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Epílogo de Libelo Contra a Arte Moderna

Posted in Arte e Cultura, Literatura, Pinturas with tags , , , , , , , , , , , , , on dezembro 20, 2013 by canibuk

De toda a revolução moderna uma única idéia não envelheceu, e permanece tão viva que será o fundamento de um novo classicismo que se espera de forma iminente. Nenhum dos críticos ditirâmbicos da velha arte moderna ainda a assinalou. Trata-se nada menos que do famoso segundo a natureza de Paul Cézanne (Natureza é o nome que o pintos dá à física).

A Descontinuidade da Matéria

A descoberta mais transcendente de nossa época é a da física nuclear sobre a constituição da matéria. A matéria é descontínua e qualquer experiência válida na pintura moderna só pode e só deve partir de uma única idéia, tão concreta quanto significativa: a descontinuidade da matéria.

Essa descontinuidade é anunciada pela primeira vez na história da arte pelas pinceladas corpusculares de Vermeer e os toques de pincel no ar de Velazquez. Do mesmo modo, foi o impressionismo que inventou pela primeira vez a divisão da luz. Os confetes cromossomáticos de Seurat são o ato notarial da descontinuidade da matéria. A colisão sádica das complementares no perímetro – abaulado pelo movimento browniano – das maçãs de Cézanne não são senão as manifestações físicas do movimento da matéria descontínua.

No cubismo gris de Picasso, a fragmentação reintegradora da realidade é apenas um exemplo da vontade feroz dessa realidade para conservar um aspecto figurativo em plena descontinuidade da matéria. Os dilaceramentos viscerais do genial Boccioni são o anúncio antecipado do dinamismo supersônico e os apolos gloriosos da descontinuidade da matéria. “O Rei e a Rainha” de Duchamp podem ser atravessados por nós em velocidade por causa da descontinuidade da matéria. Os relógios de Dalí são moles porque são o produto masoquista da descontinuidade da matéria. Os sinais de Mathieu são os decretos régios da descontinuidade da matéria.

A efervescência dionisíaca está aí, mas toda essa heterogeneidade heróica nada valerá esteticamente enquanto não tiver sido encontrada a forma artística e clássica de uma cosmogonia apolínea.

Para que as forças vitalmente heterogêneas e antiacadêmicas da arte moderna não pereçam no ridículo anedótico do simples diletantismo experimental e narcísico, é preciso três coisas essenciais:

1) Talento e, de preferência, gênio (desde a Revolução Francesa, desenvolve-se uma viciosa tendência cretinizante que consiste em considerar que os gênios (excetuada sua obra) são em tudo criaturas mais ou menos semelhantes ao resto comum dos mortais. Essa crença é falsa. Afirmo por mim, que sou o gênio moderno por excelência).

2) Reaprender a pintar tão bem quanto Velazquez e, de preferência, como Vermeer.

3) Possuir uma cosmogonia monárquica e católica tão absoluta quanto possível e com tendências imperialistas.

É somente então que, nietzschianos às avessas, isto é, aspirando ao sublime, observaremos a olho nu, “segundo a natureza”, o arcanjo antiprotônico tão divinamente explodido que poderemos enfim mergulhar nossas mãos de pintor entre os cromossomos fissionados de sua substância rouxinolesca, para tocar com nossos dedos doloridos e inchados de sangue o tesouro descontínuo e desejado desde nossa própria juventude. E, acreditando como Soeringe que comandamos tudo por nossa vontade de potência em potência, sei que tocaremos então nossa própria divindade de pintores.

Lido, aprovado e assinado: Salvador Dalí.

do livro “Libelo Contra a Arte Moderna” de Salvador Dalí, editora L&PM.

Paul Cézanne

Paul Cézanne

Johannes Vermeer

Johannes Vermeer

Diego Velázquez

Diego Velázquez

George Seurat

George Seurat

Pablo Picasso

Pablo Picasso

Umberto Boccioni

Umberto Boccioni

Marcel Duchamp

Marcel Duchamp

Georges Mathieu

Georges Mathieu

Salvador Dalí

Salvador Dalí

Serge e Jane, Um Casal Pervertidamente Perfeito!

Posted in Cinema, Música with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , on maio 9, 2012 by canibuk

Serge Gainsbourg e Jane Birkin  protagonizaram uma das parcerias mais interessantes  da história da música e também do cinema. O casal uniu criatividade e ousadia e presenteou o mundo com uma arte provocante e apaixonada que até hoje é referência e segue sendo admirada em todo o mundo.

Jane Birkin, nasceu em Londres  em 14 de dezembro de 1946. Ousada,  ganhou notoriedade aos vinte anos ao fazer uma ponta no filme de Antonioni “Blow-up – Depois Daquele Beijo“, de  1966.  O Serge, nasceu em Paris em 1928, controverso, compulsivo por cigarros, álcool e mulheres, era um provocador nato e bom na arte de se auto promover. Entre suas estripulias estão a versão iconoclasta que compôs do hino francês, o que despertou a ira dos “grandes”, a provocação ao queimar 500 francos num programa de tv para denunciar a corrupção e ganância do governo e o vídeo hilário onde, completamente bêbado, ele canta de forma grotesca e descarada a Whitney Houston num programa de tv.

Mas Gainsbourg foi muito mais que um mero provocador sem limites. Sua importância para a cultura francesa é inestimável. Seu primeiro disco passou despercebido pelo público, mas agradou fortemente a crítica. Em pouco tempo ele já se desdobrava entre gravar suas canções e compô-las para outros. O sucesso começou a surgir quando conheceu sua primeira lolita, a cantora France Gall, de 18 aninhos. A ninfeta começou a aparecer na tv com um pirulito nas mãos enquanto cantava uma música composta pelo Serge que era recheada de duplo sentido “(…) Annie gosta de pirulitos, pirulitos de anis. Dê-lhe beijos de ânis. Veja quando ela o tem em sua língua (…)” que só não foi percebido pela mesma. Ao ser alertada  do sentido da letra, Frances  cortou relações com o Serge. E assim a França começava a prestar atenção nesse transgressor deliciosamente excessivo, provocador ferrenho dos puritanos, feio com cara de ressaca, defensor do hedonismo individual e conquistador das mais belas mulheres  que já cruzaram o seu caminho. Mais tarde tornaria-se  mentor e, em seguida, amante de Birkin que, ao contrário da Brigitte Bardot, não tinha nada de voluptuosa. Serge e Jane se conheceram durante as filmagens de “Slogan” 1969, de Pierre Grimblat. Num momento onde o Serge já era famoso e a Jane não passava de uma aspirante, ela passou por maus bocados ao enfrentar um teste de tela sem saber falar francês muito bem e ao ter de lidar com um parceiro de cena que ela não conhecia, mau humorado e que ainda tentava se recuperar da ruptura do relacionamento com a Brigitte Bardot. A coisa toda não andava, a Jane se desmanchava em lágrimas e o Serge ficava impaciente. Depois de reconhecer que ela merecia  ser a co-estrela do filme, o já grande e influente artista francês parou de implicar e a aceitou no papel.  Assim começava  o romance de um dos casais  mais ousados dos anos 70. Casaram-se no mesmo ano.

“Je T’Aime Moi Non Plus” (“Paixão Selvagem”, 1976, 83 min.) de Serge Gainsbourg. Com: Joe Dallesandro, Jane Birkin e Hugues Quester.

Uma introdução musical: No inverno de 1967 Brigitte Bardot pediu para Serge, então seu amante, que lhe escrevesse a mais linda canção de amor e ele criou a clássica e ofensiva (para recalcados) “Je T’Aime Moi Non Plus”, que trazia  um conteúdo fortemente sexual, com gemidos, sussurros, respiração ofegante, lembrando um orgasmo feminino. Mas assim que a notícia das gravações chegaram aos ouvidos do milionário cornudo Günter Sachs (então marido de Bardot, que ganhou fama mundial como documentarista e colecionador de arte), Bardot pediu para que Gainsbourg não lançasse a música. A versão com a Bardot ficou inédita por quase vinte anos.  Quando Serge começou a namorar com a inglesa Jane Birkin pediu para ela regravar a canção com ele (que topou por ciúmes de que ele procuraria outra cantora, coisa que ele fazia sempre, pois antes de Jane ele já havia convidado Marianne Faithfull, Valérie Legrange e Mireille Darc) e no ano seguinte chegava às lojas o single com “Je T’Aime Moi Non Plus”, com uma capa simples onde se lia a frase “Proibido para menores de 21 anos”. Como curiosidade, o título da canção foi inspirado numa frase de Salvador Dalí que dizia: “Picasso é espanhol, eu também. Picasso é um gênio, eu também. Picasso é comunista, nem eu”. A canção criou um escândalo enorme, tendo despertado a fúria do Vaticano que a considerou fortemente imoral e pediu ao governo Italiano que a proibisse de ser tocada nas rádios. Despontava-se um grande alvoroço e a canção foi  mesmo proibida não só na Itália, mas em vários outros países, incluindo Brasil, Suécia, Espanha e Portugal. Porém, ao contrário do que queriam as autoridades e moralistas nervosos, todo esse empenho para vetar a “imoralidade” aguçou ainda mais a curiosidadde das pessoas e fez a música  chegar ao topo de número de vendas.  Surgiram várias versões  da música, em japonês inclusive. Mesmo sem a divulgação das rádios a canção vendeu dois milhões de cópias em seis meses.  Bardot, por sua vez, só liberaria o lançamento da versão original em 1987 com a intenção de reverter todo o recurso obtido com as vendas para um instituto que até hoje mantém em defesa dos animais.

“Je T’Aime Moi Non Plus” Versão Serge e Jane (nossa preferida):

“Je T’Aime Moi Non Plus” Versão Serge e Bardot:

Em 1976 Serge Gainsbourg escreveu um roteiro inspirado na sua mais famosa canção. “Je T’Aime Moi Non Plus” conta a história de um casal de homosexuais que cruzam o caminho da garçonete Johnny (Jane Birkin), uma jovem mulher com visual masculino sem muitas perspectivas de futuro. Krassky (interpretado por Joe Dallesandro, que já era uma lenda no cinema underground por conta de seus filmes com Andy Warhol) tem um caso com Johnny para fazer ciúmes em seu parceiro Padovan (Hugues Quester). Sem conseguir ereção para o coito vaginal, as frustrações dos amantes vai crescendo até o momento em que Johnny se deita de modo que somente sua bunda masculinizada fica aparecendo, visão que enlouquece Krassky que tenta fazer sexo anal com ela. Mas a dor do sexo anal é tão grande para a jovem que seus urros de dor/prazer os fazem ser expulsos de todos os móteis decadentes onde tentam fazer amor.

“Je T’Aime Moi Non Plus” é um filme maldito, com clima sujo, narrativa lenta e uma história de provocação. O verdadeiro romance do qual o filme fala é entre Krassky e seu parceiro Padovan, que lutam contra os preconceitos e a mediocridade da sociedade impondo seu modo de viver. Abusados, estes homosexuais não são afeminados, ao contrário, são dois trabalhadores braçais que sabem como se defender. Johnny é apenas um instrumento usado por Krassky para fortalecer o fogo da paixão com seu parceiro. Serge fala sobre a escória humana, sobre pessoas cujos sonhos acabaram naquele ambiente meio rural/meio indústrial de periferia, onde a maior diversão dos trabalhadores braçais é assistir um striptease amador com mulheres reais feiosas, visivelmente constrangidas, num sábado a noite. Atentem para a participação especial de Gérard Depardieu no papel de um debochado homosexual (nos anos 80 ele viria a se tornar um dos atores franceses mais famosos do cinema).

“Je T’Aime Moi Non Plus” é o primeiro filme de Serge Gainsbourg (que já havia dirigido vários comerciais para a TV francesa). O interesse de Gainsbourg por cinema começou quando co-estrelou com Rhonda Fleming o épico italiano “La Rivolta Degli Schiavi” (1960) de Nunzio Malasomma, onde fazia o papel de Corvino, um dos soldados do imperador romano. Além de “Je T’aime Moi Non Plus”, dirigiu mais 3 longas: “Équateur” (1983), “Charlotte For Ever” (1986) e “Stan the Flasher” (1990), além de alguns documentários para a TV (como “Cinéma Cinémas” de 1982 e “Springtime in Bourges” de 1987) e alguns curta-metragens como “Le Physique et le Figuré”, 1981; “Scarface”, 1982 e “Bubble Gum”, vídeo minuto de 1985. Compôs mais de 40 trilhas para filmes e suas canções continuam sendo incluídas em filmes pelo mundo a fora. Em 1980 ele e Jane fizeram participações no cult “Egon Schiele Exzess” de Herbert Vesely, infelizmente não lançado aqui no Brasil em DVD. Em 2010 foi lançado o filmaço “Gainsbourg (Vie Héroïque)” de Joann Sfar que recomendo aos fãs e não-fãs do genial compositor.

Jane Birkin, após ter chamado atenção no clássico “Blow-Up” (1966) de Michelangelo Antonioni (nesta época ela era casada com John Barry, compositor do tema de James Bond), trabalhou no psicodélico “Wonderwall” (1968) de Joe Massot, com todos os maluquinhos de plantão da Londres dos anos 60. Mesmo sem falar francês, ganhou o papel em “Slogan”, uma sátira ao mundo dos publicitários. Depois de uma curta pausa na carreira de atriz, retornou como amante de Brigitte Bardot na comédia “Don Juan ou Si Don Juan Était une Femme” (1973) de Roger Vadim, que eu gostaria muito de saber como era o convívio no set de filmagens, com Roger Vadim (ex-esposo) e Serge Gainsbourg (ex-amante) encarando Bardot enquanto Birkin (esposa de Gainsbourg) a pegava na história do filme. Sempre trabalhando com diretores interessantes, Birkin construiu uma carreira de respeito que incluí clássicos como “La Morte Negli Occhi del Gatto” (1973) de Antonio Margheriti, “Death on the Nile” (1978) de John Guillermin, “La Fille Prodigue” (1981) de Jacques Doillon, “Evil Under the Sun” (1982) de Guy Hamilto, entre outros. Jane é mãe da também atriz Charlotte Gainsbourg que tem causado sensação nos filmes dirigidos por Lars Von Trier.

“Je T’Aime Moi Non Plus” no Brasil recebeu o título de “Paixão Selvagem” e já foi lançado em VHS pela distribuidora Vídeo Cassete do Brasil e em DVD pela Cult Classic, sem nada de material extra, lógico. Filme obrigatório a todos amantes de cinema maldito.

por Leyla Buk e Petter Baiestorf.

Veja os trailers:

Nazimova: A Salomé do Cinema Mudo

Posted in Cinema with tags , , , , , , , , , , , , , , on outubro 14, 2011 by canibuk

Essa pequena introdução sobre os primórdios do cinema não se pretende definitiva, é somente um pequeno panorama de como as coisas funcionavam naquela época e não eram nenhum pouco diferentes do que são hoje em dia.

O cinema surgiu graças à invenção do cinematógrafo dos irmãos Lumière no finalzinho do século XIX. Em 28 de dezembro de 1895, em Paris (França), eles realizaram a primeira exibição pública com ingressos da história do cinema, exibindo uma série de 10 filmes com duração de, no máximo, um minuto cada (naquela época os rolos de filmes tinha somente 15 metros). O cinema como diversão das massas começou a se esboçar com as produções de George Méliès, um mágico ilusionista que realizou pequenos curtas já com o uso dos efeitos especiais e empolgantes histórias de aventura como o clássico “Le Voyage dans la Lune/Viagem à Lua” (1902); as produções do espanhol Segundo de Chomón que realizava aventuras cheias de trucagens visuais e coloridas (ele coloria seus filmes, quadro à quadro, com um pincel. Anos atrás baixei vários curtas dele pelo site UBU e achei suas produções bem superiores às produções de Méliès); e por último, mas não menos importante, as produções de Thomas Edison, que em 1910 produziu um pequeno clássico baseado no livro de Frankenstein de Mary Shelley (já postamos este filme de Thomas Edison aqui no Canibuk).

"La Casa Hechizada", 1906, de Segundo de Chomón.

Em seguida o diretor David W. Griffith, um dos pioneiros de Hollywood, e o russo Sergei M. Eisenstein, foram os grandes responsáveis pela construção dos longa-metragens, cujas fórmulas são usadas até nos dias de hoje. “The Birth of a Nation/O Nascimento de uma Nação” (1915) de Griffith e “Bronenosets Potyomkim/O Encouraçado Potemkim” (1925) de Eisenstein, servem até hoje como bases sólidas para a montagem dos filmes. Caminhando junto, na Alemanhã surgiu o estilo conhecido como Expressionismo que deu alguns clássicos do início da história do cinema, como “Das Cabinet des Dr. Caligari/O Gabinete do Dr. Caligari” (1919) de Robert Wiene, com seus cenários alucinantes, “Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens/Nosferatu” (1922) de F.W. Murnau (uma versão não autorizada do livro “Drácula” de Bram Stoker) e “Metropolis” (1927) de Fritz Lang, uma verdadeira obra-prima da sci-fi cinematográfica e da sétima arte. E em Paris, vários surrealistas experimentaram desconstruir filmes, criando lindas peças poéticas de surrealismo em movimento, como “Le Retour à la Raison” (1923) de Man Ray, “Le Ballet Mécanique” (1924) de Fernand Léger, “Entr’Acte” (1924) de René Clair, “Anémic Cinéma” (1926) de Marcel Duchamp, “La Coquille el le Clergyman” (1927) de Germaine Dulac e o clássico “Un Chien Andalou/Um Cão Andaluz” (1929) de Luis Buñuel com colaboração de Salvador Dali. Prá sorte dos tarados, o cinema é uma arte voyeur por excelência, e nesta mesma época já surgiram os primeiros filmes pornográficos. Várias coletâneas com pornôs que teriam sido rodados nos anos de 1920 foram lançadas aqui no Brasil em VHS/DVD. Uma busca rápida pela internet é possível ver vários destes filmes eróticos do tempo de nossas tataravós.

Com essa pequena introdução sobre os tempos do cinema mudo, Canibuk apresenta agora a lendária atriz Alla Nazimova, que merece ser redescoberta por uma nova geração de cinéfilos.

Rotulada pela crítica como “bizarra”, Alla Nazimova teve uma vida pessoal nada convencional  e uma carreira cinematográfica que, embora tenha sido única, não recebeu o apreço merecido naquela época.

Nazimova nasceu na Rússia em 1879, era a mais nova de três filhos, cresceu em meio à violência familiar, com um pai extremamente bruto, tendo uma vida instável. Com a separação dos pais, foi morar ainda criança com uma família na Suiça onde sofria abusos sexuais dos dois irmãos adotivos. Em meio aos abusos e vida conturbada foi descobrindo seus talentos musicais e aos sete anos começou a ter aulas de violino. Voltou logo pra Rússia e continuou tendo aulas, chegando a executar um concerto de Natal. Aos 15 anos decidiu ser atriz. Foi ajudada por um velho rico que conheceu nas ruas onde se prostituia e conseguia a renda pra poder pagar seus estudos.  Fez grandes peças de teatro e em  Nova York suas performances na Broadway recebiam grandes destaques e ela logo se tornaria a queridinha por aquelas bandas. Ainda nessa época, se tornou amante da Emma Goldman, a grande líder feminista e anarquista. Em breve, Emma a abandonaria por não conseguir mais suportar suas incontáveis relações com outras mulheres.

O primeiro convite pro cinema surgiu em 1915, onde ganhou um papel no “War Brides“, filme que trazia um apelo pacifista naquele período onde emergia a Primeira Guerra Mundial. Com o sucesso do filme assina  contrato de 13.000 dólares semanais com a MGM e várias regalias, como poder escolher diretor, roteirisa e ator principal dos filmes. Em três anos, estrelou onze filmes, entre eles “Revelation” (1918), onde faz uma prostituta, “Toys of Fate” (1918)  onde faz dois papéis: uma mulher que tenta suicídio após ser abandonada pelo pai de sua filha, e como a filha crescida empenhada em vingar a mãe, e “La Lanterne rouge” (1919) onde faz papel de duas irmãs capturadas numa rebelião.  Seus papéis que a apresentavam como uma mulher exótica, independente e devastada por sentimentos angustiantes e problemas pessoais  lhe garantiram uma fama considerável.  No auge da carreira, Nazimova provocava e animava ao mesmo tempo em que apavorava Hollywood com as grandiosas festas regadas a orgias e drogas que dava em sua mansão chamada de “Jardim de Alá“, festas que contavam sempre com a presença de várias de suas amantes, mulheres como a roteirista June Mathis, a cenógrafa Natacha Rambova e a cineasta Dorothy Arzner.

Mesmo com a fama no cinema, continuou a fazer teatro e em 1920 começou a produzir seus filmes, que foram um fracasso de bilheteria.  No mesmo ano, seu filme experimental “Afrodite” que trazia cenas de lesbianismo, foi perseguido por grupos religiosos e proibido, tendo seus rolos queimados. Também produziu, escreveu e dirigiu “Salomé” (1923), onde todo o elenco é homosexual e, como em todos os seus filmes, traz um erotismo gritante e teve uma reputação escandalosa. Nazimova também financiou todo o filme, que foi um fracasso de bilheteria e a deixou totalmente quebrada. Começou a ser perseguida e a sofrer na pele por ser o que era, mulher livre e homosexual,  iniciou-se uma série de rejeições para filmes, foi acusada de comunismo e chegou a tentar suicídio. Tentando fugir da perseguição que sofria, vendeu sua mansão e com a repressão ao lesbianismo que só crescia nos EUA, decidiu passar um tempo em Paris, onde  namorou a sobrinha de Oscar Wilde.

Salomé (1923)

Em 1940, já de volta aos Estados Unidos,  começa a fazer cinema outra vez e participa de filmes como “Escape” (1940), “Sangue e Areia” (1941) e “Since You Went Away” (1944), seu último filme, feito um ano antes de sua morte. Alla Nazimova morreu vítima de uma trombose coronária, em 1945, aos 66 anos, publicou neste mesmo ano uma biografia onde faz grandes revelações.  Não é a toa que essa grande atriz é pouco falada e conhecida pela nova geração, quase não se acha mais seus filmes por aí. Tendo mais de 20 filmes, menos de seis sobreviveram ao tempo e as perseguições sofridas.  É lamentável!

Nazimova quebrou todas as regras de uma época onde os grupos religiosos estavam em alta, sofreu todo o tipo de preconceito e teve um papel importantíssimo na introdução da idéia de emancipação feminina naquele período nos EUA. Um grande exemplo de liberdade e de como a sociedade persegue desde sempre aqueles que não vivem de acordo com o que é pregado como certo e moral.  Revoltante.

Sobre todos eles e nenhum de nós

Posted in Literatura, Nossa Arte with tags , , , , , , on julho 25, 2011 by canibuk

Insetos retorcidos pela luz dançaram tangos sobre o balcão. Suas asas de alumínio rasgaram o ar e riscaram os copos dos bebuns sorridentes. Baratas que voaram. Baratas com asas de alumínio, baratas que refletiram a luz distorcida de cores vibrantes ao lado oeste do minuto segundo desgraçado único. Baratas com asas residiam dentro de minha cabeça. Pudim com caramelo elas comiam no dia de todos os Santos Estrumes Sagrados Da Liberação Da Rosquinha Papal. Êxtase brilhante que dilatava minhas pupilas enquanto baratas voavam por ai sem rumo. Fui a morada destes bichinhos. Meu pudim cerebral era o alimento. Baratas com asas nunca precisaram dirigir carroças porque bastava que batessem suas asas de alumínio para que voassem por ai sem rumo. Voaram da Lua para Marte, deslizando entre um e outro asteróide colorido que rastejavam no vácuo espacial especial. Baratas que destruíram carros de alumínio do povo trabalhador que não comiam pudim cerebral todo dia. Meu pudim cerebral era o alimento. Alimento das baratas com asas de alumínio que residiram dentro de minha cabeça. Um ninho havia ficado no lugar do cérebro. Cérebro de Pudim. Pudim de caramelo. Amarelinho igual ao pus. Voaram elas surfando entre as estrelas e jogaram cores em meus olhos antes negros que derreteram virando umas bolas iluminadas pela luz ao lado oeste do minuto segundo desgraçado único…

escrito por Petter Baiestorf.

Salvador Dalí

Posted in Arte e Cultura, Bizarro, Entrevista with tags , on maio 14, 2011 by canibuk

Na última quarta-feira (11 de maio),  se estivesse vivo,  Salvador Dalí faria 107 anos e, em homenagem a este gênio e maluco, que tinha como um dos passa-tempos preferidos chocar e chocar mais e mais um pouco, Canibuk posta aqui uma entrevista, publicada originalmente em castelhano, concedida ao L’express no dia 06 de abril de 1971. A entrevista mostra o Dalí como ele sempre fez questão de ser em toda a vida: polêmico.

Divirtam-se com o homem que é o prórpio Surrealismo e que, com muito esforço, jamais passou despercebido…

Salvador Dalí, para muitas pessoas é um dos maiores pintores vivos, um escritor maravilhoso, uma inteligência notável. Mas, para  grande parte do público é considerado um mistificador, apaixonadamente em busca de publicidade.  Você mesmo, como se define?
Eu sou um dos poucos artistas contemporâneos que sempre se recusou a pertencer a um partido ou de qualquer agrupamento político. A história é minha paixão, porque é “mais” por excelência, enquanto a política é apenas a história da história efêmera.

Dentro da história da pintura, não é você, também, uma efêmera história?

Eu disse e repito, eu considero que como  pintor sou um artista medíocre.  Quando me comparo com os grandes pintores do passado, Vermeer, Velázquez, e Gérard Dou, a quem eu descobri no Petit Palais, a exposição do Age of Rembrandt, considero-me uma catástrofe artística.  Mas, pelo contrário, se eu me comparar com meus contemporâneos, então, obviamente, eu sou o melhor. Não é que seja bom, mas os outros são tão ruins que a comparação se revela impossível.

Em que artistas pensas? Em Picasso?                                                                                                                                                                                                           Em todos.  Eles têm duas coisas terríveis. Em primeiro lugar, a lógica herdada de Descartes, uma catástrofe. Em segundo lugar, o que chamam de bom gosto.  Com isso se tem construído o mito da pintura moderna, absolutamente ilegítimo.

Porque és inimigo de Descartes e de seu sistema cartesiano?
Porque Descartes baseia-se principalmente nos fenômenos tradicionais de inteligência, e inteligência está produzindo seu fracasso em todos os lugares.

Você pode esclarecer os sinais deste fracasso?
Teria de perguntar ao príncipe de Broglie, ou Heisenberg. Os escritos de Heisenberg mostram o total fracasso da inteligência.

Você mesmo, se considera inteligente?
Eu sou um monstro de inteligência.  Em uma sociedade como a nossa, é perigoso ter muitos Picasso e Dali. Felizmente, não é o caso.

Lamenta ser inteligente?
Eu sinto muito por minha pintura. Pintores muito menos brilhantes do que eu, por exemplo, Gerard Dou, poderiam ir muito mais longe, por causa da sua própria mediocridade.  Isso me impressionou ao ver, no Petit Palais, a pintura de “balão de Mulheres”.

Por isso modificará sua pintura?
Absolutamente.  Como eu já disse cem vezes, eu gostava de Vermeer. Para mim foi o maior de todos os pintores. Em Gerard Dou nunca quis parar, ao contrário de meu pai que sempre me disse: “Dou é o melhor”.  Mas meu pai morreu há algum tempo… E no outro dia no Petit Palais, pela primeira vez na minha vida, olhei realmente os quadros de Dou, que depois eu soube, foi um dos pintores favoritos de Luís XIV… E então me encantei.  Retiro tudo o que eu disse antes sobre Meissonier, sobre pintores pedestres. A arte máxima de pedestres estava lá, nesse quadro “Mulheres hidrópicas” pintado sem pretensão, mas com uma nobreza que transcende tudo isso, uma série de nuances que você não pode imaginar que um olho humano teria notado. A fotografia nunca será capaz de sutilezas semelhantes. É a alegria total.  Sem dúvida, este é o caminho a seguir.

Você é a favor da honestidade na pintura?
Pela honestidade em tudo.

Qual é a sua definição de pintura?
Fui o único, no período surrealista, que disse: “A pintura é a fotografia a cores do pincel. Nada é mais surreal do que a realidade. A existência da realidade é a coisa mais misteriosa, mais sublime e surreal que se dá. Pintei duas vezes na minha vida cestos de pão.  Eu pensei que eram fotos menos surreais do meu trabalho, já que havia apenas cestas de pão dentro. Mas eu acabei de descobrir, lendo Michel Foucault, o significado esotérico da cesta.  Ambas as naturezas-mortas que, aos meus olhos, no momento em que as pintava, não tinham nenhum significado, são talvez as coisas mais surreais que eu fiz.

Se pode ser surreal sem saber?
Especialmente sem saber.  Além disso, esta foi a opinião de Freud.  Um dia descobriu, antes de mim, que os surrealistas não lhe interessavam.  E como eu estava com medo, sabendo que foram baseadas em cima dele, ele disse: “Prefiro os quadros em que não há  traço aparente de surrealismo. Estes eu estudo. Ali encontro tesouros do pensamento subconsciente”.

Mas você pertence mais à categoria oposta.  Em suas pinturas mais famosas, “A Metamorfose de Narciso”, que está na Galeria Bolsa de Londres e em “O Enigma de Guilherme Tell”, em Estocolmo, o subconsciente está em toda parte, dominam temas psicanalíticos.
Ah, sim! No entanto, eu sou o produto do surrealismo consciente. Mas agora eu descobri Gérard Dou, isso vai mudar.

Como pintará?
Quero fazer  pinturas surrealistas sem saber, tais como cestos de pão.  E para começar, pintar o retrato de Gala, minha esposa, a quem mais amo, com o vestido de Deus levando a noite de Natal.  Um vestido de lamé formado de pequenos flocos de todas as cores.  A coisa mais difícil de pintar do mundo. Leve o tempo que levar. Será o quadro mais caro do mundo.

Você acha que as pessoas que compram Dalí fazem uma boa coleção?
Pergunte  ao Sr. Morse, que vai abrir um Museu Dalí, em Cleveland. Parece realmente nadar em felicidade.

Ainda tem grandes inimigos vivos?
Acho que nenhum. Mas eu gostaria que o mundo inteiro fosse meu inimigo. As pessoas inteligentes que estão contra mim são muito valiosas… O pior, terrível, são as pessoas estúpidas que me defendem.  Os subdalinianos.

Qual escritor estima mais?
Na minha opinião, o maior gênio é Raymond Roussel, ou seja, exatamente o oposto de Jules Verne. Considero Julio Verne  um dos idiotas mais fundamentais do nosso tempo. A humanidade embarcou nas suas meninices… Começando com a conquista do espaço, onde não há absolutamente nada para encontrar, já que o universo inteiro converge em direção à Terra, e a Terra é o único planeta que se manifesta esse fenômeno que se chama vida. Pra quê conquistar a Lua se, inclusive em nosso planeta, existem muitas áreas que não valem nada? A única seção significativa da Terra é, em última análise, a região entre Figueras e Toulouse.  Mas mesmo ali há realmente muito poucas coisas que valem a pena.

O prazer, a festa, qual o papel que desempenham na sua vida?
Um papel essencial. Eu acho que a vida deve ser uma festa contínua. Sou contra Descartes, porque ele era um homem que pensava. Eu nunca penso, jogo. O homem que mais odeio no mundo, eu vou dizer, é Auguste Rodin.  Porque ele é o autor de uma escultura abominável que representa um pensador, a cabeça apoiada em uma mão. Nesta posição, você nunca pode criar. Ou defecar. Você só pode criar as condições para jogar.  Os maiores cornudos de todos os tempos são pessoas como Rodin, Descartes e, sobretudo, o Karl Marx. Um cara que passou, deus sabe quantos anos, escrevendo O Capital.  Tudo o que ele disse é o inverso da realidade. Entre outras coisas, previa a luta de classes: já não há porque as classes desaparecem.  Pelo contrário, ele não tinha previsto a verdadeira luta de nosso tempo, ou seja, a luta das raças.  Na China, o Japão, Israel, o mundo árabe, etc: nada, nem uma palavra. Isso não é surpreendente. Karl Marx, como Descartes, era um indivíduo de infecções respiratórias. Os digestivos são um tipo muito mais interessante.

E você, está entre os digestivos?
Eu digiro cada vez com maior satisfação.  Eu descobri que a coisa mais importante na vida é o momento da excreção. Uma coisa que mexe comigo é a banalidade das latrinas. Seja Kruschev, Stalin, todo mundo está reduzido a usar as mesmas.

Quer mudar isso?
Projetando uma espécie de assento de honra.  Eu desenhei. Vou expor. São os golfinhos.  No sepulcro dos romanos, dois golfinhos entrelaçados pela cauda. Eu coloquei os golfinhos de costas, a cauda para baixo, duas cabeças no ar. De modo que se possa utilizar cada boca para um uso específico.  Isso me lembra uma história maravilhosa que  disse o poeta Federico García Lorca.  Seu amigo, o compositor Manuel de Falla, era muito profundo, muito maníaco. Um dia ele disse ao Lorca: “Eu vou a um show. Você pode preparar a mala?”. Ele acrescenta: “Tome essa tabela e coloque-a no meio” – “Por que?”. “Porque eu nunca misturo o que toca nas partes nobres da buzina com cuecas e meias, sempre separo em minha mala “…

Voltamos a festa. O que essa palavra significa para você?
Para mim, a festa é o fogo de artifício constante. É encontrar pessoas a quem se ver muito pouco, dizendo coisas que influenciam, para mudar sua mente, perturbá-la, torná-lo mais inteligente. Embelezar o feio e estragar o belo. É manipular as pessoas da minha época divertindo-as.

Como suporta a solidão?
Eu nunca estou sozinho.  Eu tenho o hábito de estar sempre com  Salvador Dalí. Acredite em mim, é uma festa permanente.

A pintura faz parte da festa?
E não! Em minha casa em Port Lligat, quando eu pinto, eu sigo o conselho do Rafael, que disse: “Quando você quer conseguir alguma coisa, tem que pensar sempre e acima de tudo em outra coisa”. Então, quando eu pinto, Gala sempre me lê livros, não escuto o que lê, porque eu ouço música, ao mesmo  tempo.  Mas, na verdade, tão pouco ouço a música. Porque eu penso em outras coisas. Ao terminar o dia  estou muito surpreendido com o que fiz, sem saber certamente como saiu… Cada pintura é o produto de uma festa perpétua da minha mente.

A técnica não lhe dá trabalho?
Eu não me preocupo com isso. Quem se preocupa com técnica erra em tudo.

Onde você conseguiu a sua técnica? Aprendeu na escola?
Frequentei a Escola de Belas Artes em Madrid, uma das melhores escolas do mundo.  Mas não aproveitei as lições que me davam, porque naquela época era o cubismo. No entanto, algo deve ficar. Um dia alguém me disse: “Tens uma técnica extraordinária, devia escrever um livro sobre a técnica”.  Então, eu escrevi esse livro. Brincando.  Inventei receitas completamente fantasiosas. Agora, quando quero pintar alguma coisa, me volto a esse livro escrito em tom de brincadeira.  O que significa que, no fundo, eu jamais brinco. Às vezes eu digo coisas para impressionar os jornalistas, para chocar. Muitas vezes, o que eu disse brincando revela-se mais verdadeiro do que julgam.

Você fala sobre as suas festas pessoais. Mas nunca pinta seus quadros para o prazer dos outros?
Não, não. A finalidade dos quadros, realmente, é puramente comercial. Uma citação de Gustave Moreau me impressionou: “Deixo de pintar minha parte, só quando eu ver que o ouro surge da ponta do meu pincel.”. Observo isso ao pé da letra. Inclusive pescadores de Cadaqués, dizem: “Aquele porco do Dali, com seu pincelzinho, faz ouro.”. Sou místico como todos os espanhóis.  Ser místico é fazer ouro.

Não foi esse amor pelo ouro que o tornou impopular com os surrealistas, especialmente com André Breton?
Eu digo com Luís XIV: “O surrealismo sou eu. Todos os outros se enganaram, porque eram românticos.”. Dito isso, eu fiquei realmente surpreso quando recebi a notícia da morte de André Breton, ao ler lá: “Ele buscou o ouro do tempo”.  Isso pareceu muito estranho, vindo de um homem que tanto havia me acusado de desejo e, para me designar, tinha inventado o apelido de “Avida Dollars”, um anagrama de Salvador Dali.  Então eu pensei: “Ele buscou o ouro da época, e eu o encontrei.”

O que o autoriza a dizer que o Surrealismo é você?
Eu sou o único surrealista realmente saído do romantismo. Os outros, com o seu romantismo, provocaram todas as catástrofes. A invasão de Hitler é o produto do Surrealismo, a revolução de maio de 1968 também. Eu sou o único clássico surrealista que vive perto do Mediterrâneo, em regiões claras, enquanto todos os outros estão amarrados pelo romantismo alemão.

Você não era hostil a Hitler?
É uma calúnia. Assim que Hitler chegou, eu  sai. Mas, em pleno surrealismo, eu disse para os surrealistas: “Se são surreais, se amam o romantismo, e sobretudo o romantismo alemão e irracional, então amem a Hitler, que é um louco, um total ser delirante.”. Naquela época, eu mesmo sonhava com Hitler, estava fascinado pela volta de Hitler. Da mesma forma, em outro momento, estive fascinado por Lênin. Hitler parecia ter uma volta muito previsível. Claro, isso foi uma reação puramente irracional e surreal. Eu havia previsto o fim de Hitler com dois anos de antecedência. Eu anunciei, em uma novela. Era realmente inevitável. Porque ele era um masoquista puro. Tinha empreendido toda essa ação wagneriana com a meta inconsciente de perder ou morrer.

E Stalin, o que você acha?
Todos os personagens têm muita autoridade, Mao, Lênin, me impressionaram muito. Stalin, acima de todos os outros, porque era o mais cruel, o mais autoritário que, na história contemporânea, foi verdadeiramente Vulcano forjando o escudo de Aquiles.  Escudo que, por outro lado, servirá para proteger a todos nós. Porque os russos estarão do nosso lado para nos defendermos contra os chineses.

Você tem medo de Mao?
Acho que é um poeta muito bom. Ilustrado por suas obras. Dito isto, tenho muito medo dos chineses.

Qual é a sua posição sobre o General Franco?
Estou convencido de que o General Franco é um grande político. Alguns meses atrás eu tive a honra de almoçar com ele e tive a convicção de que é também um santo. Ou seja, um místico, na tradição dos grandes místicos espanhóis.  Após o almoço, foi lá que percebi que era um santo, eu disse que iria tirar um cochilo, como faço todos os dias, um cochilo de meia hora. E ele foi visitar uma biblioteca de manuscritos antigos, o museu. Mudou seu figurino para começar a voar e, em seguida recebeu 15 ministros. Não há no mundo um jovem capaz de tal energia. Só  é capaz  um homem com a fé em sua missão, como ele é.  É um ser absolutamente extraordinário.

O que teria pensado se no final do processo de Burgos, o General Franco não tivesse concordado com a graça dos condenados?
Pessoalmente, sou contra a pena de morte. Eu acho que um homem não tem direito à vida, a existência de outro homem, assim foi o maior criminoso.  Por outro lado, eu estou muitas vezes com os criminosos mais experientes.  Minha preferência é maior pelos seres cruéis. O arquétipo sentimental, representado pelo cantor Yves Montand, é o que mais desprezo, por que ele é bom e choroso. Metafisicamente, portanto, eu sou contra a pena de morte. Mas se ainda existe a pena de morte em algum lugar, e se alguém acha que ela tem uma missão histórica, creio que acredite que ela deverá aplicar-se aos limites. Vinte  condenações à morte, certamente, é mais barato do que milhares de mortos na guerra civil.

Não acha que é monstruoso o que disse
Tudo que estou dizendo é realmente monstruoso. Mas a guerra civil é monstruosa.  Em um de meus quadros, que é uma premonição da guerra civil espanhola, intitulado “Construcción blanda con porotos hervidos”, figura também um monstro que se auto-devora.

O monstruoso faz parte da festa para você?
E não! Eu adoraria explodir seres vivos. Eu não vou, porque eu sou contra a pena de morte. Mas quando se trata de animais, eu tenho menos escrúpulos. Quanto mais sofrem, mais feliz eu fico.  O que eu mais queria era detonar bombas dentro de 8 cisnes e vê-los explodir.

Como você concilia este aspecto cruel do seu caráter com o amor que professa por sua esposa?
Gala, no entanto, é uma exceção em tudo. Mas eu sempre disse que se a Gala morresse, eu gostaria de comê-la.

A cortaria?
Não. Se fosse possível que, morta,  Gala diminuísse como uma azeitona,  então a engoliria. O canibalismo é uma das manifestações mais evidentes de ternura.

Em que Gala é tão excepcional assim?
Me fez ganhar todo dinheiro que tenho.

O que mais?
Foi a primeira com quem fiz amor. Não é que eu goste muito de fazer amor, mas tinha 29 anos e me achava impotente.  Gala revelou-me a mim mesmo.  Nunca fiz amor com mais ninguém.

No entanto, você organizou “festicholas”.
Nunca. Eu assisti “festicholas”, e eu achei antierótico por excelência.

Politicamente, você se diz monárquico. Porque?
Porque, do ponto de vista científico, é a única forma de governo que corresponde às recentíssimas descobertas das ciências biológicas. Da primeira para a última célula, tudo foi transformado de modo inevitável,  geneticamente. A monarquia é genética. Vem de Deus.

Você é mais que monárquico: é legítimo.
Exatamente. E minhas idéias sobre isso há pouco foi reafirmada pelo Légitimité, um livro extraordinário de Blanc de Saint-Bonnet, eu procurei por anos e finalmente encontrei esses dias.  O autor refere-se a Blanca de Castilla, mãe de San Luis, que disse: “. Eu prefiro ver o meu filho morto antes de saber que estava alguns minutos em pecado”.  Enquanto Letícia, mãe de Napoleão, repetia sem parar: “Aproveita, pois não vai durar.”.  É toda a diferença entre legítimos e ilegítimos.

Você acha que os governantes legítimos são mais honestos, mais desinteressados?
Para falar de uma maneira vulgar, os presidentes das repúblicas têm sempre uma tendência, porque o seu mandato dura apenas cinco anos, a fazer combinações, para pôr dinheiro à esquerda e à direita.  Na Suíça, quem nasce príncipe que não precisa fazer dinheiro, apenas tem que nascer.

Você acredita no restabelecimento das monarquias na Europa?
Na minha opinião, tudo caminha para a monarquia. Inevitávelmente. Na Espanha, é um fato. Roménia vai seguir.  E então eu não sei. O terrível é que os reis atuais não são monárquicos. Eles dizem: seja liberal, falam de socialismo e assim por diante.  Não é assim. Tem que ser absoluto. Mas convencer um rei de que deve ser monárquico é muito complicado. Portanto, eu gostaria de publicar extratos do livro de Saint-Bonnet Blanc e oferecer ao meu príncipe, Juan Carlos.

Você acha que o rei de Don Juan Carlos será um rei monárquico?
Para um rei, a chave não é ser um gênio, e sim o mais legítimo possívell, tendo recebido uma boa educação e acreditar em sua missão. Juan Carlos recebeu uma educação muito boa, estava no Zaragoza. E estou convencido de que ele acredita em sua missão.

Como você vive em casa, em Cadaqués?
Minha vida é muito rigorosa, mas sempre brincando. Eu me levanto muito cedo. Dou um passeio sempre a mesma hora. Eu faço uma sesta de meia hora, eu levo mais meia hora para nadar. Sempre vou pra cama na mesma hora. Em Cadaqués, às 10h30 já estou na cama. Sempre jogando todo o tempo, me divertindo como um louco.

O que joga?
Um monte de jogos. Por exemplo, quando eu escrevo na cama, eu tenho diante de mim uma televisão japonesa. E eu olho para trás para não saber o que acontece na tela, ou coloco um filtro na frente para complicar as imagens. Depois, como torradas com mel. Coloco mel dentro da minha camisa para grudar na pele e sentir meu pelo todo pegajoso.

Por que TV? Necessita de informação?
Não. Para mim, a televisão é uma espécie de tela que você vê tudo o que pode imaginar.

Resumindo, faz suas festas pessoais sem parar?
Sem parar.  Eu tenho medo de morrer de excesso de satisfação. Veja, hoje eu me divirto muito com você.

Em Cadaqués, repete todos os dias o mesmo script?
Nunca! Um dia, pego mel.  Outro, coloco uma abelha debaixo da minha camisa. Uma vez, eu coloquei sob os meus olhos uma caixa de formigas iluminadas por partículas fluorescentes. Alguns dias, eu não faço nada. Outros, me livro de todos os tipos de manipulações com aglomerados de matéria que tiro do meu nariz, ou se não, manuseio, farejo, rodo de um lado pro outro. De repente, a bola escapa. A perco.  Então, aí vem a loucura. Poderia começar de novo, fazer outra, substituir por uma migalha de pão… Mas deve ficar assim.  Porque corresponde a um pensamento cibernético.

Você já experimentou a angústia por outras razões?
Não, nunca. Não experimento qualquer sentimento humanitário. As grandes catástrofes, como o Paquistão, eu exulto. Quanto mais desastres e guerras ao meu redor mais prazer tenho.  Mesmo assim, sendo um cavalheiro católico, apostólico e romano, quando tais coisas acontecem, envio  dinheiro, eu me comporto como devo, melhor que os humanitários sentimentais.  Se me chamam a prestar contas…  precisam estar corretas.

Mas quem poderia lhe pedir contas?
Todas estas histórias, Deus, tudo isso … “Sejamos prudentes”, como dizia Saint-Granier.

Você sentiu a morte de seus amigos? Você gostava de Federico García Lorca.  Quando ele foi baleado, se comoveu?
Eu gostei. Além disso, como eu disse,  como eu sou um jesuíta ao mais alto nível, eu sempre sinto, quando um dos meus amigos morrem, que fui eu quem os matou. Que morreu por minha culpa.  É particularmente verdadeiro para Lorca, porque se ele tivesse me seguido a guerra civil não teria o surpreendido.  E eu disse  para não ir  juntar-se a mim na Itália, onde eu estava, e ele me disse, quando morreu, que não era minha culpa. Mais uma vez  o maravilhoso foi que, de alguma forma, eu sabia que não era verdade. Mas meu sentimento de culpa não dura muito tempo. Eu penso, afinal, já morreram. E isso me faz duplamente feliz.

Tudo o que você disse é humor negro. Lembra do cão andaluz, que rodou com Buñuel em 1929.  Por que não faz filmes?
Primeiro, porque não é uma arte. Uma pessoa não pode se expressar através do cinema, porque existem outros meios. Quando você tem também muita riqueza à sua disposição, é impossível fazer uma obra de arte.  Nem mesmo uma peça.

Quer dizer que a obra de arte é mais coerção?
Tudo é baseado na coerção.   Gérard Dou poderia fazer uma obra-prima porque tinha uma tela, óleo e seu olho.  No cinema, nem bem se fotografa a coisa, foge o mistério.

Na sua opinião, a arte é a coerção. Uma definição muito clássica na boca de um personagem como você.
Ah, mas eu sou de uma rigidez ainda maior.  Eu sou pelos períodos de Inquisição. Quanto mais coerção há, maior é a precisão no que se quer dizer. A liberdade é o esforço. Nosso tempo esqueceu.  Se libertou do tema da pintura, da técnica, da cor, da figuração, da forma. Veja os resultados: quadros  onde há apenas uma cor com uma linha.

Mas você, quando fala, quando escreve, tem uma linguagem muito livre, rejeita absolutamente qualquer coerção.
Porque eu sou um jesuíta, hipócrita, e uso todos os meios para divulgar as idéias que quero impor ao meu tempo.

Você está preparando uma continuação para O Diário de um Gênio?
Não. Concentrei toda a minha atividade literária na tragédia erótica em três atos e um verso, definida na época de Vermeer e Dou. Já fiz dois atos.  Só falta o terceiro.

Você pretende exibir em Paris?
Embora existam regimes democráticos creio que não poderão representar em nenhuma parte.  Isso irá requerer vários anos de monarquia para que  um rei possa permitir a representação de tal abominação.  O Marquês de Sade, para mim, é engraçado.

Você, que ama as catástrofes, as abominações, o que você acha da bomba atômica?
Eu gosto tanto de catástrofes que eu estou pronto para receber uma bomba nuclear na cabeça. Com uma bomba atômica, só se corre um risco, ir de homem ao status de anjo.  Nada a perder, tudo a ganhar.

Você deseja uma espécie de coroação, a apoteose atômica …
Eu realmente gosto do Apocalipse. Além disso, o ilustro. Mas eu sou como Santo Agostinho. Quero que venha o mais tarde possível.  Quando Santo Agostinho fez todas as orgias, a maior orgia que jamais sonhou, orou a Deus toda noite para fazê-lo. Mas terminou a sua oração dizendo: “Mas espera duas ou três semanas.”

Uma última palavra de Salvador Dalí. É um homem feliz?
Você viu muito bem que durante essa conversa eu não fiquei entediado um segundo…  Acima de tudo, não se esqueça de adicionar um pouco de confusão no texto, se as coisas parecerem muito claras …

Instruções para dar Corda no Relógio

Posted in Literatura with tags , , on novembro 6, 2010 by canibuk

Lá no fundo está a morte, mas não tenha medo. Segure o relógio com uma mão, pegue com dois dedos o pino da corda, puxe-o suavemente. Agora se abre outro prazo, as árvores soltam suas folhas, os barcos correm regata, o tempo como um leque vai se enchendo de si mesmo e dele brotam o ar, as brisas da terra, a sombra de uma mulher, o perfume do pão.

Que mais quer, que mais quer? Amarre-o depressa a seu pulso, deixe-o bater em liberdade, imite-o anelante. O medo enferruja as âncoras, cada coisa que pôde ser alcançada e foi esquecida começa a corroer as veias do relógio, gangrenando o frio sangue de seus pequenos rubis. E lá no fundo está a morte se não corremos, e chegamos antes e compreendemos que já não tem importância.

escrito por Julio Cortázar.