Arquivo para poesia marginal

Kamikaze

Posted in Literatura with tags , , , , , , , , on março 13, 2013 by canibuk

Como explicar que

enquanto observava sua cicatriz

pensava no quanto a deixava ainda mais bela

assim como seu jeito oriental

contido

o jeito que abaixava a cabeça quando passava na minha frente

o corpo arcado

o ar submisso

encenando uma dor

um incômodo

(a maneira com que fazia

com que me confundisse com ela mesma

sempre a maior das armadilhas femininas – eu caio só de lembrar)

artifícios

que destilavam o veneno

e o menosprezo

que ornariam sua ausência

distante de mim

agora muito mais do que

quando éramos estranhos

viro um peixe

branco lixo do ocidente

fisgado

e deixado pra morrer

no seu aquário.

poesia de Rodrigo P. Martins.

ilustração de Maxon Crumb.

Maxon Crumb sininho girl

Por um Bom Motivo Danço Sozinho até o Sol Murchar

Posted in Literatura with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , on novembro 21, 2012 by canibuk

As únicas coisas com as quais gasto dinheiro e não me arrependo são livros e bebida, já o resto não me interessa tanto assim. Eu, um perdedor social que escreve para outros perdedores – já incluindo você que me lê – digo alto, todas as noites, o meu cala boca Maldoror, cala boca Raskólhnikov, cala boca Bandini, cala boca Chinaski. Não sou tão maldito quanto vocês, mas já gritei alto a frase: “Se o mundo fosse perfeito o Vaticano já teria sido derretido para ajudar a diminuir as diferenças sociais !!!”.

Sim, já gritei essa frase alto e ninguém ouviu e os que ouviram falaram baixinho que era melhor não dar atenção para o idiota que gritava sozinho. “Mas desde quando alguém precisa se importar com o que penso!”.

E naquele dia mesmo fui para a casa de uma quarentona mais ou menos bonita, carnuda não-gorda, de bunda polpuda e seios fartos, uma mulher desiludida com seu casamento e com seu marido. Também, essa mulherada casa com o primeiro estúpido que aparece e depois só decepções: filhos, marido ausente, crises psicológicas, medo da traição e, a pior, crise financeira. A terrível crise financeira responsável pelo rompimento dos amantes. E aí elas procuram caras desocupados como eu, que não sou bonito, mas que sou diferente e é essa diferença que faz com que as quarentonas me procurem. Elas estão em busca de uma aventura onde podem trepar e conversar, coisa impossível com seus maridos. E eu fui com todas as quarentonas desiludidas que me chamaram. E conversamos e trepamos e rimos gostoso. E sempre voltei para casa pensando em como as coisas acabam assim, elas com seus maridos vegetais que assistem televisão toda noite, sempre pensando em como conseguir um tempo livre com malditos estranhos diferentes e eu solitário, me enchendo de bebida e escrevendo alucinado sobre experiências que simplesmente deveria esquecer, enterrar junto das utopias que persigo para melhorar um mundo que trata os estranhos diferentes como se fossem os novos leprosos. Ateu, Anarquista, Surrealista, Autodidata e totalmente Dadaísta, até dá prá entender porque sou tratado como um leproso incurável. E vamos envelhecendo e o planeta segue seu curso e não mexemos um dedo para tentar mudar as coisas que nos atormentam. E quando nos mexemos para tentar mudar alguma coisa nos imobilizam as ações e amputam nossos braços, pernas, língua, olhos, ouvidos e, como bons malditos, continuamos nos rastejando nas sarjetas sempre deixando nosso sangue, suor, sêmen, saliva, mijo, merda espalhados para sujar a paz do mundo das aparências bem comportadas e limpinhas da sociedade burguesa. E nosso sorriso de satisfação, mesmo após quebrarem todos os nossos dentes, eles não tem como evitar, não tem como apagar de nossas faces felizes, ousadas, incômodas.

por Uzi Uschi, lá por 2004.

Um Beijo

Posted in Literatura with tags , , , , , , , , , on outubro 28, 2012 by canibuk

Um Beijo

que tivesse um blue.

Isto é

imitasse feliz a delicadeza, a sua,

assim como um tropeço

que mergulha surdamente

no reino expresso

do prazer.

Espio sem um ai

as evoluções do teu confronto

à minha sombra

desde a escolha

debruçada no menu;

um peixe grelhado

um namorado

uma água

sem gás

de decolagem:

leitor embevecido

talvez ensurdecido

“ao sucesso”

diria meu censor

“à escuta”

diria meu amor.

poesia de Ana Cristina Cesar.

Ana Cristina Cruz Cesar (1952-1983) antes mesmo de aprender a ler, aos seis anos de idade, já editava poemas para sua mãe. Em 1970 começou a divulgar seus próprios poemas em jornais alternativos, fanzines mimeógrafados e outras publicações independentes. Aos 31 anos cometeu suicídio atirando-se pela janela do apartamento de seus pais que ficava no oitavo andar.

Certa vez ela afirmou:

“Mantê-la mantê-la a todo custo
eu ainda sei ler, minha mãe
eu ainda sei ler, meu pai
estou mantendo ainda
ainda tenho algumas horas no dia
ainda sonho em fazer canções
e mesmo quando me apaixono insanamente
e desejo fontes de juventude boca a boca
(na praça clóvis minha carteira foi batida)
e mesmo quando endoideço aos vôos flutuantes perseguida por
galgos que me brincam e acalantam minha insônia
forçada de doideira
(chega um pouco pra lá, meu amor, se afasta um pouco)
e mesmo quando as lentes se perdem (e as palavras)
ainda sei ler, meu pai
ainda sei ler, minha mãe
ainda sei dizer: queimo,
e não arder simplesmente.”

A Piedade

Posted in Literatura with tags , , , , , , , , , , on outubro 21, 2012 by canibuk

Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento abatido na extrema paliçada

os professores falavam da vontade de dominar e da luta pela vida

as senhoras católicas são piedosas

os comunistas são piedosos

os comerciantes são piedosos

só eu não sou piedoso

se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria aos sábados à noite

eu seria um bom filho meus colegas me chamariam cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio bóia? por que prego afunda?

eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as estátuas de fortes dentaduras

iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos pederastas ou barbudos

eu me universalizaria no senso comum e eles diriam que tenho todas as virtudes

eu não sou piedoso

eu nunca poderei ser piedoso

meus olhos retinem e tingem-se de verde

Os arranha-céus de carniça se decompõem nos pavimentos

os adolescentes nas escolas bufam como cadelas asfixiadas

arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através dos meus sonhos.

Poesia de Roberto Piva, publicada originalmente em Paranóia, 1963.

Literato Cantabile: Pílulas

Posted in Literatura with tags , , , , , , , , , , , , , , , on outubro 10, 2012 by canibuk

Pílulas do tipo deixa-o-pau-rolar.

na mesma base: deixa.

.

Primeiro passo é tomar conta do espaço.

Tem espaço a bessa e só

você sabe o que pode fazer do seu.

Antes ocupe. Depois se vire.

.

Não se esqueça de que você está

cercado, olhe em volta e dê um rolê.

Cuidado com as imitações.

.

Imagine o verão em chamas e fique

sabendo que é por isso mesmo.

A hora do crime precede a hora da

vingança, e o espetáculo continua.

cada um na sua, silêncio.

.

Acredite na realidade e procure

as brechas que ela sempre deixa.

Leia o jornal, não tenha medo de

mim, fique sabendo: drenagem, dragas

e tratores pelo pântano. Acredite.

.

Poesia. Acredite na poesia e viva.

E viva ela. Morra por ela se você

se liga, mas por favor, não traia.

O poeta que trai sua poesia é um

infeliz completo e morto.

Resista, criatura.

.

Sínteses. Painéis. Afrescos. Repor-

tagens. Sínteses. Poesia. Posições.

Planos gerais. “O Close-up é uma

questão de amor”. Amor.

.

Eu, pessoalmente, acredito em

Vampiros. O beijo frio, os dentes

quentes, um gosto de mel.

Poesia de Torquato Neto.

Torquato Pereira de Araújo Neto nasceu em Teresina/PI em 1944. Na década de 1960 mudou-se para o Rio de Janeiro/RJ dedicando-se ao curso de jornalismo. Em 1971 estrelou “Nosferatu no Brasil” de Ivan Cardoso, fazendo o papel de um hilário vampiro que andava de dia pelas praias cariocas. Se suicidou no ano seguinte deixando o bilhete que dizia: “Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim, chega! Não sacudam demais o Thiago, que ele pode acordar”.

10 X Vinho

Posted in Literatura with tags , , , , , , , , , on setembro 2, 2012 by canibuk

Vinho bom… Sacia,

Vinho vagabundo… Azia,

Vinho de missa… Alergia,

Vinho tinto… Sangria,

Vinho de laranja… Alegria,

Vinho colonial… Energia,

Vinho do Porto… Batia,

Vinho suave… Prá titia,

Vinho sempre… Vicia,

Vinho nunca… Eu morria!

poesia de Coffin Souza.

O Casamento

Posted in Literatura with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , on agosto 5, 2012 by canibuk

O noivo com um jeitão de quem quer

tirou de sua amada a anágua,

jogou a dentadura em um copo d’água

e a peruca num canto qualquer.

.

No afã de lhe fazer logo mulher,

o olho falso ficou no tapete.

Falou assim: – Te amo pra cacete

mais esqueci a perna com o chofer.

.

Tirou devagarzinho sua beca

e o nariz postiço com fervor.

Lhe disse: Vem pra cá minha boneca!

.

Num gesto de ternura e de amor,

acariciou sua lisa careca

e lhe meteu um grosso vibrador.

soneto de Rildo Aragão de França.

Cereja do Bolo

Posted in Literatura with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on julho 14, 2012 by canibuk

Nosso amor de banco detrás do carro

onde transavamos alegremente…

.

Frequentamos todos os escuros da cidade.

A melhor hora do dia: foder

no banco detrás.

.

Também me apertava pra levá-la ao motel duas vezes por mês.

E eu fazia tudo pra que nos variássemos,

inventava tanta coisa pra que não se estafasse.

.

Jamais esporrei-a com desdém.

O sêmen corria-lhe viscoso por suas coxas, seios, rosto…

Escorria volumoso e era um outro afago,

forte, em sua pele.

Parecia dizer-lhe “estou aqui! Me derramo em você!”.

.

“Quentinho…”, ela respondia.

Era nosso amor.

.

Quanto quis comer aquele cu e me segurei!

O que veria em dar-me o cu?

.

Eu olhava aquele cuzinho lindo

e o amava como

amo

a cereja do bolo que deixei pro final.

.

Depois de mil fodas acrescentei

mil brigas, ciumes e traições

ao nosso amor.

Assim não nos entediávamos.

.

E ela foi embora

com seu cuzinho quase

quase intacto.

.

Como é triste

e é sem sentido

o amor.

Poesia de Elias F. Pacheco.

Vogais Vulgares

Posted in Arte e Cultura, Literatura with tags , , , , , on junho 6, 2012 by canibuk

Antevendo a alvorada, admiro archotes ardentes alumiando arcadas antigas, antecâmaras arqueológicas. Anfiteatro aonde ambiciosos atores-arlequins anêmicos atuam aritméticamente arrojados, aspirando ascender à amplitudes artísticas. Assisto atenciosamente alguém atarefado administrando alopéias alucinóginas à alguns anciões angustiados. Acadêmicos abastados achincalhando alunos analfabetos, apunhalando andarilhos andrajosos. Arquibancadas acomodadas aplaudindo automóveis atropelando assalariados asmáticos. Arcebispos atléticos açoitando altruístas autênticos, aniquilando atitudes avessas à avareza aristocrática ancestral. Adolecentes atônitos adorando arcanos arcaicos, amuletos alquímicos, altares absurdos, anjos ardilosos. Autênticas armadilhas autoritárias arquitetadas antigamente ansiando atrasar ações anarquistas. Asfixiante alienação… Ah! Ah! Ah!… Alegrias artificiais ameaçadoras, Assombrosas alucinações apoteóticamente apocalípticas.

.

Esquifes equilibristas… Espelhos enlouquecidos em ebulição… Epitáfeos etéreos entalhados em ébano… Escrevo estas esquisitices esperando esquece-la, enquanto elaboro equações estúpidas, elementos efêmeros, embustes ébrios.

Estou excitado, esgotado, efervecente, esquecido e esfomeado.

Entardece…

Estanco esta enxurrada experimental egocêntrica enxergando espirais explosivas, engrenagens esdrúxulas, esferas elementais esfarelando-se e escadarias estelares eqüidistantes…

Elucido este enigma: Esta erva estrangeira era excelente…

.

Isolado iniciei incontáveis indagações interiores.

Implacavelmente interpretei-me:

Incontrolavelmente impreciso, indigesto, incômodo, imaturo,

indiferente, incivilizado, incoerente, indefeso, infeliz.

Ideológicamente incrédulo, indignado, incendiário, impaciente,

impulsivo, incompatível, indiciplinado, inflexível, independente.

Intelectualmente ignorante, iletrado, ignóbil, inocente.

Industrialmente improdutível, imprestável, inapto, imprudente.

Indefensivelmente impopular, impontual, ilegal, impotente.

Impossivelmente imparcial, impassível, infalível, inponente!

Imperfeições indiscretas!

Interrompi-me, indignado inventei invólucros invisíveis,

insônias infinitas, intimidades irreais…

Internei-me… Inacessível… Incomunicável…

Infinita ironia imutável…

.

Ontem observei o orvalho outonal

ostentando organismos obtusos.

Obeliscos ofuscantes obstruíam o

oceano.

Odores odiosos originavam oxigênio ordinário,

orquídeas ofegantes.

óbitos.

Ouvi obscenidades:

Orgãos opressores, oficiais orgulhosos,

obuses, ogivas.

Ortodoxias onipresentes ornamentavam o oratório

ocidental opulento,

oportunamente ocioso.

O obreiro onisciente,

obscura obra ocasionando o ômega, o ocaso…

O opositor onírico,

Otimista? Obstinado? Ousado?

Obra-prima obscurantista:

Obstáculo obliterado

Obviamente oculto,

obedientemente omisso,

objetivamente obsoleto.

Ocasionais obsessões outorais…

.

Urbe: uma úlcera uterina umbilicalmente usufruída…

Uniformes urbanos, umbrais ufanistas, usinas urgentes!

Uivo ultrajado!

Uísque: ungüento único…

Urro!… Utilizando umas últimas utopias universais ultrapassadas.

Poesia de Coffin Souza (para “Urtiga”, folheto poético editado por Elio Copini e Petter Baiestorf, 2004-2005).

Leia mais textos de Coffin Souza clicando em “O Evangelista de Sodoma“, “Cultura: Vide Bula” e “Poesias de Coffin Souza“.

O poeta Coffin Souza.

Na Lama, Sujo Solitário, Me Lembrava

Posted in Literatura, Nossa Arte with tags , , , , , , , , on maio 14, 2012 by canibuk

Pela terceira vez naquela noite eu deixava meu cabelo cair sobre os olhos. Estava com meu olhar vazio fixo na chuva que despencava torrencialmente. Os pensamentos galopavam distantes da realidade. Sentia os respingos da chuva fria e deixava o vento furioso bater contra o rosto. Uma sensação de perda havia me pego de surpresa. Queria chorar mas não sabia mais como faze-lo, havia me esquecido. Ou simplesmente tinha vergonha de misturar o salgado das lágrimas ao doce da chuva. Eu estava sentindo algo muito maior do que a vida, algo que deixava-me com  o cérebro acordado, pulsando inquieto, misturando lembranças vividas com paixão à lembranças que fazia questão de esquecer, que me doíam na alma, que custavam caras ao meu espírito rebelde de transgressor imaturo e me traziam de volta a realidade tão odiada. Sentia os respingos da chuva fria contra o rosto e pensava que se algum amigo estivesse ali junto de mim, certamente estaria eu esbanjando uma falsa alegria. Sabia até que estaria fingindo alegria se o motivo de minha tristeza estivesse ali.

Me lembrava de como

aprendi a ser forte,

de como aprendi

a não demonstrar os sentimentos

para não parecer um fraco.

Me lembrava das vezes que caminhei na chuva para disfarçar as lágrimas, das vezes que preferi ficar escondido na solidão para não me machucar com a rejeição. Me lembrava de como treinei meu sarcasmo para esconder o sentimentalismo barato que se gruda, tal como um carrapato, no coração dos apaixonados. E escutava o vento urrar com fúria. E sentia a chuva lavar minhas lágrimas.

E já estava

novamente

a preparar frases de efeito,

sarcásticas,

frias como a chuva,

irônicas,

para não deixar

ninguém

perceber o quanto eu sofria.

de Petter Baiestorf (2001, “Amor, Sexo & Outras Bebidas Delirantes”). Ilustração de Leyla Buk (2012, “Atrophy”).