“Dark Star” (1974, 83 min.) de John Carpenter. Roteiro de Dan O’Bannon e John Carpenter. Produção capenga de Jack H. Harris. Com: Dan O’Bannon, Brian Narelle, Cal Kuniholm, Dre Pahich e a voz de John Carpenter.
No século XXII a humanidade está colonizando o Universo e uma espaçonave chamada Dark Star realiza a missão de destruir os planetas instáveis com a utilização de bombas inteligentes chamadas “Thermostellar Triggering Devices”. Como a missão já dura quase 20 anos, a tripulação da Dark Star se encontra mergulhada no tédio. Para piorar a situação, seu comandante foi morto em um bizarro acidente e se encontra congelado. Com a nave cada vez mais cheia de defeitos, os tripulantes ficam inventando distrações para aguentar o marasmo espacial (um gosta de ficar na cúpula de observação da Dark Star vendo o Universo passar diante de seus olhos, outro fica fazendo piadas bestas com o resto da tripulação, outro fuma charutos sem parar e pratica tiro ao alvo com uma arma laser dentro da espaçonave e assim por diante). Logo “Beachball”, um travesso alien em formato de uma bola de praia adotado por Pinback (interpretado pelo roteirista Dan O’Bannon), escapa e começa a aprontar inúmeras confusões com Pinback perseguindo-o pela espaçonave. Perto do final do filme, a Dark Star e sua desinteressada tripulação chega à Veil Nebula onde precisam explodir um planeta instável. Acionam a Bomb #20 que, numa crise existencial, se recusa a executar sua missão obrigando o tripulante Doolittle (Brian Narelle) a ter uma engraçadíssima conversa filosófica com a bomba inteligente com o intuíto de convencê-la a concluir a missão. Como Doolittle se sai mal ao ensinar a dúvida cartesiana à bomba, tudo se explode quando a bomba afirma ser Deus. No final a imagem de Doolittle surfando pelo espaço fica na mente de forma poderosa, deve ser a maior curtição surfar no espaço sideral.
Com o padrão de qualidade Jack Harris, “Dark Star” é uma maravilhosa comédia sci-fi de humor negro que marca a estréia profissional de dois mestres do cinema americano moderno: John Carpenter e Dan O’Bannon. Com um orçamento de apenas 60 mil dólares, a dupla teve que fazer a nave Dark Star do zero. O elevador da espaçonave era um poço de elevador real, os painéis da nave eram bandeijas furadas com luzes coloridas por trás, pedaços de televisores, embalagens styrofoam, papelões, isopor, plataformas de metal, restos de ferro-velho, tudo servia como material para a construção do interior da nave espacial. E o alien do filme realmente é uma grande bola de praia. O tom de farsa dá o ritmo á este belo cult movie que, anos depois, foi re-escrito por Dan O’Bannon e se tornou o clássico “Alien” (1979) de Ridley Scott. Aliás, O’Bannon além de escrever e atuar, ainda foi o grande responsável pela maioria dos efeitos especiais do filme. John Carpenter faz, além da direção e co-roteirização, a voz da personagem Talby e assina a trilha sonora e a produção. Apesar de todas as deficiências técnicas da produção, “Dark Star” é um dos meus filmes preferidos do Carpenter.
Antes de dirigir o longa “Dark Star”, John Carpenter havia dirigido vários curta-metragens de horror e sci-fi como “Revenge of the Colossal Beasts” (1962), “Terror From Space” (1963), “Gorgo Vs. Godzilla” (1969), “Gorgon – The Space Monster” (1969), “Sorceror From Outer Space” (1969), “Warrior and the Demon” (1969), a maioria destes curtas são produções caseiras em super-8 onde Carpenter exercitava sua narrativa e dava vazão a sua criatividade. Ao cursar cinema na USC teve a oportunidade de dirigir “Captain Voyeur” (1969), que possuia vários elementos que reapareceram anos depois em “Halloween”. No ano seguinte escreveu o curta de faroeste “The Resurrection of Broncho Billy”, com direção de James R. Rokos, que ganhou o Oscar de melhor curta-metragem. “Dark Star” foi seu primeiro “grande” filme como diretor, mesmo não tendo sido um sucesso de público abriu inúmeras portas para Carpenter na indústria cinematográfica (e para O’Bannon também, após “Dark Star” ele seria contratado por George Lucas para fazer um trabalho com efeitos para “Star Wars“). Seu próximo longa foi “Assault on Precinct 13/Assalto à Décima Terceira DP” (1976) sobre um grupo de policiais que é atacado em sua própria delegacia por uma gang de marginais; na seqüência fez o mega-sucesso “Halloween” (1978) que detonou a onda de slashers que assombrou a década seguinte e lhe garantiu um lugar de destaque nos grandes estúdios americanos. Imediatamente após “Halloween”, Carpenter ainda fez dois filmes fraquinhos para a televisão americana: “Someone’s Watching Me!/Alguém me Vigia” (1978), um suspense estrelado por Lauren Hutton e “Elvis” (1979), cine-biografia de Elvis Presley que o colocou em contato com o ator Kurt Russell.
A década de 1980 trouxe John Carpenter no auge de sua criatividade e o transformou num mestre do cinema de horror e sci-fi. “The Fog/A Bruma Assassina” (1980) trazia fantasmas-zumbis em busca de vingança numa cidade de pescadores da California e um clima dos quadrinhos da E.C. Comics; “Escape From New York/Fuga de New York” (1981) tinha Kurt Russell na pele de Snake Plissken e contava a história do bandido que é enviado à uma Manhattan transformada em prissão de segurança máxima para resgatar o presidente americano que foi feito refém após seu avião cair lá. Com um elenco de primeira que incluia atores como Lee Van Cleef, Ernest Borgnine e Donald Pleasence, “Escape From New York” logo se tornou um cult movie; Com o sucesso de seu filme anterior Carpenter se viu na privilegiada posição de poder escolher seu novo projeto e legou ao mundo seu melhor trabalho, “The Thing/O Enigma de Outro Mundo” (1982), novamente estrelado por Kurt Russell, que atualizava o clássico da sci-fi “The Thing From Another World/O Monstro do Ártico” (1951) de Christian Nyby. Essa versão de Carpenter era mais fiel ao conto “Who Goes There?” (1938) de John W. Campbell, no qual ambos os filmes são inspirados, foi um banho de sangue e vísceras que pegou a platéia desprevenida e contou com os inovadores efeitos especiais de Rob Bottin em sua melhor forma. Após seu grande clássico sangrento, Carpenter foi pressionado pelos produtores a ser mais suave e fez quatro filmes menores: “Christine/O Carro Assassino” (1983), baseado em Stephen King, um suspense sem grandes momentos; “Starman/O Homem das Estrelas” (1984), chatice sobre um alien perdido no planeta Terra; “Big Trouble in Little China/Os Aventureiros do Bairro Proibido” (1986), deliciosa aventura com Kurt Russell na pele de um camioneiro resolvendo um conflito místico em Chinatown; e “Prince of Darkness/O Príncipe das Sombras” (1987), divertido suspense com o roqueiro Alice Cooper fazendo uma participação especial. Após estes filmes medianos, Carpenter fechou a década com chave de ouro. “They Live/Eles Vivem” (1988) contava a história de uma invasão alienígena silenciosa e criticava o modo de vida americana, sugerindo que muito dos ricos e endinheirados eram aliens.
Nos anos de 1990 Carpenter começou o declínio de sua carreira. “Memoirs of a Invisible Man/Memórias de um Homem Invisível” (1992) era um tropeço imperdoável estrelado por Chevy Chase, antes desta bomba sem graça era preferível que ele tivesse dirigido seu roteiro “El Diablo” (1990), divertido western com John Glover que tinha sido dirigido por Peter Markle dois anos antes; “Body Bags/Trilogia do Terror” (1993) era uma produção para a televisão que ele dirigiu (e estrelou) em parceria com Tobe Hooper, mas é um filme em episódios que só empolga no segmento final; “In the Mouth of Madness/À Beira da Loucura” (1994) mostrava que Carpenter ainda podia fazer filmaços; “Village of the Madness/A Cidade dos Amaldiçoados” (1995) era uma refilmagem do clássico homônimo de 1960 dirigido por Wolf Rilla que não chegava nem aos pés do original; “Escape From L.A./Fuga de Los Angeles” (1996), com Russell revivendo sua personagem Snake Plissken, era divertido, mas um péssimo filme quando comparado ao original; e “Vampires/Vampiros” (1998), sobre um grupo de caçadores de vampiros patrocinados pelo Vaticano, tinha um bom ponto de partida e decepcionava com seu final fraquinho.
Se a década de 1990 dava mostras de que a carreira de Carpenter não era mais genial, o novo século tirou as dúvidas. “Ghosts of Mars/Fantasmas de Marte” (2001) foi uma bomba completa mal conduzida e com elenco desperdiçado em correrias histéricas prá lugar nenhum, na minha opinião o pior filme disparado de Carpenter, e “The Ward/Aterrorizada” (2010) é uma chatice sem fim que nem parece ter sido dirigido pelo fenomenal cineasta de “The Thing”. Mas em 2005, para a série “Masters of Horror”, Carpenter realizou o maravilhoso episódio “Cigarette Burns” que é digno do grande cineatsa que ele é. “Pro-Life” (2006), que ele realizou para a segunda temporada de “Masters of Terror” nao chegou a ser tão empolgante quanto sua primeira contribuição para a série.
Dan O’Bannon (1946-2009) começou sua carreira como ator, roteirista e técnico de efeitos especiais e logo, em decisão acertada, passou a se dedicar à construção de roteiros que deram origem à grandes clássicos do horror e sci-fi dos anos 80/90. Após “Dark Star” esteve por alguns anos envolvido no projeto “Duna” de Alejandro Jodorowsky. Seus melhores trabalhos são os roteiros para filmes como “Alien” (1979) de Ridley Scott, que desenvolve de maneira mais séria idéias de “Dark Star”; “Lifeforce” (1985) de Tobe Hooper, um banho de sangue gostoso e quentinho que misturava sci-fi e horror de maneira sublime; “Total Recall/O Vingador do Futuro” (1990) de Paul Verhoeven e “Screamers” (1995) de Christian Duguay, ambos inspirados em contos de Philip K. Dick; e “Bleeders” (1997) de Peter Svatek, sobre uns monstrengos. Em 1985 Dan escreveu e dirigiu um dos maiores clássicos cults da filmografia zumbi, “The Return of the Living Dead/A Volta dos Mortos-Vivos”, onde contava uma alucinada história de punks enfrentando zumbis que gerou, até agora, quatro seqüências. Na época do lançamento o filme foi um grande sucesso de público que se maravilhou com seu ritmo non stop e senso de humor negro cretino. Em 1992 Dan voltou a dirigir uma produção, “The Resurrected”, suspense apenas correto que se baseava em conto de H.P. Lovecraft e que teve vários problemas enquanto era feito.
O produtor executivo de “Dark Star” foi o lendário Jack H. Harris, famoso por produções de baixo orçamento. Na verdade Harris viu “Dark Star” com 45 minutos (inicialmente o filme era uma produção de estudantes de cinema) e comprou os direitos de distribuição e ficou enchendo o saco de Carpenter e O’Bannon para que o transformassem em um longa. O texto que se vê numa tela de computador no decorrer do filme, onde se lê “Fuck You Harris”, foi uma vingança de Carpenter pelas aporrinhações do produtor. Sua carreira começou com o cult movie “The Blob/A Bolha” (1958) de Irvin S. Yeaworth Jr. estrelado por Steve McQueen. Na seqüência manteve a parceria com Yeaworth e escreveu e produziu “4D Man” (1959) e “Dinosaurus!” (1960). Paralelo a parceria com o diretor de “The Blob”, distribuiu os filmes “Obras Maestras del Terror” (1960) e “Master of Horror” (1965), ambos filmes de Henrique Carreras baseados em contos de Edgar Allan Poe. Se achando apto para dirigir, Harris escreve, produz e conduz “Unkissed Bride” (1966), comédia tosca sobre um psiquiatra que usa LSD no tratamento de uma noiva com fobia do casamento. Na década de 1970 produz “Equinox” (1970), horror dirigido por Jack Woods e dá aos fãs do trash a maravilhosa continuação ultra vagabunda de “The Blob”, intitulada agora de “Beware! The Blob” (1972) e dirigida pelo ator Larry Hagman. Nesta mesma década aposta em filmes de jovens talentos como “Schlock” (1973) de John Landis, o já citado “Dark Star” e “Eyes of Laura Mars” (1978) de Irvin Kershner. Nos anos 80 produziu “Prison Ship” (1986) de Fred Olen Ray, a refilmagem de “The Blob” (1988) de Chuck Russell e a comédia “Blobermouth” (1991) de Kent Skov.
Assista aqui “Dark Star”:
“Dark Star” foi lançado no Brasil em VHS pela distribuidora Polevídeo e deve ter irritado muitos fãs de ficção com suas deficiências técnicas. Nunca conheci fanáticos por este filme, mas na minha opinião essa produção já dava sinais do brilhante cineasta que John carpenter viria à se tornar. “Dark Star” é imperdível por seu valor histórico.
por Petter baiestorf.