Orgy of the Dead (1965, 92 min.) de Stephen C. Apostolof. Roteiro de Edward D. Wood Jr. (baseado em sua novela “Orgy of the Dead”). Com: Criswell, Pat Barrington, Fawn Silver, Rene De Beau e Nadejda Klein.
Com uma trama praticamente inexistente “Orgy of the Dead” tenta contar a história de um casal (Pat Barrington, que no ano seguinte estaria no elenco de “Mondo Topless”, e William Bates) que, ao discutir sobre o quanto uma visita noturna a um cemitério pode ser inspiradora, se acidenta e acaba num cemitério (que é o mesmo de “Night of the Ghouls” de Ed Wood) onde encontra o todo poderoso “Imperador” (Criswell, impagável como sempre) que os aprisiona e convoca deliciosas almas penadas do além para números de dança hilários com strippers indígenas, mulheres gatos, múmia, lobisomem fajuto e toda uma fauna de curiosas personagens que dão a ideia de que o inferno é o melhor lugar do mundo.

Fawn Silver e Criswell
Com este ponto de partida infantiloide “Orgy of the Dead” é uma grande brincadeira cinéfila involuntária com Edward D. Wood Jr. (aqui roteirista e faz tudo da produção) exercitando-se (sem querer) na metalinguagem. “Orgy” remete diretamente ao seu filme “Night of the Ghouls” (1958), um inacreditável horror sobrenatural com Criswell “interpretando” o mesmo papel. Para se ter uma ideia da precariedade de “Night of the Ghouls” basta contar que o filme foi filmado em 1958 e só lançado em 1983. Ed Wood, após filmar “Night” não tinha como pagar a conta no laboratório que revelou o filme, então os negativos ficaram apreendidos nos arquivos do laboratório até que em 1983 – depois que Wood e Criswell já estavam mortos, fazendo-me pensar que, talvez, eles nunca tenham nem assistido ao copião do filme -, quando o empresário Wade Williams pagou a conta, montou e lançou o filme que já era considerado obra perdida (à título de curiosidade, Wade foi diretor de “Terror From the Stars” (1969) e produtor associado em pérolas como “Invaders From Mars/Invasores de Marte” (1986) de Tobe Hooper e “Midnight Movie Massacre/Aconteceu à Meia Noite” (1988) da dupla Laurence Jacobs e Mark Stock). Ainda no campo da metalinguagem, o papel da personagem “Black Ghoul” foi escrito para ser interpretado pela Maila Nurmi (a Vampira de “Plan 9 From Outer Space”, que infelizmente se recusou a filmar) e acabou sendo feita pela atriz Fawn Silver, que depois esteve no elenco dos filmes “Unkissed Bride” (1966) de Jack H. Harris (isso mesmo, o produtor do Cult “The Blob/A Bolha Assassina” (1958) dirigido por Irvin S. Yeaworth) e do bagunçado “Terror in the Jungle” (1968), realização que teve três diretores (Andrew Janczak, Tom DeSimone e Alex Graton), cada um deles filmando um pedaço do filme.
Independente de “Orgy of the Dead” ser bom ou ruim (ele está muito além deste irrisório detalhe), é o grande marco na transição do Ed Wood da fase sci-fi/horror para o Ed Wood da pornografia. “Orgy” ainda não é pornô (nem erótico ele consegue ser), mas já não era mais uma tentativa de ser um filme de horror, flertando explicitamente com o subgênero Nudie Cutie em que qualquer mínimo enredo era mera desculpa para explorar as carnes femininas.

Stephen C. Apostolof
O diretor de “Orgy” é Stephen C. Apostolof, que geralmente assinava com o pseudônimo AC Stephen, um especialista em sexploitations que pertenceu aos pioneiros do cinema adulto americano. Apostolof nasceu na Bulgária e durante a segunda guerra mundial fugiu para os USA. Seu primeiro emprego em solo americano foi como arquivista no estúdio 20th Century-Fox. Em 1957 se meteu na produção do filme “Journey to Freedon”, de Robert C. Dertano, onde conheceu o gigante Tor Johnson que trabalhava como ator e o apresentou ao Ed Wood. No início da década de 1960 Apostolof assistiu ao Nudie Cutie “The Immoral Mrs. Teas” (1959) de Russ Meyer e soube o que queria fazer de sua vida. E assim acabou produzindo/dirigindo quase 20 produções cheias da boa e sadia putaria que alegra nossa vida, vários destes filmes com roteiros escritos por seu amigo Ed Wood (além do “Orgy”, Wood também assina os roteiros de “Drop Out Wife” (1972), “The Class Reunion” (1972), “The Snow Bunnies” (1972), “The Cocktail Hostesses” (1973), “Five Loose Women” (1974, este lançado no Brasil com o título “As Fugitivas”) e “The Beach Bunnies” (1976), todos produzidos/dirigidos pelo búlgaro tarado). A parceria com Apostolof foi uma sobrevida na decadente carreira de Ed Wood, se iniciou em 1965 com este “Orgy of the Dead” e durou até 1978, ano de sua morte, com Apostolof garantindo uns poucos dólares para Wood nesta terrível fase e meio que repetindo o que o próprio Ed Wood havia feito por Bela Lugosi uma década antes. Em 2012 foi lançado um divertido documentário, “Dad Made Dirty Movies” de Jordan Todorov, sobre a hilária e muito curiosa carreira de Apostolov.
O elenco de “Orgy” é encabeçado por Jeron Criswell King, o lendário “The Amazing Criswell”, que foi um vidente americano famoso por suas previsões sempre imprecisas. Filho de uma família dona de funerária, Criswell possuía um caixão no lugar da tradicional cama porque achava mais confortável dormir ali (aliás, o caixão de Criswell aparece no pornô “Necromania” (1971) de Ed Wood). Também foi locutor de rádio e amigo de celebridades decadentes como Korla Pandit e Mae West, sendo que a pobre Mae usava Criswell como seu conselheiro espiritual. Em março de 1963 ele previu que John F. Kennedy não concorreria à reeleição em 1964 porque algo iria acontecer com ele em novembro de 1963. Picareta ou não, o fato é que Kennedy foi assassinado em novembro de 1963. Em seu livro “Criswell Predict from Now to the Year 2000!” (à venda na Amazon por cerca de 10 dólares), previu que a cidade de Denver seria atingida por um raio espacial e todo o metal se transformaria em borracha. Neste mesmo livro também previa que seríamos todos canibais no futuro e que o fim do mundo aconteceria em 1999. Criswell apareceu em três filmes, o clássico “Plan 9 from Outer Space”, o cômico “Night of the Ghouls”, ambos de Ed Wood, e “Orgy of the Dead” em que, contam seus colegas de produção, filmou todas as suas cenas em estado de pileque constante acompanhado de seu velho amigo, e companheiro de copo, Ed Wood.

Livro
“Orgy of the Dead” foi realizado por uma turma de técnicos que são uma espécie de “dream Team” do melhor do pior. A trilha sonora (conforme indica o site IMDB) é do compositor Jaime Mendoza-Nava (que não está creditado no filme), responsável por musicar inúmeras produções de “fundo de quintal”. A fotografia é de Robert Caramico, em início de carreira, que depois fotografou lixos imperdíveis como “The Black Klansman” (1966) de Ted V. Mikels, “Psychedelic Sexualis” (1966) de Albert Zugsmith, “Octaman” (1971) de Harry Essex, “The Doberman Gang” (1972) de Byron Chudnow, do clássico cult “Blackenstein” (1973) de William A. Levey, entre tantos outros. Caramico ainda foi diretor do pornô satânico “Sex Ritual of the Occult” (1970) que é um filme inútil que gosto bastante. O assistente de Caramico foi Robert Maxwell (que depois virou diretor de fotografia do clássico “The Astro-Zombies” (1968) de Ted V. Mikels e do fabuloso “Sweet Sweetback’s Baadasssss Song” (1971) de Melvin Van Peebles. O som de “Orgy” foi feito por Dale Knight que tinha em seu currículo trabalhos em vários filmes de Ed Wood (“Jail Bait”, “Bride of the Monster” e “Plan 9” tiveram o som feito por ele) e em produções como “The Astounding She-Monster” (1957) de Ronald V. Ashcroft e “The Cape Canaveral Monsters” (1960), outro delírio do diretor Phil Tucker, o grande responsável pelo genial “Robot Monster” (1953). E a edição ficou a cargo do diretor/produtor Don Davis que comandou o trabalho em filmes como o dramático “For Love and Money” (1967), também com roteiro de Ed Wood, e “Swamp Girl” (1971), sobre uma loirinha que é abandonada num pântano (curiosidade: Don Davis aparece atuando no papel de um Bêbado em “Plan 9”). Ainda sobre a equipe de “Orgy of the Dead”, diz a lenda que os diretores de segunda unidade , não creditados no filme, foram Edward D. Wood Jr. e Ted V. Mikels, mas duvido que tão capenga produção tenha tido uma equipe de segunda unidade.
De certo modo a explosão do mercado de cinema adulto no final dos anos de 1970, aliado a popularização dos aparelhos de VHS que permitiam ao público ver putaria explícita no conforto do lar, foram os responsáveis por sepultar a carreira de toda uma geração de produtores/diretores independentes como Apostolof (e até gênios como Russ Meyer). Depois de “Ice Hot”, filme que lançou em 1978, Apostolof nunca mais conseguiu investidores para seus filmes eróticos (que preferiam a segurança financeira de investir no cinema hardcore). Como Apostolof detinha os direitos autorais de todos os seus filmes se dedicou a lançá-los no, então, crescente mercado de vídeo doméstico se tornando o distribuidor de seus agradáveis e bem humorados lixos cinematográficos (Russ Meyer, Ted V. Mikels, David Friedman, e outros, fizeram a mesma coisa).
Escrito por Petter Baiestorf para seu livro “Arrepios Divertidos”.
Assista “Orgy of the Dead” aqui: