Arquivo para março, 2013

Na Páscoa

Posted in Literatura with tags , , , , , , , , , , , , , , , on março 21, 2013 by canibuk

Decidi não viajar, esperando até a última hora que alguém cancelasse a páscoa, pra eu ter alguma coisa pra fazer.

Eu sei que parece extremamente estúpido da minha parte, mas no meu coração, eu tinha esperança.

Tive esperança até dormir.

Acordei na sexta-feira e antes mesmo da urina matinal, fui ver na internet se alguém tinha cancelado a páscoa, mas nada.

Esperança burra. Esse sentimento de derrota no meu coração. Mas que coração burro! Ninguém cancela a páscoa!

Sabe por que o mundo não tem mais ateus? Por que religião é uma mentira tão grande, uma merda tão grande, que quando você se dá conta disso, não quer adimitir que era burro. Pra não ter que adimitir, continua insistindo no erro até acreditar de coração que aquele absurdo todo é verdade. Pura covardia.

Tive uma ideia duplamente foda: queria punir meu coração e insultar a páscoa.

Saí de casa sem tomar banho. Peguei a roupa mais no fundo do cesto de roupa suja e vesti. Peguei uma nota grande na carteira e segurei na mão com força. Saí de casa determinado.

Ah, como eu queria punir meu coração e insultar a páscoa! Ah, e eu tive uma ideia!

Com a mão que eu não estava segurando o dinheiro, peguei o primeiro pedaço de bacon que achei.

Paguei com a nota grande, e o caixa, emburrado por trabalhar na sexta-feira de feriado, me olhou de cara feia.

Pra facilitar o troco e completar a ironia, peguei um ovo de páscoa médio. Diminuiu o troco, pelo menos.

Em casa, decidi tirar a roupa. A roupa toda. De volta pro cesto de roupa suja, sua roupa suja! Seu lugar é lá. O meu é na cozinha com meu bacon de páscoa…

Bacon de páscoa! Rá!

Toma essa, coração! Vou obstruir seus caminhos! Toma essa, páscoa! Eu vou comer BACON na páscoa!

E tô eu na cozinha. Pelado e com um bacon na mão. Fatiei o bacon todo e botei na frigideira.

Acendi o fogo com um palito. Meu fogão tem acendedor, mas eu queria acender com o palito, porra! Nada de energia elétrica. Nada de barulhinho do acendedor. Palito de fósforo.

E lá tô eu, nu, na cozinha, e o bacon começa a fritar. E começa a espirrar gordura quente em mim. Eu começo a dançar com aquelas gotículas de gordura quente me queimando.

Mas eu não tô dançando metaforicamente, não! Eu tô dançando de fato.

Saio de perto pra não queimar nada importante.

Decidi abrir o ovo de chocolate. Tirei aquele monte de plástico barulhento, amassei até virar uma bolinha e mirei na lata de lixo.

Joguei a bolinha com TODA minha força. A lata tava fechada, e eu sabia. Eu só queria arremessar alguma coisa. Pronto, arremessei. A bola de plástico amassado ricocheteou no fogão e foi parar atrás da geladeira.

Maravilha.

Eu decidi esmagar o ovo de páscoa com o punho. Fechei o punho e mandei ver. Quebrou o ovo todo. Eu não queria o ovo, só queria facilitar a merda do troco.

O bacon já tava douradinho, desliguei a panela e botei uma fatia, quente, mas quente MESMO, na boca. No que fui mastigando, fui puxando o bacon pra dentro da boca.

Botei as outras fatias num prato. Deixei a gordura na frigideira.

Botei o ovo de páscoa num prato e derramei a gordura do bacon nos ovos de páscoa.

A gordura quente começou a derreter o chocolate. Decidi amassar tudo junto. Fiz isso até tudo virar uma só bolota de chocolate com traços de bacon.

Enfiei tudo na boca, de uma vez só. Muito gostoso, fiquei chupando chocolate com bacon. Decidi sentar pra focar toda minha atenção no paladar.

Provavelmente, nunca mais na minha vida eu faria isso de novo. Tinha que sentir bem o momento.

Nunca mais eu vou sentir esse gosto de novo. Talvez no natal eu faça alguma coisa mais bizarra. Mas não esse gosto.

Então lá estava eu, pelado, sentado com a bunda num banco gelado, com gordura espirrada no meu corpo, chupando uma bolota de chocolate ao leite com bacon.

Toma essa, coração! Toma essa, páscoa!

Depois de uns 2 minutos, aquela sensação de novidade passou. Mordi a bolota de chocolate ao leite com bacon pra acabar mais rápido.

Engoli uns nacos grandes, já tava sem paciência.

Ainda tinham 5 fatias de bacon sobrando. Peguei todas e levei pro quarto.

Num impulso ou num surto de aleatoriedade totalmente sem sentido, botei 2 fatias de bacon dentro da fronha do meu travesseiro.

Comi as outras 3.

Deitei no travesseiro com cheiro de bacon enquanto mastigava meus 3 bacons restantes.

Deitei pelado, mas logo me enrolei num lençol fino que tinha em cima da cama. Todo enrolado. Só a cabeça de fora.

Deitei de bruços, de um jeito que meu nariz ficasse bem em cima do travesseiro.

Um cheiro mágico de bacon. Travesseiro de bacon.

Decidi morder o travesseiro. Decidi rasgar o travesseiro com os dentes. Sem usar as mãos pra dar apoio.

Eu enrolado no lençol parecia uma lesma nervosa mordendo o travesseiro. Demorou uns 10 minutos pra eu conseguir cortar a fronha e chegar no bacon.

Comi uma das fatias de bacon, a outra tava despedaçada demais.

Pra acabar com os pedacinhos despedaçados de bacon, decidi grudar com saliva na língua e comer.

Demorei mais uns 2 ou 3 minutos pra catar tudo.

Acabado o bacon, me desenrolei do lençol, levantei, pelado, e botei minha cabeça na parede.

Chorei uns 3 ou 4 minutos. Decidi lavar roupa. E a roupa de cama. Botei tudo na máquina e botei na lavagem mais demorada que tinha. Entupi de sabão em pó e amaciante.

Decidi limpar toda a cozinha também. Quando eu terminei, tava impecável.

Tomei um banho. vesti uma roupa confortável, troquei a roupa de cama e liguei pra minha família pra desejar feliz páscoa.

Deitei na cama e dormi. Toda hora que eu acordava e ainda era sexta-feira, eu fechava os olhos outra vez. Nem todas as vezes eu conseguia dormir. Mas não abri os olhos pra nada.

Passei o sábado fazendo palavras cruzadas e o domingo ouvindo música.

Eu nunca imaginei que ía dizer isso na minha vida, mas PUTA QUE PARIU, como eu AMO segunda-feira!

escrito por Douglas Domingues.

(Douglas também é ator no longa-metragem “Zombio 2: Chimarrão Zombies” que será lançado em maio de 2013).

Douglas Domingues

Kamikaze

Posted in Literatura with tags , , , , , , , , on março 13, 2013 by canibuk

Como explicar que

enquanto observava sua cicatriz

pensava no quanto a deixava ainda mais bela

assim como seu jeito oriental

contido

o jeito que abaixava a cabeça quando passava na minha frente

o corpo arcado

o ar submisso

encenando uma dor

um incômodo

(a maneira com que fazia

com que me confundisse com ela mesma

sempre a maior das armadilhas femininas – eu caio só de lembrar)

artifícios

que destilavam o veneno

e o menosprezo

que ornariam sua ausência

distante de mim

agora muito mais do que

quando éramos estranhos

viro um peixe

branco lixo do ocidente

fisgado

e deixado pra morrer

no seu aquário.

poesia de Rodrigo P. Martins.

ilustração de Maxon Crumb.

Maxon Crumb sininho girl