I – A Ideia
A linda moça banha-se alegremente no lago perdido na natureza, extasiando-se.
Do “triller” estacionado à beira da água, sai um rapaz, provavelmente seu companheiro de passeio, descascando uma laranja, aparentemente tranquilo.
A moça, da água, convida-o, brejeira, para partilhar. Ele solta a fruta, coloca a faca entre os dentes, como um Tarzan, e mergulha a seu encontro.
Felizes, riem.
Ele, com a faca.
Como numa brincadeira, a Lâmina da arma corta a alça do sutiã do biquini, fazendo saltar dois lindos e insinuantes seios.
Estranheza.
Uma transfiguração corre a expressão do moço. Tara?
A moça parece não entender. Procura fugir da água e do companheiro.
Perseguição.
Alcança.
Inicia-se uma tentativa de estupro.
A faca.
Ela grita para ser acudida. Não ouve eco.
Lábios e língua do rapaz correm desesperados pelos seios e corpo da moça, em resfôlegos.
A expressão dela diz que nunca antes tinha visto seu companheiro agir daquela forma. Desespero grande.
A expressão dele diz que não tem intenções de se acalmar. Os olhos fulminam, e a boca baba, excitada.
A faca.
As forças da menina querem ceder, mas não podem. Não podem… não podem… não podem…
Ele já a tem sob completo domínio.
A faca da laranja, ergue-se na mão do homem, e desce, implacável, ferindo um dos lindos e insinuantes seios da infeliz.
Um grito louco de dor, e a expressão de pavor.
As dores do ferimento são muitas. Insuportáveis.
Novo pedido de ajuda, agora só com os olhos. Forças faltam para a fala.
Novo golpe fez alongar a mancha de sangue que cobre o corpo feminino. Os olhos estalados,a boca agora inerte, os últimos suspiros.
Doz rapaz. o estranho rir de quem está possuído.
Num estertor, a moça desfalece definitivamente.
Morre.
Michael caminha vagarosamente e desliga o projetor de filmes em 16mm, depois de ver correr na tela a palavra “the end”.
No outro canto da sala, visivelmente deprimido com o que acaba de ver, Bob, em silêncio. Respira e força um sorriso.
“Incrível! Nunca vi tanto realismo! Confesso que a cena me tocou as estruturas! Acho que nunca vi uma morte tão bem feita, em cinema!”
Michael, voltando o filme para o carretel que projetara.
“Então, gostou…pois vamos repetir essa cena no nosso trabalho…”
“Vamos precisar escolher a dedo, uma atriz!”
“Engano seu, meu caro Bob… Qualquer garota pode interpretar tão bem quanto esta que vimos. Aliás, nem esta era atriz…”
“Não?… Então, como? !…”
“Simples, amigo: a cena foi real. Ela morreu mesmo!”
Bob engoliu em seco. Conhecia muito bem o colega e sabia quando ele brincava e quando falava sério. Dificilmente se enganava. Seus olhos arregalaram, temerosos.
“Quer dizer que isto que vimos aconteceu de verdade?”
“Lógico!”
“E que no filme que vamos fazer, haverá uma cena como esta?… ou seja… alguém vai morrer de verdade?”
“Muito feliz, a sua dedução!”
Bob saltou da cadeira, automaticamente. Chegou-se à Michael, não querendo acreditar no que ouvia.
“Você está louco rapaz?”
“São ordens de Mr. Lorne…”
De verdade, Bob sentia vontade de esganar o cinismo do amigo. Mas era sensato, e sabia que uma ordem de Mr. Lorne não era para ser discutida, e sim cumprida. Mas queria se convencer de que aquilo era uma das raras brincadeiras de Michael. Uma interpretação muito bem feita.
A possibilidade era remota, mas tentou uma investigação:
“Onde é que você arranjou esta droga?”
“Isso eu não sei. Mas, se quer algumas informações, aqui vão: a intenção dos produtores disso aí que você viu, era filmar um estupro real, pra valer. Para isso, como sempre contrataram uma equipe mínima, e o ator arrumou uma virgem, uma menina com pretensões de fazer carreira em cinema. A cena foi ensaiada de uma forma, mas o ator havia recebido instruções para, na hora “H”, assaltá-la sexualmente. Foi dado algo para estimulá-lo. Mas a moça, assustada com a fúria do ator, reagiu violentamente, como você mesmo viu!”
“Incrível…”
“Ele havia sido pago para violentá-la de qualquer maneira. Pretendiam registrar tudo…”
Bob estava perplexo. A seriedade com que Michael discorria, começava a querer convencê-lo.
“Aí, aconteceu o imprevisto: os técnicos, contagiados pelo clima, estavam mais alucinados que o próprio ator. Tanto assim, que não perceberam que a faca de efeito havia sido trocada por uma real. Você viu o resultado…”
“Que absurdo!” caiu no sofá como se tivesse um enorme peso no corpo. Michael, inalterado:
“Foi um acidente que deu certo!”
“Ma como deu certo?”
“Quando o filme veio parar em nossas mãos, lá em Nova Iorque, não sabíamos que era real. Tentamos colocar no mercado clandestino. O sucesso foi absoluto. Nunca se pagou tão alto por uma cópia.”
“Mais que os filmes pornográficos?”
“Os filmes pornográficos se tornaram brincadeirinha de criança perto deste. Chegamos a fazer projeções especiais, cobrando mil dólares por cabeça. Lotamos o cinema.”
Bob está cada vez mais confuso.
“Mas este filme foi um acidente. Não pode ser refeito!”
A ideia de Bob era dissuadi-lo de tal ideia. Parecia que Michael estava hipnotizado pela possibilidade de repetir o sensacionalismo, deixando os próprios sentimentos de lado. Mas parecia cada vez mais distante pode convencê-lo do contrário.
“Mr. Lorne quer repetir o sucesso!”
Explodindo:
“Michael, isso é um crime!”
O sorriso cínico e inalterado do amigo aumentou a perplexidade de Bob.
“E a pornografia? Também não é um crime?”
Tentando contornar:
“É diferente, Michael. Os filmes pornográficos são feitos para casais entediados, ou pessoas solitárias. Gente que precisa de estímulo para o ato mais importante da vida. No fundo, sua função é até benéfica. Os médicos mesmos aconselham…”
“Isso é conversa fiada, Bob. Uma coisa não desculpa a outra.”
É, não havia mesmo jeito. Bob pensou um pouco, tentando desemaranhar a confusão que se instalara em sua cabeça. Meio minuto depois, tomou a decisão:
“Está certo. Mas eu não me meto neste negócio!”
Michael acabou de servir-se de um uísque no barzinho, e já voltou ao amigo. Mantendo o mesmo sangue frio. Antes do primeiro fole:
“Você já está metido em nossos negócios até o pescoço! Eu estou aqui para realizar um filme deste tipo, e é o que vou, ou melhor, vamos fazer!”
fim do primeiro capítulo de “Snuff – Vítimas do Prazer” de Claudio Cunha (editora MEK, editor Minami Keizi, 120 páginas, meados dos anos 80).
Veja o filme aqui: