Pink Flamingos e a Arte do Cinema Cor de Rosa Transgressivo

“Pink Flamingos” (1972, 108 min.) de John Waters. Com: Divine, Edith Massey, David Lochary, Mary Vivian Pearce, Mink Stole, Danny Mills e a sombra de John Waters.

“Scorpio Rising” (Kenneth Anger), “Sins of the Fleshapoids” (Mike Kuchar), “Flaming Creatures” (Jack Smith) e “Blow Job” (Andy Warhol) foram alguns dos filmes que impressionaram o jovem John Waters e o influenciaram a começar a fazer cinema. Aos 17 anos Waters ganhou uma câmera Super 8 de seu avô, seu primeiro filme foi “Hag in a Black Leather Jacket” (1964), onde ele encenou um casamento inter-racial no telhado da casa de seus pais (que foram os grandes incentivadores financeiros de John Waters em início de carreira). Na seqüência realizou os curtas “Roman Candles” (1966), onde Divine (Harris Glen Milstead) aparece pela primeira vez sem ser creditada (este curta já contava com vários colaboradores habituais de Waters, como David Lochary, Pat Moran, Mary Vivian Pearce e Mink Stole, já com seu grupo de degenerados tomando forma) e “Eat Your Makeup” (1968), seu primeiro filme em 16mm, com Divine alçada a estrela do show (Divine era, já há vários anos, vizinho de John Waters). Em seguida o grupo todo embarca no primeiro longa-metragem, “Mondo Trasho” (1969) e no curta “The Diane Linkletter Story” (1970) que contava com Divine, Lochary e Pearce em papéis impagáveis. Após seu segundo longa, “Multiple Maniacs” (1970), título em homenagem ao Cult “2000 Maniacs” de H.G. Lewis, com Waters conseguindo realizar seu primeiro filme com som sincronizado e uma lagosta gigante que estupra Divine, a gang de desajustados estava, finalmente, pronta para filmar sua obra-prima: “Pink Flamingos” (1972).

Neste “Cidadão Kane” do mau gosto (com um senso de humor negro afiadíssimo), John Waters nos conta a história de Divine (que vive sob o pseudônimo de Babs Johnson) que se esconde nos arredores de Baltimore com sua mãe fanática por ovos (Edith Massey), seu filho Crackers (Danny Mills) e sua companheira de viagem Cotton (Mary Vivian Pearce). Connie e Raymond Marble (Mink Stole e David Lochary) são um rico casal de rivais da escatologia (eles seqüestram jovens mulheres para engravidá-las e depois vender seus bebês para casais de lésbicas) que não gostam de ler num tablóide que Divine é “a pessoa mais imunda viva” e farão de tudo para prejudicá-la.

Se você ainda não conhece “Pink Flamingos” se prepare para quase duas horas de senso de humor divinamente magnífico, alto astral, sexo oral, sexo com galinhas, adoração aos ovos galináceos, podolatria, masturbação, estupro com seringa, closes em genitais, travestis feios e bonitos, a maravilhosa e inspirada cena do músculo anal cantor e a cena onde Divine come merda de cachorro quentinha, sem cortes. Fantástico, com tudo que um bom filme precisa ter!

John Waters, em entrevista para J. Hoberman e Jonathan Rosenbaum, autores do excepcional livro “Midnight Movies”, diz: “Pink Flamingos custou 10 mil dólares. Tivemos que puxar cabos de luz por mais de uma milha até o trailer, que compramos num ferro-velho por 100 dólares e Vince Peranio o reformou para as filmagens. Editei o filme no sótão de minha casa com as ferramentas mais lamentáveis que se possa imaginar. Cada vez que eu queria assistir a um corte, eu precisava colocar o filme num projetor. O som extra foi gravado diretamente em um projetor magnético que só funcionava quando queria. Passei muitas horas a sós com essas filmagens e quase perdi minha razão!”.

“Pink Flamingos” estreou no final de 1972 no campus da Universidade de Baltimore, com ingressos esgotados para três sessões sucessivas. Com seu sucesso no underground americano o filme foi distribuído pela então pequena New Line Cinema e acabou chegando até Ben Barenholtz, proprietário do Elgin Theater em New York, responsável pelas sessões da meia-noite que tornaram “El Topo” (de Alexandro Jodorowsky) um sucesso da contracultura.

O filme mais famoso de John Waters traz a hilária seqüência de Divine comendo, sem cortes, fezes de um cachorro. Na época Divine disse a um repórter: “Eu segui aquele cão por mais de três horas com a câmera apontada no seu rabo!”. Alguns anos antes da morte de Divine, sua mãe teria perguntado se ele realmente havia comido fezes, ao que Divine prontamente respondeu: “Mãe, você não acreditaria no que eles podem fazer hoje em dia com truques de fotografia!”. Divino!!!

Após seu clássico, Waters realizou um punhado de filmaços, como “Female Trouble” (1974), “Desperate Living” (1977, meu preferido entre todos os filmes dele), “Polyester” (1981), “Hairspray” (1988), “Serial Mom” (1994) e “Cecil B. Demented” (2000) e os mais fracos, mas igualmente divertidos “Cry-Baby” (1990), “Pecker” (1998) e “A Dirty Shame” (2004).

Nos anos de 1980 John Waters quase filmou “Flamingos Forever” pela Troma Films, que não foi adiante porque Divine achou que o público da época não aceitaria mais este tipo de humor negro escatológico que envolveria até um cocô gigante voador. John Waters também não se sentiu muito confortável com o equipamento técnico da Troma que naquela época era um punhado de tralhas ultrapassadas.

Aqui no Brasil “Pink Flamingos” foi lançado em DVD pela Continental e, recentemente, saiu em DVD double feature com “Female Trouble” pela Cultclassic.

por Petter Baiestorf.

15 Respostas to “Pink Flamingos e a Arte do Cinema Cor de Rosa Transgressivo”

  1. Minha tara por travestis começou quando assisti esse filme.

  2. coffin souza Says:

    Divina Diva Divine….!

  3. “Pink Flamingos é um filme de jardim de infância. São pessoas fazendo coisas de criancinhas… nananananan!” John Waters.

    Não poderia ter definido com maior exatidão…rs.

  4. Desperate Living tb é o meu favorito entre os filmes de Walters

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