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Humanoids From the Deep (“Criaturas das Profundezas”, 1980, 80 min.) de Barbara Peeters. Com: Vic Morrow, Doug McClure, Ann Turkel e Rob Bottin como uma das criaturas. Numa pequena comunidade de pescadores o trabalho vai mal, aparentemente os peixes estão todos sumindo. A esperança de emprego para os pescadores parece ser uma fábrica de conservas que está sendo construída na comunidade e que, sem que ninguém saiba, estão realizando experiências com hormônios de crescimento – o que faz com que algumas criaturas das profundezas do oceano evoluam e se tornem humanoides em busca de fêmeas humanas para a procriação. Levantando o problema ecológico temos um índio que luta contra o dono da fábrica, desviando a atenção das criaturas num primeiro instante, até que homens começam a serem mutilados e as mulheres estupradas. E claro que, por ser um filme de baixo orçamento que tenta lucrar com o sucesso de produções como “Jaws/Tubarão” (1975) de Steven Spielberg e “Piranha” (1978) de Joe Dante, “Humanoids” nos reserva um festival (assim como nos dois filmes citados) para as cenas finais onde as criaturas das profundezas realizam seu banquete/orgia em um divertido ataque em massa aos humanos, o que nos leva ao perturbador final do filme com ecos de chupação de “Alien” (1979) de Ridley Scott. “Humanoids from the Deep” tem tudo que faz a alegria de um fã de filme vagabundo: monstros, cientistas, peitinhos, ataques brutais, cidadezinha isolada, história ágil, putaria, depravação, bestialismo e um monte de cenas memoráveis. Uma cortesia de Roger Corman, que não contente com as cenas de violência filmadas pela diretora Barbara Peeters (originalmente Corman queria que Joe Dante dirigisse), chamou James Sbardellati (que depois realizou a trasheira “Deathstalker” em 1983 e foi assistente de direção em filmes como “The Island of Dr. Moreau/A Ilha do Dr. Moreau” (1996), uma bagunça cinematográfica da dupla Richard Stanley/John Frankenheimer) para filmar os estupros de uma maneira mais brutal/explícita, fato que fez com que muitos dos atores e técnicos do filme passassem a odiar a produção. Aliás, notem como “Humanoids from the Deep” se parece com “The Horror of Party Beach” (1964) de Del Tenney. Roger Corman foi o produtor executivo de “Humanoids” e para falar da carreira deste mestre do cinema moderno seria preciso um adendo que daria um segundo post. Corman iniciou sua carreira dirigindo filmes para a American International Pictures dos sócios James H. Nicholson e Samuel Z. Arkoff, que são os responsáveis pelos filmes mais divertidos da história do cinema. Do western “Five Guns West/Cinco Revólveres Mercenários” (1955) até “Roger Corman’s Frankenstein Unbound/Frankenstein – O Monstro das Trevas” (1990) foram 56 filmes dirigidos. Corman é um dos produtores mais espertos do cinema mundial, sendo o responsável por mais de 400 produções, de “Highway Dragnet/Consciência Culpada” (1954), de Nathan Juran, até os dias de hoje (sim, Corman continua na ativa, tanto que em 2014 esteve em Curitiba, à convite da produtora Diana Moro, ministrando uma master class), com produções como “CobraGator” (2015) de Jim Wynorski. Corman foi o responsável pela primeira chance de milhares de cineastas americanos, o início de carreira de gente como Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Ron Howard, Peter Bogdanovich, Paul Bartel, Jonathan Demme, Joe Dante, James Cameron, John Sayles, Monte Hellman, entre muitos outros, foram em produções de Roger Corman. Barbara Peeters, a diretora de “Humanoids”, começou na indústria cinematográfica fazendo de tudo um pouco. Foi atriz em “The Gun Runner” (1969) e supervisora de roteiro no biker movie “Angels Die Hard/Motoqueiros Selvagens” (1970), ambos de Richard Compton; gerente de produção em “Night Call Nurses” (1972) de Jonathan Kaplan, e até coordenadora de dublês em “Moving Violation” (1976) de Charles S. Dubin. Estreou na direção em 1970 com o drama exploitation “The Dark Side of Tomorrow”, co-dirigido por Jack Deerson. Foi contratada por Roger Corman para realizar filmes pela New World Picture, o que fez com que sua carreira ganhasse um novo gás. “Humanoids from the Deep” (1980) foi seu último trabalho para Corman, logo após ele encomendar cenas de estupro mais brutais para o filme, Peeters pediu para que seu nome fosse retirado dos créditos, como Corman ignorou o apelo ela se demitiu e passou a dirigir produções para a televisão. Na década de 1990 fundou sua própria produtora, Silver Foxx Films, e desde então passou a realizar comerciais de televisão. Uma pena, já que seus filmes para o cinema sempre eram bem curiosos. Rob Bottin, o gênio da maquiagem por trás do clássico “The Thing/O Enigma de Outro Mundo” (1982) de John Carpenter, foi o responsável pela criação dos humanóides tarados deste filme (outras de suas criações inesquecíveis foram os lobisomens de “The Howling/Grito de Horror” (1981) de Joe Dante; o policial robô de “Robocop/O Policial do Futuro” (1987) de Paul Verhoeven, e o design dos lagartos em “Fear and Loathing in Las Vegas/Medo e Delírio” (1998) de Terry Gilliam). Em “Humanoids” Bottin interpretou uma das criaturas e foi ajudado pelos assistentes de maquiagens Steve Johnson (que depois fez as maquiagens em produções como “Big Trouble in Little China/Os Aventureiros do Bairro Proibido” (1986) de John Carpenter e “Night of the Demons/A Noite dos Demônios” (1988) de Kevin Tenney), Shawn McEnrou (que trabalhou em filmes como “Night of the Creeps/A Noite dos Arrepios” (1986) de Fred Dekker e “The Texas Chainsaw Massacre 2/O Massacre da Serra-Elétrica 2” (1986) de Tobe Hooper) e Kenny Myers (que fez as maquiagens no trashão “Metalstorm” (1983) de Charles Band e na comédia “Return of the Living Dead 2/A Volta dos Mortos-Vivos 2” (1988) de Ken Wiederhorn). Os efeitos especiais foram do veterano Roger George (que começou lá em 1959 em “Invisible Invaders/Invasores Invisíveis”, de Edward L. Cahn, e na década de 1980 comandou a função em filmes importantes como “The Terminator/O Exterminador do Futuro” (1984) de James Cameron) com ajuda do jovem Chris Wallas que, depois, se tornou diretor em “The Fly/A Mosca 2” (1989).
Alguns dos técnicos que também trabalharam em “Humanoids” foram Jimmy T. Murakami, que dirigiu algumas cenas e, no mesmo ano, dirigiu o pequeno clássico “Battle Beyond the Stars/Mercenários das Galáxias”; Martin B. Cohen foi produtor/roteirista (ele foi diretor do biker movie “The Rebel Rousers” (1970), estrelado por Jack Nicholson, e produtor executivo do lixo Cult “Blood of Dracula’s Castle” (1969) do sempre ruim Al Adamson) ao lado de Hunt Lowry (que depois se tornou produtor dos filmes de comédia do amalucado trio David Zucker, Jim Abrahams e Jerry Zucker e, também, foi produtor executivo do Cult movie para jovens moderninhos “Donnie Darko” (2001) de Richard Kelly). Mark Goldblatt foi o editor (antes já havia montado o “Piranha” e depois montou “The Terminator”) e Gale Anne Hurd, que depois viria a se tornar uma das mais importantes produtoras das décadas de 1980/1990, foi assistente de produção neste pequeno clássico do Corman.
“Humanoids from the Deep”, que na Europa é conhecido pelo título “Monster” (não confundir com a produção de Kenneth Hartford, também de 1980), é uma exemplar sci-fi de horror típica de uma época em que o cinema tinha como obrigação ser despretensioso e muito eficiente na arte de, simplesmente, entreter o público.
por Petter Baiestorf para o livro “Arrepios Divertidos”.
Nudie-Cuties foram variações dos Nudist Films (que eram produções com a nudez tratada de forma natural, explorada em filmes como “This Naked Age/This Nude World” (1932) de Jan Gay; “Elysia, Valley of the Nude” (1933) de Bryan Foy, ou o clássico “Garden of Eden/Paraíso dos Nudistas” (1954) de Max Nosseck), onde a nudez natural e saudável das personagens ganharam histórias mais complexas (mas não tão complexas, já que eram filmes feitos para divertir de forma escapista os espectadores) nas mãos de diretores gaiatos como a dupla H.G. Lewis/David F. Friedman, em sua fase anterior ao gore sem limites iniciada com o clássico “Blood Feast” (1963), e a rainha dos filmes nudistas, Doris Wishman, que realizou belezuras como “Hideout in the Sun” (1960); “Nude on the Moon” (1961), inacreditável bobagem sobre astronautas americanos que vão pra Lua e descobrem que lá as pessoas vivem como que num grande campo nudista lunar; e “Blaze Starr Goes Nudist” (1962), estrelado pela stripper real Blaze Starr. Este maravilhoso subgênero cinematográfico lelo pelo menos um grande cineasta gênio ao mundo: Russ Meyer, que estreou na direção de longas com “The Immoral Mr. Teas” (1959) e foi o responsável pelos populares Nudie-Cuties que surgiram no rastro de seu pequeno clássico.
Aqui no Brasil, provavelmente de forma inconsciente e bem atrasado em relação ao seus irmãos pervertidos americanos/europeus, Nilo Machado seguiu os passos dos Nudies-Cuties (flertando muito com o cinema nudista) quando produziu a obra-prima “Tarzann, O Bonitão Sexy” (1977, 51 minutos, direção de Nilo Machado), que contava a história de um grupo de exploradores amadores que vai para a floresta atrás de um avião carregado de ouro que caiu na região onde Tarzann vive com sua esposa Jane e um preguiçoso cachorrinho de madame.
Não espere nenhuma história. Assim que o destemido grupo de aventureiros chega à floresta começam a se banhar num lago, cantar pelados em rodas de acampamento e esperar pelo encontro com o misterioso Tarzann (que, ao aparecer no final do filme, revela todo o bom humor cafajeste de Nilo Machado). Em todo o decorrer do filme as mulheres ficam de topless, sem ter o que fazer na trama, só restando a elas exibirem seus corpos naturais nús. Aliás, percebe-se nitidamente que o elenco de desconhecidos do filme se divertiu muito filmando essa pequena peça obscura do nosso glorioso cinema nacional.
Sempre tive curiosidade em saber como eram os detalhes técnicos dos filmes de Nilo Machado e pude constatar que ele não deve em nada ao cinema americano produzido sem orçamento no início dos anos de 1960, confesso que eu até esperava uma produção mais capenga e improvisada. Neste “Tarzann, O Bonitão Sexy”, temos também uma ótima trilha sonora composta por um grupo que incluía Nilo Machado, Perez Gonzaga, Luiz Nunes, Jair Lemos e J. Wilson, também compositores de ótimas canções como “Vamos Para a Selva”, “Hoje Estou Feliz” e “Não Facilita Nega Se Não”, presentes no filme que foi quase que inteiramente filmado nos estúdios Adelana, no Rio de Janeiro.
Outro filme com produção/direção de Nilo Machado que tive o privilégio de assistir foi “Playboy Maldito” (1973, 50 minutos, direção de Nilo Machado) que, aos moldes dos dramas tragicômicos debochados de George Kuchar, prima pelo exagero das situações dramáticas corriqueiras da vida mundana dos estudantes.
A história de “Playboy Maldito” não poderia deixar de ser mais brasileira: Rapaz de família rica vai estudar no Rio de Janeiro e usa sua mesada para viver fazendo festas na noite carioca. O “Playboy Maldito” não perdoa ninguém e de noitada em noitada, orgia em orgia, vai comendo todas as menininhas da cidade, fazendo com que até o comendador Vitorio Palestrina (“Estupro”, 1979, de José Mojica Marins) pareça um santinho. De sacanagem em sacanagem Nilo Machado conduz o espectador à um hilário dramático desfecho carregado de uma moral às avessas. Acho muito bonito quando pervertidos tentam dar lições de moral.
Nilo Machado, à exemplo do já citado José Mojica Marins, mostra os ricos como verdadeiros monstros sem moral, todos eles vestidos com figurinos pobres feitos de roupas de segunda e objetos de cena cafonas, como os copos floreados presentes em várias cenas deste “Playboy Maldito”, o que confere à essas produções um sabor brejeiro único. Nilo liga a (pouca) história do filme com muito striptease de mulheres feias e uma trilha sonora simplesmente maravilhosa de Lafayete e seu Conjunto (segundo os créditos do filme), com algumas canções escritas/compostas pela dupla Nilo Machado e Marcus José, como “Noite Vazia” (interpretada por Carmem Silvania); “Logo Mais Você Vem” (interpretada por Ubirajara) e “Noite Sem Luar” (interpretada por Marcus José). Essas trilhas sonoras dos filmes de Nilo Machado deveriam ser lançadas em vinil para o completo deleite dos colecionadores da boa música nacional. Foi uma pena Nilo Machado não ter seguido uma carreira musical em paralelo à sua vida dedicada ao cinema.
Os filmes de diretores como Nilo Machado são repletos de defeitos técnicos e limitações orçamentárias, mas pulsam cheios de vida e um estilo único de fazer/viver cinema. Estes pequenos grandes clássicos obscuros do cinema nacional precisam ser resgatados e salvos, são uma parte muito importante da arte e história da sociedade brasileira para continuarem perdidos. Espero que o documentário que Nelson Hoineff está fazendo sobre o cinema de Nilo Machado saia o quanto antes.
“Cemitério Perdido dos Filmes B: Exploitation” (2013, 220 páginas). Organizado por César Almeida. Editora Estronho.
Concebido como uma continuação ao soberbo “Cemitério Perdido dos Filmes B” (2010) de César Almeida, este “Exploitation” se aprofunda ainda mais no cinema obscuro mundial (senti falta de tranqueiras da filmografia Indiana, Turca, Nigeriana, Filipina, mas isso deve ficar para um terceiro volume do “Cemitério Perdido dos Filmes B”). Neste volume César Almeida contou com a ajuda de outros aficionados ao escrever as resenhas, gente boa como: Carlos Thomaz Albornoz (jornalista), Laura Cánepa (jornalista), Leandro Caraça (crítico de cinema), Marco Freitas (publicitário), Ana Galvan (estudante), Osvaldo Neto (pesquisador e divulgador de cinema), Otávio Pereira (administração e sistema de informação), Ismael Schonhorst (humorista fracassado), Leopoldo Tauffenbach (doutor em artes visuais), Cristian Verardi (crítico de cinema) e Ronald Perrone (pesquisador de cinema), que se revezam nas resenhas de filmes divididos em capítulo sobre cinema splatter, artes marciais/chambara, giallo, policial exploitation, blaxploitation, nazisploitation/w.i.p./nunsploitation, sexploitation e exploitation regional (em dois capítulos, um sobre produções vagabundas da América Latina e outro sobre o apelativo cinema da Austrália e Canadá), tornando este livro uma bela introdução aos leigos que queiram conhecer o universo sem vergonha do cinema de exploração.
Mas atenção, fanáticos por exploitation: Vocês sentirão falta de filmes mais obscuros. Entre os filmes resenhados (são 140 filmes analisados) estão pérolas como os divertidos “Ta Paidia Tou Diavolou/A Ilha da Morte” (1977, Nico Mastorakis); “Dawn of the Mummy” (1981, Frank Agrama); “L’Iguana dalla Lingua di Fuoco” (1971, Riccardo Freda); “Joë Caligula” (1966, José Bénazéraf); “Anita – Ur en Tonarsflickas” (1973, Torgny Wickman); “Emmanuelle Tropical” (1977, J. Marreco) e muitos outros filmes clássicos do gênero como “Cani Arrabbiati” (1974, Mario Bava); “Rabid” (1977, David Cronenberg); “Blood Feast” (1963, H.G. Lewis); “The Last House on the Left” (1972, Wes Craven); “Bloodsucking Freaks” (1976, Joel M. Reed); “La Montagna Del Dio Cannibale” (1978, Sergio Martino) e vários outros do ciclo de canibalismo italiano, bem como resenha de vários filmes de Lucio Fulci, Mario Bava, Dario Argento, Jack Hill, Bruce Lee, Pam Grier, etc (fez falta resenhas de produções de David F. Friedman – um dos reis do exploitation americano -, bem como produções distribuídas pelo lendário Harry Novak, Doris Wishman, Ted V. Mikels, Tsui Hark, Frank Henenlotter (o responsável por eu ter virado um fanático pelo gênero exploitation), entre outras lendas do cinema alucinado de exploração, mas 200 páginas realmente é pouco espaço para um apanhado mais profundo englobando também, por exemplo, westerns como “Viva Cangaceiro” (1971, Giovanni Fago) ou “Condenados a Vivir/Cut-Throats Nine” (1972, Joaquín Luis Romero Marchent), entre outros subgêneros).
Assim como o primeiro volume do “Cemitério Perdido dos Filmes B”, este é item obrigatório na estante dos fãs de um cinema mais selvagem e cru de uma época fantástica da sétima arte que sobrevive graças ao vídeo (hoje downloads) e a inúmeros cineastas independentes do mundo inteiro que continuam investindo dinheiro do próprio bolso para que essa tradição do alucinado cinema Exploitation continue infectando incautos telespectadores.
De ponto negativo no livro (e única coisa que achei desnecessária) são as infinitas citações à Tarantino, dando a falsa ideia de que os autores só conheceram o cinema exploitation a partir do cineasta americano (o que não é verdade, creio). Meus sinceros parabéns ao César Almeida pela organização deste segundo volume de “Cemitério Perdido dos Filmes B”, a editora Estronho pelo lançamento e aos co-autores desta pequena maravilha. E que venham os próximos volumes o quanto antes.
Em primeiro lugar quero pedir desculpas aos leitores do Canibuk pela falta de atualizações (colaborações de qualidade são bem vindas e serão publicadas), mas como todos sabem estou trabalhando na pré-produção do meu novo longa-metragem e o tempo livre pro blog tem sido nulo. Acho que após abril (que é quando quero editar o filme com o Gurcius Gewdner) tudo voltará ao normal aqui. Mesmo assim, em breve, publicarei pequenos artigos sobre filmes independentes (filmes como “Psicofaca – O Maníaco das Facas”, filmado em Iraí/RS, “Punhos em Ação” e “No Rastro da Gang”, de José Sawlo, cineasta de Queimadas/PB) e algumas HQs, como “Transação Macabra”, a pedidos).
Chibamar Bronx.
A pré-produção do “Zombio 2: Chimarrão Zombies” segue com Coffin Souza elaborando os efeitos de maquiagens gores (nas filmagens contaremos com o maquiador Alexandre Brunoro, do “Confinópolis“, nos ajudando), Leyla Buk desenhando os figurinos e storyboard de algumas seqüências do filme e eu, Gisele Ferran e Elio Copini correndo atrás de outros detalhes.
Yoko.
A produção de “Zombio 2” é um pouco maior do que dos meus filmes anteriores, estou atrás de dinheiro que nos ajude a fazer este filme com maiores cuidados, se você tem interesse em nos ajudar, leia “Como Investir no Zombio 2” e entre em contato comigo no e-mail baiestorf@yahoo.com.br
Klaus.
As possibilidades de se fazer um filme ultra gore, divertido e cheio de referências a cultura underground são infinitas e “Zombio 2” vai seguir nesta linha! Para o elenco já temos confirmado Airton Bratz repetindo o papel do detetive Chibamar Bronx, Miyuki Tachibana no papel da viúva negra Yoko, Coffin Souza no papel do mendigo debochado Klaus, Elio Copini no papel do faconeiro Américo Giallo e Gisele Ferran no papel da sexy Nilda Furacão. Como diretor de fotografia teremos o genial Leo Pyrata que já fez inúmeros filmes de arte lindos. E o filme contará ainda com inúmeras participações especiais que vou divulgando em postagens futuras.
Nilda Furacão.
Segue o storyboard da seqüência 24 desenhado pela Leyla Buk, ansioso por começar as filmagens de mais este pequeno filme de guerrilha repleto de vísceras, humor cafajeste e nudez gratuita para as comemorações de 20 anos de produções da Canibal Filmes.
Por Petter Baiestorf.
Ilustrações e Storyboard de Leyla Buk.
“The Toxic Avenger” (“O Vingador Tóxico”, 1984, 87 min.) de Lloyd Kaufman e Michael Herz. Com: Mitch Cohen, Mark Torgl, Andree Maranda e Marisa Tomei.
Tem alguns filmes que se tornam produções de estimação para nós. Não lembro exatamente quando assisti ao desbotado VHS com “The Toxic Avenger” (gravado em EP), mas quando botei meus olhos neste filme eu já era um trashmaníaco profissional e lembro que delirei com as aventuras do monstro tóxico herói que matava traficantes, bandidos filhos da puta, policiais corruptos (aqui no Brasil ele teria trabalho prá caralho) e namorava uma menina cega (interpretada pela gata Andree Maranda que, infelizmente, não seguiu carreira no cinema). Nas décadas de 1980, até meados de 1990, era muito difícil conseguir as produções da Troma aqui no Brasil. Na época já tinha ouvido falar da produtora nova iorquina (através de fanzines, lógico, porque nossa imprensa oficial é aquela piada desde sempre) e estava atrás de filmes deles como um doido. Logo consegui cópia de produções como “The Toxic Avenger”; “Monster in the Closet/O Monstro do Armário” (1986) de Bob Dahlin, com produção de Lloyd Kaufman e Michael Herz e “Street Trash” (1986) de Jim Muro (este somente distribuido pela Troma) e estes filmes eram o tipo de cinema pelo qual eu procurava: violentos, carregados no humor negro, debochavam do sistema e, além de divertidos, eram produções com muito sangue e gosmas diversas, sujos e alucinados, como o bom cinema precisa sempre ser.
Um pequeno grande clássico do cinema de baixo orçamento, “The Toxic Avenger” conta a história de Melvin (Mark Torgl) que trabalha como zelador no Health Club da fictícia Tromaville. Os jovens “saúde” que frequentam o clube (que são uma espécie de saradões fascistas) odeiam o feioso Melvin e resolvem pregar uma peça no nerd loser, que ao ser flagrado beijando uma ovelha sai correndo e se atira por uma janela pousando dentro de um tambor de lixo tóxico que estava por ali (num caminhão cujo motorista havia parado para dar umas cheiradinhas de pó). Melvin pega fogo e se transforma em Toxie (Mitch Cohen), um monstrengo nuclear deformado extremamente forte e de bom coração. Uma das primeiras ações de Toxie é salvar um policial honesto que estava a ponto de ser linchado por uma gangue de traficantes. Logo camisas com o rosto do bondoso monstro aparecem entre as crianças de Tromaville e o herói faz o trabalho da inapta polícia, mais ou menos como um Charles Bronson do clássico “Death Wish“, só que com voz de galã. O prefeito (Pat Ryan Jr.) da pequena cidade, chefão dos criminosos locais, chama a guarda nacional americana para ajudá-lo a exterminar o monstro herói e o exército aparece com seus tanques de guerra e vão até a barraca de Toxie para matá-lo, em um hilário final envolvendo centenas de extras recrutados no bairro onde está sediada a Troma Entertainment.
Eu & Lloyd Kaufman perdidos em São Paulo em busca de comida vegetariana.
Antes de “The Toxic Avenger”, Lloyd Kaufman e seu sócio Michael Herz produziam/distribuiam comédias sexuais. Lloyd Kaufman (1945) se formou na Universidade de Yale (entre seus colegas estavam gentinhas como Oliver Stone e George W. Bush). Influenciado por cineastas como Kenji Mizoguchi, Lubitsch, Stan Brakhage e o grupo Monty Python, em 1969 lançou seu primeiro filme, a comédia “The Girl Who Returned”, produção de baixo orçamento que trazia seu futuro sócio Herz no elenco. Kaufman acabou conhecendo John G. Avildsen (“Rocky”) e trabalhou em alguns de seus filmes, como “Joe” (1970) e “Cry Uncle!” (1971), ambas comédias, onde atuou de gerente de produção. Muitas vezes usando os pseudônimos Samuel Weil, Louis Su ou H.V. Spider, trabalhou em inúmeras produções, incluíndo os pornôs “Exploring Young Girls” (1977) de David Stitt, estrelado por Vanessa Del Rio, Sharon Mitchell e Erica Havens e “The Secret Dreams of Mona Q.” (1977) de Charles Kaufman (diretor de “Mother’s Day”, 1980), onde fez a direção de fotografia. Suas direções neste período incluiam comédias de mau gosto como “The Battle of Love’s Return” (1971) e os pornôs “The New Comers” (1973), com Harry Reems; “Sweet and Sour” (1974) e “The Divine Obsession” (1976), estrelado por Terri Hall. Em 1974 Kaufman e Herz fundaram a Troma Entertainment filmando lucrativas comédias de baixo orçamento como “Squeeze Play” (1979), e, agora com os dois sócios repartindo a função da direção, “Waitress!” (1981), comédia sobre garçonetes; “Stuck on You!” (1982), hilária comédia escatológica sobre um casal briguento que chegou a ser lançada no Brasil em VHS pela Look Vídeo; e “The First Turn-On!!” (1983), sobre as primeiras experiências sexuais de uma turma de praia. Aí rodaram “The Toxic Avenger”, visão pessoal de Kaufman sobre como realizar um filme de horror, e a Troma moderna, mais alucinada e debochada, teve início.
Lloyd Kaufman, eu e Gurcius Gewdner em almoço patrocinado pelo lendário Fernando Rick.
O primeiro filme pós “The Toxic Avenger” foi o cult “Class of Nuke’Em High” (1986), de Lloyd Kaufman, co-dirigido por Richard W. Haines (editor de “The Toxic Avenger”), sobre os alunos de uma escola que fica próxima a uma usina nuclear que começam a se comportar estranhamente; seguido do fracasso de bilheteria, possivelmente por causa dos cortes que sofreu pela MPAA, “Troma’s War” (1988), novamente com co-direção de Michael Herz, divertida e violenta paródia aos filmes de guerra estrelados por Chuck Norris e outros brucutus bobocas dos anos de 1980. Precisando de uma grana a dupla realizou simultaneamente “The Toxic Avenger 2” (1989) e “The Toxic Avenger 3: The Last Temptation of Toxie” (1989), continuações da saga heróica de Toxie. Como a Troma sempre foi bastante popular no Japão, em 1990 filmaram “Sgt. Kabukiman N.Y.P.D.”, hilária aventura do policial de New York que é possuído pelo espírito de um mestre kabuki. Em 1996 lançaram o grande clássico “Tromeu and Juliet”, uma avacalhada adaptação punk do chato “Romeu and Juliet” do ultra-gay Shakespeare, filme que foi lançado em VHS aqui no Brasil pela distribuidora Reserva Especial, o que fez com que a Troma ficasse um pouco mais conhecida por aqui. Na seqüência Kaufman dirigiu outro clássico insuperável, “Terror Firmer” (1999), sobre um psicopata fã de cinemão que ataca o pessoal da Troma comandada pelo diretor cego Larry Benjamin (interpretado pelo próprio Kaufman). Para marcar sua entrada no novo milênio, nada como lançar “Citizen Toxie: The Toxic Avenger 4” (2000), outro filmaço com o vingador tóxico e o capítulo mais alucinado e incorreto da série. Uma quinta parte de “The Toxic Avenger” chegou a ser anunciada, mas acho que não entrou em produção ainda. Depois de uma série de documentários produzidos em vídeo, Kaufman lançou o espetacular “Poultrygeist: Night of the Chicken Dead” (2006), onde galinhas zumbis atacam uma lanchonete e caras como Ron Jeremy e o próprio Lloyd Kaufman parecem se divertir horrores com cenas envolvendo merda, tripas e até dedadas no cu de figurantes. Genial!!! Após mais uma série de documentários picaretas em vídeo, coisas como “Direct Your Own Damn Movie!” (2009); “Diary-Ahh of a Mad Independent Filmmaker” (2009) e “Produce Your Own Damn Movie!” (2011), deve ser lançado em 2013 “Return to the Class of Nuke’Em High”, atualmente em pós-produção. Conheci Lloyd Kaufman em São Paulo alguns anos atrás e foi divertido demais, ele é exatamente igual quando aparece em seus filmes, ou seja, hiperativo, um alucinado debochado dono de uma energia fantástica.
Eu, esposa de Lloyd Kaufman e o debochado criador de Toxie.
Michael Herz conheceu Lloyd Kaufman na Universidade de Yale e parece que não se davam muito bem. Herz se tornou advogado, mas secretamente nutria o desejo de se tornar roteirista. A namorada (e futura esposa) de Herz era amiga de Kaufman e fez com que os dois se re-aproximassem e, juntos, acabaram fundando a Troma Entertainment e criando os clássicos que tanto admiramos. Em 1980 os dois produziram o pequeno clássico “Mother’s Day” (1980) de Charles Kaufman e uma série de comédias idiotas co-dirigidas por ambos. Em 1984 produziram “Combat Shock” de Buddy Giovinazzo, sobre um veterano do Vietnã perturbado que também se tornou clássico. Outras produções da dupla são filmes como “The Dark Side of Midnight” (1984) de Wes Olsen, sobre uma pequena cidade aterrorizada por um maníaco; “Screamplay” (1985) de Rufus Butler Seder, sobre um detetive investigando assassinatos descritos por um roteirista em seu script, estrelado pela lenda underground George Kuchar; “Igor and the Lunatics” (1985) de W.J. Parolini, sobre um lunático e sua gangue se vingando de uma cidadezinha, entre outras produções que foram mantendo a Troma em evidência no underground do cinema americano por toda a década de 1980. O último longa de Herz como co-diretor foi o clássico “Sgt. Kabukiman N.Y.P.D.” (se excluirmos o curta-metragem “The Troma System” que ele co-dirigiu em 1993). Desde então tem cuidado dos negócios burocráticos da Troma, deixando que o carismático Lloyd Kaufman seja o rosto público da produtora. Quando Herz precisa fazer alguma aparição pública ele sempre manda em seu lugar o ator de 200 quilos Joe Fleishaker.
O roteirista de “The Toxic Avenger” é Joe Ritter, um técnico mais conhecido por seu trabalho no departamento elétrico e como operador de steadicam em grandes produções como “Barton Fink/Delírios de Hollywood” (1991) de Joel e Eathan Coen; “Dracula” (1992) de Francis Ford Coppola; “Wayne’s World 2/Quanto Mais Idiota Melhor 2” (1993) de Stephen Surjik; “Pulp Fiction/Tempo de Violência” (1994) de Quentin Tarantino ou “Starship Troopers/Tropas Estelares” (1997) de Paul Verhoeven. Ritter dirigiu alguns filmes de baixo orçamento como “The New Gladiators” (1988), sobre gangues de rua numa Los Angeles pós-holocausto nuclear do anos 2010 e “Beach Balls” (1988), sobre um mané que sonha se tornar rockstar, ambos filmados simultaneamente com produção do lendário Roger Corman. O drama “Hero, Lover, Fool” (1996), com Ron Jeremy no elenco, também tem direção sua. Melvin, o nerd que se torna Toxie, é interpretado pelo ator Mark Torgl que já estava no elenco da comédia juvenil “The First Turn-On!!” (1983), filme anterior da dupla Kaufman-Herz. Em “Citizen Toxie: The Toxic Avenger 4” (2000) Mark voltou a participar da série no papel de Evil Melvin. Em 2005 apareceu no vídeo de horror “Beast” de Gary T. Levinson, mas na realidade ele ganha a vida como editor de seriados para a TV americana trabalhando em coisas como “World’s Most Amazing Videos” e “Inspector America”. Mitch Cohen é o ator que interpreta Toxie e também retornou na parte 4 da série (no papel de Lucifer). Em 1994 Mitch fez um pequeno papel no filme de estréia de Kevin Smith, “Clerks/O Balconista”, e, em 1995, produziu o curta-metragem “The Fan” de Brent Carpenter. O gorducho Pat Ryan Jr., que interpreta o corrupto prefeito de Tromaville, fez participações em filmes como “Birdy/Asas da Liberdade” (1984) de Alan Parker; “Invasion USA” (1985) de Joseph Zito e estrelado por Chuck Norris; “Street Trash” (1986) de Jim Muro e “Eat and Run/O Comilão de Outro Mundo” (1987) de Christopher Hart. Ryan morreu de ataque cardíaco em 1991, aos 44 anos. Como curiosidade, “The Toxic Avenger” é o primeiro filme onde a oscarizada Marisa Tomei deu as caras, ela faz parte dos figurantes do Health Club, não tendo sido creditada no filme.
Lloyd Kaufman e o emocionado fã brasileiro Gabriel Zumbi, muito a vontade com a lenda do cinema underground.
“The Toxic Avenger” foi lançado em VHS no Brasil pela distribuidora Play Filmes e continua inédito em DVD/Blu-Ray. Um remake versão família e censura livre deve ser lançado em breve deste primeiro filme. Em 2011 Lloyd Kaufman esteve aqui no Brasil realizando sua hilária “Master Class” onde ensinou como realizar filmes independentes. Quem perdeu é um mané!!!
por Petter Baiestorf.
Capa do meu VHS de “Stuck on You!” devidamente autografado por Lloyd Kaufman que fico impressionado ao ver alguém com este filme aqui no Brasil.
“Basket Case” (1982, 91 min.) de Frank Henenlotter. Com: Kevin Van Hentenryck, Terri Susan Smith e Beverly Bonner.
Este cult movie, que marca a estréia de Frank Henenlotter como diretor de longas, conta a história de Duane Bradley (Kevin Van Hentenryck) que se hospeda em hotel fuleiro de New York cheio da grana e com um misterioso cesto sempre nas mãos. Logo ficamos sabendo que dentro do cesto está Belial, gêmeo siamês de Duane que nada mais é do que um monstruoso torso. Duane e Belial foram separados quando tinham uns 12 anos de idade via uma sangrenta e traumatizante operação realizada a pedido do pai deles que não aceitava o monstrengo Belial grudado em Duane. Matando um a um os médicos veterinários que realizaram a operação, Duane encontra tempo para tecer amizade com uma puta acabadaça que reside no hotel e se apaixonar por uma jovem secretária, loirinha e tontinha, cuja relação desperta os ciúmes de Belial que mutila e estupra a jovem numa bela e rápida cena de necrofilia gore, desencadeando uma luta mortal com seu irmão.
Com efeitos especiais de stop motion Henenlotter deu vida à Belial, o mais divertido psicopata deformado da história do cinema. Belial era um mix de fantoche com outro boneco em tamanho grande onde um ator era metido dentro para os closes de seus olhos vermelhos (e todas as vezes que aparece a mão de Belial, é o braço do próprio Henenlotter dentro da prótese). Para dar vida ao Belial o diretor chamou os técnicos John Caglione Jr. (que havia sido assistente de maquiagens em “Friday The 13th Part 2/Sexta-feira 13 – Parte 2” (1981) de Steve Miner), Kevin Haney e Ugis Nigals, que estreiaram profissionalmente em “Basket Case” (Haney viria a fazer os animatrônicos do clássico “C.H.U.D.” (1984) de Douglas Cheek). Mesmo com uma produção de orçamento extremamente baixo, Henenlotter era um profundo conhecedor do cinema vagabundo e soube contornar todos os problemas ao conceber um divertido filme que foi lançado nos cinemas de New York em sessões da meia-noite, passando meio desapercebido, até ser descoberto e cultuado quando lançado em VHS.
Frank Henenlotter (1950) é um diretor independente que começou a fazer cinema inspirado pelos exploitations que eram exibidos nos cinemas da 42nd Street (que eram as verdadeiras grindhouses, termo popularizado e banalizado após Tarantino/Rodrigues terem feito seu “Grindhouse“). Começou fazendo filmes em super 8 quando adolescente e seu primeiro curta em 16mm, “Slash of the Knife”, foi exibido em sessão com o cult “Pink Flamingos” de John Waters. Ainda fez outros curtas, como “Son of Psycho” e “Lurid Women”, antes de estrear profissionalmente com “Basket Case” em 1982. Em 1988 realizou outro clássico do cinema sleaze, o também cult “Brain Damage”, uma interessante alegoria sobre a dependência das drogas. Na seqüência filmou três novos filmes, “Basket Case 2” (1990), continuação ainda mais debochada de seu grande clássico, filmado simultaneamente com “Frankenhooker” (1990), versão podreira da história de Frankenstein que mostrava como um nerd reanima o corpo de sua noiva, despedaçada por um cortador de grama, utilizando-se de pedaços de corpos de prostitutas, e “Basket Case 3” (1992), encerrando assim a saga do simpático monstrengo Belial. Depois de anos sem filmar, em 2008 Henenlotter lançou “Bad Biology”, sobre um homem e uma mulher que procuram a satisfação sexual e quando se encontram sua ligação sexual se revelará uma explosiva experiência. Em 2010 co-dirigiu, com Jimmy Maslon, o documentário “Herschell Gordon Lewis: The Godfather of Gore” que, além de H.G. Lewis, trazia ainda depoimentos de gênios como David F. Friedman e John Waters. Aliás, como curiosidade, “Basket Case” é dedicado ao avacalhado Lewis.
Frank Henenlotter renega que faz filmes de horror, em suas palavras, “Faço exploitation movies que tem uma atitude que você não vai encontrar nas produções de Hollywood. Meus filmes são rudes, provocadores, eles falam sobre assuntos que as pessoas costumam ignorar!”. Henenlotter até pode filmar pouco, mas é louvável sua postura de se manter a margem da indústria cinematográfica americana. “Basket Case” foi lançado em VHS em Portugal com o título de “O Mistério do Cesto” e via essa fita VHS que pude assistí-lo pela primeira vez no início dos anos de 1990. Aqui no Brasil continua inédito.
A mais diabólica personificação do perigo amarelo!
O Dr. Fu Manchu, o gênio do mal criado pelo escritor inglês Sax Rohmer – exótico pseudônimo adotado por Arthur Henry Sarsfield Ward – fez uma rápida transição das páginas para as telas. A estreia cinematográfica oficial do legítimo representante dos medos e paranoias de toda uma geração de ocidentais – um amálgama de vários estereótipos atribuídos especialmente aos chineses – data de 1923, quando foi interpretado por Harry Agar-Lyons em dois seriados mudos, dez anos após o lançamento de sua primeira aventura na Inglaterra, The mistery of Dr. Fu Manchu (The insidious Dr. Fu Manchu, nos EUA), em 1913.
Apesar da notável diferença com a descrição física do personagem (“um homem alto, magro e felino, de ombros elevados, testa ampla como a de Shakespeare, rosto satânico, crânio raspado, olhos oblíquos, magnéticos, de pupilas verdadeiramente verde-gato”), o gorducho Warner Oland – o mais popular Charlie Chan do cinema – herdou o personagem de Lyons, estrelando três filmes para a Paramount e inaugurando a fase sonora do vilão. Em seguida, a MGM investiu pesado em A máscara de Fu Manchu (The mask of Fu Manchu, 1932), trazendo Boris Karloff na pele do temível doutor. Na década de 1940, foi a vez de Henry Brandon, que não fez feio no excelente seriado da Republic Pictures, Os tambores de Fu Manchu (The drums of Fu Manchu, 1940) e do espanhol Manuel Requena, astro do obscuro El otro Fu-Man-Chú, dirigido por Ramón Barreiro em 1946. Após a incursão espanhola, o personagem foi esquecido pelos produtores e apenas duas versões televisivas de Fu Manchu aparecem nos anos 1950: a primeira com John Carradine – em apenas um episódio piloto não aproveitado pela emissora NBC, The zayat kiss – e a segunda, de baixíssimo orçamento, com o caricato Glen Gordon no papel do vilão.
Fu Manchu só voltaria às telas de cinema quase vinte anos depois, quando o produtor Harry Alan Towers (1920-2009) – até então responsável por alguns filmes e seriados para a TV inglesa – ressuscita o gênio do crime em grande estilo. Towers, um fã confesso de Rohmer e de literatura pulp, observando o sucesso estrondoso da série 007 e seus exóticos vilões, decide investir pesado – algo atípico para sua carreira – numa nova aventura do perigo amarelo. Além da campanha publicitária agressiva, Towers contrata profissionais competentes, como o talentoso artesão Don Sharp (de O beijo do vampiro, produção da Hammer) e um elenco de peso – que incluía Nigel Green e Howard Marion-Crawford, além de atores alemães veteranos dos krimis como Karin Dor e Joachim Fuchsberger – capitaneado por Christopher Lee no papel de Fu Manchu.
O resultado, A face de Fu Manchu (The face of Fu Manchu, 1965), uma mistura de Rohmer e Ian Fleming, escrito por “Peter Welbeck” (pseudônimo tradicional do próprio Towers), mostrou-se lucrativo o suficiente para dar origem a quatro sequências. A primeira, As 13 noivas de Fu Manchu (The brides of Fu Manchu, 1966), também dirigida por Sharp, traz Douglas Wilmer substituindo Green no papel do arquiinimigo de Fu Manchu, o Dr. Nayland Smith. Wilmer repetiria o papel no terceiro filme da série, A filha diabólica de Fu Manchu (The vengeance of Fu Manchu, 1967), de Jeremy Summers.
Os tempos mudavam e, na efervescência do final dos anos 1960, a série já dava sinais de cansaço. O retorno nas bilheterias diminuía e Towers não dispunha mais de orçamentos tão generosos quanto o de A face de Fu Manchu. Com menos tempo e menos dinheiro para filmar, que outro diretor se adequaria tão bem quanto o espanhol Jesús Franco Manera, mais conhecido como “Jess Franco“?
Em Franco, Towers encontra seu parceiro ideal: gourmet, músico de jazz e bon vivant, o espanhol é o autor de centenas de filmes – dentre os quais dezenas de versões alternativas de um mesmo filme, o que torna a compilação de sua filmografia uma missão quase impossível. Os resultados iam do puro lixo a obras primas incontestáveis. Com sua rapidez e economia, Franco surpreendia produtores – como o suíço Erwin C. Dietrich, com quem manteve uma duradoura parceria – ao ser contratado para fazer um filme e entregar dois, usando a mesma equipe e locações, sem qualquer tipo de acréscimo no orçamento ou no cronograma de filmagens!
A parceria Towers-Franco dá origem ao quarto filme da série, Fu Manchu e o beijo da morte (1968), que, para desgosto de Lee, baseia-se novamente num roteiro original do próprio Towers, consideravelmente distante dos textos originais de Rohmer. Nele, os obstinados Fu Manchu (Lee) e sua filha Lin Tang (Tsai Chin, presença assídua desde o primeiro filme da série de Towers) montam sua base de operações em uma caverna na América do Sul, de onde pretendem, mais uma vez, dominar o mundo. O plano é engenhoso: dez belas mulheres são sequestradas e infectadas com o poderoso veneno da “cobra negra”, sendo posteriormente enviadas para diversas capitais para administrar o “beijo da morte” em personalidades de renome mundial. Um dos escolhidos é o incansável arquiinimigo de Fu, Nayland Smith (Richard Greene, substituindo Douglas Wilmer), que após ser beijado por Celeste (Loni Von Friedl), percebe que sua única chance de cura é localizar o esconderijo de seu velho rival. Cego e debilitado, Smith e seu fiel assistente Dr. Petrie (Howard Marion Crawford, em sua quarta aparição na série) são ajudados na difícil missão pela enfermeira Ursula (Maria Rohm, esposa de Towers) e pelo arqueólogo Carl Jansen (Götz George) e enfrentam os inúmeros perigos das florestas sul americanas, como o bando de Sancho Lopez (o espanhol Ricardo Palacios, usando chapéu de cangaceiro).
Certamente o mais fraco exemplar da série, Fu Manchu e o beijo da morte mostra um Franco contido e discreto, muito distante de seus trabalhos mais autorais. Ainda que a trama permitisse que Franco, um fã confesso da obra de Rohmer, chafurdasse em suas obsessões com sexo, sadismo e morte – a ideia do exército de garotas hipnotizadas distribuindo beijos da morte pelo mundo remete a outros filmes do espanhol -, o resultado é curiosamente impessoal.
Os fãs de Franco sabem que o diretor nunca foi afeito a sequências de ação e as deste filme, canhestras em sua maioria, provam isso. O final, quando o esconderijo de Fu Manchu é destruído, é especialmente insatisfatório, tamanha a facilidade com que Nayland Smith elimina o gênio do mal.
Mas o filme guarda alguns atrativos, especialmente para os fãs brasileiros. Apesar de a ação se passar na fronteira imaginária entre “Melia” e “Santa Cristabel” (em determinado momento, Smith diz que Fu Manchu está escondido “em uma determinada região da América do Sul, protegido de um lado pelos Andes e do outro pelo Mato Grosso”), Franco e sua equipe desembarcaram no Rio de Janeiro, onde o filme foi praticamente todo rodado.
Segundo a atriz, produtora e musa da pornochanchada carioca Olívia Pineschi (que aparece como uma cigana nas sequências onde “Melia” é invadida pelo bando de Sancho Lopez) Franco estava “impossível” em sua passagem pelo Rio. Encantado com a anatomia das brasileiras, o erudito Jesus chegou a convidar algumas das atrizes a acompanhá-lo em sua volta para a Espanha. Além da Floresta da Tijuca, que serviu como lar para Fu Manchu, a produção utilizou o Parque Lage (o “Palácio do Governador” de “Santa Cristabel”) e os estúdios da Atlântida, onde foram filmados alguns dos interiores da caverna do perigo amarelo, com suas masmorras mal iluminadas.
O ambiente quente e úmido certamente não foi dos mais agradáveis para Lee. Ainda segundo Olívia, Lee, apesar de muito simpático, reclamava bastante da pesada maquiagem, que praticamente o impedia de movimentar os olhos. Mesmo com o cansaço em virtude das limitações e do roteiro de Towers, que pouco lhe dá para fazer, Lee se sai maravilhosamente bem no papel, transformando cada linha de diálogo numa ameaça para seus adversários.
O personagem mais curioso do filme é o bandido Sancho Lopez, vivido por Ricardo Palacios, veterano de dezenas de western spaghetti. Palacios, o mais entusiasmado de todos os atores, é um misto de bandolero e cangaceiro e parece ter saído do set de um de seus westerns.
Franco nunca demonstrou muito apreço pelos mocinhos de seus filmes e Fu Manchu e o beijo da morte não é exceção. O Nayland Smith de Greene (de Contos do Além, de Freddie Francis) passa a maior parte do filme deitado e imóvel. George, no papel do obrigatório “herói ocidental”, o arqueólogo Carl Jansen, ao menos se sai bem nas cenas de ação. O maior destaque é Marion-Crawford, novamente o comic relief da narrativa. Na pele do Dr. Petrie, Crawford tem as melhores frases do filme, à custa de imortais hábitos britânicos, como a sua constante irritação com a falta de chá quente na selva.
Quanto ao elenco brasileiro, Frances Kahn (de Os paqueras) e Isaura de Oliveira são as únicas a receberem crédito. Kahn é Carmen e Isaura é Yuma, integrantes do grupo de dez mulheres selecionadas por Fu Manchu para dominar o mundo. Isaura recebe atenção especial de Franco em uma longa sequência na qual tenta seduzir Sancho Lopez. Dentre os atores não creditados, além de Olívia – que ao longo de sua extensa carreira também atuou em outras produções estrangeiras como Love in the Pacific (1970), de Zygmunt Sulistrowski e 99 mulheres (99 women, 1969), outro filme de Franco com cenas rodadas no Rio -, aparecem Oswaldo Loureiro, como o chefe dos capangas de Fu Manchu (usando bandana vermelha e trajando um roupão preto) e o veterano Rodolfo Arena, como uma autoridade de “Melia” rapidamente despachada pelo bando de Lopez.
O filme, uma eterna vítima de versões cortadas e em full screen, que destruíam alguns dos seus poucos charmes, está disponível em DVD norte-americano (Blue Underground), com imagem cristalina em widescreen anamórfico (1:66:1), realçando o colorido das locações cariocas e os belos enquadramentos do fotógrafo Manuel Merino; o som é alto e claro, evidenciando a inadequada trilha do parceiro habitual de Franco, Daniel White. Os extras contidos no DVD são igualmente impecáveis e contém entrevistas de Franco, Towers, Lee, Chin e Shirley Eaton. Franco diz que vir ao Brasil foi como realizar um sonho, enquanto Lee confirma sua irritação com a maquiagem e com as liberdades tomadas por Towers ao adaptar os originais de Rohmer. Já Eaton (a bond girl que morre asfixiada ao ter o corpo banhado por ouro em 007 contra Goldfinger), não queria ver Towers nem pintado a ouro. Apesar de receber crédito proeminente, Eaton aparece em uma única e rápida cena de Fu Manchu e o beijo da morte, roubada de A mulher do Rio (The girl from Rio, 1969), outra parceria Towers-Franco rodada simultaneamente a Beijo da morte no Rio de Janeiro! Em A mulher do Rio, Eaton reprisa o papel de Sumuru, uma espécie de Fu Manchu de saias, (também criado por Rohmer), que já havia interpretado em O milhão de olhos de Sumuru (The million eyes of Su-muru, 1967), de Lindsay Shonteff. Assim, Eaton virou estrela de um filme no qual não atuou e pelo qual não foi paga!
Para o quinto e último filme da série, The castle of Fu Manchu (1969), rodado logo em seguida a Fu Manchu e o beijo da morte, Towers e Franco trocaram o ensolarado Rio de Janeiro por Istambul e Barcelona. Novamente baseado num roteiro original de Towers, Castle é superior a seu antecessor, ainda que o produtor tenha obrigado Franco a trabalhar com um orçamento espartano; a pobreza é tamanha que faz o filme anterior parecer uma superprodução hollywoodiana.
Desta vez, Fu Manchu (Lee) e sua filha Lin Tang (Tsai Chin), renascidos das cinzas, pretendem dominar o mundo através de um bizarro plano que consiste no congelamento da água, em qualquer temperatura, quando misturada a cristais de ópio! Na sequencia pré-créditos, Fu Manchu dá a primeira demonstração de poder, destruindo um luxuoso transatlântico nos mares do Caribe. Mas como realizar uma sequência desse porte em meio a mais absoluta escassez de recursos? Simples: roube todas as cenas do naufrágio de Somente Deus por testemunha (A night to remember, 1958), clássico de Roy Ward Baker sobre o desastre do Titanic!
Pai e filha invadem o castelo do governo em Istambul (um imenso estoque de ópio) com o auxílio dos homens de Omar Pasha (José Manuel Martín), para logo depois traí-los, mantendo o braço direito de Pasha, a bela Lisa (Rosalba Neri), como refém. Apesar do diabólico plano já ter se mostrado eficiente, Fu Manchu e Lin Tang sequestram o Professor Heracles (Gustavo Re) a fim de aperfeiçoá-lo, sem se dar conta de que o cientista está à beira da morte, devido a um sério problema cardíaco. Para curá-lo, eles ordenam a captura do médico do professor, Dr. Kessler (Günther Stoll) e da enfermeira Ingrid (Maria Perschy), que são obrigados a realizar um transplante de coração. Para azar de Fu, Kessler era amigo de Nayland Smith (Richard Greene), que desconfiado, parte para Istambul. Com a ajuda do Dr. Petrie (o impagável Howard Marion-Crawford), de Pasha e do General Hamid (o próprio Franco), Nayland irá novamente por fim as terríveis maquinações do perigo amarelo.
Um filme que esnoba suas personagens femininas e no qual não há nenhuma temática sexual evidente não pode ser considerado como um verdadeiro filme de Franco, novamente atuando como um hired gun de Towers. É curioso ver como o roteiro ignora a personagem de Rosalba Neri, musa do cinema italiano, após sua captura por Fu Manchu: seu papel, Lisa, uma criminosa obviamente lésbica, parece feito sob medida para Franco, mas não é aproveitado. Mas se Castle of Fu Manchu ainda está distante de obras autorais do diretor como Doriana Grey (1976), ao menos Franco se mostra muito mais à vontade do que em Fu Manchu e o beijo da morte, quando realizou um filme de ação mais convencional. Provavelmente, a maior liberdade foi consequência não só do minúsculo orçamento, mas também do fato de Franco filmar em Istambul, cidade com a qual já estava familiarizado e que serviu de cenário para vários de seus filmes (ainda que o castelo turco de Fu Manchu tenha sido rodado no Parque Güell, em Barcelona). É fácil observar como Franco e seu fotógrafo Manuel Merino fazem melhor proveito das paisagens turcas do que das locações cariocas vistas no quarto filme da série. Nada mais apropriado: um lar oriental para um vilão oriental.
Castle, um delicioso “samba do crioulo doido” cinematográfico, mistura ingredientes de histórias em quadrinhos com literatura pulp e todos os clichês possíveis e imagináveis do cinema de horror B. Não bastasse o inacreditável plano de Fu Manchu e as cenas roubadas de outros filmes, os “laboratórios” de pesquisa são equipados com meia dúzia de balões volumétricos e tubos de ensaio com substâncias coloridas borbulhantes, personagens são congelados e sequestrados em caixões e o (bem sucedido!) transplante de coração parece saído de um filme de terror mexicano de René Cardona Jr., tamanha a simplicidade do “centro cirúrgico” no qual é realizado (ainda que Franco consiga minimizar os óbvios cortes nos gastos com cenografia com uma espertíssima montagem). As masmorras do castelo de Fu Manchu são iluminadas de forma quase monocromática, banhadas alternadamente nas cores mais vibrantes já vistas desde um filme de Mario Bava, com Franco e Merino dando preferência para o verde e o lilás, conferindo um clima de pura psicodelia.
O final é, novamente, pouco convincente, mas a essa altura, o leitor/espectador provavelmente já captou o espírito do filme. Apenas relaxe e aproveite a oportunidade de assistir a última atuação de Lee no papel do perigo amarelo.
Tal como Fu Manchu e o beijo da morte, Castle of Fu Manchu foi lançado em DVD nos EUA pela Blue Underground, companhia do cineasta William Lustig. A versão apresentada não tem cortes (versões anteriores faziam menos sentido que a versão integral, devido a múltiplos cortes) e qualidade de imagem e som impecáveis.
A promessa de volta feita por Fu Manchu ao final de cada filme não se concretizou, já que, após Castle, o personagem simplesmente desapareceu das telas. Em 1980, Peter Sellers, em seu último papel, encarnou tanto Fu quanto Nayland Smith na comédia O diabólico Fu Manchu (The fiendish plot of Dr. Fu Manchu), de Piers Haggard, enquanto o espanhol Alex de da Iglesia alimentou durante algum tempo a esperança de fazer uma nova versão cinematográfica das aventuras do vilão (que, infelizmente, nunca se materializou). Franco escalou sua mulher, Lina Romay (falecida em 2012), na pele da filha de Fu Manchu em Esclavas del crimen de 1986. O lendário astro do horror espanhol, Paul Naschy (Jacinto Molina) apareceu brevemente como Fu Manchu em El aullido del diablo (1988), no qual interpreta diversos monstros e vilões clássicos do cinema e no curta metragem La hija de Fu ManChu’72 (1990), uma bem humorada homenagem ao personagem e aos filmes de Lee. Recentemente, Nicolas Cage interpretou o perigo amarelo num dos trailers – para longas fictícios – em Grindhouse (2007), a reunião de dois longas de Robert Rodriguez (Planeta terror) e Quentin Tarantino (À prova de morte). O trailer no qual Cage é Fu Manchu, Werewolf women of the SS, foi dirigido pelo músico e cineasta Rob Zombie.
Enquanto uma nova produção não surge, o perigo amarelo provavelmente espera nas sombras, bolando seu mais novo plano… “The world shall hear from me again!”
“The Return of the Living Dead” (“A Volta dos Mortos Vivos”, 1985, 91 min.) de Dan O’Bannon. Com: Clu Gulager, James Karen, Don Calfa, Linnea Quigley e Jewel Shepard. Roteiro de Dan O’Bannon, com ajuda de Rudy Ricci e Russell Streiner, baseado em livro de John Russo. Efeitos e Maquiagens de Allan A. Apone e Tony Gardner.
Este talvez seja, ao lado do trio “Re-Animator” (1985, Stuart Gordon), “Evil Dead 2” (1987, Sam Raimi) e “Braindead/Fome Animal” (1993, Peter Jackson), o mais famoso splatstick do cinema mundial. Mas o que é um splatstick? Splatstick é uma palavra derivada de splatter (para sangue) e splastick (para comédia física), ou seja, splatstick é um filme gore com altas doses de comédia pastelão. Aqui no Brasil o principal representante dos splatstick talvez seja eu mesmo e minha Canibal Filmes, várias de minhas produções tentam combinar violência explícita com comédia sem noção, como “Eles Comem Sua Carne” (1996), “Blerghhh!!!” (1996) ou “Zombio” (1999). Outros representantes do sub-gênero no Brasil são os cineastas Fernando Rick, dos ótimos “Rubão – O Canibal” (2002) e “Feto Morto” (2003) e Felipe Guerra de filmes como “Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-Feira 13 do Verão Passado” (2001) e “Canibais e Solidão” (2008).
“The Return of the Living Dead” já nasceu clássico. A História começa com um punk conseguindo emprego num armazém de abastecimento de produtos médicos onde Frank (James Karen) tenta impressioná-lo mostrando cilindros que estão no porão do armazém e que conteriam os mortos-vivos que teriam dado origem ao filme “The Night of the Living Dead/A Noite dos Mortos Vivos” (1968) de George A. Romero. Claro que ao mexer no cilindro a dupla libera o gás e reanima um corpo morto (e borboletas empalhadas e um meio-cachorro também) que eles não conseguem matar nem com uma picaretada no cérebro. Burt (Clu Gulager) conhece Ernie (Don Calfa), o agente funerário que trabalha no cemitério ao lado, e resolvem picar o corpo do morto-vivo para queimá-lo no forno crematório e isso faz com que o gás, através da fumaça, se misture as nuvens de uma tempestade que cria uma chuva ácida que levanta todos os mortos do cemitério. Um grupo de punks se junta ao grupo do necrotério em sua luta contra os zumbis – mais espertos que os vivos – e está reunido os ingredientes para um splatstick genial.
Em “The Return of the Living Dead” tudo funciona maravilhosamente bem. Figurinos, cenários, maquiagens, trilha sonora, atores, piadas e a direção de O’Bannon concilia tudo de uma maneira a deixar o filme um perfeito passatempo para os jovens da minha idade (não faço idéia do que essa geração apática de agora pode achar deste filme, certamente dirão: “É podre!!!”, sem conseguir esboçar mais palavras sobre a produção). Aqui os zumbis são mais inteligentes do que os vivos, em uma cena um morto vivo pega o rádio da ambulância e chama mais médicos para o suprimento de cérebros continuar fresquinho! Os zumbis aqui também são mais ágeis do que os mortos vivos do Romero e quando a Trash (Linnea Quigley) é transformada em zumbi, para nosso deleite, a temos peladinha em busca de cérebros. Impensável para o puritano cinema de horror dos dias de hoje.
Inicialmente “The Return of the Living Dead” era para ter sido dirigido por Tobe Hooper (que acabou abandonando o projeto para se dedicar ao “Lifeforce/Força Sinistra”, também com roteiro de Dan O’Bannon). Sem diretor para seu filme o produtor Tom Fox ofereceu a função ao roteirista O’Bannon que aceitou com a condição de que poderia diferenciá-lo dos filmes de George A. Romero. Como a essa altura o autor original, John Russo, já havia caído fora do projeto, Dan adicionou humor e nudez, uma combinação que sempre deixa os filmes violentos melhores e finalizou seu filme em tempo de lançá-lo junto da produção “Day of the Dead/Dia dos Mortos” (1985) de George A. Romero. O splatstick alucinado de O’Bannon fez muito sucesso, deixando o sombrio filme de Romero sem público, que naquele período dos anos de 1980 estava mais interessado em produções carregadas de humor incorreto e nudez. O filme teve quatro seqüências desnecessárias até agora: “Return of the Living Dead 2” (1988) de Ken Wiederhorn; “Return of the Living Dead 3” (1993) de Brian Yuzna; “Return of the Living Dead: Necropolis” (2005) e “Return of the Living Dead: Rave to the Grave” (2005), estes dois últimos filmados simultaneamente por Ellory Elkayem. Como curiosidade: A personagem de James Karen era para ter se tornado um zumbi e se juntado a multidão de mortos-vivos, mas James não queria filmar na chuva fria e sugeriu que sua personagem se matasse antes da transformação ser concluída. Como O’Bannon adorou a sugestão a incluiu no roteiro e criou um dos mais belos momentos do filme, tudo embalado com a canção “Burn the Flames” de Roky Erickson.
Aliás, a trilha sonora de “The Return of the Living Dead” é um achado. Além da música de Roky Erickson, trazia ainda bandas maravilhosas como The Cramps, 45 Grave, TSOL, The Fleshtones, The Damned, Tall Boys, The Jet Black Berries e SSQ, numa mistura de punk rock com deathrocks que foram a cara dos anos de 1980. Assisti este filme em 1988 quando tinha 14 anos e foi delírio puro. Punkrock, gostosa pelada dançando sobre túmulos, zumbis podrões com senso de humor parecido com meu próprio senso de humor, sangue jorrando, corpos desmembrados, diálogos hilários e um final provocadoramente anárquico. Era puro rock’n’roll! A música original do filme foi composta por Matt Clifford que trabalhou mais em teatro do que cinema. Clifford também foi responsável pela música do curta “The Basket Case” (2007) de Owen O’Neill (não confundir com “Basket Case” de Frank Henenlotter).
John Russo, para quem não sabe, foi o roteirista de “The Night of the Living Dead” e viveu a sombra deste trabalho. Logo após o lançamento do grande clássico do cinema zumbi, em 1968, a dupla Romero-Russo se separou (Russo ainda produziu “There’s Always Vanilla”, 1971, de Romero) com Romero tendo os direitos de produzir as seqüências do filme original e Russo ficou detentor do título “Living Dead” (por isso os filmes de Romero nunca puderam usar “Living Dead” em seus títulos). Russo produziu filmes como “Night of the Living Dead” (1990) de Tom Savini e “Children of the Living Dead” (2001) de Tor Ramsey; escreveu coisas como “The Majorettes/Retratos da Morte” (1987) de S. William Hinzman (que em 1968 foi um zumbi no clássico “The Night of the Living Dead”, usando o nome de Bill Heinzman), “Voodoo Dawn” (1991) de Steven Fierberg, “Night of the Living Dead 3D” (2006) de Jeff Broadstreet e “Another Night of the Living Dead” (2011) de Alan Smithee (provavelmente o nome Alan Smithee está sendo usado aqui para evitar brigas com Romero) e dirigiu tranqueiras como a comédia “The Booby Hatch” (1976) com co-direção de Rudy Ricci, “Midnight” (1982), “Heartstopper” (1991), “Santa Claws” (1996) e agora cuida da pré-produção de “Escape of the Living Dead”, ainda sem previsão de lançamento. John Russo é um picareta do cinema americano e parece possuir um senso de humor bem peculiar já que está sempre se auto-parodiando com seus intermináveis filmes de “living deads”.
Dan O’Bannon se revelou uma escolha perfeita para a direção de “The Return of the Living Dead”. Nascido em 1946 O’Bannon estreou no cinema ao lado de John Carpenter no divertido trash-movie “Dark Star”. Roteirista de sci-fi e horror, O’Bannon escreveu grandes filmes como “Alien” (1979) de Ridley Scott; “Dead and Buried” (1981) de Gary Sherman; alguns segmentos de “Heavy Metal” (1981) de Gerald Potterton; “Blue Thunder” (1983) de John Badham; “Invaders From Mars/Invasores de Marte” (1986) de Tobe Hopper; “Total Recall/O Vingador do Futuro” (1990) de Paul Verhoeven; “Screamers” (1995) de Christian Duguay; “Bleeders” (1997) de Peter Svatek; além dos já citados “The Return of the Living Dead” e “Lifeforce”, ambos de 1985. Também dirigiu “The Resurrected” (1992), baseado em H.P. Lovecraft, uma produção repleta de problemas oriundos de seu baixo orçamento. Dan O’Bannon morreu em 2009 deixando milhares de fãs de sci-fi/horror sem suas ótimas histórias que sempre tentavam fugir do lugar comum do gênero.
“The Return of the Living Dead” lançou a carreira do técnico em animatrônicos Tony Gardner, que foi o responsável pela criação do “meio-zumbi” que explica aos heróis do filme porque os mortos precisam comer cérebros. Depois trabalhou em filmes como “The Blob/A Bolha Assassina” (1988) de Chuck Russell; “Nightbreed” (1990) de Clive Barker; “Darkman” (1990) de Sam Raimi; “Blood Salvage/Mad Jake” (1990) de Tucker Johnston; “Army of Darkness/Uma Noite Alucinante 3” (1992) de Sam Raimi; “Freaked/Freaklândia” (1993) de Tom Stern e Alex Winter e “A Dirty Shame/Clube dos Pervertidos” (2004) de John Waters. O filme também trazia as maquiagens gore de Allan A. Apone que estreou trabalhando no falso documentário “Faces of Death/As Faces da Morte” (1978) de John Alan Schwartz. Depois trabalhou em divertidas produções como “Evilspeak/O Mensageiro de Satanás” (1981) de Eric Weston; “Galaxy of Terror” (1981) de Bruce D. Clark; “Parasite” (1982) de Charles Band, que trazia uma jovem Demi Moore no elenco; “Hospital Massacre” (1982) de Boaz Davidson; “Friday the 13th part 3/Sexta-Feira 13 – Parte 3” (1982) de Steve Miner; “Wacko” (1982) de Greydon Clark; “Return to Horror High/De Volta à Escola de Horrores” (1987) de Bill Froehlich. Na década de 1990 começou a trabalhar em grandes produções de Hollywood, geralmente super-produções sem nenhum atrativo para trashmaníacos.
Os atores escolhidos para viver as tresloucadas personagens de “The Returno f the Living Dead” estão perfeitos. Vale a pena destacar a participação dos veteranos Clu Gulager, Don Calfa e James Karen. Clu Gulager (1928) trabalhou na TV e cinema americano. Com sangue Cherokee correndo em suas veias, Clu serviu na marinha americana e logo após a Segunda Guerra Mundial estreou na série “The United States Steel Hour”. Ainda trabalhando na TV, foi em 1962 personagem no episódio “Final Vow”, com direção de Norman Lloyd, na série “The Alfred Hitchcock Hour”. Estreou no cinema pelas mãos do genial Don Siegel em “The Killers/Os Assassinos” (1964), onde contracenou com Lee Marvin, John Cassavetes e o futuro presidente Ronald Reagan. Outros filmes em que Clu Gulager trabalhou são “The Last Picture Show/A Última Sessão de Cinema” (1971) de Peter Bogdanovich; “McQ” (1974) de John Sturges; “A Force of One/Força Destruidora” (1979) de Paul Aaron, estrelado por Chuck Norris e “A Nightmare on Elm Street 2: Freddy’s Revenge/A Hora do Pesadelo 2” (1985) de Jack Sholder. Em 2012 pode ser visto no filme “Piranha 3DD/Piranha 2”, com direção de seu filho John Gulager. Don Calfa (1939) nasceu em New York e seu papel mais conhecido é o do agente funerário em “The Return of the Living Dead”. Calfa se especializou em comédias e deu as caras em vários filmes divertidos como “Shanks” (1974) do lendário Willian Castle; “New York, New York” (1977) de Martin Scorsese; “10/Mulher Nota 10” (1979) de Blake Edwards; “1941” (1979) de Steven Spielberg; “Treasure of the Moon Goddess/O Tesouro da Deusa Lua” (1987) de José Luis García Agraz, estrelado por Linnea Quigley; “Weekend at Bernie’s/Um Morto Muito Louco” (1989) de Ted Kotcheff e “Necronomicon” (1993) de Christophe Gans, Shûsuke Kaneko e Brian Yuzna. James Karen (1923) começou trabalhando no teatro, depois passou a trabalhar em séries de TV. Em 1965 foi ator, ao lado do genial comediante Buster Keaton, no curta de 20 minutos “Film” de Alan Schneider. No mesmo ano estrelou o impagável “Frankenstein Meets the Spacemonster” de Robert Gaffney e tomou gosto por filmes vagabundos, alternando-os com participações em filmes importantes. Está no elenco de coisas como “Hercules in New York” (1969) de Arthur Allan Seidelman, estrelado por um jovem Arnold Schwarzenegger em seu filme de estréia; “All the President’s Men/Todos os homens do Presidente” (1976) de Alan J. Pakula; “Capricorn One” (1977) de Peter Hyams; “The China Syndrome” (1979) de James Bridges; “Poltergeist” (1982) e “Invaders From Mars” (1986), ambos de Tobe Hooper; “Return of the Living Dead 2” (1988), entre vários outros. E atente para as participações de Linnea Quigley no papel da punk pelada e Jewel Shepard, atriz que já trabalhou em filmes adultos como “Hollywood Hot Tubs/Banhos Ardentes (1984) de Chuck Vincent e “Christina y La Reconversión Sexual” (1984) de Francisco Lara Polop.
Nos USA foi lançado em 2007 uma edição de colecionador de “The Return of the Living Dead”, com muito material extra e entrevistas com o elenco. Aqui no Brasil foi lançado em VHS pela Globo Vídeo e acabou de sair em DVD, sem extras e com qualidade de imagem meia boca, pela distribuidora Flashstar. Realmente o mercado brasileiro não sabe como tratar um clássico do splatstick cinematográfico mundial.
“Palhaço Triste” (“Sad Clown”, 2005, 32 min.) de Petter Baiestorf. Com: Coffin Souza, Elio Copini e Eder Meneghini. Edição de Gurcius Gewdner.
Em 2005 a Canibal Filmes estava falida, sem pessoal para trabalhar nos filmes, sem equipamentos digitais, sem dinheiro algum. Sempre fui um cara cabeça dura e teimoso, gosto de insistir. Peguei uma grande filmadora S-VHS que tinha em casa e chamei amigos pessoais (Coffin Souza, Elio Copini e Eder Meneghini) prá uma bebedeira. Lógico que eu tinha segundas intenções! Estávamos a mais de um ano sem filmar nada e sem conseguir lançar DVDs, eu queria filmar qualquer coisa. E, bêbados, fomos prá um banhado de água podre filmar um roteiro que eu ia bolando na hora. na minha cabeça demente aquilo ali tinha o maior sentido do mundo. Vejamos: Um Palhaço Triste (o povo) vive bêbado num casebre sem infra-estrutura básica, um engravatado (a burocracia, os políticos, o estado) e seus fantasmas (indústrias poluidoras, falta de educação, etc…) dançam pela vida do Palhaço Triste e mijam e cagam (poluição) no seu habitat, na sua vida. “Palhaço Triste” acabou ficando um filme estranho, principalmente por causa daquele efeito lisérgico que resolvemos meter nas imagens, mas era necessário ao meu entender, já que isso dava uma estrutura de sonho ao “roteiro” e deixava mais forte aquele diálogo nonsense que há no filme. Lógico que depois que o filme ficou pronto inventei uma ladainha que era uma auto-biografia minha, só para causar mais caos e confusão.
“Palhaço Triste” possivelmente teria sido arquivado sem edição se, na época, Gurcius Gewdner não tivesse colocado uma placa de captura de vídeo analógico no computador dele (e estava aprendendo a mexer num programa de edição). Quando ele ficou sabendo que eu iria para Florianópolis, com passagens pagas pelo estado de Santa Catarina para participar de um debate sobre os rumos da cultura catarinense, me ligou e ofereceu seus serviços digitais e salvou a porra da Canibal Filmes de ficar mais alguns anos sem a possibilidade de fazermos mais e mais filmes.
Bem, pensando bem, “Palhaço Triste” não é filme para ser analisado, nem mesmo é filme para ser assistido. “Palhaço Triste” é para ser sentido! Disponibilizamos ele no youtube, assista e se divirta com um fragmento de sonho de um cineasta maldito que ousou sonhar (e continua sonhando) com um cinema independente brasileiro, sem as esmolas do estado. Leia mais sobre “Palhaço Triste” no blog sueco Surreal Goryfication.
por Petter Baiestorf.
Assista “Palhaço Triste” aqui:
“Palhaça Triste”, quadro que Leyla Buk pintou em homenagem ao filme.
O fantástico cineasta Kôji Wakamatsu foi atropelado por um táxi dia 12 de outubro, vindo a falecer no dia 17 em decorrência dos ferimentos causados pelo acidente. Sua morte acabou ofuscada pela morte da atriz erótica Sylvia Krystel no dia 18 de outubro, ontem. Não quero parecer neurótico, nem criador de teorias de conspiração, mas me passou pela cabeça que o governo japonês tenha pagado pro taxista atropelar Wakamatsu e depois assassinado, com requintes samurais, a Krystel para que o mundo não comentasse tanto a morte dele. Mas claro, é coisa da minha cabeça. Sempre é!
Kôji Wakamatsu, nascido em Wakuya (Miyagi) em 1936, ainda adolescente foi tentar a sorte em Tokyo onde, sem dinheiro nem perspectivas de uma vida melhor, entrou para o mundo das gangues de rua e, tempo depois, foi preso. Na cadeia foi abusado pelo guardas e tomou ódio pelo estado, uniformes e instituições de todos os tipos. Nos anos de 1960 conseguiu emprego nos estúdios da Nikkatsu onde estreiou como diretor com o filme “Hageshii Onnatachi” (1963). Nos anos que se seguiram realizou inúmeros filmes de baixo orçamento (dirigiu 10 longas em 1964 e outros 8 em 1965, num ritmo de produção de dar inveja até ao Jesus Franco). “Kabe no Naka no Himegoto/Skeleton in the Closet/Secrets Behind the Wall” (1965) foi selecionado no Festival Internacional de Berlim e teve boa acolhida por parte do público e crítica, mas como os pinku eigas não costumavam ganhar o certificado de exportação do governo japonês, isso originou um embaraço político. O estúdio Nikkatsu, que não queria encrencas com o governo, lançou o filme em alguns poucos cinemas e isso limitou o sucesso da produção. Wakamatsu, irritado com este fato, resolveu deixar a Nikkatsu para formar seu próprio estúdio e realizar seus filmes de modo independente. Seu primeiro filme com produção inteiramente sua foi o drama “Taiji ga Mitsuryo Suru Toki/The Embryo Hunts in Secret” (1966), já com roteiro que misturava sexo com críticas ao governo. Com um orçamento médio de apenas 5 mil dólares por filme, Wakamatsu realizou alguns clássicos mundiais do baixo orçamento, como “Okasareta Hakui/Violated Angels” (1967), pinku eiga violento que se baseava nos crimes do serial killer americano Richard Speck, e “Yuke Yuke Nidome no Shojo/Go, Go, Second Time Virgin” (1969), onde se baseou nos assassinatos da família Mason para criar um dos filmes mais belos dos quais já tive o privilégio de assistir.
Na década de 1970 sua produção continuou intensa e cada vez mais política e provocativa. Em “Seizoku/Sex Jack” (1970) ele teorizou sobre os movimentos revolucionários de esquerda. Paralelo aos filmes que escrevia e dirigia, começou a realizar documentários, como “Sekigun – P.F.L.P.: Sekai Sensô Sengen” (1971), em parceria com Masao Adachi, sobre o exército vermelho do Japão apoiando guerrilheiros do Líbano, ou “Porn Jikenbo: Sei no Ankoku” (1975) sobre o underground sexual de Tokyo. Nesta época foi produtor executivo do clássico erótico político “Ai no Korîda/O Império dos Sentidos” (1976) de Nagisa Ôshima, já lançado em DVD no Brasil. “Seibo Kannon Daibosatsu/Sacred Mother Kannon” (1977) é um de seus filmes mais conceituados, mas infelizmente ainda não consegui assistir à este filme que é considerado um clássico de como usar simbolismos e metáforas no cinema.
A partir dos anos de 1980 seu ritmo de produção diminuiu um pouco. Seus métodos de distribuição foram esmagados pelos conglomerados cinematográficos, relegando seu cinema à festivais e ratos cinéfilos sempre em busca de prazeres da sétima arte. Wakamatsu até apareceu como ator em alguns poucos filmes, como “Rampo” (1994) de Rintaro Mayuzumi e Kazuyoshi Okuyama; “Seishun Kinzoku Batto” (2006) de Kazuyoshi Kumakiri, diretor nascido em 1974 que homenageou o cinema político de Wakamatsu em seu primeiro filme, “Kichiku dai Enkai” (1997), pequeno clássico produzido enquanto ainda era estudante de cinema; ou “Yûheisha-Terorisuto” (2007) de seu amigo Masao Adachi, entre alguns outros.
Conheci o cinema de Kôji Wakamatsu lá pelo meio da década de 1990 e foi paixão à primeira vista, se tornando em pouco tempo um dos meus cineastas japoneses preferidos. Em 2000 comprei o livro “L’Empire Erotique”, do fotografo francês Romain Slocombe, que trazia uma entrevista com Kôji Wakamatsu (traduzida do francês para o português por Ulisses T. Granados para que eu pudesse ler e que publiquei no fanzine “Arghhh” número 31, de outubro de 2002, que resgato agora no Canibuk). Na entrevista participam também o editor do Eichi Publishing e uma assistente de Wakamatsu.
por Petter Baiestorf.
Romain Slocombe entrevista Kôji Wakamatsu:
Slocombe: Ontem, em uma livraria de Jimbo-cho, eu encontrei por acaso uma fita de um dos seus filmes antigo, “Yuke Yuke, Nidome no Shojo”. Eu o assisti essa manhã antes de vir. O Título espanta um pouco, mas eu me surpreendi com a beleza das imagens e com os trechos de jazz da trilha sonora. A história é bastante simples, ainda que intelectual, não? Esse filme deve ter agradado aos estudantes da época que amavam os filmes de Ôshima. No início seus filmes eram mais violentos? Houve uma mudança de estilo?
Wakamatsu: Sim, entre os tratados de segurança Japão-USA de 1960 a 1970, o ambiente social era cada vez mais tenso. Os movimentos estudantis se faziam cada vez mais violentos. Paralelo a isso, meus trabalhos se tornavam cada vez mais excêntricos. Esse filme eu fiz no telhado do prédio da nossa repartição. Um filme dirigido totalmente em cima do telhado! As idéias me vinham enquanto eu respirava olhando para o céu! Isso não me custou quase nada, e só tive que pagar a equipe e os atores. No momento das filmagens eu não sabia se seria um filme interessante ou não. Foram os outros que me diziam se estava bom ou não, eu mesmo não tinha a mínima idéia sobre que filme que eu estava fazendo.
Slocombe: Durante a direção você modificava o script?
Wakamatsu: Eu mudo o tempo todo!
Slocombe: Você não tinha problemas quanto a sua relação com os produtores?
Wakamatsu: Sim, os produtores não ficam contentes quando o filme termina sem ter nada a ver com o projeto apresentado inicialmente.
Slocombe: Mesmo uma pequena sociedade de produção como a Art Theater Guild?
Wakamatsu: Sim, mas o mais importante é colocar o maior número de gente nas salas de exibição. Depois que eles se dão conta do sucesso não dizem mais nada.
Slocombe: Quanto mais excêntrico o filme, mais ele atraí audiência?
Wakamatsu: Sobretudo os estudantes, não o grande público. As pessoas em geral acham meus filmes “sujos”. Meus principais espectadores estão entre os intelectuais, a maior parte são estudantes universitários.
Slocombe: Qual a duração média dos seus filmes?
Wakamatsu: No início da minha carreira, sem refletir bem, eu fazia filmes de cerca de uma hora e vinte minutos (80 minutos). E, de tempos em tempos, filmes de duas horas (120 minutos). Depois eu me meti a fazer média-metragens de cerca de uma hora (60 minutos). Esse é o caso de “Okasareta Hakui/Violated Angels”. Eu não fiz esse filme com a intenção de exibi-lo nos cinemas, eu esperava fazer algo mais pessoal. E liguei para Juro Kara dizendo – “Ei, venha se divertir com a gente!”, oferecendo três grandes camarões à guisa de salário. Não custou quase nada e me contentei em exibi-lo em pequenas salas undergrounds. Ainda assim ele chamou a atenção de certos críticos de cinema.
Slocombe: Seus filmes muitas vezes tratam da relação homem-mulher e sempre o faz de uma maneira muito violenta. Numa entrevista a muito tempo atrás, lembro de você dizendo: “Entre um homem e uma mulher não pode existir nada além de guerra” (risos).
Wakamatsu: Mas sim, o relacionamento é sempre uma guerra! Aliás, a relação sempre dura mais tempo quando é mais tensa e quando há uma distância entre os dois, não é verdade?
Editor do Eichi Publishing: A propósito de “Yuke, Yuke, Nidome no Shojo”, você nos disse que o filmou inteiro em cima de um prédio. Em “Gewalt! Gewalt! Shojo Geba-Geba/Violent Virgin” (1969) você mostra uma cruz levantada num deserto e “Okasareta Hakui” se passa numa câmara fechada e desolada.
Wakamatsu: Não sei porque, mas eu adoro criar um drama dentro de um espaço limitado. Eu considerei o deserto como uma câmara fechada, isso me permite concentração. Meus trabalhos considerados mais bem realizados são aqueles que se passam em cenários isolados e limitados.
Slocombe: Gostaria de voltar a “Yuke, Yuke, Nidome no Shojo”, que assisti a pouco. Percebi o herói dele tão puro quanto o de “Okasareta Hakui”, que não tem experiência sexual e parece sentir tanto amor quanto desejo de agressão em relação às mulheres. Ele não consegue se decidir quanto a matar ou não a enfermeira, que reconhece tão pura quanto ele. Quando a garota implora para não estuprá-la, a relação ainda permanece pura. O herói de “Yuke, Yuke…” decide matar os outros garotos, mais adultos, que tinham estuprado a garota. Tenho a impressão de que você mesmo gostaria de ficar puro e encontrar uma mulher pura.
Wakamatsu: No caso de “Okasareta Hakui” fui inspirado pela chacina de enfermeiras que ocorreu em Chicago, USA. O fato de que uma delas foi poupada me interessou. Parece que ela foi a única a entender os sentimentos do assassino e por isso se salvou. No meu caso eu sou o mais jovem entre sete irmãos. Éramos todos homens e só tivemos nossa mãe na infância. Os espectadores dos meus filmes sempre percebem o meu complexo de édipo. Eu sempre me pergunto se essa tendência pessoal vem de minha situação na infância. Mas, à parte disso, eu sinto admiração pelas mulheres em geral.
Assistente de Wakamatsu: Talvez seja um “complexo de virgem imaculada”?
Wakamatsu: Exatamente. Eu procuro conforto nas mulheres, como alguns procuram na Virgem maria ou na deusa Kannon (encarnação feminina de Buda).
Slocombe: No seu filme “Seibo Kannon Daibosatsu” (1977) esse tipo de mulher surge emergindo do mar…
Wakamatsu: Refletindo bem, admito que sou um grande admirador das mulheres. Para mim a mulher é um ser que me entende e aceita totalmente, sem que aja a necessidade de me explicar. Nos meus filmes sempre se vê a aspiração por uma mulher de infinita graça e bondade.
Editor do Eichi Publishing: Há um abismo entre essa mulher idealizada e aquelas do mundo real.
Wakamatsu: É claro, existe muita diferença. Mas eu prefiro continuar buscando esse ideal do que viver na resignação.
Editor do Eichi Publishing: Para Slocombe essa mulher idealizada esta representada em suas fotos de mulheres usando ataduras, estou certo?
Wakamatsu: Eu entendo isso perfeitamente. A mulher machucada, que não pode se mover de sua cama de hospital, de certo modo esta isolada do mundo real – essa imobilidade involuntária lhe deixa mais erótica do que em seu estado natural. Deste modo a mulher se expõe sem artifícios. Uma mulher nua dormindo é uma bela visão. De fato eu sinto uma grande atração quando vejo uma mulher cheia de curativos numa cama de hospital. Se bem que uma mulher doente é algo bem menos erótico.
Slocombe: Certo, é porque a visão de uma mulher doente traz à mente a possibilidade de sua morte, o que não é agradável para mim. Uma mulher em bandagens pode não estar em sua perfeita saúde, mas não vai ter que ficar nessa posição imóvel por muito tempo.
Editor do Eichi Publishing: Visualmente, bandage branca é realmente muito bonita. Slocombe mencionou a pureza do herói de “Yuke, Yuke…”. É essa pureza que o leva a morte não? Porque seu herói morre no final?
Wakamatsu: Eu achei que essa resolução teria mais estilo. Por exemplo, eu acho Che Guevara muito chic – eu gostaria de ter vivido e morrido como ele. Infelizmente eu vou terminar como um mero diretor de filmes. Seguindo os princípios do filme, o herói não deveria morrer, mas eu achei que o final seria melhor com sua morte.
Editor do Eichi Publishing: Eu acredito que o herói teve que morrer para preservar sua pureza.
Wakamatsu: Eu não estava consciente disso porque não uso muito a razão em um filme, prefiro me guiar por minha sensibilidade e sentimentos. Frequentemente os atores não entendem o que eu quero. Eu me acho muito instintivo, como um animal. Nunca estive numa escola de cinema, nunca aprendi técnica cinematográfica. Foi por acaso que entrei nessa profissão. Eu nunca tinha sequer sonhado com isso! Eu simplesmente tive o impulso de criar alguma coisa, fosse um texto ou um filme. Eu queria tornar os meus desejos reais, por exemplo, o meu desejo de matar policiais (risos). Não posso fazer isso na vida real, é claro, mas num filme posso exterminar um monte de policiais de uma vez. Eu comecei a filmar só por esse motivo. Como alguns desses primeiros filmes tiveram sucesso, as pessoas passaram a me chamar de diretor. Desde então eu filmo constantemente, mesmo hoje em dia quando as condições estão cada vez mais difíceis. Eu construo um filme dentro da minha mente. E isso vem repentinamente. Por exemplo, “Taiji ga Mitsuryo Suru Toki” nasceu a partir de uma imagem que eu vi da janela numa manhã chuvosa de maio. A essa imagem inicial eu fui acrescentando outras, uma por uma. Mas tão logo essa imagem inicial me vem a mente, eu chamo os atores e começo a filmar. Se eu esperasse um mês ou mais, o impulso de filmar já teria se perdido.
Slocombe: Você concebeu do mesmo modo “Gendai Kôshoku-Den: Teroru no Kisetsu/Season of Terror” (1969, nota do Canibuk: Com roteiro de Kazuo “Gaira” Komizu), onde o herói, que vive com duas mulheres, explode o Aeroporto de Haneba no final?
Wakamatsu: Sim, eu realmente conhecia um cara que vivia com duas mulheres. Elas tiveram filhos quase ao mesmo tempo e se amavam, era lésbicas! Todos eles viviam muito bem juntos. Eu achei toda a situação muito divertida e quis fazer um filme sobre essas três pessoas. Foi só no fim que acrescentei o detalhe do homem ser um terrorista.
Slocombe: Sexo e terrorismo são temas que não se misturam. Foi por esse motivo que um dos meus livros foi censurado na França.
Wakamatsu: Meu filme “Seizoku/Sex Jack” foi banido da França também. Ele foi exibido primeiramente em Cannes e então proibido – embora muitos cinéfilos gostarem dele. O problema foi que no fim do filme o terrorista bonzinho tenta matar o primeiro ministro. Eles acharam muito anti-social, como também falaram que havia muito sangue em “Okasareta Hakui”.
Slocombe: Algo me intriga: Na França ou Inglaterra, um filme ou comic mostrando SM ou violência contra mulheres enfrenta censura, enquanto que cenas de sexo são bem toleradas. No Japão a situação é inversa, não?
Wakamatsu: Sim, mostrar SM ou violência num filme é perfeitamente normal, mas para sexo alguns limites foram fixados. O que significa que você não pode mostrar tudo, entende? Em alguns festivais da Europa as pessoas frequentemente riem dos filmes japoneses porque a câmera faz movimentos esquisitos para não mostrar certas coisas. Eu fico meio embaraçado quando um europeu me pergunta: – “Qual o significado daquele movimento apressado da câmera?”. Por que alguém teria que esconder órgãos genitais? Eu acho que no Japão sexo sempre foi privilégio dos poderosos, políticos, milionários, etc. No passado se dizia “os pobres que se contentem em comer arroz”. É como hoje dizerem “se contentem sem imagens de sexo”. No período Edo, pelo que li, a abertura era maior, mas após as eras Meiji e Taisho, as autoridades ficaram mais restritas.
Editor do Eichi Publishing: Enquanto SM e violência continuaram tolerados como sempre.
Wakamatsu: Sim, talvez as autoridades achem essas coisas perfeitamente normais.
Editor do Eichi Publishing: Achei a idéia interessante, o poder monopolizando o sexo.
Wakamatsu: É por isso que nos meus filmes eu caçoo do poder associando-o ao sexo.
Slocombe: Você percebeu alguma mudança recente ao assistir filmes dos jovens cineastas? E você pretende tentar outros gêneros?
Wakamatsu: Eu frequentemente noto que os jovens diretores mostram nudez com um propósito puramente comercial. Acho isso muito superficial. É por isso que raramente assisto seus filmes. Eu e alguns outros diretores, se fizemos pinku eiga, foi para expressar alguns sentimentos mais sérios. E quanto a outros gêneros, eu já experimentei a todos.
Editor do Eichi Publishing: Se entendi direito, mesmo nos seus pinku eigas, o assunto principal não era sexo?
Wakamatsu: Certo. Primeiramente eu não era aceito pelas grandes produtoras. Para fazer um filme tive que recorrer ao campo dos pinku eigas. E meus filmes tinham que ser vistos pela maior audiência possível, o que me levou a colocar nomes escandalosos como “Yuke, Yuke, Nidome no Shojo”. Lendo a palavra “virgem” (nota do Canibuk: Shojo significa virgem) as pessoas imaginavam coisas pornográficas e corriam para os cinemas. E o importante é que elas ficaram contentes com o que viam, mesmo que isso não tenha sido exatamente o que esperavam inicialmente, não acha?
Assistente de Wakamatsu: Então, agora que você pode dirigir os filmes que quiser, eles não precisam ser pinku eigas?
Wakamatsu: As coisas mudaram totalmente, atualmente estou até filmando para a TV!