetes sensacionalistas sobre um gênero de filmes onde atores desavisados seriam mortos em frente às câmeras, Claudio Cunha e Carlos Reichenbach escreveram “Snuff – Vítimas do Prazer” (1977) dirigido por Cunha, onde uma dupla de produtores de filmes pornográficos americanos aporta em nosso país em busca de equipe e principalmente elenco feminino para ser assassinado.

A atriz Rosângela Maldonado (1928), fã de Mojica, procurou seguir seus passos. Primeiro escreveu, produziu, musicou e atuou sob a direção dele, a comédia erótica de cunho fantástico “A Mulher que põe a Pomba no Ar” (1977) sobre uma cientista traída que cria mulheres-pombas para se vingar dos homens. A maquiagem das mutantes consistia em braços com penas, asas coladas nas costas e esquisitos capacetes com bicos. O filme foi um fracasso total, mal sendo distribuido. Obstinada, ela em seguida escreveu, produziu, dirigiu, fez a cenografia, maquiagem, figurino e (ufa!) atuou em “A Deusa de Mármore – Escrava do Diabo” (1977). Uma mulher misteriosa (Maldonado) com 2000 anos de idade, conserva a juventude atravéz de um pacto com o demônio, em troca de um fluido mágico ela extrai a alma de homens durante o ato sexual, sendo constantemente cobrada pelo enviado do capeta “seu Sete Encruzilhada” (Mojica). A mistura de terror com pornochanchada teve uma mãozinha de Mojica na direção, auxiliando sua  discipula atrapalhada com as múltiplas funções. Em destaque na produção mambembe, os créditos de abertura desenhados de forma arrojada pelo artísta plástico Akira Murayama, que também faz uma ponta no filme. Segundo Horácio Higuchi, Mojica estava desapontado com a aluna: “…ela queria que eu fissesse uma espécie de diabo-gay, porque no meu inferno só tinha Homem. Eu reclamei e disse pra ela que meu personagem tinha que ter pelo menos uma assistente mulher. Ela colocou quatro diabas, mas todos os pecadores no inferno eram homens! Que porra de diabo era este, um diabo que só gosta de torturar homens?”.

O filipino Juan Bajon (1948) fez sua estréia escrevendo e dirigindo o policial de suspense “O Estripador de Mulheres” (1978), sobre um assassino psicopata procurado pela polícia e pela imprensa e que acaba condenando injustamente um funcionário de um frigorífico. No elenco, além do ótimo Ewerton de Castro, a linda gaúcha Aldine Müller (1953), que também estrelaria o primeiro filme de outro oriental radicado por aqui, o chinês John Doo (Chien Lun Tun, 1942). Trabalhando no cinema paulista desde os anos 60, em diversas atividades, Doo passou a escrever e dirigir quase sempre misturando erotismo com elementos fantásticos, revelando uma criatividade acima da média da produção da época. Em “Ninfas Diabólicas” (1978) ele coloca Úrsula (Aldine Müller) e Circe (Patricia Scalvi), duas jovens e belas estudantes que pegam uma carona com o bem comportado Rodrigo (Sérgio Hingst-1924-) e após serem levadas para uma casa na praia se revelam assustadoramente sedutoras e perigosas.

A nova incursão de Walter Hugo Khouri no terreno fantástico também é acima da média: “As Filhas do Fogo” (1978), com produção requintada, atriz estrangeira (a bela italiana Paola Morra) e roteiro intelectualizado. Numa mansão na serra gaúcha, duas amigas, após uma experiência com uma vizinha parapsicóloga, passam por estranhas situações com vozes de espíritos angustiados, estranhos rituais e um final onde a casa parece ser devorada pela vegetação local.

Absolutamente sem dinheiro para fazer um novo longa metragem, José Mojica Marins  filma 30 minutos de um drama, onde um psiquiatra é atormentado por pesadelos onde Zé do Caixão quer roubar sua esposa. Completa os outros 56 minutos com cenas extraídas de quatro filmes seus anteriores,  principalmente as que conseguira liberar da censura e tem pronto “Delírios de um Anormal” (1978), um calendoscópio de alucinações repetitivas… demencialmente trash!

O dublê de crítico e cineasta Alfredo Sternheim (1942), escreveu e dirigiu suspense erótico “A Mulher Desejada” (1978) baseado em uma epígrafe de Edgar Allan Poe. Kate Hansen  vive uma estrela de TV em crise que procura refúgio em uma casa de campo de uma amiga. Lá se envolve com Waldo (Eduardo Tornaghi) filho da caseira e acaba descobrindo que mãe e filho não são nada normais, o que a leva para um pesadelo que pode ou não ser real…

Já  “A Força dos Sentidos” (1979) de Jean Garret,  apresenta  um clima fantástico-fantasmagórico recheado de erotismo e a presença mágica de Aldine Müller ao acompanhar um escritor que vai para uma pequena praia para escrever um romance. Lá sente-se atraído por uma bela jovem surdo-muda (Aldine) e descobre um estranho ritual dos moradores locais que envolve um defunto que aparece na praia todas as noites e é levado de volta para o mar em procissão. A inspiração vem da frase de H.P. Lovecraft que abre o filme “Não está morto aquele que pode jazer, e após a eternidade até mesmo a morte pode morrer”.

Mojica em uma fase mais “realista” tivera a idéia de um filme chamado “Estupro”, sobre um industrial milionário chamado Vitorio Palestrina (Mojica!), sádico que gosta de humilhar e torturas suas conquistas (Pete Tombs, em “Mondo Macabro”,  diz que Palestrina é o que Zé do Caixão seria se ganhasse na loteria). Um dia ele estupra uma jovem e lhe arranca um mamilo a dentadas. Passa então a exibir o bico do seio guardado em um vidro como um troféu. Assim como Zé, Palestrina procura uma companheira perfeita, amoral como ele. Conhece a bela Vitória (Arlete Moreira) e se apaixona, mas durante o ato sexual ela lhe arranca os testículos, revelando ser a irmã da garota que ele mutilou. Este melodrama gore acabou sendo exibido no Festival de Cinema Fantástico de Sitges (Espanha) e foi lançado no Brasil com um título mais ameno “Perversão” (1979), exigência da censura.

Elogiado pela crítica e com sucesso de público graças a “Ninfas Diabólicas”, John Doo planeja uma segunda parte para o filme, mas aceita conduzir uma produção mais cara, com elenco orindo das telenovelas. “Uma Estranha História de Amor” (1979) com Nei Latorraca e Selma Egrei, aonde a paixão trágica de um casal sobrevive a morte, reencarnações e graças aos poderes de uma menina vidente acaba influenciando outros amantes. De volta ao sistema independente da Boca do Lixo, Doo dirige “Ninfas Insaciáveis” (1979), policial-erótico com Zilda Mayo e Alvamar Taddei e toques fantásticos; e segmentos eróticos-sobrenaturais  para “A Noite das Taras” (1980), episódio ”A Carta”; “Aqui Tarados” (1980) o gore e irônico “O Pasteleiro” (onde também atua dirigido por David Cardoso); ”Delírios Eróticos” (1981), episódio “Amor por Telepatia” e “Pornô” (1981), o exelente “O Gafanhoto”. Prolífico e criativo, John Doo ainda foi ator várias vezes e escreveu e dirigiu o terror “Excitação Diabólica” (1981), com Wanda Kosmos (a bruxa oficial do cinema nacional) como uma prostituta com poderes sobrenaturais. Maltratada por três motoqueiros metidos a machões, ela se transforma na mulher dos sonhos de cada um deles (Aldine Müller, Zaira Bueno e Silvia Gless), levando-os a loucura e a morte.

A dupla Luiz Castillini (1944) e Cláudio Cunha (1946), especialistas em sacanagem, realizaram em 1982 uma pretenciosa adaptação de um conto de Boccagio, que se chamou  “A Reencarnação do Sexo”, mas a história do espectro de uma bela mulher (Patricia Scalvi) dominado pela vontade da cabeça decepada de seu amante que exige vingança, é na verdade uma cópia erótica do argumento do clássico da Hammer Films inglesa “Frankenstein Criou a Mulher” de 1966.

“Fantasias Sexuais”(1982) seria mais um filme erótico em episódios rotineiro, mas Juan Bajon ousou e  no segmento “Os Caronistas” , três jovens são perseguidos por um psicopata tarado, e em “A Mulher Abelha”, a perturbada personagem título, ameaça suicídio e atraí homens atenciosos que acabam sendo consumidos  sexualmente por ela até a morte.

O carioca Ivan Cardoso (1952), fotógrafo, superoitista e cinéfilo inveterado, driblou todas as dificuldades para realizar de forma independente sua homenagem-paródia  aos clássicos de terror  da Universal/Hammer, com roteiro de R.F.Lucchetti,  “O Segredo da Múmia” (1982), onde o cientista louco brasileiro Expedito Vitus (Wilson Grey) descobre um soro da vida e ressucita uma múmia egípcia para ajuda-lo em uma vingança pessoal. Perfeito em sua combinação de terror com chanchada, sacanagem e deboche tem seu ponto alto no elenco recheado de atores famosos, mulheres maravilhosas, participações especiais (até José Mojica faz uma ponta no começo da história), amigos pessoais de Ivan e estreantes de muito talento,  como o advogado Felipe Falcão no papel do alucinado assistente Igor. O filme, com uma ajuda da Embrafilme na pós produção e distribuição, foi um sucesso de público e crítica e inaugurou um gênero apelidado de “Terrir”.

Nesta época, o terror era uma moda internacional e a tônica da produção brasileira era calcar nos modelos e clichês americanos com doses generosas de nudez e sexo para ajudar nas bilheterias. “Shock” (1982) de Jair Correa (1956), com as belas Aldine Müller, Claudia Alencar e Mayara Magri, era uma tentativa de realizar um suspense ao estilo “Slasher” com um maníaco (metido a bateirista!) eliminando jovens após uma festa  em uma mansão isolada. No erótico “Banquete das Taras” (1982) de Carlos Alberto Almeida (1942), um jovem escultor recebe uma visita da Transilvânia com uma missão: sossegar seu antepassado o Conde (Drácula?!) no sepulcro a mais de 500 anos, fazendo sexo e sacrificando quatro mulheres durante quatro noites. Já no “Banquete das Taras” (1982) de Julius Belvedere (?), um grupo de estudantes que se dedica a pesquisas com o sobrenatural, acaba invocando o espírito do Marquês de Sade, que possuí um deles e transforma tudo em uma orgia de sexo e violência até a intervenção de um espírito do bem que termina com a festa.

Filho de um lendário documentarista francês radicado no Brasil, Jean-Pierre Manzon se aventurou uma única vez em um filme ficcional, numa produção bem cuidada, elenco de primeira (Emílio de Biasi, Aldine Müller, Ênio Gonçalves, Selma Egrei), música original e roteiro nem tanto. “Força Estranha” (1983) reconta a velha história do casal de amantes que planeja enlouquecer a mulher dele, no caso uma jornalista, que passa a ter esquisitas aluninações com uma mulher morta e um casarão antigo. No “final surpresa” ela parece genuinamente possuída e mata os traidores afogados em uma piscina. O filme acabou sendo relançado com o título mais comercial de “Estranhos Prazeres de Uma Mulher Casada”.

Significante e premonitória é a premiação no II Festival Fotóptica de São Paulo do filme gaúcho “Beijo Ardente/Overdose” (1984) de Flávia Moraes e Hélio Alvarez, onde um vampiro entediado da vida eterna (o italiano Andrea L’Abate), auxiliado por seu mordomo sinistro (o hilário Antônio Carlos Falcão), procura um meio alternativo de saciar sua entediante necessidade de sangue humano. Divertido e melancólico, foi rodado em vídeo (Betacam), antevendo uma tendência  que quase dez anos depois seria uma forma de manter o cinema macabro em ação.

Com o domínio dos filmes pornôs importados ocupando cada sala de cinema do país, centenas  de similares  nacionais começaram a emergir rapidamente da Boca do Lixo, e mesmo produções apenas eróticas passaram a ser remontadas sofrendo inserts de cenas hardcore (como um filme de John Doo que acabou virando “A mansão do Sexo Explícito” (1984) e foi assinada por seu diretor de fotografia, Henrique Borges). “As Taras do Mini-Vampiro” (1984) de José Adalto Cardoso, colocou o anão Chumbinho (figura onipresente no gênero) como o personagem título, atacando casais em pleno ato sexual  no interior de São Paulo, provocando confusões em vez de terror e sendo perseguido por um subnutrido caçador de vampiros. O esperto  Fauzi Mansur assina como Victor Triunfo “A Seita do Sexo Profano” (1985), pornô-terror sobre uma mulher que se envolve com os praticantes de uma seita satânica. “Arrepios – O Monstro do Sexo” (1986) de Sylas Bueno e Carlos Nascimento, se servia da fórmula de terror em episódios para mostrar talvez que os maiores “monstros” nacionais foram algumas atrizes da Boca do Lixo, já que elas rivalizavam em feiúra com o mutante-aranha e o monstro da caverna (com máscara e luvas de latéx de carnaval) deste trash absurdo que foi relançado em vídeo em 1992 com o título de “Aberrações”.

O ator/diretor/produtor/roteirista Francisco Cavalcanti rodou “A Hora do Medo” (1986) como um terror-pornográfico sobre um psicopata que com a ajuda da mãe, estupra, mata e esconde os corpos de mulheres no fundo da antiga casa em que moram. Decidido a abocanhar a moda de filmes de terror da época (chamada por aqui de “Espantomania”) pediu ajuda para José Mojica Marins para subtituir as cenas de putaria explícita por mais sangue e horror. O veterano mestre nacional, aproveitou e exagerou, sendo que seus 13 minutos de gore demencial destoam completamente do resto deste sub-Psicose terceiromundista.

Caminho inverso seguiu Ivan Cardoso em seu segundo Terrir, agora o deboche respeitoso do diretor com os clichês do gênero resultaram em  uma pornochanchada noir-musical-macabra chamada “As Sete Vampiras” (1986). Uma espécie de “fantasma do cabaré” assombra o Rio de Janeiro dos anos 50, com direito a mortíferas plantas carnívoras, cientistas loucos, vampiras de mentira, mulhers gostosas nuas de verdade, detetives babacas e figuras icônicas como o Fu-Manchu de Wilson Grey. Tudo com muitas citações ao gênero, reconstituição de época e elenco classe A em um grande e afinado besteirol de sucesso.

Mais de dezesseis anos depois de ser proibido, Mojica conseguiu liberar sem cortes seu “Ritual de Sádicos”, agora “O Despertar da Besta” que foi exibido no Rio Cine Festival onde recebeu o prêmio de Melhor Ator e R.F.Luchetti o de melhor roteiro pela obra.

John Doo conseguiu em seu último esforço autoral, um co-financiamento com a então agonizante Embrafilme para terminar seu “Presença de Marisa” (1986/1988) com Joel Barcelos e Claudia Magno, um melodrama sobre crise existencial, feitiçaria e fenômenos paranormais, ou seja, seus assuntos favoritos. Apesar de um prêmio no Festival de Cinema de Brasília (melhor atriz para Claudia Magno) daquele ano, o filme ficou praticamente sem lançamento e Doo passou a trabalhar apenas como técnico ou ator eventual. O canto de cisne, ou melhor de corvo, para uma década…

Os anos 90 nos trouxeram o “presidente-bandido” Fernando Collor e uma pá de cal no que restava do cinema nacional. Mas dois fenômenos trariam o cinema macabro de volta da tumba: A internacionalização de nossos representantes,  José (agora “Coffin Joe”) Mojica Marins e Ivan (“The Terror”) Cardoso lançados em VHS nos Estados Unidos e o nascimento de uma nova geração, a dos videomakers, jovens cheios de referências via Histórias em quadrinhos, TV e vídeo cassete.

Fauzi Mansur  realizou, com vistas no mercado internacional, “Atração Satânica” (Satanic Atraction) em 1990. Uma série de assassinatos em uma cidade do litoral são motivados por um casal de gêmeos que haviam sido criados por uma seita demoníaca. Um bom Splatter com produção convincente e elenco correto, que só pecou por um roteiro previsível e por sua hilária dublagem em um inglês “caipirônico”, apesar de exibido em mais de dez países (incluindo EUA, Itália e Alemanha) foi  ignorado por aqui, graças a uma péssima distribuição. Mesmo assim, Mansur realizou “Ritual Macabro” (Ritual of Death,  1991) rodado em São Paulo e lançado no exterior com elogios da crítica especializada, mas que continua inédito no Brasil. Um grupo de teatro, durante ensaios sofre diversas mortes sangrentas, provocadas aparentemente pelo espectro de um pastor psicopata ao estilo Jim Jones que possuí o corpo de um ator/roteirista após ele consultar um antigo livro amaldiçoado para escrever uma peça de terror. Destaque para uma cena de sexo sangrenta em uma banheira, envolvendo um casal e uma… cabeça de bode decepada!

Com a impossibilidade técnica e financeira de realizarem obras em película, uma série de novos diretores/produtores passaram a utilizar suas câmeras caseiras de vídeo amigos, parentes e vizinhos como equipe técnica e elenco e filmes de terror trash pipocaram por todo o país. Em Recife, o camelô alagoano Simão Martiniano (1931) realiza “A Rede Maldita” (1992) uma história de suspense sobrenatural sobre um fazendeiro  que rouba uma botija cheia de dinheiro achada por um pobre agricultor, sem saber que a fortuna é amaldiçoada e provoca  a vingança da alma do dono que não consegue descançar. A fita, assim como toda a produção caseira de Martiniano é comercializada diretamente em sua barraca em um camelódromo, em meio a velhos discos de vinil. No Espírito Santo Seu Manoelzinho, um pedreiro, realiza longas em VHS como “O Espantalho Assassino” e “O Aluguel Assombroso”, onde o amadorismo das produções é levado às últimas conseqüências.

Petter Baiestorf & Seu Manoelzinho.

Na pequena cidade de Palmitos, oeste de Santa Catarina, um jovem sócio de uma locadora de vídeo, Petter Baiestorf (1974), reune alguns amigos e com parcos recursos e uma câmera emprestada, roda “Criaturas Hediondas” (1993), uma ficção científica de terror-trash sobre um cientista marciano transloucado que quer invadir a terra. ”Criaturas Hediondas II” (1994) mostra o dia seguinte a invasão, com óbvias influências de Ed Wood Jr., Roger Corman, seriados japoneses e filmes splatter como “O Massacre da Serra Elétrica” (1974). Inventando (assim como Martiniano) seus próprios efeitos especiais e recursos técnicos e descobrindo atores amadores com a cara do gênero, Baiestorf e sua Canibal Produções passam a regurgitar centenas de informações da cultura pop (com um grosso caldo de transgressão e deboche), tomando de assalto o circuito nacional underground de bandas de rock e fanzines. Uma onda de modismo pelos trash-movies e o aparecimento da primeira convenção nacional de horror em São Paulo aceleraram o movimento do  chamado Cinema-de-Garagem. Contando com uma equipe mais numerosa e aprimorando autodidaticamente sua técnica, Baiestorf lança “O Monstro Legume do Espaço” (1995) com as desventuras de uma criatura alienígena (Loures Jahnke) de origem vegetal e ímpetos filosóficos que é aprisionada por um cientista tupiniquim e seu assistente coprófago Caquinha (o maquiador Leomar Wazlawick). Mesmo sem um circuito de exibição e distribuição, o vídeo virou mania, influenciando novos realizadores encantados com  seu clima trash escatológico.

Em São Paulo, Diomédio Piskator adapta uma história em quadrinhos do grande desenhista Júlio Shimamoto numa produção independente em 35mm chamada “Urubuzão Humano” (1996), sobre um médico que depois de ingerir carne humana morta para sobreviver a um acidente aéreo na selva, sofre mutações e se transforma em uma criatura que come cadáveres em cemitérios. A iniciativa ousada encontra o eterno problema brasileiro de finalização e distribuição e jamais é lançada comercialmente.

Influenciado pela história verídica de dois irmãos canibais necrófilos que aterrorizaram o interior do Rio de Janeiro em 1995, Petter Baiestorf concebe “Eles Comem Sua Carne” (1996), onde um grupo de amigos antropófagos, isolados da civilização, tentam viver  em harmonia enquanto caçam  fiscais da prefeitura e estranhos incautos para servir em um banquete de casamento. Procurando misturar ainda mais os gêneros (marca de sua produção futura), Petter Baiestorf lança “Caquinha Superstar A-Go-Go: The Gore Horror Picture Show” (1996), uma tentativa de comédia musical escatológica desenvolvendo o personagem cult aparecido em “O Monstro Legume do Espaço”. Agora o pavoroso Caquinha (E.B.Toniolli) vive feliz ao lado de sua amada Lena, que aplaca seus instintos doentios. Quando ela é atacada por uma dupla de caçadores caipiras, o retardado coprófago se vê sozinho em um mundo com criaturas tão estranhas quanto ele. Contrastando com detalhes de seu lançamento, como trilha sonora original lançada em Cd, o longa rodado as pressas em apenas um fim de semana ficou abaixo das expectativas.

Mojica, que já ganhara até um clone: Antônio Firmino, o “Toninho do Diabo” (criador & criatura nos curtas “O Caçador de Almas” e “O Caçador de Falsos Profetas”) aderiu a nova “boca do lixo eletrônica”. Dirigido por Andrea Pasquini atuou em “Contos de Horror – A Filha do Pavor”(1997), em dois papéis, como um padre e como o narrador “O Cavaleiro do Medo”, da história de uma mulher estuprada e morta que volta para se vingar. O vídeo faria parte de uma pretensa série de vinte episódios realizados para a tv, mas apenas este exemplar seria lançado anos mais tarde para o mercado de videolocadoras. Outra ponta de Mojica seria no decepcionante “Babu – A Vingança Maldita” (1997) de César Nero, sobre um líder de uma seita de adoradores do diabo que é assassinado para retornar com estranhos poderes.

“Blerghhh” (1996/97) de Petter Baiestorf, contando com grande equipe/elenco e efeitos especiais mais elaborados, trás  um grupo de terroristas atrapalhados que seqüestram o filho de um milionário e sua sexy guarda costas e provocam uma série de incidentes que envolvem sexo, drogas, violência gratuita e um morto vivo (o primeiro da filmografia nacional) que se recusa a morrer mesmo quando tem a cabeça decepada. Mesmo tendo sua exibição pública proibida na terceira edição da Horrorcon (mesma convenção que ajudou a Canibal a ser conhecida  nacionalmente) e uma  edição deficiente, o vídeo obteve ótima repercussão. A chamada “fase 1998” da produtora catarinense seria marcada pela transgressão, deboche e sexualidade exacerbada. “S.B.A.F. – Sacanagens Bestiais dos Arcanjos Fálicos” (1998) começou a ser rodado como um vídeo pornô sobre um psiquiatra estudando as taras de dois pacientes, mas acabou se transformando numa mistura (indigesta para grande parte do público) de violência com sexo explícito. Já “Gore Gore Gays”, do mesmo ano, tinha como protagonistas  um casal de bissexuais apaixonados e perturbados (vividos pelos realizadores Baiestorf e Coffin Souza) que embarcam em uma viagem de auto-conhecimento, mutilações e assassinados violentos. Novamente a fórmula sexo explícito + deboche + gore saí pela culatra e os produtores se vêem à beira da falência.

O rockeiro e videomaker do interior paulista Cleiner Micceno, depois de vários curtas metragens divertidos, consegue finalizar “Dominium” (1999) sobre uma invasão de mortos vivos demoníacos que traz o apocalipse sobre a terra. Zumbis também seriam o tema de “Zombio” (1999) de Petter Baiestorf, um média metragem inspirado nos filmes do italiano Lucio Fulci, com um casal em uma ilha que seria paradisíaca se não fossem um psicopata travestido e uma sacerdotiza que acorda uma legião de mortos apodrecidos famintos por carne humana.

Assim, como a praga de zumbis se alastra nos filmes impregnando inocentes transformando-os em criaturas malignas, o vírus do “faça-você-mesmo-e –se –divirta” vai tomando conta do sul do país.

Do interior gaúcho surge “Soul Crusher 2 – O Retorno do Homem Coisa” (1999) do jovem videomaníaco Cristian Verardi, um média da produtora Toque de Muerto, com influências de “Evil Dead” (1984), Spaghetti Westerns, filmes orientais, Troma Films e Canibal Filmes, com uma criatura deformada e sanguinária que procura um livro maldito (que teria sido roubado na imaginária parte 1) por ordens de um lendário demônio chamado Amazarel de Nicodemus. De Chapecó, SC, Fabiano Boni conta a origem de seu personagem Boni Coveiro (calcado nitidamente em Zé do Caixão) em “O Mensageiro das Trevas” (2000), onde o psicopata satanista se diverte matando inicentes escoteiros. Carlos Barbosa, no interior do Rio Grande do Sul, é assolada por um assassino mascarado em “Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-Feira 13 do Verão Passado” (2001) de Felipe M.Guerra, uma divertida homenagem satírica aos filmes de terror adolescente dos anos 90 (principalmente a série “Pânico”de Wes Craven). Boni Coveiro retorna dos mortos para se revelar “O Guardião do Inferno” (2001) dirigido e vivido novamente por Fabiano Boni, com participações especiais de Toninho do Diabo, do músico Wander Wildner e de outras personalidades sulinas.

Petter Baiestorf retoma suas atividades e filma “Raiva” (2001), uma mescla de filmes de ação (satirizando Quentin Tarantino) com terror gore, nas atividades de um bando de criminosos que são pegos de surpresa por colonos contaminados por uma droga (testada pelo governo) que libera seus instintos assassinos. Na frente da câmera, praticamente o mesmo grupo de atores/colaboradores que acompanha a Canibal Filmes a anos, por trás muito mais cuidado com a técnica e o amadurecimento da linguagem cinematográfica.

O pioneiro do gore americano H.G.Lewis (2000 Maniacs), Troma & Canibal Filmes foram a influência  para um grupo de paulistas capitaniados por Fernando Rick ao realizarem o trash debochado “Rubão – O Canibal” (2002) e inserirem sua produtora, a Black Vomit Filmes, no circuito de bares e shows de metal, principal reduto de culto a toda esta produção de terror em VHS. A mesma trupe foi (i)responsável  pelo primeiro terror-trash lançado em formato digital (DVD) por aqui: “Feto Morto” (2003), sobre um nerd (Rui Villani) que tem um feto grudado em sua cabeça (resultado de uma relação incestuosa de seu pai) e é hostilizado por uma gang. Escatologia, sexo e gore no que Fernando Rick chama de “estilo Troma de ser”.

Juntando a suas influências básicas, sua admiração pelo grupo de humor britânico Monty Python, Petter Baiestorf realiza o pastelão de terror “Cerveja Atômica” (2003), onde um cientista punk  desenvolve a fórmula da bebida mortal que transforma bêbados em zumbis alucinados e desperta a fúria da avó de Chapéuzinho Vermelho (!?) e suas colegas de chá da tarde, que armadas e perigosas resolvem se vingar.

O cenário de produção desta época começa a mudar, já não existe mais espaço para a divulgação dos vídeos toscos em VHS, os computadores caseiros passaram a substituir as prosáicas mesas de edição linear e o cinema profissional brasileiro começava a se reerguer. Curtas de horror com qualidade técnica e artística (como “Amor só de Mãe” de Denninson Ramalho; ”Sózinho”de André ZP; “Conrad : Bruxaria, Pajelança & Canibalismo” de Luciano Maciel e “Coleção de Humanos Mortos” de Fernando Rick) conseguem espaço e até reconhecimento internacional, apontando novos caminhos para o cinema fantástico nacional.

Ivan Cardoso, ausente das telas por anos, perseguindo orçamentos a altura de suas produções, consegue apoio da Diler Associados e contrata o astro de terror espanhol Paul Naschy (Jacinto Molina) para seu aguardado “Um Lobisomem na Amazônia” (ex-“Amazônia Misteriosa”) em 2005. A interferêcia dos produtores acostumados com produções de cunho televisivo-cinematográfico (leia-se Xuxa/Globo) amenizam muito suas pretenções de uma história envolvendo o personagem clássico Dr.Moreau (baseado em H.G.Wells), guerreiras Amazonas e um lobisomem latino. Remontando material antigo seu (principalmente “O Lago Maldito”de 1977, inacabado e embrião do “Segredo da Múmia”) com cine-jornais antigos e cenas novas cria depois uma obra muito superior,mas pouco vista, chamada “O Sarcófago Macabro” onde um agente americano da CIA (Carlo Mossy) descobre um dossiê sobre um cientista louco brasileiro (Expeditus Vitus, leia-se Wilson Grey, morto em 1993) que colabora com os nazistas e trás para o brasil diversos carrascos da SS, inclusive o próprio Adolf Hitler, como múmias.

Enquanto o paulista Rubens Mello divulga seu média “Lâmia, Vampiro!” (2005), sobre a ressurreição da matriarca dos sanguessugas para evitar o apocalipse planejado por seus rebentos,  Petter Baiestorf planeja uma refilmagem do clássico B “O Incrível Homem que Derreteu” (1978 ), mas o roteiro é mudado para uma história anarco-ateísta sobre a volta de Jesus Cristo como um monstro pegajoso, e finalmente é transformado em “A Curtição do Avacalho” (2006), agora uma comédia que homenageia o cinema marginal  e mistura um cientista louco, um padre fanático, um psicopata mascarado paraguaio, monstros clássicos, heróis atrapalhados, mocinha em perigo e cineastas frustados em uma grande sopa de metalinguagem e auto-referências. No mesmo ano a Canibal cometeria a tão aguardada continuação de seu clássico “O Monstro Legume do Espaço 2”, contando o dia seguinte da suposta morte da criatura, mas o orçamento zero e uma equipe abaixo do mínimo frustaram realizadores e fãs, que ainda aguardam a volta por cima do “ícone do Terror VHS” (atualmente Petter Baiestorf está correndo atrás de investidores para refilmar a primeira parte do “O Monstro Legume do Espaço” com efeitos de Rodrigo Aragão).

No cinemão, o cineasta Walter Rogério conduz o policial com toques de humor negro “Olhos de Vampa” (2006), sobre uma série de crimes que aterrorizam São Paulo com as mesmas características, mulheres  tem o sangue do corpo sugado por uma mordida na bunda e são encontradas seminuas em poses eróticas. Dois policiais que investigam descobrem um suspeito que apelidam de Vampa (o sinistro Joel Barcellos), que vive recluso e protegido por uma velha mendiga.

Um filme realizado por José Mojica e seus alunos em 1979 na bitola amadora Super 8mm é finalmente editado por Eugênio Puppo como parte das comemorações dos 50 anos de carreira do cinesta maldito. “A Praga” (1979/2007) escrita por Lucchetti conta como um homem é amaldiçoado por uma bruxa (Wanda Kosmo, é claro!) e uma misteriosa ferida em sua barriga precisa ser alimentada constantemente com  carne, mesmo que seja carne… humana. Falando em canibalismo, eclode nesta época uma verdadeira epidemia de zumbis antropófagos nacionais. Primeiro é o descolado “Era dos Mortos”(2007) média metragem do mineiro Rodrigo Brandão, com um rapaz que fica preso em um elevador e ao conseguir sair se vê em meio a uma invasão de cadáveres ambulantes e famintos; seguido do pretensioso longa “A Capital dos Mortos” (2008) de Tiago Belotti, com Brasília sendo invadida por mortos vivos como previsto em uma antiga profecia apocalíptica de um padre (com direito a uma rápida ponta de Zé do Caixão em pessoa) e chegando até o cultuado “Mangue Negro” (2008) com roteiro, direção e maquiagens de Rodrigo Aragão (1977). Em meio a um manguezal no interior do Espírito Santo, a pobre comunidade local assiste aterrorizada os mortos levantarem da lama em busca da carne dos vivos. O apavorado catador de caranguejos Luis da Machadinha (Walderrama dos Santos) precisa a todo custo proteger a lavadeira Raquel, sua amada. Maquiador profissional  e realizador de curtas de horror (“Peixe Podre”, “Peixe Podre 2” e “Chupa Cabras”), Aragão utiliza seus conhecimentos para ótimos efeitos especiais, unindo a isto um cenário exótico, um elenco afiado de profissionais e amadores e um roteiro que coloca os zumbis em um contexto verdadeiramente nacional, sendo premiado aqui e no exterior. Este “ciclo nacional” de mortos ambulantes teria ainda a participação do longa gaúcho “Porto dos Mortos” (2009) de Davi de Oliveira Pinheiro, mas não se sabe ao certo se o projeto muito comentado foi  realmente finalizado.

No oeste catarinense o “canibal-mor” Baiestorf exercita estilo e linguagem com médias metragens na linha sexploitation unindo sexo simulado e violência explícita homenageando o diretor espanhol  Jesus Franco e o cinema da Boca do Lixo com “Arrombada-Vou Mijar na Porra do Seu Túmulo” (2007) e “Vadias do Sexo Sangrento” (2008) contando com a edição precisa do músico/cineasta-experimental Gurcius Gewdner.

Depois de trinta anos de tentativas frustradas, bicos em parques de diversão, shows de rock, mestre de cerimônias de filmes vagabundos na TV e pontas em filmes alheios (inclusive pornôs), Josefel do Caixão Zanatas ressurge da tumba para completar a sua saga! Com apoio do produtor Paulo Sacramento e do fã-cineasta Dennison Ramalho, José Mojica Marins tira a poeira de seu roteiro escrito em 1966 e o adapta para os dias atuais em “Encarnação do Demônio”(2008). Depois de passar quatro décadas atrás das grades por seus crimes insanos, Zé do Caixão é posto em liberdade e escolhe novos seguidores, retomando sua busca pela mulher perfeita. No seu encalço estão um padre enlouquecido, dois policiais veteranos e os fantasmas de suas vítimas, todos sedentos de vingança. Com uma produção digna, efeitos especiais elaborados e elenco estelar (Jece Valadão, Adriano Stuart, Débora Muniz, Zé Celso, Helena Ignez e Rui Rezende), Mojica consegue mostrar a força e o horror de seu personagem imortal e é consagrado pela crítica, aparece em capa de revistas sérias e é premiado no Festival de Paulínia. O grande público não corresponde nas bilheterias, mas fãs brasileiros e estrangeiros assistem  ao filme diversas vezes no cinema e em um DVD caprichado com diversos extras.

Em Curitiba(PR), Paulo Biscaia Filho escreve e dirige “Morgue Story – Sangue, Baiacu e Quadrinhos” (2009), humor-negro sobre um estranho triângulo envolvendo Ana Argento, uma desenhista de quadrinhos, um vendedor de seguros cataléptico e um legista psicopata que dopa suas vítimas com veneno de Baiacu para estupra-las e assassina-las no necrotério. Também do Paraná, é “A Bruxa do Cemitério 2” (2009) de Semi Salomão, com um colono sendo atormentado pelo espírito de uma feiticeira que exige vingança e atraí vítimas para um local onde ela domina forças maléficas.

Enquanto o paulista João Paulo Brasile Takada escreve, dirige e edita o longa em duas partes “Fúria Alucinante” (2010), com ação e ultra-violência na história de um ex-militar que através de experiências genéticas se transforma em um super-assassino vingativo, a atriz Gisele Ferran é arregimentada para as hordas da Canibal Filmes e estrela o média “O Doce Avanço da Faca” (2010) de Petter Baiestorf, mostrando que uma mulher também pode virar uma máquina de matar ao se vingar de uma seita de crentes pela morte de seu amado.

arte de Leyla Buk para o filme "O Doce Avanço da Faca".

A nova década mostra o amadurecimento técnico e artístico do nosso cinema “de gêneros”. Felipe Guerra retoma seus personagens para a continuação de sua engraçada sátira aos filmes de terror Hollywoodino com “Entrei em Pânico ao Saber o Que Vocês Fizeram na Sexta-Feira do Verão  Passado 2 – A Hora da Volta da Vingança dos Jogos Mortais de Halloween” (2011) com os novos crimes (risadas) provocados pelo assassino interiorano Geison.

“Pólvora Negra” (2011) de Kapel Furman, é um policial de ação, suspense e muito sangue, com estilo e ótima produção. Também em São Paulo, Sandro Debiazzi finaliza (em 20 anos de filmagens) seu média-metragem “O Tormento de Mathias” (2011), estrelado por Felipe Guerra e Joel Caetano. Mas o novo marco da produção independente cabe novamente ao capixaba Rodrigo Aragão com o maravilhoso “A Noite do Chupacabras” (2011). No interior do Espírito Santo, o conflito entre duas famílias rivais é acentuado com a chegada de um casal e com a presença de uma criatura monstruosa e sanguinária que sai da mata e provoca baixas nas duas facções em guerra. Assim como em “Mangue Negro”, Aragão prova que podemos produzir maquiagens e efeitos especiais de primeira categoria e originalidade. E que monstros como o lendário Chupacabras (vivido por Walderrama dos Santos) podem ser integrados a uma realidade nacional-regional, algo só conseguido antes com o Zé do Caixão de Mojica. Significativa também é a presença de outros cineastas brasileiros em destaque no elenco, como o vilão alucinado de Petter Baiestorf, o herói apalermado de Joel Caetano (diretor de vários curtas de horror, como  “Minha Esposa é um zumbi” (2006), “O Gato” (2009) e “Estranha” de 2011) ou o “Velho-do-Saco” (outra figura mítica/sobrenatural presente na trama) de Cristian Verardi (“Colt Romero”de 2008 e outros).

Como o mundo não acabou como previsto no ano 2000 e me disseram que ainda não vai se aposentar em 2012… assim como o cinema nacional… esperamos novas, emocionantes e assustadoras surpresas, saídas de algum cemitério público, casa mal-assombrada ou principalmente das cabeças  criativas de nossos “Horror-Makers” genuinamente brasileiros, portanto teimosos, endividados e batalhadores. Uma nova geração de curta-metragistas dedicados ao gênero fantástico está surgindo, Rubens Mello (ator em filmes ótimos como “Encarnação do Demônio” de José Mojica e “Ivan” de Fernando Rick) dirigiu recentemente “Lia”, um horror psicológico; Caio D’Andrea realizou o curta “O Solitário Ataque de Vorgon” que é ótimo (além de ter co-dirigido, com o colega Rodrigo Fonseca, o western com toques fantásticos “Duas Vidas Para Antonio Espinosa”); Armando Fonseca realizou um gore movie macabro tecnicamente muito bem realizado chamado “Velho Mundo”; o músico Márcio Júnior e sua esposa Márcia Deretti filmaram “O Ogro”, baseado na obra do desenhista Júlio Y. Shimamoto e Gabriel Carneiro acabou de lançar o curta-metragem “Morte e Morte de Johnny Zombie”, estrelado por Joel Caetano… Não percam o próximo capítulo!

Escrito e pesquisado por Coffin Souza (texto original foi publicado no fanzine “Brazilian Trash Cinema” dos editores Coffin Souza e Petter Baiestorf em novembro de 2001, revisto e atualizado em novembro de 2011)

Luís Renato Brescia: Como Fazer Cinema com o Ministro do Diabo

Posted in Cinema with tags , , , , , , , , on junho 23, 2011 by canibuk

Luís Renato Brescia é outro produtor/diretor brasileiro completamente ignorado entre os cinéfilos brasileiros, dono de uma filmografia pequena (porém extremamente curiosa e fora dos padrões do cinema nacional), ao lado de seu filho Ettore, merece lugar de destaque no Canibuk (desde já peço desculpas pelas poucas imagens ilustrativas deste post, são raríssimas as imagens dos filmes e até mesmo dos Brescias).

raríssimo frame de "Nos Tempos de Tibério César".

Em 1921, com a intenção de montar uma fábrica de filmes virgens, Luís Renato Brescia vai a Milão (Itália) estudar cinema e química fotográfica. De volta ao Brasil realiza pequenos experimentos cinematográficos com paisagens. Na década de 1940 monta o estúdio cinematográfico Brescia onde realiza curtas que compõem a série “Mostrando Minas ao Brasil”, composto por títulos como “Lambari”, “Cambuquira”, “Cultura do Marmelo”, “Centenário de Pouso Alegre”, “Varginha”, entre outros.

Filmando apenas nos finais de semana (sua profissão na realidade era Medicina Veterinária, trabalhando como inspetor sanitário federal), inicia em 1945 a produção do faroeste “Sambruk”, nunca finalizado porque a atriz principal abandonou as filmagens. Em 1955 tentou sem sucesso filmar “O Tronco do Ipê”, baseado em José de Alencar, mas teve que abandonar o projeto devido aos altos custos da produção.

Neste meio tempo, entre os inacabados “Sambruk” e “O Tronco do Ipê”, produziu o épico romano (o único feito no Brasil até hoje, excluíndo trasheiras como “A Filha de Calígula” de Ody Fraga e “O Sobrinho do Gladiador” de Jerri Dias e Rodrigo Dubal, por exemplo) chamado “Nos Tempos de Tibério César”, dirigido e escrito por seu filho Ettore Brescia não lançado na época porque a produção vagabunda inviabilizou sua distribuição (por exemplo, as escadarias do Palácio Romano são, na realidade, as escadarias da Igreja Católica da cidade de Lambari/MG). Anos mais tarde os Brescia remontaram o filme com novo título, desta vez “Cinturiões Rivais”, mas mesmo assim não conseguiram comercializá-lo.

No “Dicionário de Filmes Brasileiros”, de Antonio Leão da Silva Neto, explica que o filme foi lançado no interior de Minas Gerais com 5 cópias, o filme foi transformado de plano para condensado (uma espécie de cinemascope chamado “Bresciacosno”). Em entrevista extraída do livro “Pioneiros do Cinema de Minas Gerais”, de Paulo Augusto Gomes, em 1978, Luís Renato Brescia diz: “Foi o patriotismo que me levou a escolher o tema. Em conversa com amigos, foi comentado que era praticamente impossível fazer um filme sobre os tempos do Império Romano fora dos USA ou a Itália, devido a problemas de locações e altos custos para a reconstituição de época. Com meu filme o Brasil passou a ser o terceiro país a fazer um filme sobre os primeiros cristãos. Tive essa glória. A produção não foi cara porque para mim o preço sempre foi menor, pois meus filmes são revelados, copiados e sonorizados em meu laboratório. Assim as despesas que tive foram com filme virgem, a condução para os atores, figurinos especiais, etc. O filme foi feito em Três Corações. Lá tive a colaboração da E.S.A., a escola de sargentos que existe na cidade. Muitos deles fizeram papéis de centuriões, ajudando na figuração do meu filme. Terminando o filme, tivemos um problema com a censura. Ela achava que nós deveríamos ter feito uma obra por motivos brasileiros, ao invés de abordar uma história de romanos. Queria que nós filmássemos casebres pobres com gente humilde, tocando viola na porta, mas não acho isso bom. Por outro lado, a cópia era muito longa: havíamos filmado material suficiente para duas fitas diferentes. Decidimos então relançar o filme com uma versão reduzida, mas objetiva, com o nome alterado para “Os Centuriões Rivais”. O prejuízo foi suavizado pela exibição pelas exibições que conseguimos pelo interior.”

Em 1961 funda as Organizações Cinematográficas Cineminas Ltda. e dirige o longa de horror “Phobus – O Ministro do Diabo”, novamente com roteiro de seu filho Ettore, uma história delirante sobre um ser maligno que pretendia dominar o mundo com inúmeros efeitos especiais bagaceiros. Sobre “Phobus – O Ministro do Diabo”, Luís Brescia diz: “Parecia uma boa maneira de ser bem sucedido na bilheteria. Enfrentei, então, o desafio, sempre filmando com meu dinheiro, sem ajuda de ninguém. O filme ficou pronto somente em 1970 por dois motivos: houve falta de dinheiro e, além do mais, só podíamos nos dedicar ao filme nos sábados e domingos. Quando finalizado o filme, procurei um distribuidor de Belo Horizonte, que ficou quatro meses com meu filme na prateleira, sem conseguir lançamento na cidade para ele. Tentei, a seguir, a Embrafilme, onde depositei a cópia censurada, na crença de que finalmente ela seria exibida em todo território nacional. O tempo foi passando e nada. Passei a procurar pessoas influentes dentro da Embrafilme, pedindo que tivessem um pouco de boa vontade para com o “Phobus”. Acabaram formando uma comissão para examinar minha fita; não sei o que pretendiam examinar, pois a censura já o fizera antes e disseram que estava tudo bem. O fato é que o certificado de censura acabou expirando e “Phobus” permaneceu inédito até mesmo para alguns atores que nele trabalharam. Estou empenhado para que, tanto “Phobus” quanto “Os Centuriões Rivais”, sejam exibidos em Belo Horizonte, só voltarei a fazer longas-metragens depois que pelo menos um deles for lançado dignamente em Minas”. Brescia nunca mais fez nenhum filme!!!

Na década de 1970, Luís Renato Brescia resolve parar de filmar. Em 1986 lança o livro auto-biográfico “Como fiz Cinema em Minas Gerais”, dois anos antes de falecer, sem ao menos ter sido descoberto pelos trashmaníacos dos anos de 1990.

Temo que não existam mais cópias em bom estado destes dois longa-metragens, mas deixo aqui meu pedido aos historiadores de cinema (como o Eugênio Puppo que, junto da Lume Filmes, é o responsável pelo resgate de vários longas do Cinema Marginal Brasileiro) que tentem resgatar essas curiosidades.

Filmografia:

1952- Nos Tempos de Tibério César/Os Centuriões Rivais (dirigido por Ettore Brescia com produção de Luíz Renato Brescia).

1965/1970- Phobus, O Ministro do Diabo (direção e produção de Luíz Renato Brescia com roteiro de Ettore Brescia).

Imagem meramente ilustrativa.

Encontrei no Blog Horror Brasileiro (www.horrorbrasileiro.blogspot.com), da historiadora Laura Cánepa, uma raríssima entrevista realizada com o Luís Renato Brescia (Entrevista feita por Paulo Augusto Gomes para o livro “Pioneiros do Cinema em Minas Gerais”, Editora Crisálida, que infelizmente não tenho cópia).

Onde e quando nasceu?
Nasci em Juiz de Fora, no dia 20 de junho de 1903.

O senhor começou filmando ainda à época do cinema mudo mas, antes disso, passou por um período de estudos em Milão. Quando foi isso e que cursos acompanhou?
Em 1921/22, matriculei-me na escola do professor Rodolfo Namias, onde me especializei em cinema e química fotográfica.

De volta a Juiz de Fora, o senhor pensou imediatamente em fazer cinema?
Não; minha intenção era montar uma fábrica de material sensível, o que não consegui. Dediquei-me, então, a filmagens experimentais; eram estudos com paisagens. Continuei por minha própria conta, mas também lendo todo livro ou revista de cinema que me caía nas mãos.

Sua primeira filmagem data de 1927. Quem a encomendou e em que consistiu essa filmagem?
Eu era jornalista e fui convidado por João Carriço, dono do cine Popular, para fazer um filme para ele. Era sobre um jogo de futebol, até muito importante, entre o Palestra Itália, de São Paulo e a Industrial Mineira, de Juiz de Fora. Ficou, modestamente, um trabalho muito bonito.

Depois dessa filmagem, o senhor continuou trabalhando para Carriço ou resolveu prosseguir por conta própria?
Nunca trabalhei para o Carriço, apenas fiz um favor a ele, um único filme pelo qual nem cobrei. Ele ficou tão animado que organizou a firma dele de jornais cinematográficos, a Carriço Film.

Em 1945, o senhor tentou fazer um longa-metragem pela primeira vez. Como foi a sua atividade em cinema até esse acontecimento?
Sempre tive o cinema como hobby; prosseguia fazendo meus pequenos filmes de estudo e lendo muito. Comecei, aos poucos, a tentar os cine-jornais e curtas-metragens culturais, sempre com o intuito de divulgar as coisas de Minas. Já mais tarde, um dos meus jornais da tela chamava-se Mostrando Minas ao Brasil. O outro era o Atividades Cineminas. Os meus filmes experimentais, eu os fazia e revelava em Juiz de Fora mesmo. Mas nenhum deles era exibido comercialmente.

Mesmo gostando tanto de cinema, o senhor acabou se formando em outra especialidade: medicina veterinária. Por que?
Ninguém vivia de cinema naquele tempo; a exibição de filmes brasileiros era problemática, difícil mesmo.

SAMBRUCK. Quero abordar sua carreira cinematográfica a partir do momento em que ela realmente sofre um impulso. Estamos em 1945 e o senhor, com uma firma recém-montada, fazendo jornais da tela, decide filmar SAMBRUK. O que o levou a abordar uma obra de ficção?
Parti para a grande metragem com o objetivo de criar uma indústria cinematográfica, uma fábrica de filmes em Minas. SAMBRUK foi, assim, uma primeira tentativa. Começamos a filmar em São Gonçalo do Sapucaí. Era uma espécie de western, uma franca imitação dos modelos americanos. SAMBRUK, no caso, era o nome da cidade na qual se desenrolava a história.

Por que o filme permaneceu inacabado?
Já havíamos chegado praticamente à metade da fita. A atriz principal, que era noiva, resolveu ir a São Paulo com o futuro marido, para um passeio. Nunca mais voltou. Procurei muito, mas não consegui encontrar quem se parecesse com ela e pudesse substituí-la. Assim, os trabalhos foram interrompidos.

O senhor não teve falta de dinheiro?
Quem é que não tem? É verdade que eu poderia ter recomeçado tudo outra vez, com outra artista no papel da moça que foi embora. Mas preferi não arriscar.

Terminado esse episódio infeliz, o senhor voltou aos cine-jornais?
Exato. Consegui distribuição para eles em todo o Brasil através da Uirapuru Filmes. Dediquei-me também, por aqueles anos, à realização de curtas-metragens sobre regiões do interior mineiro, feitos através da minha firma, o Estúdio Cinematográfico Brescia, sediada em São Gonçalo do Sapucaí.

Pode citar alguns títulos desses documentários?
Lambari, Cambuquira, Cultura do Marmelo (em Delfim Moreira), Centenário de Pouso Alegre, Congado (em São Gonçalo do Sapucaí), Camanducaia, Varginha, Três Corações, Coqueiral e seu Progresso, Paraguaçu. Foram vários, lembro-me apenas de alguns deles.

O TRONCO DO IPÊ. Sua segunda tentativa na área do longa-metragem foi em 1955: filmar O TRONCO DO IPÊ. Por que o interesse em José de Alencar?
Eu já havia saído de São Gonçalo do Sapucaí e fui morar em Três Corações. Fiquei animado, porque consegui um sócio co-produtor, que era um padre. Ele havia me dito para comprar filme virgem e tocar a produção com meu dinheiro, que ele entraria com a parte dele mais para a frente. Assim, comecei o TRONCO DO IPÊ, que é um belo romance. Só que o padre nunca chegou a colocar dinheiro algum: falhou completamente. Quando me dei conta, a produção já estava muito cara e decidi parar antes que fosse tarde.

Nesses dois filmes inacabados, SAMBRUK e O TRONCO DO IPÊ, o senhor contou somente com seus recursos? Não recebeu ajuda?
Sempre filmei às minhas custas, por amor e gosto. Nunca tive ajuda de governos, de ninguém. Ser idealista, no Brasil, significa viver constantemente numa batalha. A gente enfrenta todo tipo de coisas. Achei que, fazendo O TRONCO DO IPÊ, iria agradar a muita gente. Não tive nem essa chance.

O senhor havia fundado outra firma em Três Corações?
Eu era funcionário público; para onde era transferido, carregava o meu estúdio.

Roma em Minas: Sua terceira incursão no longa-metragem foi bem sucedida e NOS TEMPOS DE TIBÉRIO CESAR foi terminado.
Foi o patriotismo que me levou a escolher o tema. Em conversa com amigos, foi comentado que era praticamente impossível fazer um filme sobre os tempos do Império Romano fora dos Estados Unidos ou da Itália, devido a problemas de locações e altos custos para a reconstituição de época. Com meu filme, o Brasil passou a ser o terceiro país a fazer um filme sobre os primeiros cristãos. Tive essa glória.

A produção ficou cara?
Para mim, o preço sempre foi menor, pois meus filmes são revelados, copiados e sonorizados em meu laboratório. Assim, as despesas que tive foram com o filme virgem, condução para os atores, figurinos especiais, etc. Para alguém que fosse fazer um filme como esse e não dispusesse dessas facilidades, o preço certamente seria muito superior.

Onde foi feito NOS TEMPOS DE TIBÉRIO CESAR?
Em Três Corações. Lá, tive a colaboração da E.S.A., a escola de sargentos que existe na cidade. Muitos deles fizeram papéis de centuriões, ajudando na figuração do meu filme.

Como era vista sua atividade em uma cidade do interior mineiro, ainda mais querendo fazer um filme de romanos? As pessoas achavam isso natural?
Não, eu era muito criticado. O pessoal de chamava de louco. E não era apenas a mim que xingavam. Quando passava um ator com os cabelos mais compridos, surgia o comentário: – Lá vai o artista do Dr. Brescia! Durante todo o tempo, acreditava-se que eu não conseguiria terminar o filme.

Em SAMBRUK e O TRONCO DO IPÊ, a direção foi sua. Por que, em NOS TEMPOS DE TIBÉRIO CESAR, o diretor foi seu filho Ettore Brescia?
Ele foi o autor do argumento e também gostava muito de cinema. Achei que poderia encaminhá-lo na feitura de filmes. Fiquei encarregado da supervisão.

Uma vez terminado o filme, quais as providências tomadas no sentido de exibi-lo?
De início, tivemos um problema com a censura. Ela achava que nós deveríamos ter feito uma obra com motivos brasileiros, ao invés de abordar uma história de romanos. Queria que nós filmássemos casebres pobres com gente humilde, tocando viola na porta, mas não acho isso bom. O Brasil deve fazer filmes opulentos e não ficar preso a roteiros nos quais a pobreza predomina. Superado esse entrave, o filme foi exibido vez ou outra pelo interior mineiro. Não entrou nos grandes circuitos porque me recusei a assinar recibo de 50% das rendas, recebendo apenas 5%. Não preciso de dinheiro a esse ponto. Mas os distribuidores só trabalhavam assim.

O filme chegou a ser exibido em Belo Horizonte?
Não. Na capital, nem os meus jornais eram exibidos, a não ser esporadicamente no cine Paissandu, que não mais existe. Mas NOS TEMPOS DE TIBÉRIO CESAR permanece inédito na cidade, apesar da excelente repercussão obtida por ocasião de sua feitura, em jornais do Rio e São Paulo.

Por que o nome do filme foi trocado posteriormente para OS CENTURIÕES RIVAIS?
Havia expirado o prazo do certificado de censura. Por outro lado, a cópia era muito longa: havíamos filmado material suficiente para duas fitas diferentes. Decidimos, então, relançar o filme em uma versão reduzida, mais objetiva, com nome alterado. Era mais uma tentativa de lançar o filme, que também falhou. Voltei aos cine-jornais. Isso foi em 1958.

O prejuízo foi muito grande?
Ele foi suavizado pelas exibições que conseguimos pelo interior. Como disse, as minhas produções sempre saíram baratas e foi possível superar mais esse revés. Existem países na Europa que são menores em tamanho que Minas; mas lá só é exibido o cinema deles, não entra o produto de fora. Se os cinemas mineiros passassem os nossos filmes, não seria necessário buscar outras praças, seria possível conseguir lucro aqui mesmo.

Terror em Belo Horizonte. Mesmo com todos esses problemas, o senhor decidiu fazer mais um longa-metragem: PHOBUS – MINISTRO DO DIABO, já em Belo Horizonte. Quando foi isso?
Em 1961/62, mudei-me com minha família para Belo Horizonte, onde fundei a Organização Cinematográfica Cineminas Ltda., continuando na feitura de jornais da tela. Foi em 1965 que comecei a planejar PHOBUS. Acreditava que o filme pudesse se transformar em possante veículo de propaganda da capital mineira.

Por que foi escolhido o gênero terror?
Parecia uma boa maneira de ser bem sucedido na bilheteria. Enfrentei, então, o desafio, sempre filmando apenas com o meu dinheiro, sem ajuda de ninguém. Um detalhe interessante é que, em PHOBUS, trabalhou Zélia Marinho num dos principais papéis. Ela era muito famosa na tevê mineira e, quando morreu em um desastre de ônibus, os jornais comentaram que ela não havia conseguido realizar um desejo – ser artista de cinema. É que eles não sabiam que Zélia tinha sido uma das atrizes do meu filme.

PHOBUS ficou pronto por volta de 1970 e recebeu o certificado de censura em 1971. Por que tanto tempo nas filmagens?
Foram dois os motivos: houve falta de dinheiro e, além do mais, só podíamos dedicar ao filme os sábados e domingos. Todos trabalhávamos – eu era funcionário do Ministério da Agricultura e cada um dos atores também tinha seus afazeres. Cada um deles, aliás, trabalhou mais por amor à arte, pois todos receberam pagamento apenas simbólico por sua participação em PHOBUS. Alguns até nem quiseram apanhar seu dinheiro.

O filme tem algumas trucagens, o que é raro em fitas brasileiras. Numa delas, vê-se Zélia Marinho a se incendiar. Isso foi feito no Rio ou em São Paulo?
Não, as trucagens foram feitas em Belo Horizonte mesmo, no meu laboratório. Aprendi a técnica ainda na Itália, quando lá estive participando do curso de cinema de que já falei.

Uma vez obtido o certificado da censura, quais as medidas tomadas para distribuir PHOBUS?
Sempre achei que um filme mineiro deveria, em primeiro lugar, ser exibido em sua terra. Procurei, portanto, um distribuidor de Belo Horizonte, que ficou quatro meses com meu filme na prateleira, sem conseguir lançamento na cidade para ele. Tentei, a seguir, a Embrafilme, onde depositei a cópia censurada, na crença de que finalmente ela seria exibida em todo o território nacional. O tempo foi passando e nada. Passei a procurar pessoas influentes dentro da Embrafilme, pedindo que tivessem um pouco de boa vontade para com o Phobus. Acabaram formando uma comissão para examinar minha fita; não sei o que pretendiam examinar, pois a censura já o fizera antes e dissera que estava tudo bem. Entrei em contato com amigos meus, gente de influência, solicitando apoio ao meu caso. O fato é que o certificado de censura acabou expirando e Phobus permaneceu inédito, até mesmo para alguns dos atores que nele trabalharam.

O fato do filme ter sido feito em preto-e-branco não contribuiu para o seu ineditismo?
Não creio. Acho que o gênero terror só funciona em preto-e-branco: em cores, perde o sentido. Estou empenhado em que tanto PHOBUS como OS CENTURIÕES RIVAIS sejam exibidos em Belo Horizonte e no interior de Minas, pelo menos. Para isso, vou providenciar novos certificados de censura para ambos e insistir mais uma vez. Só voltarei a fazer longas-metragens depois que pelo menos um deles for lançado dignamente em Minas.

Projetos. O que o senhor está fazendo atualmente?
Já há algum tempo, encerrei minha atividade no cine-jornalismo. No momento, estou interessado em reduzir meus filmes sobre cidades mineiras para a bitola de 16 milímetros, tentando uma opção fora da exibição comercial, buscando as escolas. Gostaria de, para esse mercado paralelo, filmar as vidas de grandes brasileiros do presente e do passado. Tenho, também, um livro que me foi dado por seu autor, o Dr. Wilson Veado, de Sete Lagoas. Intitula-se Viagem ao Reino da Química e foi escrito para crianças. Gostaria de transformar cada capítulo em um pequeno filme.

Existe um outro projeto que lhe é caro: uma escola de cinema. Como anda?
Quando fiz PHOBUS, trabalhei com técnicos e atores formados na própria prática, dentro da minha firma. Se eu pudesse refazer meus estúdios em galpões, como foram construídos no tempo que passei no Sul de Minas, gostaria de franqueá-los aos interessados, para que tomassem conhecimento em detalhes das várias etapas da feitura de filmes. Tenho um fichário com 2.300 nomes relacionados. São pessoas de todos os tipos, cada uma com um interesse específico dentro do cinema. Uns querem ser atores, outros técnicos. Todos estão à espera de uma oportunidade.

Existe algum roteiro que gostaria de filmar, em especial?
Sim, O TRONCO DO IPÊ. Eu o faria em Belo Horizonte, a cores, mas só depois de ver um dos longas-metragens que já fiz lançado comercialmente na cidade.

O que significam seus 50 anos na prática do cinema mineiro?
Como cineasta, eu me sinto feliz por estar sempre fazendo cinema. Busco novas atividades e, agora, estou entusiasmado com a idéia das escolas. Mas, comercialmente, esses 50 anos foram todos perdidos.