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U – Projeto Industrial de Experimentações Sonoras de um Não-Músico

Posted in download, Música with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on abril 9, 2019 by canibuk

Nessa semana lancei o novo EP do projeto industrial U, que se chama “Fim de Mundo” e está disponível no meu Bandcamp.

“Fim de Mundo” apresenta duas composições: “Fim de Mundo” e “E o Caos que se Segue”, dando sequencia as experimentações que realizei com theremin/sintetizador/white noise nos dois álbuns anteriores, “Involução no Terceiro Planeta” (2018) e “O Som dos Planetas” (2019).

O EP pode ser ouvido pelo bandcamp: FIM de MUNDO (EP) ou, se você realmente curtir, pode ser baixado em link direto via mediafire.

FIM DE MUNDO (EP) DOWNLOAD

U é um projeto que desenvolvo sozinho. Não sou músico (sou roteirista/escritor e produtor/diretor de vídeos de baixo orçamento), o que não me impede de fazer algumas experimentações sonoras envolvendo a exploração de ruídos, microfonias e outras sujeiras musicais para possível uso em trilhas sonoras de filmes meus ou de outros produtores, como no curta experimental “Purgatório Axiomático” (2019), de Fábio Marino, ou no curta ainda inédito “Brasil 2020”.

Purgatório Axiomático, assista aqui:

BRASIL 2020 (SOUNDTRACK) DOWNLOAD

Os álbuns da U estão disponíveis no Bandcamp e para download também. Você pode ouvi-los nos links abaixo:

Bandcamp: Involução no Terceiro Planeta (2018)

Mediafire: Involução no Terceiro Planeta (2018) – DOWNLOAD

Bandcamp: O Som dos Planetas (2019)

Mediafire: O Som dos Planetas (2019) – DOWNLOAD

O Som dos Planetas foi lançado pela gravadora Exhaust Valve Recs: O Som dos Planetas (Exhaust Valve Recs)

por Petter Baiestorf

___Futuro

Posted in Literatura with tags , , , , , , , , , , on março 19, 2019 by canibuk

1

A pia inundada de sangue, o amarelado do mármore e vermelho dégradé formando várias linhas irregulares. Procurando o olho, uma prótese retiliana com capacidade de 800.000 mega pixels, pululante como esperma querendo fecundar ralo abaixo, agarrou pelo nervo óptico que estava gorduroso e visguento, o buraco no lado esquerdo da face piscava duas cores florescentes. Parecia uma festa escrota onde estavam comemorando sua dor e a cada segundo as paredes e o azulejo refletiam o quase silencioso desespero, “o código genético não é compatível, desgraça… esses implantes ópticos estão cada vez piores, descartáveis como tudo que existe neste buraco preciso me concentrar e procurar uma, tsi… tsi… que porra, que por… tsi…” Convulsões. “Estourei o chip caro, vou usar esse vagabundo, como nos tempos da R.E.P.U.L.S.A duas pílulas de catalisador neural e um desfibrilador craniano que serve para suportar os 14 segundos de agonia causada por centenas de micro choques em todas as regiões do cérebro. A saliva espumando e melando a camisa, ranger de dentes rachando alguns.

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Acordou com o lado esquerdo dormente, mas foi passageiro e não há tempo para sentimentos, sem poder usar o sistema neural de comunicação apela para o modo arcaico, aperta o dedo mindinho e instantaneamente o símbolo da Corporação se faz presente como a entidade máxima deste mundo. Nome:  080409-001_ Sexo: _Masculino _Implantes: Prótese retiliana no olho esquerdo, coração e fígado artificiais, “vocês já sabem de tudo e mesmo assim torna as coisas mais estúpidas do que já são, tsi… que porra!”, “olá”. Projetor holográfico formando imagem feminina, um espectro em mundo de sonho lisérgico… fótons, neutrinos e luz, forma incorpórea que se pode apalpar e ter qualquer fantasia, “me apresente os modelos de olhos.” “menos de 12hs e já destruiu o protótipo, “sua opinião não significa nada”, “ querido, compro qualquer coisa pra você, mas não suma, choraria se ainda tivesse as glândulas. “ você é uma criatura medonha e mesquinha, nem precisa de humanos e mesmo assim se diverte com nós os bonequinhos.”  “há muito tempo não tenho paladar ou  qualquer vestígio de animalidade… você sabe? A mente se vicia em padrões, dá significados a cada gesto, nossas ações aleatórias parecem sincronizadas com alguma coisa, mas é invenção da mente, já pensou num ser estranho observando outro ser estranho? Não saberíamos onde começa e termina, a boca e o cu seriam o mesmo orifício ou nada disto existe nem mesmo a simples anatomia… te entendo, por isso quer o olho e ter a ultra realidade de volta…ma… “ cala a boca sua puta inanimada! a ultra realidade é passado, sei como vocês mantem a suposta eternidade, se sou o preferido…tsi…tsi se sou o t..si porque não compartilhou comigo? “simples… você ainda é animal, posso me divertir… você sempre quis assim, vá para casa.” “ só queria essa resposta, mas toda vez tenho que ouvir filosofia barata de uma Tr+ decadente.

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Dormiu e não teve sonho, quando abriu o olho a dor no outro lado voltou com as mesmas luzes piscantes, sentiu que estava sendo vigiado. Um homem quase gordo de cara seca, era 080409-003 sorrindo, “ sabe… ruuuu…”, arrotou alto e todo  seu sistema digestivo sintético estremeceu, “poderia ter matado você antes…ruuu… mas prefiro te ver em pedaços, “ ela me quer, entende isso? “ você não pode entrar na ultra realidade, está começando a desmontar, viciados em upgrade são a escória, se acham os melhores….ruuuuuuu…” dessa vez vomitou uma pasta branca junto com fluídos sintéticos plasmáticos, uma espécie de combustível que gera energia para o estômago corrosivo, 080409-001 olhou aquela boca sem dentes, em menos de 2 segundos esmurrou o estômago macio da criatura que parecia um esgoto ambulante, bateu com toda energia e ódio acumulado, poderia até sentir pena se fosse num outro mundo ou em outra época, se divertiu com o som do atrito que a mão fazia misturado com ruuuu… os olhos de 080409-003 se enchiam de ódio, pensou em levar os olhos mas desistiu porque com certeza era de um modelo bem pobre e ninguém compraria algo vindo de um –X. “ vou arrancar seu HD Neural, não veio aqui por ciúmes, isso não existe tsi…tsi…tsi…tsi…tsi…arrrrgggghhhhh”  todo o cérebro necrosado imerso na papa branca, o fedor insuportável tomou conta do banheiro, “ não preciso de ninguém, é só manter a calma e procurar a porra de um vendedor.”

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Tinha que suportar o mundo físico, a limitação de precisar se locomover através de veículos, de ver as paisagens horrorosas, a padronização vagabunda dos prédios, lixo e todo resto de componentes eletrônicos recondicionados ou simplesmente esquecidos jogados por toda parte, próteses das mais variadas regiões do corpo, incontáveis números de modelos e tamanhos. Pedaços de crânios artificiais dividiam espaço com robôs limpos e brilhantes, mais belos que a humanidade, movimentam-se imitando o criador, possuem todo comportamento de civilidade perdida, quase silenciosos zombam através da idealização do que nunca vamos ser, por isso são escravos. O céu virtual mal disfarça a escuridão provocada pelas nuvens tóxicas, não há energia suficiente para manter a cidade aparentemente saudável, isso irrita mais que o cheiro de máquina obsoleta. O carro deslizava no ar, as paisagens quase iguais e com os mesmos padrões, sem nenhuma personalidade, impessoal e desbotada com os humanoides lá embaixo vivendo e multiplicando-se, só tinha que voltar para o seu amado mundo onde pode mudar a arquitetura e estar num lugar onde os sentidos não sejam agredidos, precisava chegar em casa. Estava entrando na escuridão da galeria, fazem 15 anos e não consegue se acostumar, passa numa velocidade que pode ver seus vizinhos nos cubículos: velhos perdedores amputados que sobrevivem com próteses doadas, robôs domésticos nos seus últimos dias de vida útil, pessoas saindo das cabines de autosexo, catadores de lixo… em suma, o subúrbio. Encostou na porta e a esfera zunindo brilhante veio fazer a biometria. Nome:  080409-001 Sexo: _Masculino _Implantes: Prótese retiliana no olho esquerdo… A porta se abriu revelando um cubículo cor de azul neon que instantaneamente mudou para o branco florescente, as paredes iluminam-se e transmitem o calor necessário para um ser vivo sobreviver, qualquer lugar pode ser o banheiro, cozinha, sala ou quarto, o sistema mantem a casa higienizada como se fosse uma habitação nova.

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Como não está conectado a ultra realidade ligou a Tv tridimensional, as imagens coloridas e transparentes atingem o olho direito, mundo opaco e com os mesmos discursos de milênios, se interessa nas formas limpas mesmo que desbotadas, a violência impessoal e programada na dose certa do noticiário conforta bastante, como sempre nessa hora “Retrospectiva – História Das Guerras, Um Panorama Desde Que A Bomba Atômica Se tornou Obsoleta”. A voz suave platinada não informa questões sócio culturais e filosóficas para os acontecimentos das batalhas que de sangrentas ficaram apenas o nome, corpos pulverizados ou aparentemente ilesos nos bunkers, emissões das mais variadas rajadas de energia, A Voz entrava na minucia de descrever a geografia que normalmente era numa cidade gigantesca com vegetação sintética mínima e as maravilhas dos mecanismos de morte, tudo muito rápido, higiênico, dentro de qualquer regra considerada “humanista”. 080409-001 estava cansado e com vergonha de si mesmo, nunca tinha cometido dois erros num dia, deixou a obsessão por upgrade acima do senso de preservação, matou o asqueroso e sabia que não poderia descansar, não se importou. “Preciso urgente de você…tsi… um implante retiliano tipo 5. “Venha buscar só e não traga a escória, arranquei a cabeça do seu amigo, não suporto ladrão principalmente quando são viciados sem um mínimo de brilhantismo, era pra eu te arrancar uns pedaços, mas como você paga… Saiu do modo de comunicação da Tv holográfica e deixou A voz se expandir pelas paredes cintilantes até adentrar sua consciência metade cefálica e metade positrônica, do chão levantou uma gaveta, abriu-a e retirou ferramentas com a mão esquerda e ao mesmo tempo que com a outra destampa a proteção craneana, é crime fazer upgrade mas não se importa a muito tempo arrancou os alarmes e não possui nenhuma cicatriz, apenas lembranças. Jorrou sangue quando com a chave errou o ponto que pretendia tocar de leve, estava cansado de sentir dor e conseguiu desabilita-la, o chão empapado de sangue pouco importa, tomou banho e trocou de roupa ali mesmo, ficou em pé e rapidamente o lar estava como tinha deixado, foi procurar o novo olho.

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Entrou na galeria 57, terceira a ser construída, deserto e cheiro de éter milenar impregnavam cada partícula do local, a 500 anos atrás, esses quadrados eram depósitos de máquinas construtoras, tanques e drones que retorciam metal, fabricavam concreto, instalavam sistemas eletrônicos e alimentavam os mesmos anseios de sempre, 080409-001 só vê a decadência de ideais perdidos no tempo, a oxidação de sonhos numa época que ainda não tinham conseguido planificar seu mundo, poderia até ter esperança se nesse devaneio de compreensão não fosse acertado por uma força que o arremessou a alguns metros de distância caindo no entulho de peças oxidadas e pontiagudas cortando rosto, peito e barriga. “vá tomar no cu, desgraça!” A pele sintética rasgou exibindo fragmentos de ossos, músculos, fios e pequenos sistemas eletrônicos, sentiu dor moral de ser pego de surpresa e desmaiou.

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“Dx xltxmx Vxz qxx nxs xncxntrxmxs, vxcx rxxbxx mxx dxcxdxfxcxdxr dx vxz, txnhx xsxdx xssx mxdxlx defxxtxxsx!!!” O ser socou a própria cabeça freneticamente, salpicando pra todo lado saliva amarelada e mal cheirosa. “ Cara vxu te xbrir ax mexo, tudo que fxzemox juntxx x xxxxxxxxxxxxxxx…” Outra pancada frenética na cabeça. “Isso tá me deixando maluco xxxxxx, bem que me disseram pra não me envolver com viciados em upgrade, não há consideração com quem está afim de melhorar… vxx xrrxncxr sxx brxçx!!! Qxxntx cxstxx? 080409-001 enfiou o dedo indicador no corte do rosto, lentamente brincava com a ferida e o sangue sintético que começava a escorrer até o queixo. “ Tsi…Tsi… estou quase morrendo e mesmo assim…tsi…ts…i vim até você para fazer compras e faz isso comigo. ” “ qxerx mex dxcxdxfxcxdxr dx vxltx. “ Falou mais tranquilo pensando no que poderia ganhar se o deixasse vivo. “ Cxrtx, vxmxs pxrx mxnhx lxjx.

2

A loja limpa e cheirando a plásticos das mais variadas cores, muitos componentes espalhados de forma aleatória, 080409-001 está no lugar mais agradável que poderia imaginar, as cascas pós humanas quando preenchidas adquirem a força do dono, nesse quadrado são apenas formas de sonhos incompletos, viu uma cabeça familiar na mesa, era o sócio desaparecido a dois dias. “Sxbx…txx lxndx…xnfxxtxndx x lxr.” “Ele morreu, ou você retirou o HD neural?” Passou a mão na cabeça sentindo o cabelo ralo entre os dedos, todo corpo sorria através da boca. “xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx… pxgxr dx vxltx!!! Enfiou a mão por baixo segurando a parte da        espinha e puxou com força, saiu os olhos e o resto dos componentes, a cabeça murchou se tornando apenas um pano de carne sintética, com rapidez retirou a peça e apertou a garganta retirando o dispositivo falho trocando-o. Voz suave. “Seus olhos estão aqui, mas você não vai pagar, tenho um negócio para nós… xxxxxx… sabe…sabe… unghsuh!!! Quero que pegue daqui a 12hs um suprimento para a loja, terá que usar um dos meus corpos…sabe…vou devolver seu amigo, mas quero esse carregamento, esse seu corpo de viciado é uma bosta, tá usando muito a cabine de autosexo, né? Fiquei sabendo que seu clone se deu bem melhor na vida do que você, não aguentou ficar sem um melhoramento e vendeu a máquina criogênica e ainda por cima liberou seu clone, ele é melhor que você, isso é muito estúpido, não pode culpar ninguém pelo que é…meu melhor cliente é você porque o seu D.N.A replicado quer assim, sabe porque fica vivo? A escória diverte. ”

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As paredes do estreito corredor guardam os corpos vazios, as cascas sem consciência são quase incolores e do mesmo tamanho. “Vai usar um modelo militar. ” Sentou na cadeira e automaticamente o processo de scaneamento em 5 segundos, da testa surgiu um compartimento com o símbolo da Corporação florescente. Começou a brotar ramificações, artérias neurais movendo-se irregular acoplando na outra testa murcha, 080409-001 relaxou os músculos para a transferência de consciência nível 3, veio a luz branca intensa, tudo escureceu, retornou a realidade com as cores saturadas e logo tudo como antes. “é simples, você vai roubar o carregamento de memória que se encontra em alguma lua de Júpiter, vá de teletransporte use uma cabine do setor 17 que ainda funcionam sem defeito, você não quer ser lançado ao sol ou ficar vagando por trinta anos em um limbo qualquer ou ser esmigalhado pelos meteoritos…vi um no neurojornal semana passada, foi achado apenas uma perna…”  “ você fala demais.”

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O corpo militar causou bem estar, movimentos leves e sinapses cerebrais velozes sem nenhuma interferência, a visão restaurada e toda tecnologia orgânica de ultima para fazer o que mais gosta, não pensava em devolver essa casca e pouco se importava com o parceiro que poderia deixar de existir, mas qual o problema? Todos compravam memórias, personalidades moldadas em sonhos artificiais, as pessoas não se importam com a verdade, apenas dormem e acordam mudando de casca, reptilianos tecnorganicos, comprar lembranças e mistura-las com a realidade concreta possui o charme de não se importar, de aceitar o cotidiano com o céu fora do ar, as imagens holográficas borradas e toda violência impessoal dos que vivem sem uma dose de imortalidade ou sem upgrade adequado.

3

Estava deslizando nos corredores estreitos que mal cabe uma pessoa por vez, o azul florescente fazendo a ambientação apenas interrompida em 10 e 10 minutos com o vermelho indicando o alerta do teletransporte. 080409-001 saturado em passar por cada setor e a biometria se fazendo presente, Sexo: _Masculino _Implantes: Prótese retiliana no olho esquerdo, coração e fígado artificial… A monotonia de parecer imóvel solitário num cubículo faziam suas mãos suarem, pensou em Júpiter e no trabalho que a Corporação fez para torna-la habitável, depois que foi criado os supra corpos a humanidade foi saturada com a falsa sensação de quebra de limites, corpo e mente integrados harmoniosamente, a nova estrutura carbônica unida a sinapses positrônicas, cada cidadão uma ferramenta distorcendo o espaço e tempo cada vez mais rápido, as neuropropagandas hiperbolizando feitos milenares e evidenciando a carcaça sintética, a metamorfose idealizada alcançada, o verme imperfeito migrando e super potencializando a individualidade montando a terceira natureza e construindo a quarta que é cerebral binária e sem nenhum tipo de emoções frugal. Mas o lodo registrado nos genes não segue meta ou explicações através de linguagens simplórias, a sociedade apenas requintou tudo aquilo que é, na povoação de planetas o que aconteceu no passado de certa forma se repetiu estruturalmente e pouca coisa mudou de fato, 080409-001 pensa nas colônias em Ganímedes, IO, nas Guerras De Titãs onde foram pulverizadas algumas luas de Júpiter porque alguns colonizadores não habitaram os satélites nos parâmetros corporativos, na construção das megacidades batizadas de Pequenos Júpiteres que são na verdade fábricas de proto-humanos e armas para manter o controle das colônias. Cheiro de vapores industriais, ácidos diversos, bruma de metais em fundição, sons constantes de testes de armas, tudo organizado sem nenhum nano segundo de atraso ou adiantamento.

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Quando chegou na estação de IO duas pessoas o aguardavam, no peito o símbolo da       Corporação se destacando, eram mulheres como ele, duas bonecas humanoides que rapidamente o cercaram, “080409-001, temos pouco tempo para pegarmos essas memórias, nosso cliente está ansioso em ter lembranças harmoniosas. ” Comunicou em sua mente a que parecia uma espécie de líder, era uma mulher sem vestígio de sentimentos só não confundiu com um autômato porque lá no fundo dos olhos tinha a chama da vida, a outra quase idêntica a ela permanecia calada e com um sorriso que parecia que explodiria a qualquer momento. Não sabia o que responder, acenou afirmativamente mesmo sabendo que seu empregador não citou que teria ajuda. “não se preocupe, vamos dividir tudo em 3 partes iguais, vocês acharam que ninguém da Corporação não perceberia o seu interesse em nosso melhor carregamento de memória? Os laboratórios estão cheios de cientistas e máquinas só para construir lembranças… não adianta tentar desconectar de nossa frequência, sou eu que mando nesse quadrante, venha logo! Nos chame de 080000-034 e 080000-079.”

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O automóvel da Corporação decolou em alta velocidade e desceu os tuneis onde se encontra a cidade 33 sem que 080409-001 pudesse ver a vastidão de satélites, o vermelho, amarelo e as brumas incandescentes de Ra Patera. “ Vamos entrar na zona limbo, ativamos a Sala Vibratória.”

4

Aterrissou o carro na plataforma subterrânea e a sua frente uma gigantesca estátua antropomórfica de touro segurando um bebe em posição de sacrifício, na testa o símbolo da Corporação. 080409-001 viu a enorme escultura levantar a criança acima da cabeça e olhar para as visitas disparando um raio que teletransportou-os para dentro de si. A sala branca e esterilizada, ouviu a voz metálica, “Deus é uma palavra-símbolo, que designa todas as personalizações da Deidade. O termo requer uma definição diferente para cada nível pessoal de função da Deidade e deve, ainda, futuramente, ser redefinido dentro de cada um desses níveis, pois esse termo pode ser usado para designar as personalizações diversas, coordenadas e subordinadas, da Deidade, como por exemplo: os Filhos Criadores do Paraíso: os pais dos universos locais”. Logo as paredes começaram a tremer e o espaço a aumentar formando fauna e flora natural, cheiro de ambiente primitivo, 080409-001 ouviu sons de seres que só reconheceu por causa do banco de dados em seu hd neural, havia um sol sadio se pondo, céu azulado e nuvens roxas de fim de tarde, do chão um monólito de 30 metros brotando e rasgando o solo refletindo no centro o símbolo da Corporação. A voz continuava, “A realidade eterna do Absoluto da Deidade tem muitas características que não podem ser inteiramente explicadas à mente tempo-espacialmente finita, mas a factualização de Deus, o Absoluto, existiria em consequência da unificação da segunda Trindade experiencial, a Trindade Absoluta. Isso constituiria a realização experiencial da divindade absoluta, na unificação de significados absolutos, em níveis absolutos; mas não estamos seguros no que diz respeito à abrangência de todos os valores absolutos, pois não fomos, em tempo algum, informados de que o Absoluto qualificado seja equivalente ao Infinito. Destinos supra-últimos estão envolvidos nos significados absolutos e em uma espiritualidade infinita e, sem que essas duas realidades sejam alcançadas, não podemos estabelecer valores absolutos.”  Um raio foi disparado 080000-034 perdeu a cabeça, explodiu igual a uma bola de soprar, massa vermelha e ligações neurais pra todo lado, o corpo sintético ficou estático, não foi derramado nenhum fluido porque as travas de biossegurança estancaram as artérias. “Não se preocupe 080000-034 tem o hd neural numa unidade remota daqui a 4 horas ela estará em atividade.” Respondeu sorridente 080000-079 mas não por muito tempo, outro raio arrancou seu braço direito, só não perdeu a cabeça porque percebeu o disparo a tempo e pulou, o monólito agora parecia maior e mais tétrico, outro raio na direção de 080409-001 que facilmente esquivou. Logo o vazio do silêncio e o medo da morte invadindo órgãos e circuitos, 080000-079 correu na direção oposta do monólito, agora estava só com um corpo estático ao seu lado. “A realidade está sujeita à expansão universal, a personalidade à diversificação infinita; e ambas são capazes de uma coordenação quase ilimitada com a Deidade e de uma estabilização eterna. Se bem que o campo metamórfico da realidade não pessoal seja definitivamente limitado, não conhecemos limitações para a evolução progressiva das realidades da personalidade. ” Depois de ouvir a voz começou a perder controle do corpo, sentiu um enorme peso na cabeça e começou a levitar como se alguém o suspendesse por ela e quanto mais subia sentia que estava se tornando parte do monólito, da testa o símbolo da Corporação se fez presente e emitiu uma onda que foi em direção da estrutura quadriculada ativando outro símbolo que se chocaram, nesse momento o ambiente bucólico se transformou novamente e o sol foi parcialmente coberto pela lua, era um eclipse rápido como numa máquina de simulação da realidade. 080409-001 foi assimilado pelo monólito e começou a gritar de dor, seu corpo foi amassado e esticado para todas as direções até que se recompôs caindo de joelho num corredor estreito e aparentemente infinito, por mais que corresse parecia não sair do lugar até que se acalmou e descobriu que nas paredes havia gavetas e nelas numerações de pós-humanos, tocou em uma e viu corpos transparentes exibindo o esplendor de uma anatomia primitiva, porém superior.

*****

 “Esses seres que geram 70% de nossa realidade.” 080409-001 compreendeu que a voz dizia e puxou sua X Buster que é um vulcão portátil de plasma e apertou o gatilho com a arma em direção as lápides poligonais, disparou três vezes para conseguir o resultado esperado. Os Hds neurais eram bem maiores e mais pesados e não estavam acoplados aos corpos, percebeu uma rede que levava ao hd central. 080409-001 ativou o dispositivo para se conectar com a rede, mais uma vez o símbolo da Corporação presente e a ventosa neural buscando o cadeado para a exploração sinestésica na realidade binária. O encaixe e luz branca. Estava flutuando e quase se tornando o nada, mas apareceu centenas de milhares de espirais multicoloridos cada um representando universos de memórias ligadas por um vórtice um pouco maior de cor não perceptiva aos padrões normais de consciência. Tocou os minúsculos buracos negros um de cada vez roubando pedaços de lembranças, as melhores vitórias pessoais, os pequenos triunfos cotidianos, os amores, os prazeres e pequenas dores existenciais… Toda uma humanidade que ele até então desconhecia, tantos sentimentos, respostas e dúvidas algo que no fundo sabe ter dentro de si mas ignora. Nadou para fora do aquário cibernético, a luz se apagou e retornou a realidade da Zona Limbo vendo as cores saturadas e o hd neural quase sem espaço, pensou se havia como derrubar o monólito, observou a feminina escultura sem cabeça que estava estranhamente oxidada. Ativou o hd neural reserva para isolar as memórias colhidas e pensar melhor sem tanta sinapse caótica, precisava localizar o carro e cair fora antes de ser pulverizado.

*****

Encontrou o veículo também estranhamente oxidado, mas todos os comandos operacionais em ordem. Pilotou o carro fazendo-o deslizar sobre a paisagem vendo o monólito se tornando cada vez menor e ativou a Sala Vibratória para voltar a dimensão que vive deixando pra traz a estranha escultura. Saiu de IO e foi direto para a loja. “vejo que conseguiu as memórias, agora você percebe que a ultra realidade é uma invenção obsoleta?” “ já sabia, mas ainda era bem melhor que esse mundo em que vivemos.” “não diga isso 08040-001, nossa realidade é pobre mas pelo menos podemos pegá-la e na dimensão que pretende morar as coisas são apenas restos de sonhos delirantes, me passa essas memórias e… Antes de completar a frase recebeu uma descarga de X Buster no estômago fazendo um enorme buraco, dava para ver do outro lado,  a mesa onde estavam braços e restos de diversos pós humanos recondicionados, “ você me deve filho da puta, acha mesmo que seria tão rápido assim?” O corpo tombou no chão e aos poucos o sangue artificial foi mudando a cor da sala. 08040-001 sabia que não tinha tempo e com certeza o vendedor tinha outro hd neural e corpo reserva e não seria perdoado, começou a atirar desintegrando muitas peças que poderiam ser úteis num futuro próximo, roubou a máquina criogênica, um pequeno útero com dispositivo keyboard holográfico, poderia voltar a vida antiga de regalias escravocratas.

5

Chegando em casa fez três clones que demoram nove horas para estarem maturados e a diferença entre eles é bem visível, defeituosos e com patrão cerebral individual, não se preocupou e achou interessante a possibilidade de interagir com clones que poderiam ser bem divergentes da matriz original.

*****

Os três clones em menos de doze horas provocaram um motim, não queriam fazer ou faziam tudo que o chefe ordenava ao contrário e prevendo serem desintegrados esperaram 08040-001 estar distraído e o dominaram com uma carga do desfibrilador craneano que sem o catalisador neural a dor é paralisante como uma bomba de nêutrons explodindo no cérebro. “Quero usar esse corpo, ele é… “imbercil somos de carne primitiva e não temos conectores para migrar!” “mas… ma… Levou um chute na barriga, “para que você está vivo mesmo?” “ unhgisu, huoius, só quero…” “…tomar o lugar do miserável, mas não percebe que não temos pra onde ir nem o que fazer, somos uma existência descartável, sem nossa função primária não…” “…há sentido? Você quer derreter nesse lugar, só topou porque sentiu tédio, não tem acesso a toda tecnologia da casa.” Falou o terceiro clone que tinha acabado de entrar. “não se aguentou e foi para cabine de autosexo, não é a mesma coisa para nós… como é que pode nos castrarem e mesmo assim o desejo continua, continua!!! “ você fala demais, sua paranoia vai nos atrapalhar, vamos simplesmente mata-lo e curtir seis meses de existência num planeta qualquer, compramos identidades e supra corpos.” “ como não pens…” antes de completar a frase foi empurrado para o chão e pisado na cabeça. “vão fazer o que quero.” Os outros foram pra cima do clone dominador. “ você não é o chefe.” 08040-001 disparou uma rajada de XBuster que desintegrou os três clones, bruma e cheiro de carne clonada frita impregnou a casa, não conseguia ver nada a sua volta e em imediato ouviu a voz de um drone policial que rasgou seu cérebro, mas ficou tranquilo, a polícia estava atrás do vizinho que tentando escapar e foi incinerado com o raio da morte de versão obsoleta que apenas carboniza o alvo, provavelmente usou uma peça roubada ou não pagou a comida.

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08040-001 estava se deliciando com uma das memórias roubadas quando decidiu ir para as Ilhas Flutuantes onde não existem leis e todo tipo de comercio é permitido existindo uma população de seres enjeitados e comerciantes que por atender gostos peculiares vão aos céus e vendem seus produtos sem problemas éticos, pensou em vender a máquina criogênica e algumas memórias, foi até o carro e saiu deslizando pelo céu observando que  de cima não existe decadência, apenas halo de formas organizadas e que o colapso parece inevitável. As Ilhas Flutuantes eram centenas de cidades antigas que foram recondicionadas e desprendidas do solo por um grupo de famílias ricas que não queriam obedecer as regras da Corporação mas que pagam tributos altíssimos para que se tenha a liberdade vigiada, é o único lugar que não existem Drones policiais cumpridores da lei e as câmeras de vigilância não ficam ligadas 24hs e tem um feriado que uma vez por ano não se liga nenhum dispositivo externo aos supra corpos. A primeira ilha começava a crescer perante seus olhos, centenas de prédios com janelinhas imitando o estilo do século XXI e embaixo humanoides vendendo todo tipo de pequenos equipamentos, quando saiu do carro observou um grupo de monges que resolveram assimilarem-se formando um tipo de escultura, espécie de arvore dhármica recitando mantras, “o que é apego? Há quatro tipos de apego, o apego aos prazeres sensuais, apego a uma mesma opinião, a regras e ritos, apego a ideia do “eu”… quando eles terminavam quase em uníssono repetiam, viu que estavam vendendo capsulas metamórficas que há 300 anos foram proibidas pela corporação que censurava qualquer integração humana a qualquer tipo de vida extraterrena ou com a biodiversidade da terra, e hoje o que se encontra na terra é apenas simulacro de formas que foram perdidas no tempo. “vendo essa capsula mutagênica de híbridos das galáxias do setor 70 que mescla vidas simbiose com vidas etéreas e biológicas que já foram encontradas em nosso sistema.” “ o que precisamos é voltarmos aos cultos experimentais… onde poderíamos retalhar a carne e não simplesmente construir algo além nossas necessidades…eles nos vendem sonhos, nos vendem nosso próprio corpo…padronizam nossas experiências controlando nosso cérebro, nos tornamos objetos que compram mais objetos, negamos a liberdade? Não negamos o que não existe…” O pregador era um cubo emanando ondas cerebrais que interrompem a neuropropaganda. 08040-001 sentiu-se seguro e foi direto a uma loja segurando a máquina criogênica subindo um túnel de serviço que é incolor percebendo que a altura que estava o holograma que simula o dia e a noite no planeta perde quase todo seu efeito borrando o céu como espectro de uma filmagem vulgar. As dimensões da loja são desproporcionais ao que é vendido, luxo arcaico contrastando com proto humanos modificados a moda antiga, repteis de planetas extintos e que se reproduzem no cativeiro semi iluminado, autônomos de políticos de 100 anos atrás e que servem apenas para fingir opulência, máquinas criogênicas obsoletas que chamam atenção apenas de colecionadores, algumas armas de projeteis materiais, pequenos módulos a energia nuclear… espalhados para não parecer que há essa diversidade de escolhas. O vendedor estava atrás da cabine e acionou o autônomo, “senhor o que deseja?” “ quero vender essa máquina criogênica e memórias especiais extraídas da dimensão vibratória.” “ veio ao local certo senhor, mas essas transações só podem ocorrer pessoalmente com o vendedor… aguarde 5 minutos senhor.

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O vendedor saiu da cabine de segurança, era um homem de carne, “vocês lá de baixo perderam todo prazer da vida, acham que os supra corpos te dão alguma vantagem… estão anestesiados por causas e objetos que nem entendem, as memórias clonadas e padronizadas empesteiam o universo e o que vocês conseguem com isso? Apenas diversão. ”  “O que você sugere?” “ Nada, absolutamente nada além de objetos para compra ou troca, e sei que você tem as memórias que necessitamos por aqui, algo que a neuropropaganda classifica como Crime do Pensamento e eu chamo de Crime de Pensar Por Si Mesmo” “ você acredita nessa porcaria toda de mudar a ordem ou é apenas um vendedor com sentimento de culpa?” “apenas vendo, isso vai além da ordem, as memórias controlam nossos desejos, elas nos mergulham em sonhos e prazeres que por mais virtuais e impossíveis que pareçam nos dão algo de humano” “não precisamos de humanidade, olhe o que é isso aqui, negar isso é um paradoxo”  “ quem está negando? quem usa supra corpos e ultra realidade se nega o tempo todo, a Corporação sabe disso e fabrica um monte de 08040-001… a cada dia você deixa uma particularidade sumir, todos os componentes que usa para upgrade pode ser comprado por qualquer um, não existe individualidade apenas um preço a pagar, não percebe?” “ não quer vender?” “ obvio, mas se não é você agora será outros e outros trazendo algo que acham especial.” “essa memória é da Zona Vibratória, percebo sua tentativa de barganha, vendedores e sua mania de tentar barganhar.” “ não há barganha, suas memórias já foram compradas a mais de 500 anos, elas são um doce fino na boca da escória, sabe quem é você?” “estou pensando se desintegro você, pessoas que falam demais são preguiçosas e sem coragem que acham que podem manipular os outros para fazer o que querem.” “você tem mais 5 minutos de vida, seu hd neural é descartável, tanto poder na mão de um clone “ que bosta está falando?” “ você está preste a derreter, seu dono trocou de lugar com você para que esse roubo acontecesse, a Zona Vibratória só possui um defeito, não detecta clones como ameaça porque normalmente são apenas servos com vontade controlada pela Corporação, mas não fique triste, você é o primeiro da sua espécie a ter êxito e conhecer um funcionário de alta patente, observe.” Apertou o botão que fez aparecer a imagem de um  08040-001 um pouco diferente e dizendo, “ posso te chamar de irmão ou algo mais importante, não é muito legal acabar consigo mesmo, considero assim, sou irmão de mim mesmo e nessa era que vivemos pude materializar isso, você é melhor que eu, não pensa muito… o agir é algo que pude aperfeiçoar em você, obrigado por trazer as memórias, elas serão vendidas a muitas pessoas que não compreendem o que é viver, e você sabe disso, ama a vida e para isso não pode perder tempo, anime-se você não terá fim, é um sonho também e futuramente será compartilhado até um infinito incompreensível, aproveite os últimos momentos para uma última felicidade, comtemple.” A imagem desapareceu e o vendedor segurou seu ombro, “ me acompanhe, tem um lugar para descansar. ” Chegou num terraço que dava para ver o céu esfacelado pela poluição, cinzento como tudo que está dentro de si, sentiu conforto, “ deite-se aqui, não é lindo?” Começou a derreter tomado pela tranquilidade.

Texto de Jean Souza.

Arte de Walmir Knop Júnior.

Experimentação do Caos Cósmico (demo-tape para download)

Posted in download, Música with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on novembro 17, 2018 by canibuk

Não sou músico, o que não me impede de retirar alguns dos ruídos que dançam na minha cabeça para compartilhar com você. Não sou músico, o que não me impede de parir um terceiro disco inspirado no meu guru musical, Gurcius Gewdner, que afirma: “Não saber tocar nenhum instrumento não é desculpa para não fazer!”.

Essa experimentação do caos cósmico também bebe da liberdade com que Jesus Franco fazia músicas, com seu free jazz realmente livre. O minimalismo das melodias de John Carpenter também me incentivaram na busca dos ruídos cósmicos do theremin e da sujeira do sintetizador.

Gravei essa demo-tape sem pretensão nenhuma. São testes iniciais de uma mente barulhenta que está usando estes instrumentos a 24 horas e, naquela hiper-atividade dos sem-noção, quis registrar as primeiras sonoridades arrancadas  dos desarranjos hiper nucleares espaciais.

Ouça no escuro, usando fones de ouvido, no volume máximo.

DOWNLOAD

BAIESTORF – EXPERIMENTAÇÃO DO CAOS CÓSMICO (Demo-tape)

Músicas:

1- Experiência da Desconstrução Cósmica – Você assistiu o filme Dark Star? Lembra do surfista espacial que desliza rumo ao cosmos infinito sobre os escombros da espaçonave? Pois bem, este som fala de uma canção cósmica que este surfista estelar ouve no infinito, só que aqui a imaginei com as notas batidas de forma invertida no vácuo do espaço gelado.

2- Experiência Espacial Plano 2 – Tentei compartilhar a melodia que ouço quando cavalgo a baleia espacial, seguida de corais de golfinhos, nos mais tenros rincões interestelares do passado imemorial.

3- Experiência Carvão Termo-Nuclear – Ontem teve um momento em que parei dentro de um milésimo. Sentei no milésimo e quis ficar olhando as notas do silêncio barulhento. O treco é que o chão do milésimo ondula, hora pra dentro, hora pra fora. Este ondular é mais intenso pra fora, diminuindo ao re-entrar. Musiquei este milésimo aqui.

4- Experiência Espacial Plano 4 – Às vezes o espaço-tempo tem coordenadas tão relativas restritas que o fundo do espaço faz uma dobra que dá nas fossas abissais do oceano terrestre onde vivem as sereias. Nesta faixa fiz uma reflexão na linguagem delas, que é um dialeto do baleionês.

5- Experiência Caótica do Plasma EspectralO free jazz que o Jesus Franco compôs para o seu filme Vampyros Lesbos serviu de inspiração para a composição dessa canção. Digamos assim que é uma volta aos prazeres profanos terrestres. Existe duas falhas nessa canção que não são falhas.

Baiestorf Experimentação do Caos Cósmico

Novembro de 2018

57 minutos.

Capa: Tsuneo Sanda (1991).

Theremin e Sintetizador: Petter Baiestorf.

Todas as desconstruções decompostas por Petter Baiestorf.

 

Você também pode gostar dos discos abaixo (ou não):

U – “Involução no Terceiro Planeta”

Baiestorf – “Abdução”

Baiestorf – “Stupid Stupid”

Baiestorf – “Zero”

Baiestorf – “Criaturas da Lua”

Carniça & Lama: Uma Entrevista com Rodrigo Ramos

Posted in Entrevista, Quadrinhos, revistas independentes brasileiras with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on novembro 1, 2018 by canibuk

Rodrigo Ramos é designer, especializado em Marketing Farmacêutico. Em 2016 lançou, seu primeiro livro, Medo de Palhaço, pela Generale, junto de outros membros do Boca do Inferno, o maior portal da América Latina sobre o gênero fantástico, onde atuou como responsável pela sessão de quadrinhos entre 2010 e 2017.

Em 2017 estreou na ficção com o conto Penitência para a antologia Narrativas do Medo, pela editora Autografias, e participou da antologia digital Assombrada BR com o conto Coulromania. No mesmo ano, roteirizou Carniça, sua primeira HQ, produzida ao lado do artista Marcel Bartholo. Em 2018 publicou o conto Clarice no segundo volume da antologia Narrativas do Medo, publicado pela Copa Books.

Atualmente atua como crítico e articulista para os sites 101 Horror Movies e Terra Zero, e prepara sua segunda HQ, Lama, ao lado de Marcel Bartholo.

Fonte: Guia dos Quadrinhos.
Segue uma entrevista que realizei com Rodrigo sobre seus lançamentos, projetos e rumos futuros do mercado independente brasileiro.

Petter Baiestorf: Como foi a recepção ao Carniça? Onde comprá-lo?

Rodrigo Ramos: Por ser meu primeiro trabalho como roteirista de histórias em quadrinhos, fiquei realmente satisfeito com a recepção. Todas as críticas que recebemos foram, em sua grande maioria, bastante positivas. Alguns pontos de melhoria foram apontados aqui e ali e concordamos com todos eles. Quando você trabalha tanto tempo como crítico de quadrinhos e parte para produzir o seu, você tem que estar preparado para os comentários que vão fazer sobre sua obra. Felizmente os comentários foram ótimos! Principalmente aqueles que entendem a obra de uma maneira totalmente diferente daquela que você imaginou. É muito legal ver o seu trabalho ganhando vida própria através da interpretação dos leitores. Quem quiser adquirir a sua cópia autografada pelo correio, pode entrar em contato através da nossa página no Facebook (@CarnicaHQ), ou fisicamente nas lojas Monstra, Ugra, CoffinFangStore e Quinta Capa.

Baiestorf: Lama é seu segundo trabalho com quadrinhos, novamente em parceria com Marcel. Como está sendo essa parceria?

Rodrigo Ramos: O Marcel é um monstro. O cara desenha como poucos e numa velocidade absurda. Quem o acompanha pelo Facebook sabe. Toda hora ele está fazendo um projeto novo, sem parar! Além disso rolou uma sintonia muito boa. Nossas mentes pensam de maneira criativa muito parecida e isso é ótimo quando você está trabalhando num projeto em dupla. Quase todas as ideias que temos são aceitas, um pelo outro, de imediato. São poucas as coisas que conversamos para ajeitar e chegar a um consenso. Eu não poderia ter parceiro melhor.

Baiestorf: Como está a distribuição destes trabalhos? Como acompanhar?

Rodrigo Ramos: Basicamente estamos fazendo o circuito independente de feiras e eventos de quadrinhos. Temos alguns exemplares em uma ou outra loja parceira, mas basicamente estamos fazendo a maior parte da venda e distribuição do nosso trabalho. Com esta recente crise no mercado editorial, tive algumas experiências que não se deram da melhor maneira, então abraçamos de vez o mercado independente. E estamos satisfeitos. Das 500 edições impressas de Carniça, já vendemos quase tudo, talvez se esgotando na ComicCon no final do ano. Mas pra quem quer acompanhar o nosso trabalho, é só nos seguir nas redes sociais. Sempre postamos novidades quanto aos nossos projetos e vamos dizendo onde estaremos nos próximos eventos para a galera aparecer, trocar uma ideia e conhecer nossos quadrinhos.

Capa de Lama

Baiestorf: O rompimento da barragem em Mariana foi a inspiração para Lama? Fale sobre o que te levou a escrever Lama, que é um assunto extremamente relevante.

Rodrigo Ramos: A ideia inicial de lama surgiu como um conto sobre um agricultor que encontra um monstro na sua horta. Sempre fui fã de croatiras como o Gill-man ou Monstro do Pântano, inclusive você me deu várias recomendações no Facebook sobre filmes do gênero, e queria escrever uma história com uma criatura destas, mas totalmente nacional. Durante minhas pesquisas, encontrei as lendas sobre o ipupiara, e era exatamente o que eu procurava. Bolando o background do conto, o desastre de Mariana era o cenário perfeito, já que estes monstros na ficção geralmente aparecem devido a algum desequilíbrio ambiental. Mas aí a história já estava grande demais pra continuar como um conto e apresentei a ideia pro Marcel. O cenário aqui não é exatamente Mariana, apesar das referências serem claras, mas também trouxe um pouco do cenário polarizado da nossa política pra história. Tem muita coisa da insatisfação com o que está acontecendo pelo país há algum tempo, mas ao invés de eleger um maluco, prefiro transformar essa insatisfação em arte. Mas não é um material panfletário. As ideias ficam no subtexto, nas entrelinhas, assim como os zumbis de Romero, apesar de eu não merecer a comparação. Carniça é uma releitura de Edgar Allan Poe passada no Brasil com uma forte pegada de Body-Horror e folclore, Lama é um conto lovecraftiano sobre forças da natureza ancestrais que habitam os rios brasileiros. São histórias de horror passadas no Brasil e isso reflete nosso contexto histórico como toda história já produzida pela humanidade.

Página de divulgação de Lama

Baiestorf: Você tem escrito alguns contos também, como nas antologias Narrativas do Medo Vol. 1 e 2. E também escreve sobre cinema. Literatura, quadrinhos e cinema, o que te atraí nessas artes?

Rodrigo Ramos: Eu cresci no interior de São Paulo cercado de causos que meus avós e meus tios contavam. Sempre que o verão chegava, ficávamos na varanda da casa da minha avó até tarde contando e ouvindo histórias do passado. E nessas histórias não faltavam fantasmas, lobisomens, demônios, saci, mula-sem-cabeça e toda a sorte de criaturas infernais folclóricas. Foi ali que comecei a tomar gosto por histórias de terror. Então descobri o cinema de horror e encontrei uma espécie de extensão daqueles contos que minha família contava, passei pra literatura e só depois de algum tempo, quando descobri o Monstro do Pântano do Alan Moore, pros quadrinhos. E como todo mundo que gosta muito de alguma coisa, queremos falar sobre isso o tempo todo, foi assim que acabei escrevendo artigos e críticas sobre obras do gênero, até surgir a oportunidade de produzir minha própria ficção. O horror possui muito do espírito contestador e do faça você mesmo do punk rock, e isso sempre me fascinou. Acho que o horror é muito passional, quem gosta de histórias de terror é um viciado. Talvez pela adrenalina, talvez pelo gostinho que o gênero nos dá de um mundo fantástico, sobrenatural, muito diferente desse mundo chato e perigoso em que vivemos.

Baiestorf: No site 101 Horror Movies você tem publicado alguns textos mais politizados, como um sobre a censura no gênero horror. Como tem sido a repercussão? Dá medo os rumos que nosso país tem tomado, muito em virtude de sua falta de memória coletiva, ignorância de sua história recente?

Rodrigo Ramos: O 101 Horror Movies é uma das minhas maiores alegrias dentro do gênero do horror. Desde que entrei pra equipe do site no começo do ano, sempre conversamos bastante sobre as coisas que acontecem ao nosso redor. Sobre como o mundo tá se tornando cada vez mais esquisito e como essa sensação tem gerado filmes incríveis. Nossa posição política é muito alinhada e isso sempre transparece em nossas críticas. Mas de uns tempos pra cá, quase sempre aparece alguém pra falar “nada a ver misturar política com isso ou aquilo” e isso está bem longe da verdade. O horror é talvez ao lado da ficção científica, o gênero mais político de todos. Por isso ele é tão perseguido e menosprezado. O horror tá aí desde sempre questionando o status quo, a igreja, a violência e o sistema. Romero, Carpenter, Craven… Todos eles sempre falaram muito de política em suas obras e ver uma galera nova que não entende ou não enxerga essa proximidade, reduzindo o valor do gênero a jumpscares e efeitos especiais gráficos é algo que não poderia deixar passar em branco. Daí surgiu uma trilogia de textos sobre horror e política, que, felizmente teve uma ótima repercussão. Sempre tem o maluco do meme e da hashtag que não sabe debater que vem, posta uma bobagem e some, mas no geral nossos leitores gostaram bastante e até agradecem por nos posicionarmos e nos juntarmos à luta. Algumas pessoas do meio que respeito muito também curtiram e compartilharam os textos e essas coisas deram um gás pra suportar o peso dessa eleição por saber que estamos do lado certo. O futuro do país é incerto e bastante perigoso se lermos todos os sinais e seu contexto, pelo menos nós que não somos adeptos do revisionismo histórico, do negacionismo ou das correntes de Whatsapp, mas o horror vai estar sempre aí para criticar e apontar o dedo na cara da sociedade. E a internet e os meios de auto publicação só vieram para reforçar este aspecto punk rock do horror. Se for censurado na sua editora, publique online, jogue seu curta no Youtube, mas faça sua voz ser ouvida. Não deixem suas ideias morrerem na gaveta por medo de um governo totalitário e religioso. Precisaremos do horror como nunca, daqui pra frente.

Página de divulgação de Lama

Baiestorf: Como é escrever num país que não lê?

Rodrigo Ramos: Pior do que escrever num país que não lê, é escrever no país do jeitinho. Escrever é algo que todo mundo sabe onde vai dar. Acho difícil alguém, hoje em dia, que comece nesse meio para ficar rico ou se tornar uma celebridade. As chances beiram ao zero. Mas mesmo quando você encontra alguém que aposta no seu trabalho e faz com que suas obras cheguem ao mercado, sempre vai ter alguém que vai querer ler de graça, vai pedir link pra download, vai piratear seu trabalho… Sem falar nas livrarias que estão postergando pagamentos às editoras que postergam os pagamentos dos escritores… No fundo eu acho que as pessoas estão lendo bastante hoje em dia, ainda que menos do que gostaríamos, mas tem muita coisa sendo publicada por aqui que eu nunca imaginei que veria em uma livraria. O problema é que o horror é um nicho, e o horror independente mais nicho ainda. A dificuldade é chegar nas massas e cativar um público maior.

Página de divulgação de Lama

Baiestorf: Gostaria de saber se você tem se mantido positivo em relação ao futuro do Brasil?

Rodrigo Ramos: Eu sou um pessimista por natureza. Pelo menos não acredito nessa realização apoteótica que todo mundo espera que surja na figura de um “messias” para salvar o Brasil de “tudo isso que tá aí”. Infelizmente o sistema vigente não permite que você resolva o problema de todo mundo, não sem ferir os interesses de uns de ou outros. Ou você atende a maioria, ou a minoria. Não há consenso. E se não há consenso, não há solução. Eu sempre vou estar do lado da maioria, mas enquanto a minoria estiver no comando, vai ser difícil ter alguma vitória sem antes derrubar o sistema. Como vamos fazer isso? Não faço ideia. Mas faço histórias onde tento revelar essas figuras abjetas para o maior número de pessoas possível.

Baiestorf: A arte como forma de resistência?

Rodrigo Ramos: A arte é a última trincheira na resistência contra o sistema. As pessoas não respeitam mais o professor, a religião segue interesses escusos… Então resta à arte o papel de abrir os olhos da população. Por isso a onda conservadora insiste em atacar e diminuir o que eles não consideram arte. Se você produz algo que as pessoas apreciam e colocar alguma mensagem nisso, essas pessoas vão receber essa mensagem. Se elas te respeitam como artista, talvez respeitem o que você diz, já que nem os livros de história e ciência respeitam mais.

Carniça

Baiestorf: Livros, quadrinhos e filmes que você indica para os jovens que gostariam de saber mais sobre nossa história?

Rodrigo Ramos: Por mais absurdo que isso seja, hoje em dia eu acho que a ficção pode surtir um efeito muito mais impactante na galera do que os livros de história, já que tem quem não acredite mais neles. Então de cara vou indicar um dos meus livros preferidos de todos os tempos, 1984 de George Orwell, bem como A Revolução dos Bichos, do mesmo autor; Farenheit 451 do Ray Bradbury; Nos quadrinhos Maus do Art Spiegleman; Ditadura No Ar, de Raphael Fernandes e Rafael Vasconcelos; V de Vingança, de Alan Moore e David Loyd; Teocrasília do Denis Mello; Deus Ama, O Homem Mata de Chris Claremont e Brent Anderson, Surfista Prateado – Parábola, de Stan Lee e Moebius; na TV e cinema, Além da Imaginação, a série clássica, Star Wars, Matrix, O Senhor dos Anéis… Todas essas obras de ficção possuem raízes fortíssimas na nossa história recente e servem de alerta para não repetirmos os mesmos erros.

Carniça

Baiestorf: Obrigado Rodrigo, suas considerações finais:

Rodrigo Ramos: Muito obrigado pelo espaço, espero mesmo que não tenha ficado parecendo um comício, mas eu realmente acredito que toda oportunidade que temos para falar algo sobre aquilo em que acreditamos, temos que aproveitar. Se você não pode falar em público as coisas em que acredita, ou tem algo muito errado com o entorno, ou com o que você acredita. Sigam a gente nas redes sociais onde estamos postando todo o processo de produção de Lama, que aliás fica pronta em breve e será lançado oficialmente na CCXP 2018. Passem lá na mesa G37 no Artist’sAlley para gente bater um papo! Vai ser um prazer.

CineBarca Trash em Xanxerê

Posted in Arte e Cultura, Cinema, Entrevista, Vídeo Independente with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on setembro 4, 2018 by canibuk

Nessa quinta-feira, dia 06 de setembro, estarei na cidade de Xanxerê, no Oeste de Santa Catarina, exibindo alguns de meus filmes no SOS Bar, em sessão organizada pelo fantástico coletivo ABarca.

No mês que a Canibal Filmes completa seus 27 anos de resistência underground no cinema brasileiro, nada melhor do que uma sessão realizada aqui no Oeste, local onde tudo começou em 1991. Na sessão que programamos com ABarca vamos exibir filmes de todas as épocas da Canibal (2000 Anos Para Isso? é de 1996, enquanto Ándale! é de 2017), junto de filmes escritos e dirigidos por outros integrantes de nosso grupo, como O Último Dia no Inferno (2017), de E.B. Toniolli, Até Que… E Deu Merda (2017), de Carli Bortolanza, e, A Noiva do Turvo (2018), de Loures Jahnke. Após a sessão deverá rolar um debate comigo, acompanhado de Loures Jahnke e os atores Elio Copini e PC.

Resolvi fazer uma divulgação diferente deste evento que exibirá meus filmes em Xanxerê, ao invés de ser entrevistado por eles para a divulgação, resolvi entrevistar a Eloisa Almeida, que faz parte do coletivo ABarca, e divulgar este projeto lindo que está rolando na cidade de Xanxerê desde 2016 e que acho que todos deveriam apoiar/prestigiar!

Petter Baiestorf: O que é o coletivo ABarca? Seus objetivos e quem faz parte?

Eloisa Almeida: Fundado em julho de 2016, o Coletivo Cultural Abarca foi instituído com o intuito de desenvolver projetos e atividades culturais na cidade de Xanxerê e região. O coletivo surgiu com o interesse de um grupo de amigos em aprender e produzir arte, com um viés social, e movimentar o cenário cultural na cidade. Tem como principal objetivo fomentar a cultura, e que ela seja acessível. Os eventos, ações, oficinas e atividades promovidas pelo coletivo são realizadas em espaços independentes e também com o intuito torná-los públicos, considerando que todo espaço é cultural. Hoje o coletivo conta com 16 membros e está aberto a quem tiver interesse e disponibilidade para participar das ações culturais, e aberto para novas experiências, participando de intervenções artísticas, desde apresentações de teatro, leitura dramática, cinema, poesia e outras formas de arte que estiverem ao alcance do nosso olhar.

Baiestorf: Conte sobre o projeto CineBarca Trash.

Eloisa: O CineBarca é um projeto do coletivo desde 2017, onde tem o objetivo de apresentar exibições cinematográficas em espaços públicos, procuramos valorizar a cena independente e trabalhos autorais da região para que também possam alcançar um maior público. O primeiro CineBarca teve como tema o Cinema Brasileiro em VHS, o qual foi realizado na Casa da Cultura Maria Rosa, em Xanxerê.

Neste ano, dando continuidade ao projeto com o tema Trash, o coletivo organizou quatro exibições, onde o SOS Bar nos abre as portas para o evento. O bar foi escolhido para o evento, justamente pela identificação do espaço com o tema, sendo considerado um ambiente underground que, além disso, se encaixa com o perfil do coletivo. No mês de agosto foram exibidos os filmes, todas as quintas-feiras a partir do dia 16, com seqüência de “Fome Animal” (Braindead), Evil Dead 1 e 2, e From Beyond. Os filmes foram escolhidos a partir do conhecimento que temos sobre o tema, considerando que se tivéssemos um conhecimento maior sobre esse tipo de trabalho regional, o intuito seria propor essas exibições locais. Para concluir as exibições do tema Trash, acontecerá no dia 06/09 um evento com a participação especial do cineasta Petter Baiestorf, o qual estará exibindo seus trabalhos e dando abertura a uma roda de conversa sobre o tema. O vídeo de abertura do projeto foi produzido pelos amigos do coletivo de forma independente, Murilo Salini e Jéssica Antunes.

Pretendemos dar continuidade ao CineBarca com outros temas seguintes, já estamos nos organizando para o próximo tema de “Futuro Distópico”, seguindo com a ideia de quatro exibições e na última, um evento especial, com a participação do nosso amigo Luis Kohl, apresentando seu trabalho musical autoral Antronic. Logo as datas serão divulgadas.

Em relação ao público, está sendo muito gratificante! Conseguimos atingir um público maior do que o esperado para o evento, e percebe que o nosso intuito em apresentar algo novo e despertar a curiosidade tem sido construtivo. Estamos com grandes expectativas para o dia 06/09, inclusive percebemos a ansiedade do público para este momento também.

Baiestorf: Como é o espaço para a cultura independente em Xanxerê?

Eloisa: Não temos um cenário muito bom para a cultura independente em Xanxerê, quando é pensado em formar um grupo cultural vemos que geralmente é procurado patrocínios ou apoio público. Talvez o interesse na cultura independente tenha relação além disso, com o interesse em não vincular diretamente essas instituições. Vê-se também que o público procura grupos prontos para participar ativamente, ao invés de formar um novo grupo.

Baiestorf: Acho extremamente interessante o intercâmbio cultural entre artista da região Oeste. Vocês tem planos de levar à Xanxerê mais cineastas aqui da região?

Eloisa: Temos um grande interesse em dar continuidade ao projeto, trazendo outros cineastas, porém há dificuldades em entrar em contato com essas pessoas, até pela questão financeira, considerando que somos um coletivo independente, para manter nossos projetos temos um caixa para contribuição dos membros e doações, e nem sempre temos um retorno positivo. Mas acreditamos que possa ser questão de organização e fazer acontecer.

Baiestorf: Num âmbito da cultura oficial/institucionalizada, como é o apoio da sociedade de Xanxerê? Minha pergunta é fazendo distinção entre cultura oficial e independente de modo proposital mesmo, visto o descaso com que a cultura é tratada no Brasil.

Eloisa: Vê-se que não apenas em Xanxerê, mas no Brasil, que a cultura institucionalizada recebe um menor apoio, comparando com a cultura oficial, a qual podemos chamar de popular. Mas acreditamos que a questão de ser uma cultura institucionalizada/independente já carrega esse interesse de não se tornar popular, de atingir as minorias e se manter no espaço underground. No caso do nosso coletivo, levamos em consideração isso também, o fato de não nos vincular à outras instituições as quais teriam interesses capitais através da arte, e o nosso interesse é realmente em propor a arte de uma forma livre e independente. Além disto, a sociedade conhece culturalmente daquilo que se tem acesso, e na maioria das vezes comercializado, pois é dessa forma que essas informações chegam a ela, através da grande massa, do que se é mais popular. Em Xanxerê, apesar disso existe um público considerável que aprecia a arte independente, e acreditamos que isso tem relação à esse público estar aberto para o novo, a formas diferentes de arte, e também o motivo pelo qual a grande parte dos xanxerenses não dar tanto apoio a cena independente, por estar acomodado com o que somente o seu meio social proporciona.

Baiestorf: Este Cinebarca acontece numa semana pesada à cultura/ciência/educação, em que o Museu Nacional foi literalmente reduzido às cinzas. O que você gostaria de falar sobre isso, sobre este descaso secular do brasileiro à cultura, ao saber, à ciência, à educação.

Eloisa: Acreditamos que existem maiores interesses por trás deste descaso, pois a cultura no Brasil sempre foi utilizada como um jogo político, embora existam vários meios de se introduzir a cultura para a sociedade, olhando por esse lado não é espantoso a realidade em que nos encontramos. O caso do Museu Nacional só nos mostra a importância que a cultura tem para o país. Sabemos que a única maneira de preservar a história do país é tendo acesso a ela. Talvez seja necessário para o brasileiro, e principalmente ao poder público, compreender que para se construir um futuro é preciso conhecer e reconhecer o passado, através dele se tem muitas respostas da situação que vivemos hoje, saber que a cultura é algo que vai sendo construído, que para existir o novo é preciso do velho como base para novas concepções.  É lamentável saber que a cultura no Brasil cada vez mais perde o seu valor, mas aí cabe a nós resistirmos e lutarmos por ela, pois a cultura faz parte da essência do homem.

Baiestorf: Pequenas ações, como o projeto A Barca, acabam sendo atos de resistência ao sucateamento da cultura no Brasil?

Eloisa: Quando se pergunta o que é arte, logo vemos que a sociedade vê e aceita aquilo que está dentro dos seus padrões. Conhecer e produzir arte, seja vindo de um sujeito ou coletivo, já por si é um ato de resistência, pois ele está propondo algo novo para o mundo, tudo o que é novo de início traz um certo estranhamento social, para os acomodados é difícil se abrir para o novo. Ser resistência é continuar movimentando a diversidade cultural, é fugir dos padrões sociais, e esse é nosso intuito como coletivo independente.

Baiestorf: O Espaço é seu Eloisa. Convide as pessoas para o Cinebarca dessa quinta-feira:

Eloisa: HEY ESQUISITO! Nesta quinta-feira 06/09 o bar mais underground do velho oeste abre as portas mais uma vez para o CineBarca Trash. Venha fazer parte da resistência da cultura independente, venha dar o seu apoio à cultura que se encontra oculta em nosso país. Teremos a participação especial do cineasta Petter Baiestorf exibindo seu trabalho cinematográfico independente e abrindo uma roda de conversa sobre o tema Trash. Levante do seu caixão e vá até o SOS bar, junte-se com os demais zumbis da sociedade nessa experiência trasheira que tem início às 21h, esperamos por você!

Programação do CineBarca deste dia 06 de setembro (início 21 horas):

A Noiva do Turvo (2018, 5’) de Loures Jahnke.

O Último Dia no Inverno (2017, 4’) de E.B. Toniolli.

Até Que… E Deu Merda (2017, 5’) de Carli Bortolanza.

Ándale! (2017, 4’) de Petter Baiestorf.

2000 Anos Para Isso? (1996, 12’) de Petter Baiestorf.

Primitivismo Kanibaru na Lama da tecnologia Catódica (2003, 12’) de Petter Baiestorf.

Zombio 2: Chimarrão Zombies (2013, 83’) de Petter Baiestorf.

Canibuk Apresenta: A Arte de Pomba Claúdia

Posted in Arte e Cultura, Cinema, Entrevista, Ilustração, Pinturas, Vídeo Independente with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on março 13, 2018 by canibuk

Conheci a Pomba tem uns 15 anos em andanças por Porto Alegre. Possivelmente nos conhecemos em algum boteco cultural. Ou em alguma mesa de bar pós-exibições de filmes transgressores onde meus filmes eram programados, não lembro. Mas uma coisa é certa, assim que comecei a conhecer o trabalho de Pomba fui ficando fã e acompanhando na butuca.

Pomba faz de tudo. Além de desenhista, já fez música (“Pedra” é um punk hilário), curtas-metragens (“Pé de Cabra” é um dos episódios de “13 Histórias Estranhas” e agora está produzindo “Monstro”, de Magnum Borini), escreve contos e poesias. E desde 2006 participa do grupo de cartunistas GRAFAR, que edita diversos livros de cartuns (sempre coletivos). Mas para viver Pomba é professora de português e literatura.

Já tem livros publicados, participa do evento de cartum Cartucho em Santa Maria e atualmente gosta de desenhar coelhos. Fiquem com a entrevista que realizei com Pomba, é fantástico poder divulgar o pensamento iconoclasta desta fantástica artista livre.

Pomba Claúdia

Petter Baiestorf: Gostaria que você contasse como começou seu interesse pela arte e, também, sobre seus primeiros trabalhos.

Pomba Claúdia: Eu acho que sempre tive uma pira por tudo fora da realidade. A realidade consistia em ver meus pais brigando, horários políticos, notícias de televisão (mesmo que fossem mentira) ou tudo que tivesse alguma relação com o chato e burocrático mundo adulto. Fui uma criança solitária, filha única, guria de apartamento, criada pela televisão. Uma menina gordinha comendo milhopã na cama bagunçada aguardando os adultos voltarem do trabalho. Mas os adultos nem sempre foram esses monstros que estou pintando. Meu pai gostava (e gosta) muito de filmes, de desenhos animados e também de videogames… Absorvi estes gostos. Aos sete ou oito anos comecei a ganhar fitas VHS dos desenhos da Disney. Ao final do desenho animado da Branca de Neve tinha o making off do filme… Eu pirei com aquilo, foi tipo a primeira paixão platônica. Era aquilo que eu queria fazer. Mas aquilo mexeu muito comigo. Revi diversas vezes. Não me interessava o príncipe, não me interessava os sete anões (isso eu já assistia no “Histórias que Nossas Babás não Contavam”). Meu primeiro trabalho surgiu nessa época, na 1ª série, quando a professora levou meu desenho inspirado na música da “Dona Aranha” para a TV Cultura local junto com o de outros colegas. Eu liguei a TV por acaso e ela estava mostrando meu desenho. Isso me deixou muito feliz, pois eu não era uma criança lá muito enturmada e me senti valorizada. Acho que aí comecei a descobrir quem eu era… Mas ao falar para os meus pais, exaustos do trabalho, de saco cheio, que eu tinha decidido ser artista/desenhista/criadora de jogos e desenhos, eles me disseram que aquilo era coisa pra gente rica e que eu não teria me sustentar com aquilo. Como toda paixão, esse foi meu primeiro soco na cara dos sonhos “oquevocêquerserquandocrescer” que eu levei (e levo até hoje… muitos ainda). Acredito que isso deva acontecer com muitas crianças, mas eu continuei recortando da realidade esses sonhos, essas piras… Meus melhores brinquedos eram os lápis de cor, minha melhor companhia eram os desenhos animados, gibis, livros ilustrados e os joguinhos da Atari. Desenhava compulsivamente. Se isso é arte? Só depois me disseram…

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Baiestorf: Sua arte sofre influências de quais artistas e escolas estéticas. Fale o que te atraí neles, se quiser falar sobre os porquês seria muito interessante.

Pomba: Minha arte sofre. E sofrer influências é um dilema. Porque quando vi já estava sofrendo, roubando, parafraseando, recortando, fazendo um mosaico de coisas bonitinhas e ogras. Acredito que os melhores artistas são as crianças e os bêbados. As melhores escolas estéticas são os bares. Mas tentando organizar o grande pobre roubo de ideias, posso retomar o lance da Disney. Falem o que quiser da Disney, foi ali o pontapé inicial. Mas é claro, você cresce, vira adolescente e quer queimar todos os discos da Xuxa, quer inverter a cruz, jogar o jogo do copo, beber cachaça com gemada.  Comigo não foi diferente. Por não ter amigos, nem internet, provavelmente o que influenciou foram os filmes que passavam na Sessão da Tarde e no Cinema em Casa. Podem rir, mas a estética de filmes de Tim Burton, assim como “Elvira – A Rainha das Trevas” e “A Família Addams” podem ter me inspirado… Minhas princesas perderam os braços, ganharam chifres. Meus quadros ganharam cores escuras. Eu pintava com qualquer coisa em qualquer lugar. Era libertador… Mas tudo foi jogado fora por mamãe. Só lá por 2001 comecei a organizar minhas influências e comecei a me identificar com a arte surrealista. A seguir, meus desenhos ainda tratando de temas mórbidos, começaram a ter um teor mais zueiro. Em 2004, busquei um curso de desenho animado que serviu para que finalmente conhecesse outras pessoas que desenhavam. Até ali não conhecia ninguém. Meu amigo e ilustrador Guilherme Moojen então me apresentou em 2006 a GRAFAR, um grupo de cartunistas e grafistas aqui de Porto Alegre que se reuniam semanalmente no bar Tutti Giorni. Apesar dos meus desenhos sem muita técnica, eles me acolheram e logo me convidaram para participar de um livro, chamado “Sem Trégua” em 2006. Considero esse boteco minha escola de arte. Esses senhores, Edgar Vasques, Eugênio Neves, Ubert, Hals, Ruben, Santiago, Pedro Alice, Lancast, Moa e, posteriormente, Carla Pilla, foram os meus primeiros e melhores professores. Inspirada no trabalho desses amigos meus desenhos sombrios ganharam cor, meu traço foi ganhando e ainda ganha a cada dia mais personalidade. Cada um com seu estilo me inspira de uma forma. O traço brusco do Ruben e a segurança da linha e simplicidade humorística do Santiago. O volume através das hachuras do Eugênio Neves, as aquarelas da Carla Pilla, enfim… Todas as terças eu saía desse bar mais inspirada e feliz de ter encontrado pessoas que gostam de desenhar enquanto conversam. O meu desenho, assim como textos, manteve um humor sádico, ácido e, em alguns casos, erótico. Descobria a cada encontro novas técnicas, novos estilos e novas inspirações como as ilustrações fodas da Mariza Dias e as putarias da Melinda Gebbie.

Baiestorf: Com sua arte você está aberta a todo tipo de trabalho ou gostaria de se especializar somente em uma área? Por quê?

Pomba: Quem me conhece sabe que também curto fazer filmes, músicas, poemas, contos, produzir eventos… Além de ser professora de português (o que pode parecer chato pra caralho, mas como envolve linguagem tá valendo). Então acabo diversificando meu trabalho em outras áreas também. É um surubão de áreas. Um estilo esquizofrênico. Por isso, sou bem aberta (rará). Sendo o espaço para arte independente (que é meu caso) tão limitado financeiramente, eu curto mesmo é chutar o balde. Às vezes me sinto uma fraude. E acho que isso faz parte de mim e justifica por eu ter trabalhos tão diferentes uns dos outros… Além disso, acho uma lindeza essa coisa de misturar cheiros, gostos, texturas, barulhos… Animação, cinema, música, uma explosão sensorial. Acredito que quebrar um estereótipo artístico ajude a tirar esse bundamolismo da arte. A arte teria que ser o grito de expressão, arte é cortar a orelha e brigar no bar, arte é chorar em cima da tinta e borrar tudo… Arte teria que ser algo que te atinja individualmente, mas que também atinja os outros, seja para agradar ou para incomodar. Algumas pessoas acreditam que primeiro você aprende a técnica e depois você cria. Eu prefiro brincar com as ideias, jogá-las no papel, na tela, no caderno e depois pensar no que pode ser feito – ou não. Elevar o padrão limita a criação. Há liberdade na ignorância, assim você se inspira de forma mais inocente e inconsequente. Se eu me especializasse em uma área, creio que perderia um pouco disso.

Assista o curta-metragem Pé de Cabra:

Baiestorf: Conte sobre suas exposições e como produtores poderiam levá-la para suas cidades/estados.

Pomba: Até agora só fiz exposições coletivas. Muitas em Santa Maria, em um evento de cartunistas chamado Cartucho, organizado pelo querido Máucio Rodrigues.  Devo ter participado de pelo menos umas cinco exposições lá. Todos os anos é sorteado um tema e a gente faz cartuns sobre aquilo em 24 horas. É bem massa. Pra falar a verdade, tenho poucos desenhos para expor. Os melhores estão em cadernos pautados ao lado de anotações de aula ou em guardanapos de bar… Para uma exposição de folhas pautadas rabiscadas e guardanapos sujos com desenhos eu teria muita coisa. Mas às vezes vêm momentos de luz e faço algo a mais, um quadro com objetos colados, uma aquarela bonitinha… Daí esses guardo, reproduzo em forma de imã, zine e o que mais for… Eu romerobritizo minha arte. Mas no fundo eu sou a desenhista de bar, ou de alguma sala de aula… Faço desenho e dou de presente. Talvez eu devesse omitir essas coisas, mas acho que é um traço da essência do que faço, um desapego. Até porque, não tenho espaço para acervo, moro num apartamento de 30m²… Se alguém tiver um espaço para eu pintar grandes quadros e paredes, ficarei muito feliz. Quem quiser me chamar pruma exposição, propor um tema ou juntar meus esboços e artes existentes meu email é claudiadrb@gmail.com ou pelo telefone 55 51 992792662. Meu trabalho pode ser visto no meu site https://claudiadrb.wixsite.com/borborini/copia-inicio, na página do Facebook: https://www.facebook.com/pombadesenhos/ e alguma coisa no Instagram: @pombaclaudia

Baiestorf: Como é realizar trabalhos artísticos aqui no Brasil? Há reconhecimento? Oportunidades?

Pomba: Como eu disse, meus pais me deram o soco de realidade aos sete anos quando falei com inocência que eu gostaria de ser artista. E cresci com esse pensamento. Pra não me iludir acabei virando professora de língua portuguesa, o que também não tem reconhecimento (risos). Então o que move minhas criações não é bem o reconhecimento, mas a necessidade de criar, de me sentir parte de algo que eu goste, que me faça me sentir eu. Claro que quando ganho dinheiro com meus desenhos, meus filmes ou meus textos eu me sinto incrivelmente feliz pelo reconhecimento, ao mesmo tempo em que acho estranho, pois, como eu disse, isso não foi construído em mim. E confesso que não me orgulho de ser assim, gostaria de poder falar com firmeza o valor de um quadro e passar um orçamento convicto de uma ilustração. Ainda assim, as oportunidades não caem no colo. Vejo uma galera muito mais talentosa e empenhada do que eu, investindo, trampando muito pra poder aperfeiçoar e assim conseguir um retorno de sua arte, ainda mais quando se trata da arte impressa, tendo em vista que hoje em dia temos muita coisa pronta no computador, que é só imprimir e pendurar na parede da sala. Portanto, considero desproporcional o número de oportunidades para a arte em relação ao desejo de se investir nisso. Acaba que muitos trabalhos fodas e autorais acabam virando logos com cara de trampo de design gráfico, assim como muito filme independente fica com a maior pinta de propaganda publicitária. Por essas e outras, eu me pego vergonhosamente acreditando que pra ganhar grana com arte você já precisa ter grana. Conheço gente que só pinta com material caríssimo, eu uso guache, pinto no papelão, uso a sobra da tinta que usei pra pintar a parede da sala de casa… Acabo me inscrevendo em concursos e festivais gratuitos, catando oportunidades de graça e tentando me enfiar onde dá. Mas os reconhecimentos e oportunidades são que nem uma cova, tem que cavar para achar algo.

Zumbizinhu Inédito

Baiestorf: Você está com trabalhos em finalização? Poderia falar sobre eles e como o público poderá acompanhá-los?

Pomba: Meu próximo e mais desejável trabalho é sobre Coelhos. Não tenho como falar muito sobre ele no momento, mas vou colocar o primeiro quadro que me inspirou a desenvolver uma série sobre esse rico animalzinho.

Baiestorf: E seus projetos? É possível sabermos um pouquinho deles?

Pomba: Esse ano pretendo montar junto a outras garotas um coletivo chamado Útero Underground. É uma ideia que ainda está no útero (rá), mas que em breve será melhor desenvolvida e que consistirá não apenas nas artes visuais, mas também na elaboração de músicas, barulhos, vídeos e o que mais vier ao encontro de construir um espaço libertador e sem tantos pudores em relação ao que a gente entende por arte. Paralelo a isso, estou aguardando o contato de alguns amigos da GRAFAR para a pintura de painéis, pretendo fazer um desenho animado e uma exposição de coelhos tarados.

Baiestorf: Geralmente a arte no Brasil é produzida de forma independente e é difícil conseguir se manter. O que você gostaria de observar sobre isso.

Pomba: Cara, acho que é o que falei antes… A gente se enfia onde dá, claro, em alguns casos a gente pensa nos princípios e não vai se enfiar de cabeça quando estão envolvidas pessoas escrotas que só pensam em explorar e lucrar a custa dos outros. Fora isso, nem todo mundo tem a oportunidade de fazer uma faculdade de arte. Vou falar da de cinema também, pois sabemos que cinema é caro pra cacete. Daí a gente acaba fazendo muita coisa de graça na troca de experiência, para apoiar os amigos que também não tem grana e isso vira um grande ciclo da horripilante mágica de se fazer arte de graça sem ganhar nada em troca. Acho que essas iniciativas como o teu blog, assim como rádios online, coletivos independentes, financiamentos coletivos, formas preliminares da gente sair do limbo e começarmos a desenvolver uma estrutura que pague nossas contas. Mas não só isso. O que eu vejo e que pouca gente comenta é como o artista independente muitas vezes está alienado do povo, da galera da periferia que também faz parte da outra margem independente da arte, como é caso da pixação, grafite, stencil chamem como quiser. O perfil da galera “independente” “underground” muitas vezes é branco, classe média, universitário. E a outra área independente? Fico pensando que louco seria toda essa galera se reunindo, aprendendo uns com os outros, compartilhando cultura, técnica, fugindo dessa aprendizagem acadêmica muitas vezes elitista e enfadonha. Exposição de arte é aquele perfil de homem de coque, magrinho, segurando a taça de Salton e conversando com a garotinha esnobe que admira pra caralho Miró, ambos intrigados com a popularidade do Romero Britto, expondo algo dito independente . Enquanto do lado de fora do prédio algum garoto leva um pau da polícia por fazer um desenho em um muro. Talvez o que falte para a arte independente conseguir se manter é incomodar um pouco, ter uma voz mais ousada, mais politizada, mais envolvente e que convide diferentes grupos ditos independentes a se observarem. Enfim, é manjado, mas é isso, a união faz a força.

Boteco de Ideias

Baiestorf: O espaço é seu para as considerações finais:

Pomba: Eu gostaria de agradecer ao Petter Baiestorf por essa oportunidade de eu falar sobre minha arte. Às vezes não sei como consegui conhecer tanta gente foda e incrível, pois soa estranho pra mim ser chamada de “artista”. Sempre achei que artista fosse ou Picasso, Salvador Dalí, ou na contemporaneidade alguma Big Brother que pousou nua. Então essa palavra me deixa com uma certa crise de personalidade. Alguns lugares dão desconto se você diz que é da “classe artística” aqui em Porto Alegre. Acho isso um sarro, pois o que te faz artista? Se eu colocar meu dedo no nariz e dizer que é uma performance serei artista? É muito louco isso. Outra coisa que muitas vezes me deixa desconfortável com o termo artista é quanto ao rebuscamento da arte em relação ao gênero. Tem homens que limpam a bunda e expõem em uma parede e afirmam seguramente que é “arte”. Mulheres desenham a sujeira da unha da modelo-vivo e se questionam se a sujeira está na proporção correta ao tamanho da unha. Eu não sei as outras, mas sinto essa pressão ao perfeccionismo. Você não pode ousar dirigir, tocar guitarra, desenhar, fazer um filme se você não fizer algo incrivelmente bem. Você não pode tocar os acordes errados ou errar o local da luz em um quadro.  Confesso que isso me incomodava, pois muitas vezes deixei de fazer as coisas por não me sentir boa o bastante, por não me sentir pronta o bastante, enquanto simplesmente eu deveria ter feito e mandado todo mundo à merda com suas técnicas, medidas e manuais.

Contatos de Pomba Claúdia:

email: claudiadrb@gmail.com

Telefone: 55 51 992792662.

Site: https://claudiadrb.wixsite.com/borborini/copia-inicio

Facebook: https://www.facebook.com/pombadesenhos/

Instagram: @pombaclaudia

facebook: https://www.facebook.com/claudia.pigeon

Mais: https://claudiadrb.wixsite.com/borborini/sobre

Artes de Pomba Claúdia:

Por um Punhado de Downloads

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Atenção, muita atenção!

logo-canibal-001Você está penetrando no Mondo Trasho da Canibal Filmes, clicando em qualquer um destes links abaixo disponibilizados você adentrará num universo onde o mal feito é glorificado como o mais valioso dos objetos sagrados, onde a falta de talento é incentivada, onde até mesmo o faxineiro de um grande estúdio conseguiria virar diretor de uma produção. Aqui ninguém é excluído do sonhos de virar uma estrela de cinema. Todas a produções abaixo disponibilizadas foram realizada nos anos de 1990, quando ainda não existiam bons equipamentos de filmagem que fossem baratos e a edição era feita se utilizando de dois vídeo cassetes, o que torna estes filmes ainda mais mongoloides. Estejam avisados, estes links contem o pior do pior, se você acha que possuí bom gosto, clique somente no link da Cadaverous Cloacous Regurgitous. Os links para download estão nos títulos em letras maiúsculas.

Cadaverous Cloacous Regurgitous (1993)

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Demo-Tape

Antes de fazer um filme eu era fanático-radical por noise grind e, junto de meu amigo Toniolli, planejamos montar a banda mais suja do mundo, ou algo assim, afinal éramos apenas uns guris sem nada pra fazer. Eis que nas férias escolares de 1993 fomos para a casa dos pais de Toniolli e gravamos e mixamos a demo-tape “Ópera Indústrial” e intitulamos nossa banda de noise com o belo nome de “CADAVEROUS CLOACOUS REGURGITOUS“. Além de instrumentos tradicionais, também usamos folhas de zinco, motosserras, uma guitarra quebrada com uma corda e, no vocal, uma gravação que Toniolli tinha feito meses antes de porcos sendo castrados. Não satisfeito com essa primeira experiência envolvendo música, em 1999 – desta vez ajudado por meu amigo Carli Bortolanza – gravamos a demo-tape “Anna Falchi”, colocando pra funcionar um projeto de industrial harsh intitulado “Smelling Little Girl’s Pussy” que está junto no zip. “Smelling” não utilizou nenhum instrumento musical, todo o som é produzido com microfonias que criamos com estática de rádio, sujeira sonora e gravamos nos utilizando de uma ilha de edição de vídeo, muitos dos barulhos estranhos captados são oriundos de uma câmera de VHS apontando pra uma tela de TV.

 

Açougueiros (1994)

acougueiros

Petter Baiestorf em 1994

Logo após finalizar e lançar “Criaturas Hediondas” (1993), oficialmente minha primeira tentativa de fazer um filme, reunimos a mesma turma e fomos para uma casa abandonada (que depois foi reutilizada como cenário para as filmagens de “Eles Comem Sua Carne”) passar dois dias, tempo em que filmamos o “AÇOUGUEIROS“, sendo atacados por terríveis aranhas assassinas durante as madrugadas. Já na primeira noite percebemos que as aranhas era inteligentes e estavam a nossa espreita. Deitávamos em nossos colchonetes e, ligando as lanternas contra o chão, víamos as aranhas se aproximando de nossos corpos com suas oito patas famintas por carne humana. Não dormimos. No dia seguinte filmamos quase todas as cenas do “Açougueiros”, já montando o filme na própria câmera. Anoiteceu novamente. Com medo da volta das aranhas assassinas, todos da equipe dormimos em cima de uma mesa de sinuca. Tão logo desligamos as lanternas, já começamos a escutar os cochichos das malditas aranhas. A madrugada foi louca, com a gente correndo das aranhas pela casa e as eliminando sempre que possível. Lá pelas tantas as aranhas se tornaram mutantes com asas e vinham voando famintas contra a gente. O cozinheiro da produção foi o primeiro a tombar morto diante da fúria das aranhas malignas, tendo convulsões até desfalecer completamente sem vida. Sim, as aranhas haviam se organizado e queriam um banquete… E o banquete era nossa equipe!

 

Criaturas Hediondas 2 (1994)

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Crianças Hediondas

Imediatamente após as filmagens de “Açougueiros”, resolvemos fazer uma continuação do primeiro filme e “CRIATURAS HEDIONDAS 2” tomou forma. As filmagens desta produção aconteceram no sítio de Walter Schilke, que entre outros, foi diretor de produção em “A Dama do Lotação” e de vários filmes de Os Trapalhões. Essas filmagens foram completamente sossegadas, com tudo dando certo e novos colaboradores aparecendo para ajudar o grupo. Após cada dia de filmagens todos retornávamos aos trailers da produção, ganhávamos massagens terapêuticas e participávamos de jantares de gala enquanto uma orquestra de querubins tocava sucessos de Beethoven. Depois de pronto foi exibido, no ano seguinte, na I HorrorCon em São Paulo com relativo sucesso. Neste mesmo ano explodiu a moda Trash no Brasil e ficamos bilionários fazendo filmes ruins.

 

2000 Anos Para Isso? (1996)

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Toniolli em banho de sangue

Sabe-se lá porque, até 1995 eu só pensava em fazer longas-metragens (devia ser algum problema de ego). Mas em 1995 fiz uma experiência em curta-metragem e realizei “Detritos” (curta que atualmente está perdido, mas que continuo tentando achar uma cópia para disponibilizar), gostando bastante da simplificação dos problemas que uma filmagem sempre tem. Então, logo no início de 1996 filmamos “Eles Comem Sua Carne” e um festival de curtas gore da Espanha, tendo assistido “O Monstro Legume do Espaço”, me escreveu solicitando um curta para incluir no festival. Como “Detritos” não era gore, resolvi montar algumas cenas do “Eles Comem Sua Carne” no formato de curta e, assim, surgiu este “2000 ANOS PARA ISSO?“, meu primeiro flerte com cinema experimental.

 

Assista “O Monstro Legume do Espaço” aqui:

Bondage 2 – Amarre-me, Gordo Escroto!!! (1997)

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Denise e Souza

Após as filmagens de “Blerghhh!!!” (1996), tive uma ideia fantástica que rendeu um belo punhado de reais: Fazer um filme de putaria assinado por uma diretora, então combinei com a atriz principal de “Blerghhh!!!”, Madame X, que ela iria assinar nosso próximo filme. Com orçamento mínimo escrevi um roteiro fácil de filmar (sob pseudônimo de Lady Fuck e Carla N. Toscan, afinal, melhor que uma mulher tarada, só três, não?). Fomos pra casa do Jorge Timm, nos trancamos lá durante uns quatro dias e cometemos “BONDAGE 2: AMARRE-ME, GORDO ESCROTO!!!“, com climão de filme de Boca do Lixo final dos anos 70. É uma produção extremamente simples, mas na época do lançamento alardeamos tanto que era escrito e dirigido por mulheres que todo mundo quis assistir.

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José Mojica Marins e seu livro preferido.

 

Fase 98 (1997-98)

Ácido (1997) – este curta filmamos durante as gravações de “Blerghhh!!!” e só montamos um ano depois. Os efeitos de cores sobre as imagens captadas foram inseridas via uma ilha de efeitos analógicos. Acredito que foi meu primeiro vídeo arte, a concepção deste vídeo foi desenvolvida em parceria com o Coffin Souza.

Deus – O Matador de Sementinhas (1997) – No ano de 1997 Carli Bortolanza e eu cuidávamos do castelo da Canibal Filmes, local onde todo o equipamento de filmagem, maquiagens, iluminação e figurinos estavam guardados. Como o tempo de tédio era muito enquanto montávamos guarda para que ninguém invadisse nosso estúdio para roubar ideias e bens materiais, começamos a filmar vários curtas experimentais inspirados em Andy Warhol e Paul Morrissey e, assim, surgiram pequenas brincadeiras como “Crise Existencial”, “O Homem Cu Comedor de Bolinhas Coloridas”, “A Despedida de Susana – Olhos e Bocas” (1998), “9.9 (nove.nove)” e este “Deus – O Matador de Sementinhas”.

“Boi Bom” (1998) – Possivelmente meu filme mais polêmico. Antes de me tornar vegetariano realizei este brutal filme sobre a figura do homem se valendo de assassinato para se alimentar em pleno século XX. Em uma bebedeira falei com Jorge Timm e Carli Bortolanza sobre minha intenção de rodar algo extremamente brutal sobre alimentação envolvendo a matança de animais, mas a ideia ficou ali. Alguns meses depois o Jorge Timm apareceu com tudo combinado, ele já tinha encontrado um abatedouro clandestino que iria nos deixar filmar desde que não identificássemos o local. Chamei o Bortolanza e o Claudio Baiestorf e fomos até o abatedouro filmar. Em tempo: a carne deste boi que aparece no filme foi vendida pra um restaurante – pelo abatedouro, não pela gente – após as filmagens, só vindo a reforçar o que acho da alimentação envolvendo assassinatos. Hoje eu não faria outro filme com este teor, mas não renego o curta, está feito, faz parte de uma fase que eu me preocupava mais em chocar. PACK ÁCIDO+DEUS+BOIBOM.

Assista “A Despedida de Susana – Olhos e Bocas” aqui:

Mantenha-se Demente!!! (2000)

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Bortolanza aplicando fx em Loures

Logo após lançar “Zombio” (1999) escrevi o roteiro insano de “Mantenha-se Demente!!!”, um longa gore que misturava a cultura da região oeste de SC com os delírios japoneses envolvendo putaria com tentáculos. Levantei uma parte do dinheiro necessário para as filmagens e chegamos até a rodar algumas cenas do filme. Mas tudo estava tão capenga e caótico que acabei abandonando o projeto para rodar o “Raiva” (2001). O material filmado acabou por se tornar o curta-metragem “FRAGMENTOS DE UMA VIDA“, montado em 2002. Particularmente, gosto bastante do resultado de surrealismo gore alcançado neste cura improvisado, o que sempre me faz pensar que poderia voltar, hora dessas, a realizar experiências nesta linha.

 

Entrevista com Petter Baiestorf no Set de Zombio 2 (2013)

Acabei de encontrar essa ENTREVISTA que o Andye Iore realizou comigo durante as filmagens de “Zombio 2” (2013). Estou visivelmente cansado mas até que bem lúcido falando sobre o caos que foram os primeiros 12 dias de filmagens de “Zombio 2”. Estou compartilhando com vocês essa entrevista de 17 minutos mais como uma curiosidade mesmo, ela deveria estar nos extras de “Zombio 2” mas por um estranho motivo foi esquecida durante a autoração do DVD oficial de “Zombio 2“. Enfim, palhaçadas de uma produtora de cinema completamente atrapalhada.

Memórias em tom de realismo fantástico de Petter Baiestorf.

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O Beco das Almas Famintas

Posted in Literatura, Livro with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on outubro 1, 2016 by canibuk

img022Acabei a leitura do romance “O Beco das Almas Famintas” de uma tacada só, curtinho e envolvente, escrito pelo Erivaldo Mattüs que por anos editou o fanzine “Spermental” e que já foi ator de Gurcius Gewdner no fantástico curta-metragem “Erivaldo – O Astronauta Místico”. Drogas, sexo e fanatismo religioso de um mundo pervertido contado em  linguagem direta e sem rodeios quase como se fosse um roteiro de um grindhouse transformado em romance.

Sinópse: “Quando alguns mendigos são misteriosamente assassinados no centro da Cidade Sereia, três cidadãos bem sucedidos têm suas vidas progressivamente destruídas: Antenor, um executivo playboy egoísta; Cláudio, um luxurioso técnico em eletrônica e Sauro, um pastor evangélico que tem a ganância por sobrenome. O enredo, mostra a escalada do trio rumo ao fracasso, de seu presente estável até suas quedas meteóricas; seguindo em narrativas paralelas até cruzar o destino dos personagens no abandonado e famigerado “Beco dos Invisíveis”, lugar no centro de Sereia onde as desgraças são mais cotidianas e inacreditáveis do que sonha nossa vã filosofia.”

O Beco das Almas Famintas é o primeiro romance de E. Mattüs. A narrativa traz elementos que vão desde a marginalidade de Bukowski ao horror de Edgar Allan Poe, tudo ambientado em um absurdo universo kafkiano. Em tiragem numerada de 150 exemplares, a edição usa e abusa de papéis de qualidade duvidosa e estética “trash”, ao longo de 48 páginas, encadernadas em costura de 3 pontos. O livro foi lançado pela editora independente recifense Livrinho de Papel Finíssimo e é o sexto volume da coleção romanesca LiteraTara.

O que?

O Beco das Almas Famintas. Autor: E. Mattüs. Editora: Livrinho de Papel Finíssimo. Ano: 2016. Preço: R$20,00 (Envio simples: 22,00; Carta Registrada: R$25,00). Contato: katarru_podre@hotmail.com/ (82) 99945-8090. Facebook: MattüsMattüs. Instagram: @mattus.ausente

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Abaixo o primeiro capítulo de “O Beco das Almas Famintas”:

Quando a esmola é uma chuva de balas.

Quem transita pelo centro da cidade Sereia pode encontrar tudo o que precisa para exercer o materialismo a rigor. De cama, mesa e banho a eletroeletrônicos e made in china, o comprador pode desfrutar de todas as visões necessárias para abrir a carteira e deixar parte de sua fortuna em qualquer recinto. Odor suave de esgoto pairando no calçadão das ofertas vazias. Queima de estoque. Ao comprar, o ser humano adquire existência. Todavia, aberta a embalagem, o sentimento de satisfação é transformado numa estranha sensação de engano ou frustração. Com a realização do desejo consumista, o objeto adquirido perde o encanto e cede sua vez a uma nova fantasia material.

Porém, nem todos os transeuntes têm o poder aquisitivo necessário para existir. E para esta estirpe maldita é reservado o chamado “Beco dos Invisíveis”. Um reduto dos ignorados, criaturas das quais não se pode vampirizar qualquer espécie de lucros. Habitat natural dos moradores de rua e criaturas inexistentes aos olhos bem sucedidos dos consumidores. Numa viela, ao final de um labirinto com ruas curtas, fica este ambiente inóspito. Um forte cheiro de esgoto misturado ao de eletrônicos embalados acaba resultando num cheiro de merda tão natural quanto a fumaça da combustão automotiva. Uma pocilga abandonada aos seus 6 residentes. Caixas de papelão formam casas. Carrinho de supermercado vira armário. Uniformes velhos e camisetas de políticos ditam a moda. Eis o bendito lar de Alex, José e Simão. Os três reis magros que, na melhor das hipóteses, podem ofertar ao mundo uma pequena faceta da miséria criada por uma sociedade cruel.

São dez da matina e uma chuva rasa antecede o Sol picante. O vapor se eleva do concreto criando uma sauna natural. Pessoas andam mais rápido, enquanto lojas de ar condicionado faturam mais. Alex devora meia quentinha, Zé tasca a primeira pedra do dia no cachimbo e Simão continua a soltar suas profecias esquizoides:

— Este beco é a chave da penitência humana. Toda dor e culpa desse mundo maldito veio parar aqui e nós pagamos o preço! Só estamos aqui por culpa de todos vocês, seus desgraçados! Vocês são os culpados! Berrava o velho vagabundo.

— Cala a boca, porra! Nem tá doido de cana e já está falando merda! Explodiu Zé, depois do primeiro beijo na lata.

E explodiu mesmo! A fumacinha com gosto de plástico invadia seu corpo de forma devastadora. Paranoia, alucinações e mania de perseguição por fora, mas dizem que o que conta é como somos por dentro. Quanto a isso, Zé se sentia o rei do mundo. Um príncipe em seu reinado a céu aberto. Sensação esta, semelhante à de Alex que não reclamava nem repreendia, apenas soltava pequenos arrotos em sinal de total satisfação.

Refeições, drogas e ideias expostas em mais um fatídico dia que chega à metade. O trio desventurado compartilha a primeira lata de cachaça, Simão era o mais alvoroçado. Cada gole descia com a urgência de um antídoto ao mais maldito de todos os venenos, a sociedade. Zé — Caralho! A fissura tá voltando, mas dá pra segurar com a cana. Simão — Maldito sejas tu que trocasses o néctar divino pela pedra do diabo! Alex — Essa porra tá me deixando enjoado, acho que vou deixar uma bacia aqui de lado porque, se eu vomitar, é só jogar uma farinha por cima que já tenho a janta…

Simão — A autossuficiência é o segredo do sucesso! Os três soltam uma gargalhada uníssona.

No horário de almoço, o trânsito humano aumenta. Os ébrios cabisbaixos nem percebem que alguém passa pela calçada em que descansam e atira em cima dos três uma verdadeira chuva de balas. Framboesa, morango e abacaxi. Acho que o indivíduo veio de mão cheia e simplesmente abriu a palma em cima de nossos heróis. Ao erguerem a vista, só perceberam o anônimo de costas prosseguindo seu destino. Usava uma camiseta estampada com flores, daquelas bem bregas que se compram em brechós. Apesar do mau gosto, abençoadas sejam as almas generosas que habitam a selva de pedra.

— Deus lhe dê em dobro! Alex foi cordial em nome do trio.

É óbvio que os doces viraram tira-gosto. Zé perambulou meia hora e já voltou com duas pedrinhas, sinal de que a sociedade era realmente caridosa… Em eliminá-lo!

— Ainda tem confeitinho?

— Claro! Segura aí!

Alex era um jovem de quase um metro e oitenta, beirando os trinta e portador de um ar amistoso. Graças às drogas e descuidos com a vaidade, ele aparentava quase quarenta. O Sol e o clima seco também corroíam sua aparência, igualzinho aos prédios do centro da cidade. Os cabelos loiros ficaram quase marrons. Algumas mechas se juntavam em dreads; o que para a grande maioria lhe dava uma aparência suja, fato negativo aos negócios de pedinte. Os amigos pouco sabiam de seu passado. Só existiam alguns boatos sobre ele ter vindo do interior do estado trabalhar como servente de pedreiro e ter arranjado uma mulher que destruiu sua vida. Um belo dia, ele chegou com uma trouxa de roupas e uma garrafa de vinho pela metade. Perguntou a Simão se poderia ficar no Beco e foi aceito de bom grado. Por ser o único habitante do recinto, o patriarca da ralé apenas ditou-lhe algumas regras de convívio e até ensinou a arte da mendicância ao recém-chegado.

Já José Silva era vítima dos químicos, a família bem que tentou, mas a paixão pela pedra falou mais alto. Zé estava largado no mundo e pedindo esmolas em prol de seu culto aos deuses da lata. Cara chupada. Metade dos dentes o abandonou. A gordura era pouca e as veias saltavam pelos braços até desparecerem nas falanges proximais. Talvez seus familiares estejam a sua espera, aguardam um desejo de abstinência ou a providência divina, mas quem fuma a unha do capeta assina um contrato com o tinhoso para se entregar de corpo e alma ao prazer.

Simão sempre existiu no Beco dos Invisíveis. Desde que a terra é terra, o mar é mar e a cachaça passou a ser vendida em latas. Ele vivia sozinho e largado pelo centro da cidade Sereia. Aparentava ser um homem de conhecimento, a longa barba amarelada pelo tabaco exibia a experiência de um ser que, caso não estivesse usando uma blusa do candidato perdedor a prefeito, bem que poderia se passar por sábio hindu. O cabelo branco simulava algodão, os dentes eram mais amarelos que o sol no fim de tarde e sua mente cansada somente questionava o sentido amargo da vida. Em alguma parte de sua existência, Deus o abandonou. Por manter as mesmas roupas por muito tempo, Simão tinha cheiro de urina envelhecida. Sempre profético em suas palavras, o álcool exorbitava suas filosofias. Bêbado, ele conseguia ser pior que muito pregador de praça, mas, com certeza, o pedinte dizia bem mais verdades que um pastor charlatão.

Drogas, esmolas para comida e mais entorpecentes. Estabelecimentos em horário comercial encerram seu expediente. Os outros habitantes do beco retornam ao lar. Em sua maioria, fazedores de bicos. Uns quatro ou cinco companheiros chegam com histórias, violão e caninha para adoçar o amargo da vida. O parceiro com violão toca Raul Seixas. Todos cantam os trechinhos que se recordam da música “Ouro de Tolo”. “Essa música explica o sentido da existência de todos que circulam por aqui com grana!” discursou Simão para a plateia desatenta. A mensagem musical era conceitual e poderia até mudar a vida de todos eles, mas a única mudança desejada era sair da caretice e adentrar a algum estado alterado de espírito. Companheirismo, boa música e aguardente descendo na garganta. Aos noiados, a lata de cachaça só servia vazia. E mesmo em pleno estado de paranoia, nunca se viu uma confusão, todo mundo seguia a lei da cordialidade. Caso contrário, o bagunceiro amanhecia com a boca cheia de formigas…

Eram quase 22 horas, quando uma estranha figura entrou no beco. Uma jovem mulher com aparência de tiazona derrubada. Pela cara chupada era óbvio que pertencia ao grupo dos “beija-lata”. Cambaleante e desnorteada, ela suplicava por sua paixão: — Dou a xoxota pra quem me der um pega na lata! Cadê os machos dessa merda? Eu quero só um peguinha… Deixa eu beijar a lata que eu beijo outra coisa bem gostosa depois!

Zé nem precisou de cavalheirismo. Apenas levantou a mão empunhando o recipiente metálico e sua deusa entendeu o recado. Depois de uma chupada na lata, a musa entregou-se ao amor paranoide. Fizeram tudo ali mesmo, numa caixa de papelão improvisada como palácio de Vênus. O pico do Zé. A mansão do amor abrigou aqueles dois corpos psicóticos por um breve delírio chamado felicidade. O amor de dois zumbis embalado por deliciosos tragos de cigarro Oscar no pós-coito. A fêmea sai estonteada com sua microssaia suja de areia e tentando pôr o que parecia um top. Ela caminha cambaleante sob o efeito do amor e da pedra. Os companheiros do beco sorriam para José em nome de sua sorte. Enquanto a jovem adicta dava seus passos, os outros mendigos enfiavam a mão direita dentro dos farrapos para homenagear a deusa do lixo com o sexo dos solitários.

Apesar do vazio das ruas, no centro da Sereia sempre existem olhos maldosos à espreita. O resultado disso foi que, menos de dez minutos após a saída da mulher do Zé, a polícia já chegou descendo o cacete em todo mundo que via no beco. Somente ouviam-se os gritos dos repressores seguidos de pancadas secas do cassetete. “Vaza cambada de vagabundo! Vão fazer gandaia na casa do caralho”. Exceto por Simão, que saiu assim que viu os praças ao longe, todos sentiram o bastão perseguidor tocar suas costelas de forma emocionante. Zé correu alucinado levando sua moradia na mão, enquanto Alex se escondeu dentro de uma pilha de lixo. As ruas não eram violentas, já seus protetores pareciam salivar por carne fresca para o espancamento.

Meia-noite, o relógio recomeça a contagem. Todos se dispersam, exceto os três companheiros. Eles resolvem voltar ao beco pela certeza do descanso ser tranquilo. A barra estava limpa. Nada de coxinhas. Um deserto de concreto e lixo, onde com alguns papelões, nossos reis mendicantes resguardavam suas existências na esperança de um dia com mais grana, drinks, pedras e Raul Seixas.

Por ainda ter a audição em bom estado, Simão deve ter sido o único que teve tempo de abrir os olhos no momento em que alguém passava pela calçada. Três balas na cabeça de cada um! Alex nem se mexeu e parecia prosseguir em seu sono, que duraria a eternidade. Zé abriu os olhos, mas já estava puxando ar num ato mecânico de seu corpo; vivenciando os últimos momentos de resistência biológica após a morte cerebral. Simão conseguiu ver seu algoz e teve tempo de gritar “Deus…” antes de cair em estado de óbito. Seus olhos pareciam perder a sabedoria e expressavam decepção. Sentimento que foi alimentado por reconhecer a mesma camisa florida que viu meio dia. O benfeitor virou malfeitor. E, pela permutação no estado de espírito, ele apenas trocou as balas.

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Assista aqui ao curta “Erivaldo – O Astronauta Místico” (2013) de Gurcius Gewdner com Erivaldo Mattüs atuando:

Dangerous Glitter

Posted in Livro, Música with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on março 26, 2014 by canibuk

“Dangerous Glitter – Como David Bowie, Lou Reed e Iggy Pop foram ao Inferno e Salvaram o Rock’n’Roll” (2009, 400 páginas, editora Veneta) de Dave Thompson.

Dangerous GlitterNovamente a editora Veneta surpreende com um lançamento imperdível aos amantes da boa música (e suas histórias inacreditavelmente hilárias). “Dangerous Glitter” conta a história de “quando Lou Reed e Iggy Pop se encontraram pela primeira vez com David Bowie no final de 1971, (quando) Bowie era apenas mais um músico inglês passando por New York, Lou ainda estava se recuperando do colapso do Velvet Underground e Iggy já estava classificado como um perdedor.”

BowieAos moldes do “Mate-me, Por Favor”, de Larry McNeil e Gilliam McCain, “Dangerous Glitter” destaca a importância do artista plástico Andy Warhol para a cena underground nova-iorquina (e mundial, já que todo mundo imita New York) e a influência de Nico sobre as personalidades dos três menininhos assustados (apesar do livro não ser sobre Nico fica bem claro o quanto ela foi importante para Bowie, Reed e Pop). No livro somos apresentados à três artistas tímidos que se tornaram (a base de muita grana investida em suas imagens) as lendas conhecidas de hoje, desmitificados pelo autor Dave Thompson (todo mito não passa de um humano normal cheio de medos e inseguranças). É um mergulho alucinante pelo mundo dos anos de 1960/1970 quando a cena musical mundial produzia obras ricas em criatividade e ousadia.

LouEntre inúmeras histórias saborosas ficamos sabendo como David Bowie gastou 400 mil dólares na sua primeira turnê americana (e arrecadou míseros 100 mil dólares), como Iggy Pop se tornou o enfurecido vocalista com toques de escatologia que impressionaram muitos moleques do mundo a fora (GG Allin estava entre eles, com certeza), como Lou Reed quase abandonou sua vida de rockstar após sair do Velvel Underground, como Nico afundou sua carreira nas drogas e Tony Defries, o advogado rockstar, se tornou uma espécie de Allen Klein do rock’n’roll e criou David Bowie como os fãs do camaleão o conhecem hoje.

IggyDave Thompson, o autor, já escreveu mais de 100 livros que, geralmente, lidam com música pop, rock’n’roll, cinema ou erotismo. Nasceu em Devon (Devonshire, Inglaterra) e iniciou sua carreira jornalística editando um fanzine sobre a cena punk londrina dos anos de 1970, o que lhe valeu convites para escrever em revistas como “Melody Maker”, “Rolling Stone”, Mojo, entre outras. Outros livros de Thompson sobre David Bowie incluem “Moonage Daydream” (1987) e “Hallo Spaceboy” (2006).

Fica a dica deste ótimo livro que a editora Veneta acabou de lançar. “Dangerous Glitter” custa R$ 79.90 e pode ser adquirido em lojas virtuais como Saraiva ou Livraria Cultural.

Petter Baiestorf.

Filmes com David Bowie (veja alguns trailers):

Filmes com Iggy Pop (veja alguns trailers):

Filmes com Lou Reed (veja alguns trailers):

Do Sudeste ao Sul Vivendo na Estrada Selvagem do Rock

Posted in Literatura, Livro with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on setembro 2, 2013 by canibuk

“Do Sudeste ao Sul – Na Estrada Selvagem do Rock” (2013, 200 páginas, Editora VirtualBooks), escrito por Roger Pixixo.

Este ano de 2013 está sendo repleto de boas surpresas no que diz respeito ao lançamento de livros e álbuns em quadrinhos de amigos. A mais nova surpresa é este livro maravilhoso e de alto astral escrito pelo Roger Pixixo, mineiro que conheci no início dos anos 2000.

Do Sudeste ao SulEm 200 páginas Pixixo realiza uma maravilhosa viagem de volta aos bons tempos do underground dos fanzines, trocas de fitas k-7 com sons de bandas obscuras, correspondências com cartas via correio, viagens intermináveis de ônibus para ver bandas em outros estados e muito mais aventuras que contam a história do, principalmente, Psychobilly nacional e sua festa máxima, o Psycho Carnival. Quem nasceu entre a década de 1970 e 1980, com certeza vai se emocionar com este livro que conta muito da história underground de Belo Horizonte e relembra o surgimento de inúmeras bandas do cenário metal mineiro (por conta do sucesso que bandas como Sepultura e Sarcófago) levantando a questão do radicalismo que havia no cenário nacional dos anos 80/90; relembra também os primeiros psychos de BH e suas dificuldades em conseguir material e até amigos para beber uma cervejinha conversando sobre bandas bagaceiras. Em linguagem simples e direta Pixixo consegue nos fazer relembrar da gostosa adrenalina que é descobrir uma boa banda nova, da felicidade de compartilhar descobertas com os amigos e da maravilha que é gostar de uma cultura obscura, algo que nos torna tão especial diante da grande massa humana medíocre que vegeta no marasmo do lugar comum.

roger pixixoQuem é Roger Pixixo?… Conheci o Pixixo no início do ano 2000, na época que ele era editor de fanzines e até chegou a elaborar o primeiro site da minha produtora Canibal Filmes (que ficou no ar por alguns anos). Aliás, nesta época ele se chamava Roger Psycho (no livro conta a história de como ele ganhou o ótimo apelido de Pixixo). Metaleiro nascido e criado em Belo Horizonte, conheceu The Cramps e Ramones e partiu com tudo pro divertido cenário apolítico do Psychobilly e Rockabilly (que não tem aquele povo xarope vomitando regrinhas como nas cenas do Metal e do Punk, por exemplo), comprou um baixo e tocou em inúmeras bandas de BH, como “Osmose”, “Rock Mountain Fever”, “Scary Scums”, “Marrones”, entre outras. Também, após entrar para a Gang da Caveira Rock’n’Roll Club, começou a organizar eventos em Belo Horizonte, como o “BH Rumble”. Ou seja, Pixixo é um cara que faz a cena acontecer, não se limitando apenas a curtir sons e cervejinhas com amigos.

Segue uma pequena entrevista que realizei com Pixixo sobre seu empolgante livro.

Petter Baiestorf: Pixixo, obrigado por este lançamento , voltei a me sentir adolescente ao ler “Do Sudeste ao Sul – Na Estrada Selvagem do Rock”, relembrando muita coisa divertida do underground nacional antes dos anos 2000, época que para se conseguir material obscuro cara tinha que apelar para trocas via correio. Teu livro fala justamente desta época de transição no meio alternativo onde a Internet começou a aparecer e a mudar a forma como o pessoal conseguia material. O que você constata daquela época em relação aos dias de hoje, que basta saber o nome de alguma banda e baixar seus discos?

Roger Pixixo: Naquela época além dos correios para se conseguir material das bandas e mesmos filmes, a gente tinha também que ir aos shows. Você conhecia as bandas através dos shows e também conhecia gente desta maneira. Naquela época foi assim que conseguir angariar muita informação e conhecer gente interessante. Hoje em dia é tudo muito fácil. O cara baixa a discografia inteira de qualquer banda, baixa filmes… o HD do cara tem lá não sei quantos mil Giga de material e o cara acaba que não consegue ouvir tudo e nem assistir nada. Resultado, não assimila nada e pra mim não passa de um colecionar de mídia. O cara senta a bunda na cadeira em frente ao computador e não sai para ver shows undergrounds porque de alguma forma o cara vê isso no youtube e prefere ficar ali no conforto do lar.   

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Baiestorf: Seu livro está muito bem escrito e é diversão certeira. Como surgiu a idéia de escrever e lançar o “Do Sudeste ao Sul – Na Estrada Selvagem do Rock”?

Pixixo: Sempre gostei de escrever. Mas mantinha as coisas pra mim… resenhas de shows, filmes ou mesmo lembranças de casos e tudo mais. Eu tinha muito material e resolvi montar um quebra cabeça com elas de forma cronológica meio que na brincadeira e percebi que podia fazer um livro com tudo. Algo biográfico e também uma pequena pesquisa histórica da cena underground da qual participei como músico, observador e produtor. Me achei no direito de contar minha história, da cena e dos meus amigos. O original para você ter uma ideia tinha quase 300 páginas mas fui cortando algumas coisas e cheguei com este formato de 200 páginas que ficou bem bacana, fácil de ler e que prende o leitor. Estou tendo um feedback bem bacana do livro e estou muito feliz por ele.  

Baiestorf: Iniciativas assim são ótimas para a cena underground brasileira, seu livro é um registro histórico imperdível para quem se interessa pela cultura alternativa de BH e, também, do Psychobilly brasileiro. Como anda a cena atual em BH? E pelo Brasil?

Pixixo: Em BH o Psychobilly nunca teve uma força considerável seja por bandas ou público. O Baratas Tontas foi a primeira, depois de muitos anos fundei o Scary Scums, logo depois o Dead Goblins que teve vida curtíssima e hoje temos o Drunk Demons que mantêm o Psychobilly ainda vivo por aqui.  Aliás, BH neste quesito sempre foi forte e reconhecido pela cena Metal desde o inicio dos anos 80 e até hoje é forte tendo shows constantes e ainda com uma gama enorme de bandas e de muita qualidade, e o público também é imenso e fiel. Aqui se gosta de tudo e se mistura tudo, tirando o Metal, as outras vertentes andam juntas, por isso sempre fizemos os festivais e shows misturando tudo, Psychobilly, Surfe, Garage Rock e Rockabilly e sempre deu certo. Pelo Brasil a nata do Psychobilly ainda é o Sul, mais especificamente em Curitiba que sempre foi o polo do estilo no Brasil e com grandes festivais e as melhores bandas sempre saíram de lá. Em São Paulo também há muito do estilo mas nunca um festival emplacou por lá.

Baiestorf: Quem quiser conhecer as suas bandas, tanto antigas quanto novas, como faz?

Pixixo: Pode entrar em contato comigo direto pelo Facebook ou me mandar um e-mail no rogerpixixo@gmail.com porque eu tenho material de todas disponível para passar para o pessoal.

Baiestorf: Para o lançamento do livro você organizou o “Pixploitation”. Tu pode nos resumir como foi essa festança? Quais bandas tocaram?

Pixixo: E foi uma festança mesmo ! A casa tava lotada e o pessoal se divertiu muito… até eu que tive trabalho pra caramba durante todo o dia. Para dar um charme a mais eu passei em primeira mão em BH o Zombio 2 : Chimarão Zombies. A casa ainda tava meio vazia mas quem esteve lá aplaudiu o filme. Ele passou no telão na área dos shows, mas nas TV’s que tem ao longo da casa o pessoal que não tava vendo pelo telão pode ver nelas e como o som estava em toda a casa deu pra acompanhar tudo. Eu divulguei que para frescos e pudicos o filme não servia e felizmente não tinha gente assim lá. No decorrer da noite inteira o filme continuou a passar no telão. O dono da casa, o Edmundo pirou com o filme e quer que eu mantenha esta tradição lá. Estou até estudando uma noite especial com filmes da Cannibal por lá. Eu convidei para a festa as bandas Drunk Demons de Psychobilly, o Vô Diddley que é um Duo muito Louco que toca versões sujas e podres de Bo Diddley e The Cramps, o Drákula que é uma banda de malucos de Campinas oriundos de bandas como Muzzarelas, Calibre 12 dentro outras que toca um mescla de Surfe com Garage e Punk muito barulhento e pesada. Foi um show fodástico. Pra fechar a noite teve As Múmmias do Agito que é uma banda picareta de gente picareta que toca clássicos da Surfe como Link Wray, Ventures, Dick Dale, dentre outras, de forma como não se deve tocar ou ter uma banda. Mas foda-se, é divertido e sempre é sucesso, se a gente ensaiar perde o foco e o charme da coisa. No decorrer do show quando não se dá pra tocar mais músicas porque a gente não sabe, não se lembra ou por estarmos muito bêbados, tocamos “Comanche” o resto do show… nesse acho que ficamos tocando ela por uns 15 minutos. De surpresa eu acabei tocando com o Marrones lá também porque tava todo mundo da banda lá e usamos o pequeno tempo para mostrar em primeira mão algumas de nossas músicas próprias. Começamos a banda tocando só Ramones mas gradativamente vamos tocar só sons próprios. Vou manter a “Pixploitation!”, algo a rolar sempre de dois em dois meses. Deu muito certo. Foi muito divertido !

Pixploitation_Exibição do zombio 2

Baiestorf: Quando custa o livro e como o pessoal pode encomendar seu exemplar? Aliás, como anda as vendas?

Pixixo: O livro custa R$30,00, para quem é fora de BH custa R$35,00 devido ao custo com os Correios e para encomendar é só depositar a grana na seguinte conta :

 Banco Itaú

Agência 3158

Conta Corrente 79872-2

Rogério Andrade de Souza

Tem a página no Facebook também : https://www.facebook.com/estradaselvagemdorock

As vendas e o feedback tem sido bons. Na Pixploitaton! eu vendi todos os exemplares do livro que carreguei pra lá ! Melhor impossível. Espero mais encomendas !

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Baiestorf: O que podemos esperar de novos projetos do Pixixo?

Pixixo: Eu estou preparando um outro livro com sobras de histórias que não entraram neste e acréscimo de outras. Coisas que escrevi para o Zine Horror Gore que fazia muitos anos atrás. Algumas histórias sujas que ando escrevendo, tendo como referencia, o velho Buk. Tá divertido fazer esta compilação e será um lance não cronológico ou especifico. Até o fim do ano sai. Estamos eu e a TrashCan Records que também está por trás no lançamento do livro impresso trabalhando também na versão estendida e on line do livro com vídeos e depoimentos que pretendemos colocar no ar até o fim do ano também. Na área da música estou focado no trabalho com o Marrones que estamos preparando algo especial para o fim do ano com lançamento de um EP. Continuo como produtor de shows… minha cabeça fica o tempo todo cheio de ideias e tenho muitos projetos pra dar vida.

Baiestorf: Pixixo, mais uma vez obrigadão por este livro, eu realmente me diverti muito lendo ele (li tudo de uma sentada só). Fica o espaço aqui do Canibuk para você falar o que quiser sobre o livro e a cena underground brasileira:

Pixixo: O livro serve muito para todo mundo que tem o que falar e mostrar do que vê e viu de alguma coisa. Eu não sou escritor e nem tenho a ambição de me tornar um, é apenas um relato de histórias que coloquei no papel e que todo mundo também pode fazer. E isso é direcionado para música também e produção de shows. Tem muito mimimi e pouca gente fazendo algo. Faça… que seja uma bosta, um lixo… foda-se, o lance é colocar a cara pra bater mesmo e sempre fazer e produzir algo.  Meu livro conta sobre isso e espero ver iniciativas parecidas por aí.

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