Arquivo para poeta marginal

Cerveja

Posted in Literatura with tags , , , , , , , , , on junho 3, 2012 by canibuk

não sei quantas garrafas de cerveja

consumi esperando que as coisas

melhorassem.

não sei quanto vinho e uísque

e cerveja

principalmente cerveja

consumi depois

de rompimentos com mulheres –

esperando o telefone tocar

esperando o som dos passos,

e o telefone nunca toca

antes que seja tarde demais

e os passos nunca chegam

antes que seja tarde demais.

quando meu estômago já está saindo

pela boca

elas chegam frescas como flores de primavera:

“mas que diabos você está fazendo?

vai levar três dias antes que você possa me comer!”

.

a mulher é durável

vive sete anos e meio a mais

que o homem, bebe muito pouca cerveja

porque sabe como ela é ruim para a

aparência.

.

enquanto enlouquecemos

elas saem

dançam e riem

com caubóis cheios de tesão.

.

bem, há a cerveja

sacos e mais sacos de garrafas vazias de cerveja

e quando você pega uma

as garrafas caem através do fundo úmido

do saco de papel

rolando

tilintando

cuspindo cinza molhada

e cerveja choca,

ou então os sacos caem às 4 horas

da manhã

produzindo o único som em sua vida.

.

cerveja

rios e mares de cerveja

cerveja cerveja cerveja

o rádio toca canções de amor

enquanto o telefone permanece mudo

e as paredes seguem

paradas e estáticas

e a cerveja é tudo o que há.

poesia de Charles Bukowski.

A Voz

Posted in Literatura with tags , , , , , , , , , on maio 24, 2012 by canibuk

Meu berço ao pé da biblioteca se entendia,

Babel onde ficção e ciência, tudo, o espólio

Da cinza grega ao pó do Lácio se fundia.

Eu tinha a mesma altura de um in-fólio.

Duas vozes ouvi. Uma, insidiosa, a mim

Dizia: “A Terra é um bolo apetitoso à goela;

Eu posso (e teu prazer seria então sem fim!)

Dar-te uma gula tão imensa quanto a dela.”

A outra: “Vem! vem viajar nos sonhos que semeias,

Além da realidade e do que além é infindo!”

E essa cantava como o vento nas areias,

Fantasma não se sabe ao certo de onde vindo,

Que o ouvido ao mesmo tempo atemoriza e afaga.

Eu te respondi: “Sim, doce voz!” É de então

Que data o que afinal se diz ser minha chaga,

Minha fatalidade. E por trás do telão

Dessa existência imensa, e no mais negro abismo,

Distintamente eu vejo os mundos singulares,

E, vítima do lúcido êxtase em que cismo,

Arrasto répteis a morder-me os calcanhares.

E assim como um profeta é que, desde esse dia,

Amo o deserto e a solidão do mar ao largo;

Que sorrio no luto e choro na alegria,

E apraz-me como suave o vinho mais amargo;

Que os fatos mais sombrios tomo por risonhos,

E que, de olhos no céu, tropeço e avanço aos poucos.

Mas a Voz me consola e diz: “Guarda teus sonhos:

Os sábios não têm tão belos quanto os loucos!”

poesia de Charles Baudelaire (“As Flores do Mal – Marginália”).

Leia mais: “As Metamorfoses do Vampiro“.