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Discutir a Relação: A Sogra Metendo o Dedo na Ferida do Casal

Posted in Vídeo Independente with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on setembro 7, 2012 by canibuk

“DR” (2012, 10 min.) de Joel Caetano e Felipe Guerra. Com: Dona Oldina, Mariana Zani e Joel Caetano.

Não há nada pior num relacionamento em crise do que gente de fora dando pitaco. “DR”, curta-metragem que marca a primeira parceria entre Joel Caetano e Felipe Guerra, fala justamente sobre isso: Um casal em crise (Joel e Mariana, casados na vida real) vai discutir sua relação com a sogra (Dona Oldina) não só presente, como no papel de mediadora. A sogra e a esposa despejam acusações contra o marido que escuta tudo pacientemente calado (logo depois descobrimos que ele não se defende porque está amarrado e amordaçado), logo o que era violência verbal se torna violência física e sexual com a sogra abusando do genro imobilizado, assim que a tortura física tem início dentes e dedos quebrados vão surgindo num crescendo de violência que culmina num ataque de fúria do marido contra a sogra. Nada mais atual nos dias de hoje, quando a violência tomou lugar do diálogo. Não sei se foi intencional, mas o modo como o roteiro do filme trata do ciúme possessivo é de longe uma das melhores abordagens do tema que já vi no cinema independente brasileiro. Lógico que o filme se revela meio machista, colocando a culpa de tudo nas mulheres, como se o homem fosse uma vítima do casamento e da tirania da sogra, excluindo-o do fato de, no filme, ficar claro que ele traia a esposa. Fácil de entender quando pensamos que o roteirista é Felipe Guerra, gaúcho tradicional dos pampas. Como o filme não é sério em momento algum, este “machismo” de brincadeira não atrapalha. Não posso falar muito mais sobre a história, mas é um grande acerto da dupla de diretores.

Dividindo a direção, a dupla desenvolveu um argumento que Felipe Guerra havia escrito para filmar em apenas um dia aproveitando que Dona Oldina, sua vó, estaria em São Paulo. “Já tinha colocado minha vó como fantasma, tarada e assassina serial nos meus outros filmes e queria que ela novamente fizesse um papel onde pudesse surpreender o público. Foi quando tive a idéia de “DR”. Porque todo mundo faz filme com vampiro, assassino mascarado, zumbi, mas duas das coisas mais assustadoras da “vida real”, e creio que para ambos os sexos, são sogras e discussões de relação. Imagine que se discutir a relação já é foda, com a sogra junto é duas vezes pior. Então pensei nesse negócio de uma DR em que a sogra passasse um pouco dos limites e o curta tornou-se uma experiência meio “torture porn”, aqueles filmes em que uma personagem passa o tempo todo sendo torturado.”, nos conta Guerra, enquanto Joel explica como foram as filmagens: “Ano passado Dona Oldina veio para São Paulo para acompanhar o Cinefantasy e o Felipe me mandou uma mensagem dizendo que tinha uma idéia que dava para filmar em um dia, num apartamento e com três atores, no caso Dona Oldina, eu e Mariana Zani. Nem precisei ler o roteiro para aceitar a proposta e, depois que li, fiquei muito feliz pois era uma ótima idéia. Assim surgiu o “DR”. O filme foi feito todo de forma colaborativa. O sangue foi cedido de uma oficina que o Rodrigo Aragão estava ministrando na época (um sangue, como ficamos sabendo mais tarde, que seria descartado por não ter funcionado direito). Além de nós quatro também estavam a Daniela Monteiro e a mãe do Felipe, dona Neusa Guerra. Eu e Felipe ficamos na direção, eu mais preocupado com a direção de atores e ele com a direção de cena. O Felipe fez a câmera e fizemos juntos a iluminação. Daniela e Neusa cuidaram da captação direta do som e eu fiquei com os efeitos especiais também”. Aliás, os efeitos especiais estão extremamente convincentes, o que imprime uma força narrativa de maior intensidade ao filme. Joel Continua, “Me orgulho do efeito do dedo se quebrando, simplesmente comprei uma mão falsa, cortei o dedo dela, escondi o meu e quando a mariana dobra é o dedo falso que se move para trás, a sonorização e o corte rápido fizeram o resto, ficou bem convincente, vi algumas pessoas pulando da cadeira no cinema, o que acontece também na cena dos dentes que se quebram, eu mesmo fiquei agoniado com aquilo vendo na tela”.

“DR” é um filme onde tudo está bem realizado e aproveitado, provando que não é necessário grandes orçamentos para se produzir um bom filme. Mas Dona Oldina é quem rouba o filme para si, de longe é sua melhor interpretação e ela está fantástica como a sogra perturbada e violenta. Felipe nos conta como foi trabalhar com ela: “Com 82 anos de idade minha vó topou todas as cenas numa boa e em nenhum momento ficou escandalizada com a violência, porque ela entendia que era algo exagerado e absurdo para divertir e não para chocar. Ela não tem dificuldades com as cenas físicas, seu maior problema é lembrar as falas. Fizemos uns 20 takes só dela tentando falar a frase “discutir a relação”, porque na hora ela se embananava e falava “a questão da relação”. Dona Oldina só ficou preocupada com a possibilidade do filme ser exibido em Carlos Barbosa/RS, que é uma cidadezinha de 25 mil habitantes, e ela tem medo de ser expulsa do grupo da igreja. Minha vó também fez um improvisso hilário em que dá um rápido beijo na boca do Joel, felizmente quando ele está amordaçado”. E Joel completa rindo, “Até hoje o Felipe me chama de vô!”.

A edição do curta foi decidida também em conjunto pela dupla de diretores. “Foi uma edição em conjunto, eu estava operando o software e o Felipe do meu lado, todas as decisões de cortes foram tomadas por nós dois. A montagem só demorou mais porque em determinados momentos, principalmente na cena em que eu chuto a personagem da Dona Oldina, eu tinha crises de riso. O Felipe tinha que me sacudir para eu parar de rir!”, conta Joel. O resultado final deste trabalho em conjunto, além de impressionar o espectador, deixou ambos os diretores satisfeitos, como define Felipe ao dizer “Foi interessante fazer esse projeto em conjunto com o Joel, um cara cujo trabalho eu respeito muito com o qual tenho bastante afinidade. É difícil você encontrar alguém que tope fazer uma parada assim, sem dinheiro e filmada na raça, num único dia”, enquanto Joel dá pistas para o futuro da parceria, “Espero poder repetir a dose em breve!”.

Por enquanto “DR” pode ser visto apenas em mostras e festivais, mas espero que em breve ambos os diretores tomem vergonha na cara e lancem um box com toda sua filmografia, tanto Caetano quanto Guerra estão devendo o lançamento de seus filmes para que o público de outras regiões do Brasil possa tomar contato com suas obras.

Por Petter Baiestorf.

Clique em “Joel Caetano e seu Cinema de Recurso Zero” para ler a entrevista que fiz com ele.

Clique em “Necrófilos em Ação: O Cinema de Felipe Guerra na Terra da Polenta” para ler a entrevista que fiz com ele.

Adiós Amigo

Posted in Vídeo Independente with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on julho 2, 2012 by canibuk

Eram 03:25 da madrugada quando fui despertado pelo telefone. Atendi e uma voz desesperada do outro lado da linha dizia: “Nosso amigo morreu! Nosso amigo morreu!!!”. Era Simone, esposa do Jorjão – como Jorge Timm era conhecido por seus amigos pessoais – me avisando que um dos meus melhores amigos havia acabado de falecer. Fiquei em estado de choque sem saber o que fazer, de mãos amarradas, porque estava em Porto Alegre/RS (distante 380 km de Canibal City) na casa do Daniel Villaverde para pegar avião na manhã seguinte para me encontrar com a Leyla Buk no Nordeste. Pela primeira vez na minha vida encontrei-me dividido entre alegria extrema (porque iria me encontrar com a Leyla, minha cara-metade em tudo) e tristeza profunda (pela morte de meu velho companheiro de produções e festas). Sem conseguir dormir mandei mensagem para Leyla avisando-a que Timm havia falecido, mal como estava naquele momento eu precisava de algumas palavras de conforto. Leyla me ajudou a enfrentar a madrugada horrível que se seguiu com nó na garganta e lágrimas nos olhos.

Jorjão correndo contra minha filmadora durante as filmagens de “O Monstro Legume do Espaço” (1995).

Jorge Timm, além de ator em meus filmes, foi também meu primo. Em 1995 desempenhou um pequeno papel no longa-metragem “O Monstro Legume do Espaço” e nunca mais deixou de colaborar com a Canibal Filmes. Em 1996 interpretou “Elvis”, um cozinheiro canibal, no ultra-gore “Eles Comem Sua Carne”; um pastor evangélico picareta no ação-gore “Blerghhh!!!” e um caçador pervertido no “Caquinha Superstar A Go-Go”. Tomando gosto pela produção independente, foi produtor associado em filmes que produzi em parceria com Coffin Souza pela Canibal-Mabuse Produções, como “Chapado” (1997) que co-dirigi em parceria com Coffin Souza e Marcos Braun; “Bondage 2: Amarre-me Gordo Escroto!!!” (1997); “Super Chacrinha e seu Amigo Ultra-Shit em Crise Vs. Deus e o Diabo na Terra de Glauber Rocha” (1997); “Gore Gore Gays” (1998) e “Sacanagens Bestiais dos Arcanjos Fálicos” (1998). Ainda em 1998 ele apareceu com o argumento do infame curta “Boi Bom” e o dirigi num banho de sangue ultra-violento realista com uma diminuta equipe-técnica que envolvia apenas, além de mim e Timm, Carli Bortolanza e meu pai, também já falecido, Claudio Baiestorf. Em 1999 fez uma participação especial em “Zombio“, primeiro filme de zumbis brasileiros que hoje é somente lembrado por essa participação de Jorjão.

Nesta época Ivan Cardoso Planejava filmar o curta-metragem “O Estrangulador de Loiras” com Timm no papel título mas não conseguiu levantar o dinheiro necessário para a produção e, infelizmente, o filme nunca saiu do papel. Um verdadeiro imã visual, Jorjão chamou atenção de vários diretores brasileiros, como Carlos Reichenbach, mas nunca foi chamado para nenhum filme profissional.

Jorge Timm e Ivan Cardoso no Festival de Gramado em 1997.

No novo milênio Jorjão estrelou meu longa “Raiva” e recebeu muitos elogios por seu papel de ladrão de revistas raras que dança um tango macabro com uma mulher misteriosa interpretada por Onésia Liotto. Depois deste filme Jorge Timm foi morar no Norte do Brasil onde ficou até 2008. Neste período produziu meus curtas “Fragmentos de uma Vida” (2002) e “Primitivismo Kanibaru na Lama da Tecnologia Catódica” (2003) e fez uma participação especial em “O Monstro Legume do Espaço 2” (2006). De volta ao Sul, retomou o trabalho de ator aparecendo em vários média-metragens que realizei com ajuda de amigos, como “Vadias do Sexo Sangrento” (2008) no papel de um pescador tarado; “Ninguém Deve Morrer” (2009), interpretando o zoófilo coronel Bajon em homenagem ao diretor Juan Bajon; e “O Doce Avanço da Faca” (2010), novamente no papel de um pastor evangélico. Em 2011 filmei o curta-metragem “Pampa’Migo” (ainda não editado porque não consegui filmar todas as seqüências do roteiro e não fiquei animado em finalizar), no papel de um bodegueiro que se encontra no meio do fogo cruzado entre pistoleiros. Essas filmagens foram registradas pelo videomaker Felipe Guerra e deverão virar um documentário sobre como não se deve filmar. Sua última participação como ator foi no “Lua Perversa – Segunda Temporada” (2012) de André Bozzetto Jr., em fase de edição.

Trabalhar com Jorge Timm sempre era divertido. Era um piadista por natureza, Jorjão nunca deixava um set ficar com aquele clima prá baixo, sua alegria de viver contagiava a todos. Além dos filmes, foi parceiro meu e de Coffin Souza para festas, bebedeiras, reuniões gastronômicas e na banda Os Ilegais (banda cover de Os Legais que só tocava músicas próprias). Uma performance de Os Ilegais poderá ser vista no documentário sobre Os Legais que o diretor Christian Caselli está produzindo, já que com a morte de Timm não retomarei este projeto musical por nada neste mundo. Caselli também é o responsável pela série “Trash” do Canal Brasil (que vai estreiar em 2013) e me confidenciou que o terceiro capítulo da série será dedicada para a dupla Jorge Timm – Carlos Reichenbach (Carlão faleceu dia 14 de junho e Jorjão dia 18 de junho).

Fazendo close em Jorjão durante filmagens de “Raiva” em cena com Elio Copini.

Agora que Jorjão faleceu percebo que ele foi muito mal aproveitado pelos cineastas independentes brasileiros, tendo aparecido quase que exclusivamente apenas nas produções da Canibal Filmes, um verdadeiro desperdício de tão singular amigo. Nos anos 2000 Jorjão bolou um roteiro cômico-caipira chamado “A Bôdega” que era prá eu roteirizar e dirigir, mas que fui enrolando e deixando sempre pro ano seguinte e nunca filmamos. Se arrependimento matasse…

Jorjão, saudades da tua risada, da tua alegria, das tuas piadas politicamente incorretas, do teu deboche otimista. Os fãs de filmes bagaceiros queriam muito mais filmes com tua gargalhada eletrizante. Tu já está fazendo falta, meu amigo!

Petter Baiestorf.

Imagens de Jorjão:

“O Monstro Legume do Espaço” (1995).

“Eles Comem Sua Carne” (1996).

“Caquinha Superstar A Go-Go” (1996).

“Blerghhh!!!” (1996).

“Chapado” (1997).

“Raiva” (2001).

“O Monstro Legume do Espaço 2” (2006).

“Vadias do Sexo Sangrento” (2008).

“Ninguém Deve Morrer” (2009).

“O Doce Avanço da Faca” (2010).

“Pampa’Migo” (2011).

Jorjão entre a zumbizada de “Lua Perversa” (2012).