“DR” (2012, 10 min.) de Joel Caetano e Felipe Guerra. Com: Dona Oldina, Mariana Zani e Joel Caetano.
Não há nada pior num relacionamento em crise do que gente de fora dando pitaco. “DR”, curta-metragem que marca a primeira parceria entre Joel Caetano e Felipe Guerra, fala justamente sobre isso: Um casal em crise (Joel e Mariana, casados na vida real) vai discutir sua relação com a sogra (Dona Oldina) não só presente, como no papel de mediadora. A sogra e a esposa despejam acusações contra o marido que escuta tudo pacientemente calado (logo depois descobrimos que ele não se defende porque está amarrado e amordaçado), logo o que era violência verbal se torna violência física e sexual com a sogra abusando do genro imobilizado, assim que a tortura física tem início dentes e dedos quebrados vão surgindo num crescendo de violência que culmina num ataque de fúria do marido contra a sogra. Nada mais atual nos dias de hoje, quando a violência tomou lugar do diálogo. Não sei se foi intencional, mas o modo como o roteiro do filme trata do ciúme possessivo é de longe uma das melhores abordagens do tema que já vi no cinema independente brasileiro. Lógico que o filme se revela meio machista, colocando a culpa de tudo nas mulheres, como se o homem fosse uma vítima do casamento e da tirania da sogra, excluindo-o do fato de, no filme, ficar claro que ele traia a esposa. Fácil de entender quando pensamos que o roteirista é Felipe Guerra, gaúcho tradicional dos pampas. Como o filme não é sério em momento algum, este “machismo” de brincadeira não atrapalha. Não posso falar muito mais sobre a história, mas é um grande acerto da dupla de diretores.
Dividindo a direção, a dupla desenvolveu um argumento que Felipe Guerra havia escrito para filmar em apenas um dia aproveitando que Dona Oldina, sua vó, estaria em São Paulo. “Já tinha colocado minha vó como fantasma, tarada e assassina serial nos meus outros filmes e queria que ela novamente fizesse um papel onde pudesse surpreender o público. Foi quando tive a idéia de “DR”. Porque todo mundo faz filme com vampiro, assassino mascarado, zumbi, mas duas das coisas mais assustadoras da “vida real”, e creio que para ambos os sexos, são sogras e discussões de relação. Imagine que se discutir a relação já é foda, com a sogra junto é duas vezes pior. Então pensei nesse negócio de uma DR em que a sogra passasse um pouco dos limites e o curta tornou-se uma experiência meio “torture porn”, aqueles filmes em que uma personagem passa o tempo todo sendo torturado.”, nos conta Guerra, enquanto Joel explica como foram as filmagens: “Ano passado Dona Oldina veio para São Paulo para acompanhar o Cinefantasy e o Felipe me mandou uma mensagem dizendo que tinha uma idéia que dava para filmar em um dia, num apartamento e com três atores, no caso Dona Oldina, eu e Mariana Zani. Nem precisei ler o roteiro para aceitar a proposta e, depois que li, fiquei muito feliz pois era uma ótima idéia. Assim surgiu o “DR”. O filme foi feito todo de forma colaborativa. O sangue foi cedido de uma oficina que o Rodrigo Aragão estava ministrando na época (um sangue, como ficamos sabendo mais tarde, que seria descartado por não ter funcionado direito). Além de nós quatro também estavam a Daniela Monteiro e a mãe do Felipe, dona Neusa Guerra. Eu e Felipe ficamos na direção, eu mais preocupado com a direção de atores e ele com a direção de cena. O Felipe fez a câmera e fizemos juntos a iluminação. Daniela e Neusa cuidaram da captação direta do som e eu fiquei com os efeitos especiais também”. Aliás, os efeitos especiais estão extremamente convincentes, o que imprime uma força narrativa de maior intensidade ao filme. Joel Continua, “Me orgulho do efeito do dedo se quebrando, simplesmente comprei uma mão falsa, cortei o dedo dela, escondi o meu e quando a mariana dobra é o dedo falso que se move para trás, a sonorização e o corte rápido fizeram o resto, ficou bem convincente, vi algumas pessoas pulando da cadeira no cinema, o que acontece também na cena dos dentes que se quebram, eu mesmo fiquei agoniado com aquilo vendo na tela”.
“DR” é um filme onde tudo está bem realizado e aproveitado, provando que não é necessário grandes orçamentos para se produzir um bom filme. Mas Dona Oldina é quem rouba o filme para si, de longe é sua melhor interpretação e ela está fantástica como a sogra perturbada e violenta. Felipe nos conta como foi trabalhar com ela: “Com 82 anos de idade minha vó topou todas as cenas numa boa e em nenhum momento ficou escandalizada com a violência, porque ela entendia que era algo exagerado e absurdo para divertir e não para chocar. Ela não tem dificuldades com as cenas físicas, seu maior problema é lembrar as falas. Fizemos uns 20 takes só dela tentando falar a frase “discutir a relação”, porque na hora ela se embananava e falava “a questão da relação”. Dona Oldina só ficou preocupada com a possibilidade do filme ser exibido em Carlos Barbosa/RS, que é uma cidadezinha de 25 mil habitantes, e ela tem medo de ser expulsa do grupo da igreja. Minha vó também fez um improvisso hilário em que dá um rápido beijo na boca do Joel, felizmente quando ele está amordaçado”. E Joel completa rindo, “Até hoje o Felipe me chama de vô!”.
A edição do curta foi decidida também em conjunto pela dupla de diretores. “Foi uma edição em conjunto, eu estava operando o software e o Felipe do meu lado, todas as decisões de cortes foram tomadas por nós dois. A montagem só demorou mais porque em determinados momentos, principalmente na cena em que eu chuto a personagem da Dona Oldina, eu tinha crises de riso. O Felipe tinha que me sacudir para eu parar de rir!”, conta Joel. O resultado final deste trabalho em conjunto, além de impressionar o espectador, deixou ambos os diretores satisfeitos, como define Felipe ao dizer “Foi interessante fazer esse projeto em conjunto com o Joel, um cara cujo trabalho eu respeito muito com o qual tenho bastante afinidade. É difícil você encontrar alguém que tope fazer uma parada assim, sem dinheiro e filmada na raça, num único dia”, enquanto Joel dá pistas para o futuro da parceria, “Espero poder repetir a dose em breve!”.
Por enquanto “DR” pode ser visto apenas em mostras e festivais, mas espero que em breve ambos os diretores tomem vergonha na cara e lancem um box com toda sua filmografia, tanto Caetano quanto Guerra estão devendo o lançamento de seus filmes para que o público de outras regiões do Brasil possa tomar contato com suas obras.
Por Petter Baiestorf.
Clique em “Joel Caetano e seu Cinema de Recurso Zero” para ler a entrevista que fiz com ele.
Clique em “Necrófilos em Ação: O Cinema de Felipe Guerra na Terra da Polenta” para ler a entrevista que fiz com ele.