Arquivo para underground cinema

CineBarca Trash em Xanxerê

Posted in Arte e Cultura, Cinema, Entrevista, Vídeo Independente with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on setembro 4, 2018 by canibuk

Nessa quinta-feira, dia 06 de setembro, estarei na cidade de Xanxerê, no Oeste de Santa Catarina, exibindo alguns de meus filmes no SOS Bar, em sessão organizada pelo fantástico coletivo ABarca.

No mês que a Canibal Filmes completa seus 27 anos de resistência underground no cinema brasileiro, nada melhor do que uma sessão realizada aqui no Oeste, local onde tudo começou em 1991. Na sessão que programamos com ABarca vamos exibir filmes de todas as épocas da Canibal (2000 Anos Para Isso? é de 1996, enquanto Ándale! é de 2017), junto de filmes escritos e dirigidos por outros integrantes de nosso grupo, como O Último Dia no Inferno (2017), de E.B. Toniolli, Até Que… E Deu Merda (2017), de Carli Bortolanza, e, A Noiva do Turvo (2018), de Loures Jahnke. Após a sessão deverá rolar um debate comigo, acompanhado de Loures Jahnke e os atores Elio Copini e PC.

Resolvi fazer uma divulgação diferente deste evento que exibirá meus filmes em Xanxerê, ao invés de ser entrevistado por eles para a divulgação, resolvi entrevistar a Eloisa Almeida, que faz parte do coletivo ABarca, e divulgar este projeto lindo que está rolando na cidade de Xanxerê desde 2016 e que acho que todos deveriam apoiar/prestigiar!

Petter Baiestorf: O que é o coletivo ABarca? Seus objetivos e quem faz parte?

Eloisa Almeida: Fundado em julho de 2016, o Coletivo Cultural Abarca foi instituído com o intuito de desenvolver projetos e atividades culturais na cidade de Xanxerê e região. O coletivo surgiu com o interesse de um grupo de amigos em aprender e produzir arte, com um viés social, e movimentar o cenário cultural na cidade. Tem como principal objetivo fomentar a cultura, e que ela seja acessível. Os eventos, ações, oficinas e atividades promovidas pelo coletivo são realizadas em espaços independentes e também com o intuito torná-los públicos, considerando que todo espaço é cultural. Hoje o coletivo conta com 16 membros e está aberto a quem tiver interesse e disponibilidade para participar das ações culturais, e aberto para novas experiências, participando de intervenções artísticas, desde apresentações de teatro, leitura dramática, cinema, poesia e outras formas de arte que estiverem ao alcance do nosso olhar.

Baiestorf: Conte sobre o projeto CineBarca Trash.

Eloisa: O CineBarca é um projeto do coletivo desde 2017, onde tem o objetivo de apresentar exibições cinematográficas em espaços públicos, procuramos valorizar a cena independente e trabalhos autorais da região para que também possam alcançar um maior público. O primeiro CineBarca teve como tema o Cinema Brasileiro em VHS, o qual foi realizado na Casa da Cultura Maria Rosa, em Xanxerê.

Neste ano, dando continuidade ao projeto com o tema Trash, o coletivo organizou quatro exibições, onde o SOS Bar nos abre as portas para o evento. O bar foi escolhido para o evento, justamente pela identificação do espaço com o tema, sendo considerado um ambiente underground que, além disso, se encaixa com o perfil do coletivo. No mês de agosto foram exibidos os filmes, todas as quintas-feiras a partir do dia 16, com seqüência de “Fome Animal” (Braindead), Evil Dead 1 e 2, e From Beyond. Os filmes foram escolhidos a partir do conhecimento que temos sobre o tema, considerando que se tivéssemos um conhecimento maior sobre esse tipo de trabalho regional, o intuito seria propor essas exibições locais. Para concluir as exibições do tema Trash, acontecerá no dia 06/09 um evento com a participação especial do cineasta Petter Baiestorf, o qual estará exibindo seus trabalhos e dando abertura a uma roda de conversa sobre o tema. O vídeo de abertura do projeto foi produzido pelos amigos do coletivo de forma independente, Murilo Salini e Jéssica Antunes.

Pretendemos dar continuidade ao CineBarca com outros temas seguintes, já estamos nos organizando para o próximo tema de “Futuro Distópico”, seguindo com a ideia de quatro exibições e na última, um evento especial, com a participação do nosso amigo Luis Kohl, apresentando seu trabalho musical autoral Antronic. Logo as datas serão divulgadas.

Em relação ao público, está sendo muito gratificante! Conseguimos atingir um público maior do que o esperado para o evento, e percebe que o nosso intuito em apresentar algo novo e despertar a curiosidade tem sido construtivo. Estamos com grandes expectativas para o dia 06/09, inclusive percebemos a ansiedade do público para este momento também.

Baiestorf: Como é o espaço para a cultura independente em Xanxerê?

Eloisa: Não temos um cenário muito bom para a cultura independente em Xanxerê, quando é pensado em formar um grupo cultural vemos que geralmente é procurado patrocínios ou apoio público. Talvez o interesse na cultura independente tenha relação além disso, com o interesse em não vincular diretamente essas instituições. Vê-se também que o público procura grupos prontos para participar ativamente, ao invés de formar um novo grupo.

Baiestorf: Acho extremamente interessante o intercâmbio cultural entre artista da região Oeste. Vocês tem planos de levar à Xanxerê mais cineastas aqui da região?

Eloisa: Temos um grande interesse em dar continuidade ao projeto, trazendo outros cineastas, porém há dificuldades em entrar em contato com essas pessoas, até pela questão financeira, considerando que somos um coletivo independente, para manter nossos projetos temos um caixa para contribuição dos membros e doações, e nem sempre temos um retorno positivo. Mas acreditamos que possa ser questão de organização e fazer acontecer.

Baiestorf: Num âmbito da cultura oficial/institucionalizada, como é o apoio da sociedade de Xanxerê? Minha pergunta é fazendo distinção entre cultura oficial e independente de modo proposital mesmo, visto o descaso com que a cultura é tratada no Brasil.

Eloisa: Vê-se que não apenas em Xanxerê, mas no Brasil, que a cultura institucionalizada recebe um menor apoio, comparando com a cultura oficial, a qual podemos chamar de popular. Mas acreditamos que a questão de ser uma cultura institucionalizada/independente já carrega esse interesse de não se tornar popular, de atingir as minorias e se manter no espaço underground. No caso do nosso coletivo, levamos em consideração isso também, o fato de não nos vincular à outras instituições as quais teriam interesses capitais através da arte, e o nosso interesse é realmente em propor a arte de uma forma livre e independente. Além disto, a sociedade conhece culturalmente daquilo que se tem acesso, e na maioria das vezes comercializado, pois é dessa forma que essas informações chegam a ela, através da grande massa, do que se é mais popular. Em Xanxerê, apesar disso existe um público considerável que aprecia a arte independente, e acreditamos que isso tem relação à esse público estar aberto para o novo, a formas diferentes de arte, e também o motivo pelo qual a grande parte dos xanxerenses não dar tanto apoio a cena independente, por estar acomodado com o que somente o seu meio social proporciona.

Baiestorf: Este Cinebarca acontece numa semana pesada à cultura/ciência/educação, em que o Museu Nacional foi literalmente reduzido às cinzas. O que você gostaria de falar sobre isso, sobre este descaso secular do brasileiro à cultura, ao saber, à ciência, à educação.

Eloisa: Acreditamos que existem maiores interesses por trás deste descaso, pois a cultura no Brasil sempre foi utilizada como um jogo político, embora existam vários meios de se introduzir a cultura para a sociedade, olhando por esse lado não é espantoso a realidade em que nos encontramos. O caso do Museu Nacional só nos mostra a importância que a cultura tem para o país. Sabemos que a única maneira de preservar a história do país é tendo acesso a ela. Talvez seja necessário para o brasileiro, e principalmente ao poder público, compreender que para se construir um futuro é preciso conhecer e reconhecer o passado, através dele se tem muitas respostas da situação que vivemos hoje, saber que a cultura é algo que vai sendo construído, que para existir o novo é preciso do velho como base para novas concepções.  É lamentável saber que a cultura no Brasil cada vez mais perde o seu valor, mas aí cabe a nós resistirmos e lutarmos por ela, pois a cultura faz parte da essência do homem.

Baiestorf: Pequenas ações, como o projeto A Barca, acabam sendo atos de resistência ao sucateamento da cultura no Brasil?

Eloisa: Quando se pergunta o que é arte, logo vemos que a sociedade vê e aceita aquilo que está dentro dos seus padrões. Conhecer e produzir arte, seja vindo de um sujeito ou coletivo, já por si é um ato de resistência, pois ele está propondo algo novo para o mundo, tudo o que é novo de início traz um certo estranhamento social, para os acomodados é difícil se abrir para o novo. Ser resistência é continuar movimentando a diversidade cultural, é fugir dos padrões sociais, e esse é nosso intuito como coletivo independente.

Baiestorf: O Espaço é seu Eloisa. Convide as pessoas para o Cinebarca dessa quinta-feira:

Eloisa: HEY ESQUISITO! Nesta quinta-feira 06/09 o bar mais underground do velho oeste abre as portas mais uma vez para o CineBarca Trash. Venha fazer parte da resistência da cultura independente, venha dar o seu apoio à cultura que se encontra oculta em nosso país. Teremos a participação especial do cineasta Petter Baiestorf exibindo seu trabalho cinematográfico independente e abrindo uma roda de conversa sobre o tema Trash. Levante do seu caixão e vá até o SOS bar, junte-se com os demais zumbis da sociedade nessa experiência trasheira que tem início às 21h, esperamos por você!

Programação do CineBarca deste dia 06 de setembro (início 21 horas):

A Noiva do Turvo (2018, 5’) de Loures Jahnke.

O Último Dia no Inverno (2017, 4’) de E.B. Toniolli.

Até Que… E Deu Merda (2017, 5’) de Carli Bortolanza.

Ándale! (2017, 4’) de Petter Baiestorf.

2000 Anos Para Isso? (1996, 12’) de Petter Baiestorf.

Primitivismo Kanibaru na Lama da tecnologia Catódica (2003, 12’) de Petter Baiestorf.

Zombio 2: Chimarrão Zombies (2013, 83’) de Petter Baiestorf.

Morre o Lendário Cineasta Underground George Kuchar

Posted in Cinema with tags , , , , , , on setembro 8, 2011 by canibuk

Na madrugada do dia 06 de setembro morreu George Kuchar, aos 69 anos, uma referência para os produtores de filmes independentes com seus curtas debochados cujo senso de humor não era muito apreciado aqui no Brasil. Diretor de mais de 200 filmes (começou a carreira, lá por 1956, ao lado de seu irmão gêmeo Mike, também diretor de clássicos do underground americano como o genial “Sins of the Fleshapoids”), ator em mais de 40 filmes (incluíndo os clássicos longas “Thundercrack!”, 1975, de Curt McDowell e “Screamplay”, 1985, de Rufus Butler Seder). Além de direção e atuação, George Kuchar fez de tudo no caótico mundo do cinema underground, foi também produtor, roteirista, diretor de fotografia, editor, maquiador e técnico em efeitos especiais. Sua obra inspirou grandes cineastas como Guy Maddin, Wayne Wang e John Waters (aliás, foi através de John Waters, lá pela metade dos anos de 1990, que ouvi falar no George Kuchar pela primeira vez e comecei a “caçar” seus curtas para minha coleção de filmes).

George filmando "I, an Actress" (1977).

Segundo Eliane Lima (que faz mestrado em cinema na escola San Francisco Art Institute, onde George era professor), Kuchar foi diagnosticado com cancêr de próstata um ano atrás, mas manteve o fato em segredo. George foi ator no curta-metragem “Leonora” (2011, 6 min.) dirigido pela Eliane Lima (que também participou do penúltimo filme dirigido por George, “Lingo of the Lost” e do seu vídeo-diário “Butchered Beefcake”).

Still do curta "Leonora", último filme com participação de George.

No dia 30 de agosto foi realizado uma festa de aniversário (que nasceram no dia 31 de agosto de 1942, no Bronx) em homenagem aos gêmeos George e Mike (sem o George, que estava hospitalizado) com exibição do curta “Leonora” (Eliane Lima, 2011) e do documentário “It Came From Kuchar” (Jennifer M. Kroot, 2009).

A visão de cinema de George Kuchar vai fazer falta! Saudações from Brazil, George!!!

O Tormento de Mathias

Posted in Vídeo Independente with tags , , , , , , , , , , on junho 25, 2011 by canibuk

“O Tormento de Mathias” (1992-2011/54 minutos) de Sandro Debiazzi, resgata o termo trash-movie com orgulho e tira proveito da estética trash. Enquanto outros cineastas brasileiros tem medo de que suas obras sejam chamadas de trash, Sandro Debiazzi se assume como trashmaníaco e ganha pontos por isso com um roteiro debochado, efeitos especiais sangrentos, ritmo narrativo que faz bom proveito dos clichês básicos do gênero e cheio de participações especiais, que vão dos cineastas Joel Caetano e Felipe Guerra (ambos mais canastrões do que nunca) e a pesquisadora Bernadette Lyra (organizadora dos livros sobre cinema independente intitulados “Cinema de Bordas” vol. 1 e vol. 2), que se revela uma ótima atriz.

A história que Debiazzi nos conta é a de um garoto cabeludo (que se parece com o Michael Meyers do Rob Zombie) que é importunado por sua mãe o tempo todo e acaba a matando com uma discreta tesoura de cortar grama. É internado num sanatório (oba, choque elétrico!!!) onde vira cobaia de um médico louco e seu improvissado ajudante (porque o médico louco não consegue ver sangue), que colocam um chip de choques elétricos no cérebro de Mathias. A operação para a colocação do chip é um primor, o médico tira a tampa do crânio (que é, na cara dura, feita de borracha) e enfia um chip dentro do cérebro que parece uma espécie de pudim. Pensando bem, o cérebro de grande parte da humanidade parece ser feito de pudim!!!

Sandro conseguiu criar uma estrutura narrativa caótica, mas bem amarrada, com vários flashbacks que funcionam direitinho. Na verdade, ele começou a fazer este filme em 1992 e o abandonou em 1996 e, assim, o primeiro “Tormento de Matheus” ficou esquecido numa gaveta, mofando em fitinhas VHS. Até que nos anos de 2008 em diante uma nova leva de realizadores independentes começaram a se destacar e Sandro resolveu finalizar o filme. Re-escreveu o roteiro, pegou uma mini-DV para filmar as novas cenas, chamou atores, chamou rostos conhecidos no underground brasileiro e conseguiu concluir uma delícia de filme, com várias passagens hilárias se alternando com momentos de gore exagerado e piadinhas divertidas. Como não curtir o padre que foi castrado a dentadas pelo psicopata, a vidente picareta, os enfermeiros retardados do sanatório, a prostituta que fica chamando os fregueses de “tio, tio, tio” o tempo todo, o enfermeiro hippie que dá um baseado pro Mathias e a participação da Bernadette Lyra onde ela fica zuando do psicopata porque ele errou uma nota na música que estava tocando no piano!!!

Aliás, Bernadette Lyra é uma espécie de madrinha do filme. Em 2010 ela incentivou Sandro Debiazzi a concluir o filme. Eu, na qualidade de produtor independente já com 20 anos de cabeçadas no muro, estou cada vez mais feliz por uma grande quantidade de filmes, dos mais variados gêneros e estéticas, que vem sendo produzida de maneira independente no Brasil. Afirmo aqui sem medo de errar: OS BONS TEMPOS DA BOCA DO LIXO ESTÃO DE VOLTA, só que agora não é filmes produzidos apenas em São Paulo, mas sim em todo o Brasil.

E só para concluir: Qual é o tormento de Mathias? O tormento de Mathias somos todos nós, seus vizinhos, seus colegas, sua família, seu patrão, seus auto-intitulados superiores! Recomendo que os leitores do blog confiram essa produção independente, há várias limitações, mas é um filme autêntico no que se propõe, ou seja, quer divertir e consegue isso, coisa que muito filme de 150 milhões de dólares se propõe a fazer e não consegue!

imagens de "O Tormentos de Mathias".

E veja o trailer do filme no youtube, se você gostou pode encomendar uma cópia do filme com o diretor Sandro Debiazzi pelo e-mail: sandrodebiazzi@hotmail.com

Almoço com Lloyd Kaufman

Posted in Almoços with tags , , , , , , , , on junho 3, 2011 by canibuk

Só deixando uma fotinho aqui no blog do nosso almoço com Lloyd Kaufman hoje ao meio dia. Fernando Rick, sua namorada Miriam Zaruhí, Loyd Kaufman e esposa, Gurcius Gewdner e eu ficamos falando montão de asneiras, sobre filmes bagaceiros, “Bloodsucking Freaks”, cinema da Boca do Lixo, cinema gay (Lloyd é fanático pelo cinema gay brasileiro, inclusive achou Gurcius Gewdner uma verdadeira gracinha, puro ouro latino, uma diva tropical) e coisas da Troma lançadas no Brasil que ele nem fazia idéia de que tivessem sido lançadas!!! Lloyd Kaufman é gente boa demais, bem naquele clima dos vídeos que ele grava falando bobagens. Lloyd Kaufman é Troma!!! Lloyd Kaufman vai tromatizar o público brasileiro amanhã no Cine Olido, imperdível (para entrar na Master Class tem que estar inscrito nela, quem bobeou vai perder uma puta aula de cinema com um cara realmente foda e independente do cinema mundial).

Fotos de Fernando Rick & Miriam Zaruhí.

Selvas de Papelão e Latrinas Desocupadas: Uma Aula de Cinema com George Kuchar

Posted in Cinema, Vídeo Independente with tags , , , , , on maio 19, 2011 by canibuk

“Eu decidi fazer filmes após assistir à antigos trabalhos de George Kuchar”.

As palavras acima são de John Waters, rei do Mal-Gosto e um dos grandes nomes do cinema transgressivo mundial, admitindo uma de suas maiores influências.

George Kuchar nasceu em Manhattan, USA, em 1942. Junto com seu irmão gêmeo Mike (uma hora mais velho que George), começou a fazer filmes em 8mm nos blocos de apartamentos em que moravam e na vizinhança do Bronx, usando velhas cortinas como vestuário e amigos como atores. A partir de 1965, os diferentes interesses artísticos desfizeram a dupla. Como diretor, roteirista, câmera, editor e produtor, George fez mais de 50 filmes em 8mm e 16mm. Desde a metade dos anos 80 passou a trabalhar com vídeo produzindo mais de 40 títulos, além de dar aulas e cursos de cinema/vídeo. Tudo no seu estilo próprio: Underground, pobre, gay, debochado e divertido. A seguir várias dicas de George Kuchar sobre como produzir seu filme vagabundo (nota do Canibuk: essas dicas foram publicadas no fanzine inglês “Shock X-Press Cinema” de Steve Pulchalski em 1989 e traduzidas para o português por Coffin Souza em 2001 e publicadas aqui no Brasil no “Brazilian Trash Cinema” número 3).

Uma Aula de como Fazer Cinema com George Kuchar:

1- Nunca faça testes para escolher atores. Se você gosta do visual de alguém, use-o. Se para atuar ele for muito ruim, apenas utilize-o para ficar circulando em cena ou parado numa pose estilizada e expressiva. Mas se ele for realmente muito sem graça, então crie alguma situação como um tiroteio-e-fuga, uma escorregão numa casca de banana ou algum providencial relâmpago que fulmine o personagem.

É melhor ter amigos que são atores ruins do que gente chata que sabe atuar e ex-amigos chorando porque foram rejeitados de seu filminho.

Se algum amigo-ator for muito gordo e isto não ficar bem na tela, elabore uma iluminação expressionista (tipo meio Bela Lugosi, meio Marlene Dietrich) por baixo e dos lados para atenuar suas feições. Mas mantenha-o afastado do lanche reservado para a equipe… Ou melhor: Nem tenha lanche para a equipe!

2- Nunca vista seus atores com roupas da moda. Sempre misture estilos diferentes de roupas e utilize restos de guarda-roupas antigos. Assim você nunca vai ter um filme datado e conseguirá um visual mais original. Se não houver dinheiro para a compra de materiais, improvise. Sacos plásticos para lixo são ótimos para criar roupas futuristas. Infelizmente os atores vão suar como porcos debaixo da forte iluminação e se o som for direto vai se ouvir muitos ruídos estranhos quando eles se moverem.

3- Maquiagem é muito importante. Se você estiver rodando em preto e branco e quiser que sua atriz pareça estar com batom vermelho berrante, pinte seus lábios com lápis-de-sombra preto, que vai ter o efeito. Claro que os lábios pretos também podem ser utilizados num filme à cores, para vítimas de estrangulamento, por exemplo. Quando o ator tiver dificuldades de expressar suas emoções, elas podem ser pintadas em sua face. O contorno das sobrancelhas ou os cantos da boca, podem ser pintados para cima ou para baixo durante a cena para simular alegria, tristeza ou raiva.

Se uma atriz tiver os dentes dafrente muito separados (ou a falta de algum dente), pode-se colocar um pedaço de plástico ou papelão branco brilhante dentro de sua boca para simular um sorriso perfeito. Problemas haverão se você designar algum diálogo para ela recitar, neste caso, o truque é só trabalhar com esta pessoa se ela for representar uma vítima de espancamento.

4- Grande parte do filme é “fabricado” na sala de edição e esta é uma das atividades mais fascinantes na arte de se fazer cinema. Mas não é nada fácil ficar sentado dezenas de horas, durante vários dias, apenas para se fazer o casamento entre imagem e som. Por causa da pressão artística deste trabalho, suas glândulas sudoríparas vão exalar um fedor particularmente  forte e que parece uma mistura de cheiro de pêssegos podres com meias de nylon velhas e sujas. Suas meias devem estar limpas e os sapatos devem ser deixados do lado de fora da sala já no início do processo. Incenso pode ajudar a manter o ar menos fedorento. Se você sofre de acne, depois de horas trancado numa sala escura e quente e com os períodos de crise quando tiver alguma dúvida sobre cortar ou não uma cena, a vontade de expremer espinhas var ser terrível! Mantenha suas mãos longe do rosto para não engordura-las com seu suor e secreções de espinhas e emporcalhar o equipamento. Procure não se alimentar com coisas pesadas pois a flatulência pode atrapalhar a concentração. Mantenha litros de café à mão e tenha por perto uma latrina desocupada para suas necessidades.

5- Se você conhecer uma garota muito atraente e que também seja expert em edição e montagem, não a chame para trabalhar com seu filme. Os dois várias horas trancados numa sala escura… Já se você for homosexual e seu namorado é quem estiver editando o filme, evite distraí-lo com conversas íntimas e NUNCA entre na sala de edição depois de ter tomado banho de piscina com água tratada com cloro. Você vai estar com um cheiro parecido com porra e ele pode ficar aborrecido ao pensar que o estava traíndo enquanto trabalhava.

6- Para colocar em prática todos os seus projetos, existem várias técnicas para focar suas energias: É melhor que você viva numa vizinhança medíocre e que a TV só passe filmes repetidos. Ter muitos amigos também prejudica sua concentração, assim como comer bem e bastante. Para ser um cineasta dedicado, é preferível que você seja uma pessoa miserável e infeliz, de preferência castrado e se contente em comer galinha cozida com batatas.

Um pouco de complexo de inferioridade também ajuda, pois se tem vontade de estrangular todos os chatos que atrapalham na hora de criar algo superior, isso é bom para dar energia para criar algo que nos coloque no mapa da cultura humana. Esta fantasia assassina também pode ser um encentivo e inspiração para se elaborar tomadas mais criativas. Um local desconfortável para dormir também é um incentivo para se manter no trabalho até mais tarde, quem vai querer parar para descansar numa cama podre, torta e dura?

Música ajuda na concentração, mas evite os ritmos dançantes como uma praga! A batida martelante é criada para você se manter em movimento sem contar que os músicos sempre mixam mensagens satânicas gravadas de trás para diante entre estas batidas e que farão você ficar com uma vontade incontrolável de sair rebolando. Não é fácil se concentrar no trabalho quando se esta com o corpo envenenado com cigarros, drogas e bebidas. Mas as vezes o contrário é o melhor e precisa-se um pouco de veneno para conseguir aquela explosão intelectual e inspiração espiritual.

Se apesar de todos estes cuidados algum tolo ainda resolver atrapalhar seu trabalho, o que você deve fazer com esta pessoa é chama-la num canto e cortar sua veia jugular!!!

Sim, algumas destas dicas podem parecer ofensivas. Por favor me desculpem, mas fazer filmes é uma atividade que nos torna um pouco agressivos e cínicos.

Um último toque: Prefiro rodar tudo dentro de um estúdio ou local fechado onde tenho mais controle da situação. Penso que é melhor ter uma selva de papelão recortado do que não conseguir rodar aquela seqüência selvagem. Além disto cada vez que vejo um daqueles documentários sobre a natureza eu fico enjoado. Todos aqueles mosquitos e insetos zunindo por volta, pássaros cantando na hora errada, répteis nojentos se arrastando por toda parte e a possibilidade de se pisar em algo tão repugnante que vai acabar me revoltando o estômago e fazer com que eu acabe apreciando mais meus próprios fluidos fedorentos e excrementos!!!

Alguns filmes de George Kuchar:

Petter Baiestorf: Em 2007 eu escrevi, produzi e dirigi um curta-metragem de 23 minutos chamado “Que Buceta do caralho, Pobre só se Fode!!!” (estrelado pelos meus dois amigos pessoais, Coffin Souza & Elio Copini e editado pelo Gurcius Gewdner) que era uma espécie de homenagem/exaltação para o cinema realizado pelo George Kuchar. Na época mandei uma cópia do filme para o Kuchar conhecer e recebi esse bilhete abaixo em papel bem sugestivo: