Nazimova: A Salomé do Cinema Mudo

Essa pequena introdução sobre os primórdios do cinema não se pretende definitiva, é somente um pequeno panorama de como as coisas funcionavam naquela época e não eram nenhum pouco diferentes do que são hoje em dia.

O cinema surgiu graças à invenção do cinematógrafo dos irmãos Lumière no finalzinho do século XIX. Em 28 de dezembro de 1895, em Paris (França), eles realizaram a primeira exibição pública com ingressos da história do cinema, exibindo uma série de 10 filmes com duração de, no máximo, um minuto cada (naquela época os rolos de filmes tinha somente 15 metros). O cinema como diversão das massas começou a se esboçar com as produções de George Méliès, um mágico ilusionista que realizou pequenos curtas já com o uso dos efeitos especiais e empolgantes histórias de aventura como o clássico “Le Voyage dans la Lune/Viagem à Lua” (1902); as produções do espanhol Segundo de Chomón que realizava aventuras cheias de trucagens visuais e coloridas (ele coloria seus filmes, quadro à quadro, com um pincel. Anos atrás baixei vários curtas dele pelo site UBU e achei suas produções bem superiores às produções de Méliès); e por último, mas não menos importante, as produções de Thomas Edison, que em 1910 produziu um pequeno clássico baseado no livro de Frankenstein de Mary Shelley (já postamos este filme de Thomas Edison aqui no Canibuk).

"La Casa Hechizada", 1906, de Segundo de Chomón.

Em seguida o diretor David W. Griffith, um dos pioneiros de Hollywood, e o russo Sergei M. Eisenstein, foram os grandes responsáveis pela construção dos longa-metragens, cujas fórmulas são usadas até nos dias de hoje. “The Birth of a Nation/O Nascimento de uma Nação” (1915) de Griffith e “Bronenosets Potyomkim/O Encouraçado Potemkim” (1925) de Eisenstein, servem até hoje como bases sólidas para a montagem dos filmes. Caminhando junto, na Alemanhã surgiu o estilo conhecido como Expressionismo que deu alguns clássicos do início da história do cinema, como “Das Cabinet des Dr. Caligari/O Gabinete do Dr. Caligari” (1919) de Robert Wiene, com seus cenários alucinantes, “Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens/Nosferatu” (1922) de F.W. Murnau (uma versão não autorizada do livro “Drácula” de Bram Stoker) e “Metropolis” (1927) de Fritz Lang, uma verdadeira obra-prima da sci-fi cinematográfica e da sétima arte. E em Paris, vários surrealistas experimentaram desconstruir filmes, criando lindas peças poéticas de surrealismo em movimento, como “Le Retour à la Raison” (1923) de Man Ray, “Le Ballet Mécanique” (1924) de Fernand Léger, “Entr’Acte” (1924) de René Clair, “Anémic Cinéma” (1926) de Marcel Duchamp, “La Coquille el le Clergyman” (1927) de Germaine Dulac e o clássico “Un Chien Andalou/Um Cão Andaluz” (1929) de Luis Buñuel com colaboração de Salvador Dali. Prá sorte dos tarados, o cinema é uma arte voyeur por excelência, e nesta mesma época já surgiram os primeiros filmes pornográficos. Várias coletâneas com pornôs que teriam sido rodados nos anos de 1920 foram lançadas aqui no Brasil em VHS/DVD. Uma busca rápida pela internet é possível ver vários destes filmes eróticos do tempo de nossas tataravós.

Com essa pequena introdução sobre os tempos do cinema mudo, Canibuk apresenta agora a lendária atriz Alla Nazimova, que merece ser redescoberta por uma nova geração de cinéfilos.

Rotulada pela crítica como “bizarra”, Alla Nazimova teve uma vida pessoal nada convencional  e uma carreira cinematográfica que, embora tenha sido única, não recebeu o apreço merecido naquela época.

Nazimova nasceu na Rússia em 1879, era a mais nova de três filhos, cresceu em meio à violência familiar, com um pai extremamente bruto, tendo uma vida instável. Com a separação dos pais, foi morar ainda criança com uma família na Suiça onde sofria abusos sexuais dos dois irmãos adotivos. Em meio aos abusos e vida conturbada foi descobrindo seus talentos musicais e aos sete anos começou a ter aulas de violino. Voltou logo pra Rússia e continuou tendo aulas, chegando a executar um concerto de Natal. Aos 15 anos decidiu ser atriz. Foi ajudada por um velho rico que conheceu nas ruas onde se prostituia e conseguia a renda pra poder pagar seus estudos.  Fez grandes peças de teatro e em  Nova York suas performances na Broadway recebiam grandes destaques e ela logo se tornaria a queridinha por aquelas bandas. Ainda nessa época, se tornou amante da Emma Goldman, a grande líder feminista e anarquista. Em breve, Emma a abandonaria por não conseguir mais suportar suas incontáveis relações com outras mulheres.

O primeiro convite pro cinema surgiu em 1915, onde ganhou um papel no “War Brides“, filme que trazia um apelo pacifista naquele período onde emergia a Primeira Guerra Mundial. Com o sucesso do filme assina  contrato de 13.000 dólares semanais com a MGM e várias regalias, como poder escolher diretor, roteirisa e ator principal dos filmes. Em três anos, estrelou onze filmes, entre eles “Revelation” (1918), onde faz uma prostituta, “Toys of Fate” (1918)  onde faz dois papéis: uma mulher que tenta suicídio após ser abandonada pelo pai de sua filha, e como a filha crescida empenhada em vingar a mãe, e “La Lanterne rouge” (1919) onde faz papel de duas irmãs capturadas numa rebelião.  Seus papéis que a apresentavam como uma mulher exótica, independente e devastada por sentimentos angustiantes e problemas pessoais  lhe garantiram uma fama considerável.  No auge da carreira, Nazimova provocava e animava ao mesmo tempo em que apavorava Hollywood com as grandiosas festas regadas a orgias e drogas que dava em sua mansão chamada de “Jardim de Alá“, festas que contavam sempre com a presença de várias de suas amantes, mulheres como a roteirista June Mathis, a cenógrafa Natacha Rambova e a cineasta Dorothy Arzner.

Mesmo com a fama no cinema, continuou a fazer teatro e em 1920 começou a produzir seus filmes, que foram um fracasso de bilheteria.  No mesmo ano, seu filme experimental “Afrodite” que trazia cenas de lesbianismo, foi perseguido por grupos religiosos e proibido, tendo seus rolos queimados. Também produziu, escreveu e dirigiu “Salomé” (1923), onde todo o elenco é homosexual e, como em todos os seus filmes, traz um erotismo gritante e teve uma reputação escandalosa. Nazimova também financiou todo o filme, que foi um fracasso de bilheteria e a deixou totalmente quebrada. Começou a ser perseguida e a sofrer na pele por ser o que era, mulher livre e homosexual,  iniciou-se uma série de rejeições para filmes, foi acusada de comunismo e chegou a tentar suicídio. Tentando fugir da perseguição que sofria, vendeu sua mansão e com a repressão ao lesbianismo que só crescia nos EUA, decidiu passar um tempo em Paris, onde  namorou a sobrinha de Oscar Wilde.

Salomé (1923)

Em 1940, já de volta aos Estados Unidos,  começa a fazer cinema outra vez e participa de filmes como “Escape” (1940), “Sangue e Areia” (1941) e “Since You Went Away” (1944), seu último filme, feito um ano antes de sua morte. Alla Nazimova morreu vítima de uma trombose coronária, em 1945, aos 66 anos, publicou neste mesmo ano uma biografia onde faz grandes revelações.  Não é a toa que essa grande atriz é pouco falada e conhecida pela nova geração, quase não se acha mais seus filmes por aí. Tendo mais de 20 filmes, menos de seis sobreviveram ao tempo e as perseguições sofridas.  É lamentável!

Nazimova quebrou todas as regras de uma época onde os grupos religiosos estavam em alta, sofreu todo o tipo de preconceito e teve um papel importantíssimo na introdução da idéia de emancipação feminina naquele período nos EUA. Um grande exemplo de liberdade e de como a sociedade persegue desde sempre aqueles que não vivem de acordo com o que é pregado como certo e moral.  Revoltante.

Uma resposta to “Nazimova: A Salomé do Cinema Mudo”

  1. […] meses atrás o poster da primeira sessão de cinema da história foi leiloado em Londres por 40 mil libras (mais ou menos 200 mil reais). Este primeiro […]

Deixe um comentário