Arquivo para piratas

The Island

Posted in Cinema with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on junho 14, 2012 by canibuk

“The Island” (“A Ilha”, 1980, 109 min.) de Michael Ritchie. Com: Michael Caine e um bando de dublês feios e sujos.

Já teve um tempo que os blockbusters americanos ousavam mais, tentavam ser inventivos e apostavam em riscos maiores, sempre com o nobre objetivo de surpreender o espectador. Neste “The Island”, superprodução escrita por Peter Benchley, somos apresentados à uma região do Caribe onde barcos de turistas estão sumindo e as pessoas sendo brutalmente assassinadas. Michael Caine é um jornalista que, com seu filho pré-adolescente fanático por armas de fogo a tira colo, compra lugares em um avião de carga para ir até o Caribe investigar o que está acontecendo. Algo já começa errado quando o piloto bêbado “esquece” de baixar o trem de pouco do avião e tudo vai pelos ares numa cena digna da série “Indiana Jones”. Após ser interrogado pelas autoridades do aeroporto, Caine e seu filho alugam um barco e vão pescar (parte de uma promesa que o jornalista fez ao filho que queria ir prá Disneylândia) e são seqüestrados por piratas modernos (mas descendentes de piratas do século XVII). No cativeiro os piratas fazem uma lavagem cerebral na criança e o tornam um aprendiz na arte da pirataria. Caine é mantido vivo por motivos de procriação, visto que de tempos em tempos o pequeno povoado de piratas precisa de sangue novo para manter sua linhagem saudável. O que parecia ser, de início, um filme de horror, logo se torna um filme de ação/aventura e presenciamos um autêntico ataque pirata em pleno século XX, com os engraçados piratas abordando um barco de traficantes de cocaína. Nesta cena uma ótima surpresa, um dos traficantes luta kung fu em estilo Bruce Lee e dá uma surra em vários piratas perplexos que nunca haviam visto nada igual, se tornando minha cena preferida do filme. Logo a guarda costeira chega na ilha dos piratas e temos um climax maravilhoso e inusitado que lembra o final do posterior “Rambo 4” (2007) de Sylvester Stallone.

“The Island” está longe de ser o melhor filme do mundo, mas cumpre bem seu papel de divertir e surpreender o público. E tem um climão de sujeira que outros blockbusters não possuem. Os piratas aqui retratados são sujos, a maioria desdentados e doentes. O cenário caribenho é ótima, colaborando com a idéia de um grupo de homens perdidos no tempo, vivendo de acordo com seu próprio código moral. Como sempre fui fã de Michael Caine, achei-o muito bem aproveitado, passando a idéia de que realmente poderia sim ser um jornalista pronto prá ação desenfreada. A cena de explosão do avião e de um barco são discretas (para os padrões dos blockbusters atuais), mas razoáveis (confesso que quando fiquei sabendo que este filme custou 22 milhões de dólares, achei as explosões bem meia bocas). O elenco mirim convence e os atores que fazem os piratas estão hilários; como é bom ver filmes com gente feia fazendo asneiras. O ponto fraco é que essa história poderia render mais demências e depravações sexuais, mais gore e violência extrema, se tivesse sido dirigido por algum diretor mais sem noção. Joe D’Amato, Jesus Franco ou Jean Rollin teriam feito bonito com este roteiro.

“The Island” é dirigido por Michael Ritchie, um diretor da geração Spilberg-Coppola que nunca atingiu o status de “autor”, que em 1969 dirigiu “Downhill Racer”, drama sobre corridas de esqui estrelado por Robert Redford e Gene Hackman. Em um tempo que o cinema americano tinha o que dizer, fez “The Candidate” (1972), filme político novamente estrelado por Redford e “Prime Cut” (1972), sobre a escravidão do sexo feminino, estrelado por Sissi Spacek (em seu primeiro papel creditado) e Lee Marvin e Gene Hackman. O infantilóide “The Bad News Bears” (1976), estrelado por Walter Matthau no papel de um treinador alcoólatra que treina o pior time de beisebol dos USA, que foi um grande sucesso de bilheteria. Depois de vários filmes bobos como “Semi-Tough” (1977) e “An Almost Perfect Affair” (1979), dirigiu este vigoroso “The Island”. Tomando gosto pelo horror, digiriu o filme “Student Bodies” (1981), uma paródia aos slashers que faziam sucesso no início dos anos 80, só que não pode ter seu nome creditado como diretor porque trabalhou durante uma greve dos profissionais da direção e as regras do sindicato não permitem que seja dado créditos durante greves. Em 1985 dirigiu o comediante Chevy Chase em “Fletch”, parceria repetida no superior “Fletch Lives” (1989). Tomando gosto por dirigir comediantes, fez com Eddie Murphy “The Golden Child/O Rapto do Menino Dourado” (1986), seu maior sucesso (originalmente o filme era para ter sido dirigido por John Carpenter) e “The Couch Trip” (1988) com Dan Aykroyd e Waletr Matthau. Depois destes dirigiu uma série de filmes ruins, vindo a falecer em 2001 em decorrência do câncer de próstata.

A equipe-técnica desta produção incluia o escritor e roteirista Peter Benchley, mundialmente famoso pelo romance “Jaws”, adaptado para o cinema por Steven Spielberg em início de carreira. Benchley, depois de formado, trabalhou no jornal The Washington Post e na seqüência escreveu os discursos do presidente Lyndon Johnson (“The Werewolf of Washington” é sobre Benchley). A trilha sonora é do sempre genial Ennio Morricone, compositor que dispensa apresentações. Se tornou uma lenda compondo as trilhas sonoras dos filmes de Sergio leone e não parou mais. Nos efeitos especiais “The Island” contou com uma ajudinha não creditada de Stan Winston. No elenco o sempre correto Michael Caine, ator inglês que fez a fama em filmes de ação/aventura interessantes como “Zulu” (1964) de Cy Endfield; “Billion Dollar Brain” (1967) de Ken Russell; “Play Dirty” (1969) de André DeToth; “Get Carter” (1971) de Mike Hodges; “The Man Who Would be King/O Homem que Queria ser Rei” (1975) de John Huston; “A Bridge too Far” (1977) de Richard Attenborough; “The Swarm/O Enxame” (1978) de Irwin Allen; “Dressed to Kill/Vestida Para Matar” (1980) de Brian De Palma; o trash involuntário “The Hand” (1981) de Oliver Stone e tantos outros filmaços que é impossível listar tudo aqui. Como curiosidade, os piratas do filme são, em sua maioria, interpretados por dublês, o que explica o visual acabadão,com dentes quebrados e cicatrizes nos rostos, e olhares com expressão de demência.

Quando lançado nos cinemas “The Island” teve um resultado negativo entre os críticos e um fraco desempenho nas bilheterias. Ganhou status de cult-movie com os fãs do escritor Benchley e do ator Caine, que redescobriram este pequeno clássico em DVD. Aqui no Brasil foi lançado em DVD pela distribuidora New Way Filmes com o título de “A Ilha” e imagem bem ruinzinha, pelo valor de 14.90.

por Petter Baiestorf.

Declaração Pirata

Posted in Anarquismo, Literatura with tags , , , , , , , , , , , on maio 21, 2012 by canibuk

Daniel Defoe, escrevendo sob o pseudônimo de capitão Charles Johnson, escreveu o que se tornou o primeiro texto histórico sobre os piratas, A General History of the Robberies and Murders of the Most Notorious Pirates (Uma história Geral dos Roubos e Assassinatos dos Mais Notórios Piratas). De Acordo com Jolly Roger (a bandeira pirata), de Patrick Pringle, o recrutamento de piratas era mais efetivo entre os desempregados, fugitivos e criminosos desterrados. O alto-mar contribuiu para um instantâneo nivelamento das desigualdades de classe. Defoe relata que um pirata chamado capitão Bellamy fez este discurso para o capitão de um navio mercante que ele tomou como refém. O capitão tinha acabado de recusar um convite para se juntar aos piratas:

Sinto muito que eles não vão deixar você ter sua chalupa de volta, pois eu desaprovo fazer mesquinharia com qualquer um, quando não é para minha vantagem. Dane-se a chalupa, nós vamos naufragá-la e ela poderia ser de uso para você. Embora você seja um cachorrinho servil, e assim são todos aqueles que se submetem a ser governados por leis que os homens ricos fazem para sua própria segurança; pois os covardes não têm coragem nem para defender eles mesmos o que conseguiram por vilania; mas danem-se todos vocês: danem-se eles, um monte de patifes astutos e vocês, que os servem, um bando de corações de galinha cabeças ocas. Eles nos difamam, os canalhas, quando há apenas esta diferença: eles roubam os pobres sob a cobertura da lei, sem dúvida, e nós roubamos os ricos sob a proteção de nossa própria coragem. Não é melhor tornar-se então um de nós, em vez de rastejar atrás desses vilões por emprego?

Quando o capitão replicou que a sua consciência não o deixaria romper com as regras de Deus e dos homens, o pirata Bellamy continuou:

Você é um patife de consciência diabólica, eu sou um príncipe livre e tenho autoridade suficiente para levantar guerra contra o mundo todo, como quem tem uma centena de navios no mar e um exército de 100 mil homens no campo; e isto a minha consciência me diz: não há conversa com tais cães chorões, que deixam os superiores chutá-los pelos convés a seu belprazer.

Capitão Bellamy & Hakim Bey* (do livro TAZ – Zona Autônoma Temporária, editora Conrad).

* Hakim Bey é pseudônimo do historiador Peter Lamborn Wilson.