Arquivo para novembro, 2011

E o Sangue Continua Jorrando: Haemorrhage/Gruesome Stuff Relish

Posted in Bucket O'Blood, Música with tags , , , , , , , , , , , , , , on novembro 30, 2011 by canibuk

É com imenso prazer que Canibuk anuncia seu mais novo colunista, o lendário André Luiz (das bandas Lymphatic Phlegm, Offal, Creampie e ator em filmes undergrounds, produções minhas como “Ninguém Deve Morrer” ou “Viatti Arrabbiatti” de Gurcius Gewdner) que vai passar a cuidar, através da coluna Bucket O’Blood, de divulgar aqui os lançamentos de música extrema que são lançados no Brasil e resto do mundo! Eu não curto muito escrever sobre música, mas sinto falta de divulgar material de bandas grindcore/goregrind ou extremas aqui pelo blog e agora, com André Luiz dando essa força prá gente, tenho certeza que os apreciadores de música doente/demente/suja estarão se sentindo em casa. Seja bem-vindo ao Canibuk André e hoje a postagem já é contigo:

“Haemorrhage/Gruesome Stuff Relish – Split MCD (2011, Black Hole Productions). Apesar da praga cotidianamente disseminada pela nova geração conhecida como “MP3 generation”, “baixo mesmo” e “tenho tudo HD”, os selos nacionais continuam fazendo bonito e batendo de frente com esse lixo medíocre que continua com sua “Atitude Zero” (Viva o Ratos!) em relação ao que muitos deles chamam de “cena”, “underground” ou qualquer merda do gênero!

A Black Hole Productions, maior selo nacional de música extrema da atualidade vem se consolidando a cada lançamento e contando com nomes cada vez mais importantes e de peso em seu cast. Desta vez o lançamento conta com nada mais, nada menos, do que com dois dos maiores nomes mundiais do gênero em um split pra fazer qualquer fã VERDADEIRO de Gore Grind fazer de tudo (ou quase tudo!) para obter sua CÓPIA ORIGINAL! Músicas inéditas de ambas as bandas, material de altíssima qualidade visual e o melhor, dessa vez seguindo os moldes dos grandes selos Norte americanos e Europeus, você pode adquirir o velho e interessante package, ou seja, CD + camiseta por um preçinho muitooo bom! Roubo de corpos em hospitais e mortos que caminham famintos por carne humana é o banquete de sangue que espera por você nesse grande lançamento da Black Hole Productions que conta com essas duas bandas clássicas e que deve ser um dos grandes materiais lançados em 2011/2012.

Muito bom ter material desta extirpe lançado por selos nacionais, isso só reforça e engrandece o trabalho de todos que realmente fazem alguma coisa para que a máquina continue funcionando! Faça isso você também, compre sua CÓPIA ORIGINAL e proporcione que outros lançamentos como esse sejam possíveis e que outras bandas tenham a oportunidade de lançar um material oficial de forma profissional! Aproveitando a deixa… FODAM-SE TODOS os blogs que disponibilizam materiais de bandas na íntegra para a merda do download, FODAM-SEEE!

PEDIDOS:

a/c – Fernando Camacho – mail@blackholeprods.comwww.blackholeprods.com

Apesar de ser breve e esporádico e de não fazer reviews propriamente ditos, espero poder colaborar e disseminar aqui um pouco das coisas que tanto gostamos relacionadas ao universo do Splatter/Gore, tanto quanto a música, filmes, eventos, pessoas, publicações e outras coisas relativas ao gênero em geral. Quero em especial agradecer ao Baiestorf e a Leyla pelo convite para participar do blog, mesmo que modestamente, e por de agora em diante poder fazer parte desse grande trabalho que ambos estão fazendo já á algum tempo falando desse universo fantástico e encantador que faz parte do nosso dia-a-dia em seus mais variados seguimentos. SANGUE, TRIPAS e MULHER PELADA para todos!

escrito por André Luiz – Bucket O’Blood.

Um som de cada banda:

A Herança

Posted in Quadrinhos with tags , , , , , , , , , , on novembro 29, 2011 by canibuk

Na “Spektro” número 11 (agosto de 1979) foi publicado “A Herança”, HQ de sci-fi de Steve Ditko (já publicamos aqui no Canibuk outra HQ de Ditko: “As Coisinhas“) que é certeira na maneira que o humano, essas amebas com braços e pernas, vivem até hoje. Peço desculpas pelo scanner da HQ ser todo torto e mal feito, fiquei com medo de “quebrar” a revista na hora de scannear e aí não apertei muito (já “quebrei” uma em outra ocasião e fiquei puto, então melhor scanner tortos do que revista fodida).

Lindo Sonho Delirante de Gurcius Gewdner ou Memórias de um Cachorro sem Lar

Posted in Cinema, Entrevista, Música with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on novembro 26, 2011 by canibuk

CANIBUK ADVERTE: Se você é um destes caras que acha que arte é um produto, deixe de lado a preguiça mental e leia essa entrevista.

Uma pequena introdução necessária:

Petter Baiestorf: Minha primeira dúvida ao entrevistar o Gurcius Gewdner, da Bulhorgia, foi se eu ignorava ou não nossos projetos em conjunto, pois ele editou todos os meus filmes pós-2005, atuou em vários deles e me ajudou em diversas outras funções técnicas em outros (como co-autor da seleção musical do média-metragem “Palhaço Triste” que fiz toda a seleção da trilha sonora usando os disco em vinil da coleção do Gurcius e no “Pampa’Migo” onde ele estreou na função de “segurador de mesa em cena de sexo selvagem”), então, na dúvida, dei um grande foda-se e resolvi não ignorar nossas parcerias para que a parte de cinema (que é meu principal interesse) não ficasse incompleta. Mandei as perguntas da entrevista prá ele em Março de 2011 e, apenas 8 meses depois, finalmente temos a honra de publicar no canibuk a maior e mais completa entrevista com o lendário homem-cão, nosso hiper ativo Gurcius Gewdner.

Gurcius Gewdner: Esta entrevista escrevi aos picotes. Comecei no computador em Florianópolis, depois dentro do próprio email, depois a mão, depois voltei pro PC, trocando de cidades, de casa, voltei a escrever a mão, depois voltei pro PC, quase cheguei a usar gravador de voz. A entrevista me pegou em momento de total transição, mudando de cidade, de estado, de casa. Minha casa se mudou primeiro que eu e por 4 meses morei em uma casa sem móveis. E agora, ainda permaneço sem endereço, sempre em movimento, totalmente errante. As perguntas eu fui respondendo aos poucos, nos cantos de todos esses acontecimentos, as vezes respondendo meio com pressa por pressão do Baiestorf, que impaciente com meu aparente silêncio e demora, ameaçou desistir da entrevista várias vezes (e deve ter desistido). E por outras vezes respondia movido por um impulso louco, quando a memória me fazia surgir alguma das perguntas na cabeça e respondia no escuro, no ônibus, no metrô, na casa dos outros; tem mancha de chuva, vinho, desenhos de pata de gato, sangue, tudo que é possível manchar uma folha, uma bagunça danada. Em sua pesquisa, o Petter priorizou meus filmes como diretor, deixando mais de lado meus projetos musicais e discografia, minhas participações em Tcc’s cinematográficos de amigos, meus desenhos e minhas colaborações/parcerias já rotineiras com o Ivan Cardoso e suas conseqüentes exposições. Vendo que mesmo com estas faltas, a entrevista segue kilométrica, eu próprio me assustei com a quantidade absurdamente monstruosa e infindável de projetos que aos 29 anos eu já participei/produzi. Não sei se é com alegria ou desespero que ainda percebo que a quantidade projetos em andamento/inacabados/parados/rabiscados/aguardando conclusão é ainda muito maior do que aqueles que estão prontos e girando o mundo. Não digo isso pra contar vantagem, mas sim com a alegria de quem percebe por revisão dos fatos, que gosta e aproveita muito bem a própria vida e o que faz. E que tem a extrema sorte de conseguir seguir vivendo assim. Sempre em ritmo obsessivo e incessante, tudo que quero do futuro é continuar assim, e eu sei muito bem que vou. O Petter me pediu pra ser detalhista e responder com calma, levei o pedido ao extremo e talvez tenha exagerado um pouco, quando ele me pergunta de UMA montagem de filme dele, falo de TODAS. Quando ele me pergunta de um filme do Rick, falo de todos, e por aí vai. Eu cito muitos nomes no decorrer da entrevista, pareço uma senhora contando fofocas das amigas que ninguém conhece, mas nenhum nome é citado de graça e todo mundo que cito aqui tem um trabalho próprio, que em algum ponto do caminho se misturou com o meu. Pesquise sobre os nomes que eu cito! Se eu uso a palavra “amor” de forma repetitiva ao decorrer de toda a entrevista, nunca é com sarcasmo, mas sim porque não vejo outra maneira mais sincera de me expressar, é a forma mais fácil que consigo encontrar de simplificar o que se passa em minha cabeça quando faço tudo que eu faço. Pra você que vai ler tudo isso, ou ao menos uma parte, espero que goste (ou não?), e se de algum jeito, toda essa confusão aí em baixo, mudar um pouco a ordem do teu dia e até mesmo te ajudar, de algum modo, possível ou impossível, a fazer as coisas do seu jeito, já fico muito feliz. Por aqui, vamos seguindo em frente.” Gurcius Gewdner, novembro de 2011.

eu e Gurcius Gewdner em 2008.

 A Entrevista:

Baiestorf: Você começou como músico? Como tu acabou chegando à produção de filmes?

Gurcius: Escolhi a câmera como mais um instrumento musical. Havia tocado todos e me surgiu a câmera como um maravilhoso instrumento de improviso. Insisto nisso, você pode fazer coisas lindas sem aprender (de forma acadêmica, já que fazer É aprender) a tocar, pintar, etc… porque você tem a vontade e o amor do teu lado, e esse entusiasmo de amor vai te dar intimidade necessária pra criar algo teu. E o que é nosso, nem sempre é belo, mas é sem dúvida precioso. A compulsão me levou a filmar, me levou a desenhar, me levou a  tocar. Quando digo compulsão, quero dizer principalmente botar pra fora. Os filmes são mais uma ferramenta de auto-conhecimento, de auto-expressão. Uma arma pra se expressar e não enlouquecer. Adotei a câmera como um dos meus instrumentos principais quando decidi transformar nossas musicas em imagens, gravando “Marcius”. Vejo isso como um processo totalmente natural, a câmera é um instrumento musical, ela filmou minhas musicas. Sempre foram as duas coisas que mais gostei: musica e filmes. Quando criança, eu era obcecado por enciclopédias de ciência, exclusivamente por causa dos animais, e especialmente por causa dos insetos e peixes abissais. Um dia ligando a tv, pego a cena da cabeça com pernas do “The Thing” do John Carpenter. Me tornei uma criança mais feliz, dividindo meu interesse por insetos com os filmes de monstro e de terror. Ao mesmo tempo descobri os filmes dos Trapalhões (me iniciando com “Os Trapalhões no Castelo dos Fantasmas”, o primeiro filme que vi no cinema). Quando comecei a gastar dinheiro com discos, parei de comprar os livros de ciência, e minhas notas na escola começaram a diminuir. Física e química eu ignorava totalmente e passei a ter um ódio especial por matemática e gramática, principalmente. Passei a ter um carinho por quem escrevia ou falava a própria língua do próprio jeito, ignorando as leis da gramática, como a gramática d’Os Trapalhões. Acho que ser um fanático por eles me fez ser pra sempre um fã de cinema barato, e foi o que me levou a gostar de todos os tipos de cinema e gostar de diretores como Fellini, Herzog, faroeste Spaghetti, e cinema de todas as partes do mundo, assim como também os filmes dos anos 30 e 40 (Bela Lugosi, Boris Karlof, Tod Browning, etc…), e os grandes ícones brasileiros como Wilson Grey e Mauricio do Valle. Também me ajudou a não ver grande coisa nas mega produções americanas, sempre achei que cada fotograma dos filmes de ficção cientifica do Adriano Stuart (“Trapalhões na Guerra dos Planetas” e “Fofão e a Nave sem Rumo”) valem mil vezes mais do que todos os filmes do Star Wars juntos! Pra que gastar dinheiro com esses filmes chatos, se aqui mesmo no Brasil meus heróis filmavam suas próprias versões, com mil vezes mais defeitos, mas muito mais satisfatórios pra mim. Se criança eu sonhava em fazer filmes, nunca era me imaginando estrelando estes filmes, e sim invejando a vida dos Trapalhões. É claro que paralelo a isso, ia me apaixonando pelos clássicos filmes de monstros dos anos 80: The Fly, Toxic Avenger, American Werewolf, Gremilins, etc. Meu interesse por música veio através de meu pai, que ouvia de tudo e tudo misturado e comprava muito disco. Ele tocava violino e variava música clássica com música gaúcha, ópera com música brega alemã, sempre tinha alguma coisa tocando em casa, quando ele se aposentou, já começava a ouvir musica às 8 da manhã, ou tocava violino saboreando vinho. Comecei a comprar discos de punk e metal, das coisas que qualquer moleque ouvia no inicio dos anos 90, Ramones, Faith no More, Motorhead, essas coisas ali por 91, 92, e de início nossos gostos musicais ficaram afastados. Logo comecei a redescobrir discos na coleção dele, como Burt Bacharach, que era citado como influência das bandas que eu começava a descobrir. Meu pai por sua vez, quando viu que não estávamos imitando ninguém (e que não estávamos nem aprendendo a tocar) e que jogávamos lixo na platéia, passou a me ajudar, chegando a tentar convencer um amigo maestro, que trabalhava com ele as vezes, de nos patrocinar. (Sei que tenho uma das cartas aqui comigo escaneada, mas como não acho, segue uma transcrição de um trecho, que eu já tinha publicado no site: “Maestro Pedrotti: falei-lhe, dia desses, que anda baixando entidade musical de boa expressão em nossa residência. O Gustavo resolveu gravar algo em seu emergente conjunto musical. Trata-se apenas de uma “demo” (demonstração), como define. E estou lhe mandando uma cópia para sua alta apreciação e opinar. Creio que denota uma espécie de música inter – galáctica, é quase no improviso, que está sendo bastante apreciada e que cogitamos lançar de Joinville para o mundo. Mando pra você ver a criatividade deles, acho que ficou bom , bonito e divertido. Poderá ser um novo estilo/gênero “ terceiro milênio” estimulante e referencial que poderá proporcionar muitas alegrias a todos e grana a seus criadores e executores ”). Comprei a guitarra pra tocar punk, a gente queria uma banda tipo Toy Dolls e The Power of the Bira, que era a melhor banda de Joinville em todos os tempos, mas achava as aulas de guitarra muito chatas e sem energia e não queria imitar outras bandas, além de muita vontade de irritar meus próprios amigos, que queriam tocar igual às bandas que eles gostavam (numa época que os guris da nossa da nossa idade só estavam ouvindo aquelas bandas horríveis de punk californiano), por sorte o Marcius pensava assim também e os treinos (nunca ensaio, são treinos gravados) eram o mais puro exercício de amizade na corda bamba, com eu e ele querendo estragar o que o resto estava tocando. Tem muito ódio em nossas gravações iniciais, ódios direcionados a mim e ao Marcius, e os instrumentos divididos meio a meio, querendo se destruir, em batalha pessoal. Depois a gente foi afinando a seleção de músicos, colocando só gente que entende onde queremos chegar, seja lá o que isso signifique.

Baiestorf: Em 2000 tu lançou o curta “Poluição dos Mares e Oceanos” que é um documentário que tu realizou com colegas de aula, como foi isso?

Gurcius: Lancei ele com capinha em 2000, mas foi filmado em 1996, ao mesmo tempo em que começávamos a tocar e fazer músicas. Eu tinha 13 anos nas filmagens. Decidi começar a comercializar ele porque já estava fazendo “Marcius”, e como almejava lançar o Marcius com capinhas e tudo mais que se tem direito, resolvi que precisava fazer testes, foi meu ensaio sobre como distribuir filmes. De novo, não fazia muita idéia de pra quem perguntar, então me espelhei nos flyers de bandas punk e grind, que a essa altura (2000) eu já tinha uma longa lista de contatos por causa das trocas de fitas via correio com Os Legais. Eu e o Jw Kielwagen, que era meu vizinho, fizemos uma capa muito séria, com comentários fictícios dizendo o quanto esse filme era maravilhoso, arrebatador, sério, chocante, lírico, etc. Tudo inventado, os nomes, tudo, as fotos roubadas dos meus livros de geografia de colégio. (uma das fotos do verso, o Scum Noise já usou de capa, antes da gente). Foi nessa tarde, que junto com estes nomes inventados, também bolamos meu nome. O filme foi feito por mim e pelo Marcius com caronas do meu pai, o resto da equipe é mentira, pro pessoal que é citado ganhar nota, mas eles ajudaram no texto didático e a câmera é de uma das meninas, dá pra ver isso no making off (que nem é um making off e sim a primeira tentativa de fazer o filme, só conseguimos fazer o que está ali e resolvemos fazer o filme de novo, só eu e Marcius, sem o resto do povo, que meio que não servia pra muito). Eu não queria creditar o filme como feito em dupla, com dois nomes, então pegamos o meu: Gustavo Gewehr & o nome dele: Marcius Lindner e juntamos o dois! O nome venceu e uso ele até agora e prá sempre! Fiz um flyer com um textinho bombástico e um monte de gente começou a me pedir ele, também usava a fita pra trocar por cd’s das bandas nos shows, quem conhecia o filme e me via fazendo isso, tinha que sair de perto pra não me chingar de farsante ou começar a rir em desespero. Me viam como um desgraçado enganador, sem medo de apanhar. Muita gente gostava do filme e me escrevia agradecendo, mas muita gente também dizendo que ia me quebrar a cara, por empurrar uma porcaria destas como filme sério, como filme denúncia. Era tudo que eu queria, um monte de opinião sem conexão nenhuma entre si, gente achando maravilhoso e gente querendo me matar. Pensei “Se consigo toda essa reação com uma porcaria feita tão rápido, preciso fazer mais filmes, que isso é muito divertido”. Ele era um trabalho de colégio, ao invés de entregar o texto, decidimos entregar o filme já que uma das meninas do grupo tinha uma câmera. O professor, por sua vez, AMOU o filme, chegando a dar interpretações muito complexas pra ele. Ele usa o filme em sala de aula até hoje prá alunos de segundo grau, muitos anos depois descobri que a irmã mais nova de um amigo havia visto o filme no cursinho pré vestibular, a parada continua girando pelas instituições de ensino médio aqui do sul, acho muito válido. Pouco tempo atrás, pude reencontrar o professor e dar de presente um DVD, além de mostrar pra ele todo o estrago que o filme gerou. O filme é inteiro feito na câmera, trilha sonora, cortes, tudo, nem tínhamos como mexer em nada. Pra trilha sonora usei os discos do meu pai, tocada durante a filmagem, e muito tempo depois, vi que a mesma música que uso no discurso final e inicial da galinha, o Martim Scorsese usa na abertura do “Touro Indomável”. Era uma daquelas coletâneas genéricas de música clássica, lançadas em banca de jornal, que inclui até a marcha nupcial, fúnebre, etc… O Poluição foi bastante exibido em festivais também, alguns festivais de proposta séria, como o “Cine Amazônia” por exemplo. Na verdade, foi exibido em todos os festivais que mandei, o que é incrível. Quando fiz o “Nosferatum” algumas pessoas que amavam o filme, me disseram que eu estava me vendendo, que havia me tornado um intelectual. Não sei bem o que eles queriam me ver fazendo pro resto da vida, talvez investir na criação de uma industria de documentários galináceos? Na época eu nem sentia isso com tanta força, mas agora realmente acho que todos os apresentadores de tv deveriam ser substituídos por galinhas dubladas, com exceção, talvez do Caldão Volpatto (metrópolis, na Cultura), que sou muito fã da banda dele (Fellini), mas talvez ele próprio poderia dublar uma galinha, daí tudo bem. Poluição, na verdade nem é meu primeiro filme, um pouco antes tínhamos feito um “piloto” pra um programa de TV no canal 20 da tv a cabo, fomos até a tv e dissemos: Queremos ter um programa de tv, a diretora do canal riu muito e disse: “ok, filmem e tragam pra mim, vou apresentar vocês pro resto do estúdio!”. Era eu, Marcius e basicamente as pessoas que tocam no primeiro K7 de Os Legais, todos na faixa dos 12, 13 anos! não lembro de quem era a câmera, mas filmamos por vários dias, uma série de “sketches”. Eu nunca tinha visto Monty Python mas já era mais do que batizado em Trapalhões, o que fizemos foi uma série de uns 9 curtas, de no máximo 3 minutos cada! Na minha cabeça, era tudo maravilhoso, e creio que era mesmo, no mínimo bem mais divertido que o Poluição, infelizmente um dos jovens (o mesmo que montou Os Legais) virou evangélico e emprestou o copião pra um casal de crentes jovens, igualmente imbecis, que fizeram o favor de perder a fita na própria casa, nem me pediram desculpa, que queimem no inferno por isso! Quem sabe a fita ainda está lá. Com esse rolo todo fiquei muito irritado e acabei deixando o contato morrer com a simpática moça da tv a cabo, que provavelmente teria ficado horrorizada com nossas filmagens, mas nunca se sabe.

Baiestorf: Por essa época você e seus colegas de aula filmaram também o musical “Marcius”, isso será finalizado e lançado algum dia?

Gurcius: Sim, será finalizado e lançado sim. Na verdade não foi filmado com meros parceiros de escola, mas sim com Iuguru Magnor, Marcius e JW Kielwagen que tocam e produzem comigo até hoje, além da participação de membros da banda que já desapareceram e amigos da vizinhança. Esse filme é muito complexo, foi meu único e verdadeiro curso de cinema. Eu não tinha pra quem perguntar como se fazia as coisas, não tinha nem amigos com câmera, e nessa época tive que trabalhar no censo do IBGE por mais de seis meses pra comprar a minha câmera, prá daí começar a filmar. Enquanto não comprava a câmera, ia gravando a trilha sonora/roteiro. Aprendi ou ia inventando sozinho e usando métodos que ia improvisando. Métodos de escrever roteiro, editar trilha sonora, dublar e escrever o roteiro ao mesmo tempo, filmar, mexer com luz, tudo. O mote central era fazer um musical épico d’os Legais, com quatro horas de duração. Prá isso desenvolvi o roteiro da maneira que faço desde então, que é pegar uma folha de papel, enumerar todas as linhas e ir listando as situações da forma que quero que aconteçam. Listei 54 situações (ou seqüências) e ao invés de transformar isso em um roteiro, aumentando e acrescentando os diálogos, fui transformando cada linha em uma música, assim fomos construindo o roteiro, através de gravações improvisadas em conjunto. Antes das gravações em si, eu decidia as emoções que queria pra cada seqüência e escolhia uma música roubada de algum filme ou da coleção de discos do meu pai. Selecionei um volume enorme de músicas e fui jogando em fitas, pegava as trilhas ligando o toca fitas no videocassete e gravando as músicas que queria direto dos filmes. Peguei Pino Donaggio, Bernard Hermann, Ravi Shankar, Howard Shore e muitos outros que não fazia a mínima idéia de quem eram na época, mas estavam nos filmes que eu queria roubar, com as emoções que eu queria roubar. Estou explicando tudo assim tão detalhadamente prá povo poder ver que não existe uma “cartilha de roteiro” como eles mostram nos cursos de cinema. Na época eu não tinha a mínima idéia do que estava fazendo, mas acabou que ainda hoje uso muitos métodos parecidos. Também é obvio que não deve ser a forma mais fácil de se compor um roteiro, mas o que quero deixar claro é que você pode decidir por si próprio como compor seus filmes, se sua forma de fazer fizer sentido pra você. Dificilmente quando escrevo um roteiro, outra pessoa além de mim entende o que está acontecendo, mas no fim, dá tudo certo. Feita essa seleção, totalmente editada em fita, era a vez de gravarmos a nossa parte tocando por cima das músicas roubadas, compondo o roteiro e ao mesmo tempo destruindo as músicas selecionadas pra dar lugar as nossas. Até aí parece bem simples, o problema é que cada palavra dita, necessitava ser transformada em imagem depois, todo mundo tinha consciência disso, o que significa que a motivação principal de todo mundo era destruir uns aos outros nas músicas, tudo que fosse falado seria filmado. O resultado disso é que só o Marcius, por exemplo, é estuprado e espancado várias e várias vezes durante o filme, chega a estuprar a própria mãe. Passamos meses gravando essas músicas e mais meses ainda filmando. Eu aproveitava qualquer situação social pra gravar pedaços do filme, festas, viagens, tornei a vida de meus amigos um inferno. Outro agravante é que é um filme de ficção cientifica com um mote ecológico: se passa no futuro, onde a humanidade obviamente abusou de tudo e por causa dos excessos, a atmosfera produz isopor o tempo todo. É tipo a chuva incessante do Blade Runner, mas ao invés de água temos isopor. Todas as filmagens tem isopor caindo do céu, mais exatamente voando no rosto e nas partes baixas de quem está diante da câmera, O TEMPO TODO. Além das filmagens ao livre e na casa de conhecidos, conseguimos um estúdio na universidade de Joinville (Univille), pra não emporcalhar totalmente o lugar lembro que levei pilhas e pilhas de revistas, que eram atiradas sem dó em quem estava diante das câmeras! A gente fala sem parar nas músicas, o que significa que o volume de filmagens (imagens criadas nas músicas) era absurdamente enorme, são mais de 14 fitas vhs-c com uma hora e meia cada! Eu ainda não me preocupava em filmar as coisas de vários ângulos ou sequer planejava os enquadramentos, mas só o fato de estar sempre chovendo lixo deixa todas as filmagens atraentes! Vencido o desafio de gravar, escrever, filmar, eu não tinha onde montar o filme, não queria montar em estúdio emprestado ou coisa do tipo, porque sabia que iria demorar MUITO tempo! Queria montar sozinho, aprender a montar e montar do meu jeito, sem pressão ou horário. Ao mesmo tempo sabia que ia dar um trabalho danado, mesmo agora, com o volume absurdo de material que tenho pra montar o VIATTI ARRABBIATTI, sei que Marcius é mais complicado, porque é simplesmente muito autista e muito vagabundo, tão vagabundo que exige uma montagem carinhosa. Tive que esperar alguns anos até ter a primeira chance de mexer nele ou de mexer em qualquer coisa, nesse tempo todo não parei de filmar um segundo, acumulando fitas em casa mesmo sem saber onde ia montar. Desse material, ainda montei muito pouco, já que depois que aprendi a editar filmes, também não parei de filmar um segundo!  Foi em 2003, que tive a chance de aprender a montar filmes, entrei quase de penetra em um laboratório de vídeo da UFSC (o LAPIS – Laboratório de Pesquisa de imagem e som) e comecei a fuçar nos softwares e me envolver nos projetos deles com o intuito de aprender. Resolvi usar a universidade pra patrocinar um evento de cinema transgressor, o “Dez Anos Sem GG Allin”, que foi maravilhoso e me abriu muitas portas! (talvez não muitas dentro da universidade). Entre os filmes exibidos estavam os seus, Richard Kern, Nick Zedd, Dusan Makavejev, John Waters. Pensei, já que estou tendo esse esforço todo vou exibir um filme meu, misturado em meio a esses figurões. Obvio que encaixei no horário mais lotado, que era quando exibimos o Hated, sobre o GG Allin, legendado em português por mim. O professor que ficou responsável por tudo isso não entendeu bem que minha intenção era fazer um festival de cinema livre e não incitar as pessoas a comer merda. Mesmo assim, morrendo de desconfiança e pavor ele deu todo apoio, mesmo arriscando o emprego dele (que eu sabia no fundo que estava seguro). Sou muito agradecido a ele por isso! Muita gente já veio me dizer que o festival influenciou na vontade de se fazer filmes, inclusive o Garganta (um dos produtores associados de Viatti, meu produtor-gasolina). Foi com essa história toda que surgiu o meu filme “Nosferatum” e minha primeira experiência com montagem, apenas os créditos dele são montados, o “recheio” do filme é um plano-seqüência. Usei os computadores do laboratório pra montar o filme e também pra legendar o Hated, que fiz de ouvido, com meus conhecimentos de inglês adquiridos vendo filmes! O que eu não entendia ou inventava ou perguntava pra quem estivesse em volta! Cheguei a planejar montar o “Marcius” no laboratório também, mas depois fui desistindo, até pela quantidade imensa de material, nunca foi meu plano montar ele com pressa, e de certeza absoluta que eu seria expulso antes de terminar. E também sempre senti que precisava me especializar mais, montar mais filmes, pra fazer uma montagem a altura da doença autista que é esse filme. É possível que na hora de fazer, eu simplesmente faça igual fiz com teu filme “MANIFESTO CANIBAL”, que depois explico, mas mesmo se eu fizer assim, sentia que ainda era necessário esperar. Só em 2004 que consegui minha própria placa de captura (que obviamente tinha que captar vhs) e “Marcius” sempre foi sendo atropelado por outros projetos. Esse ano, de novo, estava nos meus planos mergulhar nele, e  eis que atropelei de novo com VIATTI ARRABBIATTI. Tem algumas mudanças estruturais que fiz nele (que nem teria pensado na época), que me fazem agradecer por ter deixado ele de lado todo esse tempo. Uma delas foi ver os filmes da Vera Chytilová, que me fizeram sentir a vida e minha vontade de fazer filmes com 3 mil vezes mais força e outra foi ler o “Jogo de Amarelinha” do Cortazar, que me fez decidir que ao invés de fazer o filme como um musical de 4 horas e meia, eu posso transformar ele em 54 curtas, que é que vou fazer! Durante a montagem decido se os filmes terão ordem seqüencial, ou se terão ordem livre, igual é no livro do Cortazar! Me agrada muito estarmos já totalmente irreconhecíveis nas filmagens, é quase como aquele filme o “Quando as Metralhadoras Cospem”, um monte de crianças fazem coisas de adulto, coisas pavorosas por sinal. Meu plano do momento, é montar ele depois de lançar o VIATTI, acho muito coerente que meu projeto seguinte a um filme totalmente filmado em Canon HD seja uma tonelada de  curtas interligados muito mofados e mal filmados em VHS-C! Por fim, quero dizer que “Marcius” inaugura minha tradição de “filmes-presente”, todo filme que faço é um presente, faço pra agradar UMA pessoa em especifico, ou no máximo três! Se consigo isso, já estou feliz e  o filme pode ganhar as próprias pernas! Esse filme (ou filmes) fiz de presente ao doutor Aristides, que foi quem me sugeriu a idéia em uma daquelas conversas telefônicas que ninguém fala nada de útil, onde ele disse: “acho q você deveria fazer um musical d’os Legais no nível de Tommy, do Ken Russel, totalmente épico e grandioso”, obvio que ele não estava falando sério, mas grande parte das coisas que levo a sério na vida, são sugestões de pessoas que sequer estavam prestando atenção no que estavam dizendo. Mas eu estava!

Gurcius Gewdner e eu no Curupira em 1998.

Baiestorf: Logo que a gente se conheceu, após aquele show lindo no Curupira durante o encontro de cultura underground de Santa Catarina (em Guaramirin/SC), tu foi ator no curta gore “Hermético” que tem direção do impagável André Luiz (vocalista das bandas Lymphatic Phlegm, Offal e Creampie e ator de mão cheia que pode ser visto fazendo dois papéis no meu filme “Ninguém Deve Morrer”) e num vídeo-clip para a banda Flesh Grinder com direção do Fábio Gorresen. Como foi isso? E porque o curta do André Luiz ficou inacabado?

Gurcius: O André Luiz é um dos meus preferidos e mais criativos artesãos da música extrema de todo o mundo! Tive a sorte de acompanhar todo o crescimento e evolução do Lymphatic Phlegm desde o começo e o André se tornou um grande amigo cada vez mais querido. O Lymphatic é meu projeto de música extrema favorito de todos os tempos e sei que eles são definitivamente um dos mais inventivos do mundo, dentro do gore grind. O maravilhoso foi que uma das coisas que mais nos aproximou de inicio foi justamente a arte da agressão mutua (que Iuguru exercita tão bem no “Dia de ano”): ainda na época das cartas, trocávamos fitas k7 e informações sobre filmes, quando em uma de suas primeiras cartas ele disse: “seu amigo feio e cheio de caspa”, ele falava dele mesmo, mas entendi errado, achei que era pra mim, do tipo: “ei, seu amigo feio!” e mesmo não levando a mal, resolvi responder agredindo também, isso iniciou uma longa corrente de correspondência agressivo-amorosa que durou anos, em cartas que as vezes passavam de cinco paginas, com adendos ofendendo amigos em comum e cada vez tentando se aprofundar mais na complexidade das ofensas mútuas. Cheguei a receber uma carta com mais 50 paus de revistas pornográficas recortadas, alguns de pagina inteira, que desceram do envelope como cachoeira, caindo aos pés de minha mãe, que não entendeu nada e achou muito esquisito eu receber esse tipo de coisa pelo correio. Ela chegou a ler algumas cartas dele também, vindo conversar comigo pra saber se estava tudo bem de andar na rua e quem eram essas pessoas. Em meio a tudo isso, André resolveu ir prá Joinville e dirigir um Slasher caseiro, fiz uma participação retardada como um cortador de cana que é morto a golpes de foice ou machadadas pelo próprio André. É lindo lembrar disso agora e perceber que a minha primeira participação em filme de outra pessoa, se liga totalmente a uma frase que vi o Marcelo Apezzatto dizer, e que sempre repito quando estou sem dinheiro: “Vida de artista, Salário de cortador de cana”, que é bem representativa do nosso faturamento geral as vezes né? Vi eles filmando algumas cenas (o elenco era basicamente o pessoal do Flesh Grinder, mais pessoal que andava por ali na época), mas infelizmente não tive muita participação na parte técnica ou no mínimo operacional, como gosto de ter quando participo de filmes dos amigos. Sempre tive a noção da pilha de nervos que é estar na pele do realizador, então quando o filme não é meu, faço de tudo pra ajudar (ou no mínimo não atrapalhar) prá parada não virar só uma festa cara ou perda de tempo frustrante. Foi muito divertido, feito sem nenhum conhecimento técnico, mas com muito entusiasmo e sem pretensão, todo mundo deu muita risada o tempo todo (se teve brigas, tem que perguntar pro André,). Foi filmado em duas fitas, e na casa e arredores do Fabio Gorressen. Quem conheceu essa casa (por um tempo, foi uma das principais hospedagens da Splatter night), vai me entender muito bem: umas das fitas do copião simplesmente desapareceu no meio do caos que era a casa dele. Realmente acredito que essa fita ainda pode estar lá, se ele AINDA  não arrumou a casa. A outra fita está bem guardada com André até agora… Me confundo um pouco, não tenho certeza se esse curta foi feito antes do vídeo do Flesh Grinder, mas como o filme não foi finalizado, esse clip é minha primeira aparição em filmes de outra pessoa. Lembro que a grande questão era: quem ia agüentar enfiar na boca e depois vomitar deitado no próprio rosto e peito um mistura nojenta (com cheiro pior ainda) de pão moído, água, cuspe, lama, catchup e sabe se lá mais o que (acordo tremendo nas madrugadas ao imaginar) que o pessoal havia preparado (tanto o pão quanto o catchup vinham da geladeira do Fábio, o que já significa um enorme risco pra saúde, salmonela, enfim). Fui o único que sequer cogitou topar e me tornei o “cadáver-astro vomitoso” do videoclip. Lembro de voltar pra minha casa (bem longe da casa do Fábio) a pé, na madrugada de Joinville, todo banhado em catchup e pão moído, todo grudando e com um cheiro insuportável, mas com um baita sorriso no rosto.

Baiestorf: O que é o documentário “Art Noveau” do R.J. Ávila? Porque nunca foi lançado?

Gurcius: O Ávilla é um amigo de longa data e que você encontrou pessoalmente algumas vezes (Nota de Baiestorf: “Não lembro disso!”) e faz as partes (usando pseudônimo) onde a fotografia do Mamilos em Chamas está minimamente acertada, com luz decente, ele fez a luz (nos momentos em que parece que teve alguém fazendo isso) e montou alguns cenários, os mais organizados são montagens dele. Além de variadas funções técnicas do Mamilos, ele também fez muito em “Marcius”, desde luz, atirar lixo, conseguir o estúdio da universidade de Joinville e transporte, entre muito mais! “Art Noveau” é um filme didático que ele fez sobre o tema que dá nome ao filme e me botou pra ser o narrador. Prá isso, me deu só um texto de base e total liberdade pra improvisar em cima. Gravamos umas 3 ou 4 narrações diferentes, que deixaram ele tão puto com as coisas que eu falei, que ele simplesmente desistiu do filme! Ao fim eu dizia: “posso tentar ser contido e educado então” e ele gritava, “não, não, chega!! já odeio esse filme!!!” Se existe um copião disso, está comigo. O bacana é que ele acaba de dirigir um longa muito caprichado e bonito, feito com grana do estado, falando sobre as bicicletas de Joinville, que são um dos grandes atributos e orgulho da cidade: “Joinville – Cidade das Flores, dos Príncipes e das Bicicletas”, e o Ávila estreou no mundo do cinema fazendo a parte técnica dos meus filmes horrorosos filmados em vhs! Eu, que por minha vez, saí da cidade vendo crescer a fama de “Príncipe do Isopor”! Nessas horas, vejo que tudo na vida, faz realmente muito sentido.

Baiestorf: Em 2003 acho que foi o ano em que tu começou a ficar mais conhecido entre os produtores de filmes bagaceiros brasileiros, inclusive sendo dirigido por mim no “Cerveja Atômica” (que tem Lymphatic Phlegm, banda do André Luiz, e Impetigo na trilha sonora) e tua atuação foi um tanto “espontânea” (Ivan Pohl reclamou bastante por ter contracenado contigo), quais suas lembranças destas filmagens? Lembra alguma história bizarra?

Gurcius: Foi minha primeira participação direta nos teus filmes, antes disso te gravei uma fita das “The Shaggs” (após uma manhã surreal, acordando um acampamento do Curupira aos gritos de protesto com Shaggs), que você utilizou prá encerrar o Zombio. Lembro que estava muito empolgado e feliz a caminho da filmagem, como era uma viagem longa, devorei a biografia do Mojica. Já tinha escrito o mamilos e filmei logo em seguida ao meu retorno, já que retornei pra casa banhado em cinema. Na primeira manhã aí em Palmitos, já traumatizado com as experiências que eu já tinha tido quando você junta um grupo grande de pessoas (em shows dos Legais e nas filmagens de Marcius) perguntei se era comum rolar brigas sérias durante as gravações e ouvi você orgulhosamente responder que NUNCA! Nem bem 15 horas depois, estava o Eder Meneghini tentando destruir o próprio carro e dizendo que ia matar todo mundo, sendo segurado e arrastado! No filme, se você reparar nele, no Meneghini, depois de um pedaço, ele simplesmente some. Meu personagem era um pastor, e lembro que deu esse problema todo poucos minutos antes de gravarmos minha cena. Tentei uma incursão poética, capturando uma pequena mariposa pra fazer ela voar de minhas mãos quando eu entrasse em cena, mas com a confusão toda, soltei ela e fui filmar a pancadaria. Quando conseguimos retornar as filmagens “sérias”, minha missão era catequizar um caminhoneiro, na base da porrada com uma bíblia, que foi EXATAMENTE o que eu fiz! Dei porrada de verdade, mas juro que não foi proposital, coisa de calor do momento. No dia seguinte espanquei o Ivan Pohl com golpes de bíblia (na verdade uma cópia do Lolita do Nabokov, que tenho até hoje, assim como a garrafa da cerveja atômica) e uma vara, que não lembro como foi parar na minha mão (Nota de Baiestorf: Na pré-produção de “Cerveja Atômica” não me liguei que iria precisar de uma bíblia falsa, quando começamos a filmar as cenas envolvendo o Pastor interpretado pelo Gurcius, na falta de uma bíblia, peguei meu livro do “Lolita”, que tinha capa dura, e usei como bíblia, depois das filmagens o livro ficou ensopado de sangue e dei o exemplar de presente para o Gurcius, já que nunca gostei muito do livro). Todos ficaram muito magoados e prometeram se vingar, mas sei que você gostou! O que eu lembro de principal é isso, e claro, eu estava muito feliz de estar participando, ainda mais vendo agora que a parada continuou, continuou… E que acabei ajudando, de um jeito ou de outros,  a Canibal Filmes a evoluir (não com o Cerveja Atômica, claro).Tem uma coincidência que é o fato de que, 8 anos depois, dei um cacete no André Seccato, com uma bíblia bem mais dura (dessa vez acho que era um livro jurídico) no IVAN do Fernando Rick, e dessa vez o André foi mais esperto, tirando a bíblia de minhas mãos no segundo take e dando uma boa duma cacetada na minha cabeça! Doeu…

Baiestorf: Como foi a criação do “Nosferatum”? Ele é uma homenagem sua ao teu cachorro?

Gurcius: Foi minha primeira experiência com montagem de filme. Usando o laboratório da faculdade de forma semi-clandestina. Tinha liberação do responsável, mas tinha que fingir pra qualquer um que entrasse que estava trabalhando em um projeto do laboratório. Fiz o filme pra aprender a editar. Tem uma filmagem no meio que é um plano seqüência filmado uns dois anos antes, não me lembro bem com que objetivo, mas era na casa da Elaine Bublitz (a atriz do filme e que também dubla a girafa sadomasoquista do Mamilos) e com câmera do Marcius. Estávamos apenas os 3 na casa e foi tudo improvisado, sem roteiro, sem nada. Gritei muito com um saco na cabeça, me engasgando várias vezes e ficando tonto e com dor de cabeça por mais de uma semana. No final, quando há um silêncio, achei que a mãe dela tinha chego na casa, meu coração disparou em terror, ia ser complicado explicar o que estávamos fazendo e porque eu gritava tanto com a filha dela. Quando mando ela calar a boca, era porque eu não estava gostando dos improvisos dela, com sinceridade, mas no fim deu tudo certo, até prêmio rendeu. Nosferatum era o nome de um dos meus cachorros. Esse cachorro é curioso: desde criança, durante quase todo o tempo que morei em Joinville, tivemos várias gerações de Pinchers, geralmente em dupla ou trio. Morreu um deles e a Laika (a atriz linda de “poluição”) ficou sozinha. Minha mãe fez um anúncio no jornal com o seguinte título “Aceito pincher DE GRAÇA”. E apareceu ele. Um cachorro esquisitíssimo, andava de um jeito muito bizarro, tinha um grunhido medonho e faltava pêlos pelo corpo. As galinhas faziam roda e ficavam bicando ele, que nem reagia. Minha mãe chamava ele de “Capitu” (ela não tava nem aí pro fato de ser um cachorro macho) e eu chamava ele de Nosferatum. Aposto que tenho mais filmagens dele, além daquelas usadas no filme. Juntei com mais uns desenhos meus e meu exercício de montagem foi basicamente alternar os desenhos com o cachorro, calculando ritmo de montagem com o andamento da música. Prá filmagem principal, que era uma filmagem colorida comum filmada em vhs-c, fiquei fuçando nos ajustes de cor e contraste, sem a mínima noção de nada e sem anotar nada também. Consegui deixar ela daquele jeito, simplesmente mexendo em tudo até ficar de um jeito que achasse bonito e que foi um dos motivos pro filme ganhar o prêmio. Na época, eu tinha a ilusão (ou não é uma ilusão?) de que prá uma banda ser importante ela precisa ter discos Split com outras bandas, então a gente inventava nossas bandas parceiras de disco. Foi assim que surgiu o canadense Willie Kampff e o Wandon Bellou, é tudo invenção nossa, principalmente do Enmys Grinsnach, que é um dos membros originais dos Legais e mais tarde fez o Tzodoma Popo comigo. Peguei uma música do Wandon Bellou, que encaixou como uma luva. Como o som dos diálogos era uma merda total, também aprendi a legendar e na época nem se gravava muito DVD (isso ia mudar em menos de dois anos), salvei a versão final em vhs. O cachorro passava as noites dele grunhindo sem parar, grunhindo prá lua, e em uma noite dessas ele acordou morto.

Baiestorf: “Nosferatu” foi premiado no Cine Esquema Novo de 2004, como foi isso? Qual prêmio ele ganhou?

Gurcius: Um ano depois, seguindo conselhos seus e dos acadêmicos da universidade e vendo como o pessoal gostou dele no “Dez Anos sem GG Allin”, comecei a mandar o filme pra festivais. Pedi pra um amigo, o Nietzsche Star, que na época estava mergulhado nos livros do Walter Benjamim, Deleuze, Bataille, Lacan, etc,  juntar meu texto picareta que fiz pro release com uns acréscimos intelectuais dele. Acho que esse texto foi o ponto crucial pro filme ser aceito em tudo que é festival que postei. (Depois descobri que a grande defensora pro meu filme entrar no festival, foi a Melissa Dulius. Anos depois, o Chistian Verardi tentou a mesma guerra, desta vez pra incluir o Mamilos em Chamas no Fantaspoa, mas sem sucesso.). A exibição dele em Porto Alegre foi caótica, tinha um debate com todos os realizadores da sessão e a coisa saiu de controle. Lembro que tinha um cara “sério” ou dois, uns jovens que fizeram um documentário muito retardado e divertido sobre “juventude”, um cara vestido de lixo (pra fazer referência ao filme dele) e eu! Cada frase que eu dizia era seguida de uma explosão de risadas dos bêbados (incluindo você entre eles) que estavam nas primeiras filas. Cada um apresentou e explicou seu filme, ah sim, na época eu dizia que meu filme era uma critica séria ao sistema psiquiátrico, e quando abriu pra perguntas do público, todo mundo começou a agredir os rapazes do filme sobre juventude, dizendo que era uma porcaria, um deboche, amador etc. Como amei o filme, tomei a palavra e comecei a defender eles, daí pra frente a coisa toda virou um circo. Lembro que fiquei na dúvida se tinha sido premiado só pra ver se eu calava a boca, já que quando alguém do público perguntou sobre montar projetos pra fazer seu filme, fui totalmente contra ao que os realizadores “sérios” antes de mim responderam. Falei que os filmes pra existir precisam andar com as próprias pernas e não ficar chupando o saco do governo, que era melhor fazer filmes com zero orçamento do que ficar preenchendo aqueles formulários de merda e tentando agradar bairrismos de secretarias de governo locais. Os dois discursos anteriores ao meu diziam o contrário, o público foi a loucura e o circo ficou mais agitado ainda. Muito divertido. Ainda levei uma bronca do Gustavo Spolidoro no final, que me disse “ao menos recolhe essa bagunça aí em baixo”, tinha deixado cair alguma coisa embaixo das cadeiras (nota de Baiestorf: Me lembro desta sessão caótica, na verdade o esporro que o Spolidoro deu nos “Bêbados da primeira fila” foi , após término do debate, para que recolhêssemos todas as garrafas de cerveja e vinho que ficaram jogadas no chão!). O filme ganhou um prêmio de “melhor aproveitamento de orçamento”, que era ZERO, o nome do prêmio era “prêmio Paitrocínio” com destaque pra “composição dos diálogos, fotografia incomum e atuações viscerais”, algo assim. Tinha o Eugenio Puppo no júri. Não fui buscar no palco, porque imaginando que não ia ganhar nada (e sem paciência nenhuma pra aturar esse tipo de cerimônia) fui no cinema com você e o Thomas Albornoz assistir “Meu Melhor Inimigo” do Herzog. Só descobri do prêmio em casa. Alguns dias depois recebi pelo correio, o prêmio (uma bola com rodas) e a fita usada na exibição, totalmente estraçalhada de viajar junto com a bola. Ele é meu “Segura Porta” até hoje, é um ótimo suporte de porta.

eu, Caselli, Gurcius e Verardi no Cine Esquema Novo, 2004.

Baiestorf: Aliás, o Cine Esquema Novo de 2004 foi bem produtivo, foi lá que o Christian Caselli te entrevistou para o documentário “Baiestorf: Filmes de Sangueira & Mulher Pelada”, como foi isso tudo?

Gurcius: Estávamos meio horrorizados com o pessoal do festival, todo aquele povo “sério” recém saído das academias de cinema (e o povo veterano mais pedante ainda) tentando ainda entender como a gente se encaixava nisso tudo bvvvvvvvvvvvvvvvvvvvvv (vou deixar esse erro aqui, faça o favor de não apagar Petter, que foi a famosa MINI MULAMBA dando um alô), e lembro que quando o Caselli apareceu, confundimos ele com um desses caras muito bananas e chatos que fazem filme, com óculos de aro preto e sem fazer sexo por mil anos, o que fez você ficar sacanenado ele por vários dias, até entender que ele era um cara inteligente e legal. Ele filmou tudo muito rápido, com um pouco de timidez, e aproveitou quase tudo que filmou no filme, com muita inteligência. É um filme divisor de águas, já que minha parceria com você e a entrada da Canibal Filmes na era digital só ia se firmar no ano seguinte. Muita coisa aconteceu, todas pra melhor, a partir de 2005. E o filme do Caselli ajudou a preparar o terreno pra isso. Eu e você éramos o pior tipo de convidados prá um festival, a gente só fez bagunça, eu andava na flor da pele porque tinha acabado de perder um programa de rádio por culpa de um grupo de universitários fascistas burros e você estava no clima de provocação do “Manifesto Canibal”, é muito impressionante ninguém ter dado umas boas porradas na gente (e sei  porquê: a “presença” intimidatória do Albornoz). Quem acabou levando umas porradas, foi o Mathias Maxx, por pixar as paredes do lugar de lançamento da revista dele, a Tarja Preta. Ainda falando do festival, tinha um detalhe bizarro nisso tudo: levei comigo o Sandoval Thiago (astro do “Tatuada”), pra ver se alegrava ele, já que tinha acabado de levar um fora da namorada. Ele ficou alguns dias com a gente, saía da sala pra chorar em todas as sessões, odiou todos os filmes e foi embora pior do que chegou. Mas apesar de tudo, o festival foi lindo, e filmes meus entraram outras vezes.

Baiestorf: No ano de 2004 teu lado documentarista surgiu e tu participou e/ou fez inúmeros documentários, foi algo planejado ou acidental?

Gurcius: Acidental, documentários são fáceis de se fazer. Dá pra fazer sem nem perceber que se está fazendo um filme. Você liga a câmera e conversa, filma o que dá e junta tudo seguindo uma ordem relativamente linear. Quando termino um filme, me sinto meio vazio, como se algo tivesse sido sugado de dentro da minha alma, tem aquele esforço todo que vai te abrindo, derrubando você, te sugando a energia, a vontade de criar. É tipo responder essa entrevista, é maravilhoso, mas quando termina é tipo sair do confessionário, a parada drenou teu cérebro ao bagaço. E com documentários nunca me senti assim, nem no “Banho Gostoso”, acho que é porque são feitos sem muita preocupação, com a intenção e ordem do registro já pré-determinada. Em filmes como “pequeno panda”, “mamilos” e mesmo no “Viatti”, durante o processo todo eu nunca sei onde vou chegar, como vai ficar, tem um monte de caminhos e coisas que você vai descobrindo durante a montagem na revisão dos textos, dos áudios, durante os desenhos. Um exemplo complexo que com certeza vai me drenar até o limite, com tanta força quanto um filme de ficção é o “Isopor Esperança”, já que esse um documentário sem narrativa linear nenhuma, com zilhões de caminhos a se seguir.

Baiestorf: O que foi o documentário “A População da América Espanhola Colonial” que tu realizou com o Thiago e o Otávio? Isso foi trabalho para a faculdade?

Gurcius: É baseado em um livro que nenhum de nós três leu. E feito do mesmo modo que fiz o “Poluição”: filmado na ordem, editado direto na câmera (ou seja, sem cortes), e com a trilha sonora executada ao vivo. De novo foi feito com o equipamento emprestado/roubado por baixo dos panos do laboratório da faculdade. Eu não tenho problemas de falar em público quando é apresentando nossos filmes, debates, palco, etc, mas quando o papo é serio, do tipo “conferência intelectual” fico insone de pavor. O mesmo vale pro Hans (Otávio) e o Thiago (sandoval). Nossa missão era preparar uma conferência de duas horas sobre o livro, que trata das relações entre espanhóis e índios, e apresentar pra um grupo de umas 40 pessoas. Como somos irresponsáveis e idiotas de maneira quase gêmea, decidimos filmar o livro, lendo ele conforme íamos filmando. Pra piorar tudo, passamos a noite anterior vendo filmes, bebendo e sendo irresponsáveis, até o dia amanhecer. Selecionei a trilha correndo, com músicas do Sakamoto, Bee Gees, Morricone talvez, preciso rever. Às 8 da manhã estávamos filmando, não comemos o dia todo, o que só aumentava a nossa depressão. Parávamos de filmar pra chorar, passar mal e botar a mão na cabeça dizendo coisas do tipo “ai, que eu estou fazendo da minha vida, a gente jogou nossa vida fora cara” e coisas do tipo. Pura depressão de fome e sono. Terminamos o filme às 18, começou a conferência 18:30. Botamos o filme, e achamos que era missão cumprida. A platéia foi ao delírio, mas a coordenadora não. Tivemos que conduzir o debate, não adiantou nada fazer o filme. Eu senti ânsia de vômito várias vezes, e nós três “piscávamos” durante o debate, lembro que algumas vezes realmente dormi fundo, levando cutucão do Otávio, e vice versa. Um pesadelo. Depois fiz uma abertura de animação muito divertida de fazer e pude pela primeira vez experimentar as desconstruções lingüísticas que tanto amo testar, fazendo legendas em inglês totalmente diferentes do conteúdo falado, ganhando assim dois filmes em um. O filme entrou em alguns festivais importantes como o “Cine Amazônia” e festivais de cinema ambiental, e em uma visita no Ivan Cardoso foi visto pelo antropólogo Viveiros de Castro, que apesar de ter dado risada, começou a se mexer pra ir embora, lembrando que era melhor passar o domingo com a família.

Baiestorf: “Exija Gurcius Gewdner” foi filmado na UFSC, certo? Ele se tornou um clássico da bagaceirada, o que te levou a filmá-lo?

Gurcius: É uma refilmagem de uma vinheta anti-pirataria da UBV, bem fácil de encontrar nos VHS, depois trocaram ela por uma vinheta que ficava uma fita colorida voando, quando eles achavam que mudar a cor das fitas ia impedir as pessoas de enfiarem um cabo de um vídeo pro outro. Tentei manter o clima da vinheta original, trocando a loira por mim e o Sandoval, mudando a música, mas mantendo os movimentos de câmera e os cortes bregas. Fiz porque achava a vinheta da UBV extremamente maravilhosa, e porque sempre achei essas campanhas anti-pirataria muito idiotas. Na mensagem, incito as pessoas a piratearem meus filmes, e que piratear filmes que não são meus é crime. Na verdade, deixo a entender que se você ASSISTIR filmes que não são meus, está cometendo  crime grave. Queria botar no início das fitas (e posteriormente dos Dvd’s), como meio que todas as distribuidoras de vhs da época faziam (na verdade era o fim da época, mas eu ainda não sabia), a exemplo daquela maravilhosa vinheta linda da América Vídeo: “nossos filmes são dinamite”. Foi essa vinhetinha que levou o Fernando Rick a filmar o “Gurcius Gewdner Show”, e quando era exibida junto com o Triunvirato, as pessoas se revezavam entre gritar na minha orelha: “PA-RA-BÉNS” E “GUR-CI-US GEW-DNER”.

Baiestorf: Neste clima de documentários farsescos tu produziu o clássico “O Triunvirato de Gurcius Gewdner” que é sobre você mesmo. Sinto uma grande influência do humor de John Waters neste filme. Como foi o processo de criação dele?

Gurcius: O Reichenbach uma vez me disse que esse  era um dos melhores exemplos de “marketing pessoal” que ele já tinha visto, já que afinal é um dos meus primeiros filmes e resumidamente, é quase uma hora ensinando as pessoas como pronunciar meu nome da maneira correta. Depois das exibições, eu ficava horas escutando as pessoas falando meu nome em voz alta, repetidas vezes.  Na verdade a maior inspiração foi primeiro: os freqüentadores esnobes (leia-se cineastas) do Cine Esquema Novo daquele ano e um filme chamado “I, an Actress” do George Kuchar. Nesse filme vemos Kuchar mostrando prá uma atriz como ele queria a entonação dela no filme, é maravilhoso! Eu tinha/tenho muita filmagem onde o áudio é livre, o que deixa espaço pra ficar dando ordens e gritando a vontade por trás da câmera, enquanto o ator está ali exposto, tentando acatar tudo.  pensei: “É isso, vou catar alguns trechos de filmes ainda não finalizados, inventar uma entrevista falsa pra ligar um ao outro e tenho um filme novo pra passar em São Leopoldo”, que era onde estava prometido nos levarem no mês seguinte, pra falar, tocar e exibir filme (e deu tudo certo). Ele basicamente tem duas idéias centrais: a primeira, mais séria, é a eterna sensação de que não importa o quanto você faça, filme, escreva, viva enfim, você sempre se sente atrasado, sempre se sente devendo, sempre se sente fazendo pouco. É como me sentia na época e ainda me sinto. Não interessa quantos filmes fazemos por ano, não interessa quanta dedicação e tempo eu esteja empreendo em qualquer coisa sempre sinto que estou fazendo pouco, que poderia estar fazendo o triplo. É a agonia de ver os filmes inacabados gritando pelo seu nome na prateleira, a agonia de ver seu projeto em andamento dizendo “vamos lá rapaz, não durma, você precisa se mexer porque quando acabar comigo, além de me divulgar, tem todo esse povo gritando ali na prateleira e mesmo que você morra com 120 anos, não vai dar tempo de dar vida pra todo mundo, então se apresse, não durma, não durma!!!!” daí as vezes você dorme, e como é bom dormir também. O filme é quase um mantra contra  a culpa, eu digo “estou demorando tanto pra entregar esses filmes, porque quero primeiro assistir eles sozinho em casa, quero me deliciar com minhas próprias filmagens até cansar antes de entregar elas ao mundo”. É obvio que é mentira deslavada, mas sempre achei uma boa desculpa. Ele tem filmagens de gravações ainda não lançadas dos legais, de “Marcius”, um outro projeto chamado “Gotículas da Criação” e de “Mamilos em Chamas”. Ver que pelo menos já entreguei o mamilos, me deu um alívio danado!  É o problema da total e completa impossibilidade de se concentrar em apenas um projeto de cada vez, eu nunca consigo e já aceitei que nunca vou conseguir. Você vai fazendo um monte de coisas ao mesmo tempo e todas vão ganhando forma e se transformando em monstros inacabados que ficam gritando com você na madrugada, na hora do almoço, implorando pra ser finalizados, te chamando de mentiroso e preguiçoso. E mesmo com tudo isso, você vai lá e faz mais um. Acho que todos os filmes que fiz em curto período, foi tentando finalizar outro, quase sem querer, meio que ensaiando. E no meio de tudo isso, tem o povo que fez as coisas com você, que quer ver o filme pronto, quer gravar coisa nova, fica impaciente de esperar. Prá eles o filme terminou na filmagem, mas pra você o caminho ainda é absurdamente longo e não termina nem na primeira exibição pública, fora o fato de que passando por tudo isso, quando é hora de divulgar o filme, já me vejo com raiva dele. A segunda idéia é a quantidade de esnobes apresentando filmes péssimos como se fossem obras primas durante o Cine Esquema Novo, nada contra fazer filmes péssimos ou tratar a própria porcaria como uma obra prima, afinal temos que amar com todas as forças aquilo que fazemos, só assim é possível fazer. Mas na hora de conversar com as pessoas, sempre acho que é bom lembrar que você é só mais um tentando fazer seus filmes, e que fazer filmes é fácil, acho que é preciso sempre deixar isso claro: os filmes (e os festivais) tem que influenciar as pessoas a fazerem mais filmes e não a desistir. Tem filmes que te deixam prá baixo, sem vontade de criar nada,e  as vezes ver o diretor falando é pior ainda (espero que nossos filmes, estejam fazendo esse tipo de cineasta desistir). Quem os faz não é um gênio inatingível, alguém com muita boa vontade sim, mas não um deus inatingível. Me irrita muito ver gente tratando cinema como uma arte impossível, como algo produzido por gênios especiais (ou espaciais). E o que vi lá (e em qualquer festival é a mesma coisa)  foi isso,  muita pose pra uns filmes tão vagabundos quanto os nossos, quando não mais! Não há lugar mais fácil de encontrar gente que faz filmes sem amor do que em festivais, foi ali que entendi que o objetivo geral muitas vezes está longe de se fazer o que se gosta, tem muito mais a ver com a pose, com imitar o glamour dos cineastas preferidos dos cursos de cinema ou da almejada “vida/postura de artista”, mas fazer arte mesmo, e se incomodar fazendo isso por puro prazer, me pareceu que poucos querem. Só que ter tanta pose assim, tendo feito tão mínimo é meio estranho né? Na segunda, terceira crítica negativa o cara cai das nuvens e decide fazer outra coisa. Daí no Triunvirato quis falar um pouco desses caras ego centristas, me usando de cobaia. Se filmasse isso agora, bem provável que faria minhas falas em francês! No festival dava prá ver alguns cineastas se mordendo de vontade de recitar seus “poemas filmo-literários” em francês pro povo, se desligando totalmente da realidade. Com o Triunvirato, entendi que as pessoas na maioria dos casos levam as coisas de forma muito literal, com muita gente na época achando que meu comportamento normal era igual como é no filme. É tipo querer ver o Coffin Souza como maníaco nudista estuprador do “Vadias do Sexo Sangrento” na vida real, ou aquelas pessoas que acham que o comportamento desprezível de nossos vilões são nossas opiniões pessoais. Todas as entrevistas que respondi na época, também tinham o mesmo clima ego centrista do filme. Muita gente entende sarcasmo com facilidade, pra outras é totalmente impossível, acho que o excesso de televisão deve ajudar nisso. Quando fiz o filme também andava muito irritado, como eu já disse ali em cima, com o fato de ter perdido meu programa de rádio (Garganta Profunda) por censura de um grupo de universitários fascistas viciados em debate, que tinham o seguinte problema: completa falta de senso de humor pra conseguir entender a diferença entre sarcasmo e realidade.  Com isso, decidi nunca mais ser educado quando acho que não devo (em debates com universitários retardados, por exemplo) e dosar meu sarcasmo quando não conheço todo mundo que vai ler. É claro que nos filmes nem chego perto de me preocupar com isso, quem enxerga cinema independente (ou sei lá que nome dar pros filmes que fazemos) de forma distorcida, levando a sério tudo que se ouve e vê na tela, dificilmente vai assistir mais do que 5 filmes do tipo na vida.

Baiestorf: Adoro quando tu diz a frase “Não saber fazer as coisas não é empecilho para fazê-las!”. Continua achando isso?

Gurcius: Sim, são dois processos teoricamente diferentes (aprender e fazer) que funcionam melhor caminhando juntos. Você aprende fazendo, de outra forma não faz sentido. Quando digo isso, é importante dizer que “não saber fazer” não é sinônimo de relaxado, pelo contrário, é até mais difícil já que você vai ter criar tua forma de criar. Não é fazer as coisas de qualquer jeito, e sim parar de criar empecilhos imaginários prá botar as idéias em prática. Criar filmes, fazer música é sentimento puro, é tentativa e erro. Todo mundo tem muito medo de errar. Estudantes de cinema passam 5 anos pra fazer um curta, tentando fazer tudo da maneira mais perfeccionista possível, com um medo danado de fazer errado, e no geral, SEMPRE fica um lixo, com raras exceções. O medo de errar é tanto que acabam não fazendo nada. Então porque não ir fazendo sem saber muito bem o que está acontecendo e ir mostrando prás pessoas? Se deu errado, faz de novo, faz outro. A gente aprende mil vezes mais com os erros, com as coisas que dão errado. Com críticas, com prejuízos. Antes de fazer filmes, já tinha “músicos” que me censuravam por subir em um palco sem saber tocar, diziam que eu estava roubando o lugar dos “verdadeiros” músicos. Agora, desde quando alguém precisa de um diploma pra subir em um palco, pra clicar em uma câmera, pra expressar um sentimento? Os anos se passaram e ainda não sei tocar, mas mesmo assim já toquei nos maiores e mais importantes festivais undergrounds do país na última década. Tirei o lugar de músicos “verdadeiros”? Acho que não, meu peito está sempre aberto e meu amor é mais do que verdadeiro. Perco o medo de tudo, mesmo que só por meia hora.

Baiestorf: Como foi a recepção do público ao DVD do “Triunvirato”?

Gurcius: Foi a minha (nossa) primeira experiência com distribuição “profissional” no sentido, de produzir os dvd’s exatamente da maneira que gosto de ver, lotado de extras, capinha bonita frente e verso e  tudo que o dinheiro permitir. O que mais me animou foi quando através do Marcelo do Pexba, descobri que existiam impressoras caseiras que imprimiam direto na mídia do CD/DVD. Lançamos “O Triunvirato” (coletânea com os filmes e curtas) e “A Curtição do Avacalho” (nota de Baiestorf: Filme produzido e dirigido por mim em 2006, lançado em DVD em parceria com a Bulhorgia de Gurcius), que não venderam nada. Mas essa não era nem de longe a preocupação. O que queria era ver o surgimento de um mercado do filme independente, estabelecer um padrão mínimo de qualidade pros lançamentos. Nada de Dvd’s com duração de 20 minutos, quero ver materiais gordos, com 3 horas de duração! E claro que precisava também atualizar o formato, além dos meus filmes, sentia falta como fã, de ver os filmes da Canibal Filmes digitalizados, lançados em dvd com todas essas vantagens. E foi isso que te propus e estamos fazendo né? Esses filmes foram lançados em DVD em 2006. Hoje em dia vendem bem, impulsionados pelos outros lançamentos, que foi algo que já dava pra aprender observando os selos independentes de música e até mesmo as editoras de livro: se você se mantém lançado novidades, teu catálogo se vende por inteiro, se você para de lançar, todas as vendas travam. E eu particularmente, com existência de mercado ou não, gosto de dar um formato “físico” aos filmes, com capinha e etc. Depois falo mais sobre tudo isso.

Baiestorf: Na Seqüência você aparece nos documentários “Isopor Experimental Vindo do Espaço” de Gustavo Insekto e no “Fórum Babilônia” de Cristian Verardi, o que tu pode falar sobre estes filmes?

Gurcius: “Isopor Experimental Vindo do Espaço” – O copião desse filme está comigo, quando vi ele, reclamei com o Insekto que achei um pouco lento e a resposta dele foi: “pegue o copião e monte você, tenho total confiança”. Ainda não montei, mas mantenho minha promessa. O filme é filmado em hi-8, um formato bizarro de VHS, me falta uma câmera pra capturar, mas vou conseguir. É sobre o festival em São Leopoldo, e a primeira apresentação de Os Legais no Rio Grande do Sul. Acho que é primeira filmagem feita de mim carregando Isopor, já que eu nunca consegui filmar porque estava com as mãos cheias. Vou redescobrir esse filme remontando ele, e tenho filmagens feitas durante a mesma viagem, que devo acrescentar. Lembro que o que deixava ele lento eram as palestras, que acredito que dá fazer menor e diferente. E claro, lançar em Dvd, pra que seja visto por um monte de gente. “Fórum Babilônia” – Gosto muito desse, foi feito em um fim de semana não muito distante do filme do Insekto, uma semana de muito caos em Porto Alegre, daquelas que tudo dá errado, fiz um diário sobre ele, escrito logo após a confusão, que pode ser lido aqui: http://www.bulhorgia.com.br/fsm2005.htm , o texto é um pouco mais agressivo do que seria se eu escrevesse sobre ele hoje, foi feito na irritação do momento. (ou talvez seria MAIS agressivo). É quase um manifesto pró isopor e teimosia, e um desabafo contra organizadores irresponsáveis de eventos independentes que não organizam as coisas direito (me refiro ao nosso show, não ao Fórum Social), todo mundo que mantém uma banda um certo tempo passa por isso vez ou outra. O filme tem todo esse clima de ressaca que me faz voltar aos terríveis acontecimentos daquele momento, com facilidade eles conseguem mostrar como tem gente doida e perdida nesses eventos dedicados a resolver os problemas do mundo (incluindo eu, um peixe totalmente fora d’água, com meu isopor nas costas tentando tocar, nem que fosse por 1 minuto).

Baiestorf: “Dia de Ano” é um drama documental sobre a passagem de ano que tu filmou com amigos bêbados. Gosto do clima de avacalhação deste média-metragem. Como foi a concepção dele? Quanto material tu tinha filmado para chegar aos 28 minutos do filme editado e lançado?

Gurcius: Nos rituais de medicina indígena (peyote, ayahuasca) dizem que quando a pessoa vomita, ela bota pra fora tudo que tem de ruim dentro dela, as coisas que ela precisava resolver. “Dia de Ano” é isso. É tudo que existe de pior na essência de uma pessoa, vomitado na direção do público, da tela, da câmera. Incentivei o que pode haver de pior em uma pessoa, e filmei. É um pesadelo que parece ter muito mais do que 28 minutos. Os horários mostrados no filme são reais, o copião vai das 8 da noite as seis da manhã, filmei tudo!  Poderia fazer mais uns 4 filmes do mesmo material, nem precisei escolher muito, mas achei que isso já é suficiente. Estamos de penetra naquela casa, com alguns amigos em comum que foram desistindo da gente conforme as horas iam passando, chegamos ao ponto de quase apanhar várias vezes, com gente sendo segurada e tudo mais. A edição teve que ser bastante rigorosa, já que NINGUÉM topou aparecer no filme, na verdade ninguém que participou sequer assistiu, o único que topou aparecer foi o Nietzsche Star. O Woldemiro Waldenir não topou aparecer, mas assistiu o filme e permaneceu nosso amigo mesmo naquele fim de semana, na verdade ele passou mais dois dias conosco depois disso. Mesmo assim, vejo muito carinho na concepção desse filme, vejo como uma autêntica celebração da amizade, é o jogo da “amizade na corda bamba”, iuguru chorava aos prantos, em total desespero e emoção, morrendo de felicidade por agredir todo mundo com tanta rapidez e facilidade. Vejo muito amor nisso tudo. E no meio das agressões pessoais, ele fala de iemanjá, fala das festas populares, fala da Lua, Tim Maia, das superstições cósmicas, fala até de cinema americano e seus conglomerados engolindo nosso cinema. E claro, fala as coisas mais grosseiras que se pode dizer, as exibições dele são muito constrangedoras, já vi meninas saindo chorando. Montei tudo isso muito empolgado, tem partes que é só escuro, com a voz dele muito alta e estridente aos gritos misturada aos fogos da virada. Quando entra música e animações, dá um alivio mental danado, acho que até ajuda as pessoas a gostarem mais dos meus desenhos, qualquer coisa pra fugir da voz dele. Até os gritos furiosos da Diamanda Galás quando surgem no filme, trazem mais paz que a voz dele. Pra quem é vegetariano tem uns closes repugnantes em peixes, e em todas as exibições que fui dele, o pânico do publico é totalmente físico, povo se mexe muito, as risadas são muito nervosas, mesmo prá quem está se divertindo. Em pequena escala, “Dia de Ano” é meu “Wake in Fright”, dá pra passar mal se assistir de ressaca (eu passei mal montando) e já vi gente ficar muito ruim vendo ele, ao ponto de vomitar. Câmera tremida, som horrível e alto, só é pior pra quem estava lá.  Foi também meu primeiro experimento com animação, eu fiz uns desenhos no Flash, que fui aprendendo conforme ia fazendo. Os desenhos ficam se formando em alta velocidade, o Márcio Júnior do Mechanics viu o filme e se animou com um videoclipe feito só com meus desenhos, que virou o “Climax”, que fiz no ano seguinte. Na semana que terminei o filme, viajei pŕa Vitória no Espírito Santo, uma das primeiras pessoas que assistiu foi o Mozine (Laja recs) e mesmo anos depois, se ele me encontra por aí, a primeira coisa que ele diz, com muito pânico nos olhos, antes mesmo de me dar oi é: “aquele teu amigo do filme amarelo não está aqui, está???”.

Baiestorf: As filmagens do “Dia de Ano” foram tranqüilas? Alguém do elenco ficou puto com o que tu fez? Conte histórias dos bastidores:

Gurcius: Muito tranqüilas, passei o mês de janeiro inteiro reatando as amizades perdidas durante as filmagens. Tive que implorar por perdão pro JW Kielwagem, antes de sequer começar a montar. Iuguru levou meses pra ganhar perdão e tem gente que ele nunca recuperou, eu sempre tinha a desculpa de estar trabalhando no filme, com ele todo mundo botou fé que se não existisse câmera, ele teria feito as mesmas coisas, com certeza pior, intencional ou não, uma câmera ligada sempre impõe certos limites. Acho muitas vezes ele foi bem piedoso, ficou boa parte da noite trancado em um quarto, um animal em uma jaula armado de uma câmera e agredia e filmava quem entrava lá. A coisa fica mais perigosa quando a gente se misturava com gente desconhecida, na praia, nas fogueiras. Terminamos 7 da manhã, sozinhos, refletindo sobre a vida, vendo a ilha de um mirante, tentando imaginar se conseguiríamos recuperar nossos amigos, mas ao mesmo tempo se sentindo muito, mas muito vivos. Vou relançar ele em dvd, provavelmente na próxima coletânea de filmes meus, já que fiz mancada no áudio dele, quando coloquei nos extras de “Vadias do Sexo Sangrento”, o áudio ficou meio estourado, mais do que já era. Em maio do mesmo ano, repetimos a experiência trancados dentro de um carro por 22 horas, com mais 3 pessoas, em “Goiânia é um mau Agouro”.

Baiestorf: Nesta época tu fez uma ponta no curta “Coleção de Humanos Mortos” do Fernando Rick e, a partir deste filme, tu sempre aparece em participações especiais nos filmes dele (ele já falou que te considera um amuleto da sorte). Como é trabalhar com o Fernando Rick?

Gurcius: Vocês também são meu amuleto da sorte! Eu amo o Rick, eu amo você, amo os filmes e amo o mundo que estamos criando, cada um do seu jeito. Eu fico reclamando das escolas de cinema, mas eu também tenho meus diplomas né? Meu diploma Canibal Filmes, meu diploma Black Vomit, meu diploma Bulhorgia, meu diploma Topázio Filmes! Todo o papo que se fala do Rick, sobre ele evoluir a cada filme, eu vi acontecendo ao vivo. E reforçando a idéia de que sozinho a gente não é nada, a cada filme ele fica melhor amparado. Pra estar no “Coleção”, simplesmente me convidei, conheci ele nas filmagens e um filme foi grudando no outro. Feto Morto: Fiquei muito feliz quando vi “Feto Morto” e “Rubão” serem lançados, porque era alguém de uma região diferente da sua, tentando fazer filmes com a tua estética, só que em um cenário totalmente diferente. Também fiquei feliz porque o feto foi um lançamento caprichado pra época, um filme independente em DVD. Fiz o que sempre fazia com todo mundo que me interessava e escrevi prá ele, propondo trocar coisas dele por coisas minhas. Nessas cartas falei que quando ele fizesse um filme novo eu gostaria de participar, ele disse que sim e achei que só estava sendo educado. Quando o “Coleção” estava pra ser filmado, ele me avisou e eu fui. Falo do Feto Morto aqui, que nesse ano (2011) refiz o poster do filme e incluí no catálogo da Bulhorgia, me incluindo de certa forma no filme. Me irritava o fato do Rick não distribuir mais o filme, em parte por preguiça, em parte porque os interesses dele pros projetos seguintes foram mudando e ficando mais originais. Feto e Rubão são assumidamente homenagens sem muito acréscimo prá Troma e Canibal Filmes, mas por isso mesmo, e pelos filmes serem muito divertidos, precisam ser vistos, era sacanagem deixar eles engavetados. Coleção de Humanos Mortos (2005) – Conheci o Rick pessoalmente já durante a correria das filmagens, ele me pegou na porta do metrô. Lembro de eu descendo a escada rolante e ele, com a mesma cara que tem no “Feto Morto”, me esperando, com camisa preta e cerveja na mão. Nos dois dias seguintes levei um chá de taboa fria, deitado sem camisa e imóvel a gravação inteira. Foi também a primeira vez que fui maquiado pelo André Kapel, que fez um lindo corte de cabeça aberta e peito igualmente dilacerado. Esse ano, o Kapel me disse que em determinado momento ele puxou o Rick num canto e perguntou: “Quem diabos é esse cara??” E o Rick respondeu: “Bicho, não sei. É um doido lá do sul que pediu pra vir e sei lá porquê eu deixei”. Também percebi uma coisa muito importante, que o Rick estava aprendendo na prática: quando uma atriz/ator dá chilique, chingar e expulsar ele do set só vai atrasar teu filme, então o lance é respirar fundo e tratar a pessoa como se fosse criança, com toda paciência e carinho do mundo. Se esse processo levar duas horas, quatro horas, ainda vai ser mais vantagem do que ter que procurar outra pessoa. Vi ele sentado, consolando e sendo gentil com uma menina que deu chilique histérico, o Rick conseguiu controlar a situação com a delicadeza e gentileza de quem desarma uma bomba. Levou tempo, foi chato, mas ela voltou pro lugar dela. Apliquei o mesmo método várias vezes depois, e sempre dá certo. Tinha cerveja nas gravações, mas eu não podia beber, porque estava deitado, então às vezes ele me dava uns goles. Em determinado momento, um facão despencou, quase levando minha orelha fora e decepando a Edileiza Babinsky que ficava do meu lado. Também ficou muito marcado na minha cabeça o quanto ele dirigia mal. Estou falando de carros. Não sei se era mal motorista, mas dirigia como um psicopata, passando com tudo nas lombadas, atravessando a frente de todo mundo. Não sei se ele melhorou depois ou se foi eu que me acostumei com o trânsito de São Paulo. Covardia de Plantão (2006): Dessa vez foi ele que me convidou. Cheguei um dia antes das filmagens. Ele bebe muito, eu digo MUITO. E depois acorda cedo e vai trabalhar como se nada tivesse acontecido, lembro que nesse dia vomitei quando cheguei na casa dele, na privada, sem destruir nem sujar nada, ninguém nunca viu. No dia seguinte, antes das 9 da manhã já estávamos catando cabos e outros equipamentos pra gravação do clip e esperando alguém que ia trazer alguma coisa, tomamos mais uma cerveja. De novo, a jornada foi longa, e na hora de decidir quem ia abrir o estomago do herói do clip, prontamente me ofereci. Na hora de acertar a faca no ponto onde deveria jorrar sangue, em um boneco em close preparado pelo Kapel, eu NUNCA acertava. E o mais bizarro é que eu sempre acertava no mesmo ponto errado, chegando ao ponto do povo achar que eu estava errando de propósito, o kapel chegou a tentar direcionar meu braço com a mão dele e nunca dava certo. Queriam botar minha manga no braço de outra pessoa, pra ver se dava certo, mas minha manga era muito apertada e  sou muito magro, mais que qualquer um que estava lá. Nem lembro como resolvemos isso, acho que acertei, enfim. Meu figurino era no estilo “punk michê”, a calça que eu usava eu catei na minha própria loja, usei no clip e depois voltou pra loja sendo vendida logo em seguida, a pulseira de espinhos (que também era da loja) nunca consegui vender. Agora não lembro se foi nessa filmagem ou no Coleção, que pisei em umas bolsas pré-preparadas de sangue do Kapel, o que deixou ele muito triste. Toda a parte que não tem o Ratos tocando foi feita nessa noite, em um beco, usando a energia de uma casa da vizinhança. Guidable (2009): Nunca toquei no Ratos, mas vi uma parte das entrevistas e da decupagem do filme. Também  li a pauta das entrevistas e lembro de comentar com o Rick: “Quanta pergunta de droga”! e ele disse: “é um filme sobre drogas”. Depois participei do lançamento Vip do filme, que foi quando conversamos sobre o “Gurcius Gewdner Show” e filmamos minha participação no “Sangue Marginal”. Nessa época, emendei quatro viagens uma na outra, ganhando passagens dos lados mais diversos, incluindo um patrocínio do Banco do Brasil na Mostra do Filme Livre, que recebi porque o Ivan Cardoso só aceitou participar do debate da Canibal Filmes se eu ganhasse as passagens. Ganhei as passagens e ele NÃO FOI! Prá sair do Rio rumo a SP pro lançamento do Guidable, calculei mal minha grana e fiquei sem nada, o que me obrigou a convencer o Roberto Hollanda a comprar produtos meus a força, prá eu conseguir sair do Rio, fiz ele sair de casa doente, até a rodoviária e levar umas camisetas pra casa. Ainda sobre o filme do Ratos: na época dessa viagem eu estava regular na faculdade, e fiquei mais de 45 dias na estrada, prá justificar minhas faltas pedi pra Paulinha Belchior (nota de Baiestorf: Produtora da Black Vomit Filmes) me fazer um documento (a MFL também me preparou um) e recebi um papel atestando que tenho uma função técnica no Guidable, assistente de qualquer coisa, não lembro agora, mas foi pro meu currículo. Ivan (2011) – Tenho papel duplo neste, duas pequenas pontas, uma delas dando as porradas no Seccato como já falei. Na hora de fazer a maquiagem, a menina queria tirar minha sobrancelha, não deixei, então ela AUMENTOU minha sobrancelha! Fiquei mais peludo que o Monteiro Lobato. Junto com o GG Show, foi a filmagem mais maravilhosa de todas. Minha participação é pequena, então pude aproveitar a situação como telespectador a maior parte do tempo, vendo o povo trabalhar e conhecendo melhor as pessoas. Nesse período, ao mesmo tempo, o Caselli estava viajando pelo país, gravando as entrevistas pro Isopor Esperança, e encontrei ele em Goiânia durante a Trash em abril, depois ele desceu pra Florianópolis, Curitiba e Joinville e em maio encontro ele de novo nas filmagens do Rick e durante a semana filmando comigo e com o Marcius (que mora em São Paulo). Por uma série vasta de motivos, voltei pra casa me sentindo bem mais vivo do que quando embarquei pra lá.

Baiestorf: Paralelo ao seu trabalho de ator nos filmes do Fernando Rick, também de 2005 em diante, tu começou a editar meus filmes. Nosso primeiro filme conjunto foi o média “Palhaço Triste” que pouca gente gosta. Como rolou isso?

Gurcius: Nunca deixei outra pessoa montar meus filmes, acho umas das partes mais pessoais do processo todo, me sinto como se fosse seu ginecologista ou algo do tipo. Talvez por ser um momento tão delicado, tudo que faço na montagem é tentar acrescentar, nunca discordar ou mudar os rumos do filme. Tenho pavor quando alguém tenta fazer isso em um filme meu. Um dia, quero montar meus filmes com outra pessoa, mas ainda não achei alguém que eu confie pra isso. Se faço movimento muito bruscos durante a edição, geralmente você se contorce, o que entendo totalmente. Prá mim, montagem tem que ser feita frame a frame na frente do diretor, não entendo esses caras que deixam o filme com outra pessoa e vão dormir. Tu quer uma entrevista longa, vou te sacanear então e vou falar e cada filme que montei pra você: Palhaço Triste (2005) – Quando vi que a mamata de montar filmes no laboratório da faculdade não ia durar, consegui juntar uma graninha e comprei uma placa de captura de vhs em 2004. Já estavam ficando acessíveis as câmeras e placas digitais mas tinha que ter captura de vhs, porque até agora tenho muita coisa feita em vhs pra usar ainda. Comecei a montar filmes meus (Triunvirato, Dia de Ano) e te fiz a proposta, me oferecendo pra montar os filmes porque sou fã deles. Era bem numa época que vocês estavam sem equipe nenhuma, filmando bastante até, mas muito desanimados, fazendo uns curtas por fazer em duas, três pessoas. (Era a situação quando o Caselli gravou o documentário). Aproveitando que o governo te pagou as passagens pra dar uma palestra sobre filmes sem dinheiro do governo (???), você trouxe as filmagens do Palhaço. Se fosse uma entrevista de emprego, seria uma entrevista e tanto, já que nem você sabia o que fazer com aquilo. Enquanto capturávamos e tentávamos ver solução pras imagens, fui te mostrando músicas da minha coleção de discos. As músicas escolhidas foram ajudando a dar forma pro filme, ao menos tínhamos músicas boas pra jogar por cima. Músicas da Carmem Silva, Freddy Breck, Cochabambas, Uakti, e muito mais. Meio sem querer, encontrei o efeito de imagem que floreia o filme e fomos montando seguindo o vento das músicas. É um efeito muito porco, coisa da categoria que se usa em vídeo de formatura (na verdade, nem em vídeo de formatura), e por isso mesmo muito pouco usado em filmes, ou seja, ótimo. Ontem mesmo, assisti “O Anticristo” do Lars Von Trier e vi que ele usa esse efeito, de forma bem sutil na textura da floresta. No meio da montagem, tivemos que interromper prá visitar um imóvel (eu estava querendo me mudar) e pra você dar a palestra, já tínhamos feito várias palestras juntos e eu tinha filmado mais de três. Você sem ânimo, me aconselhou a nem levar a câmera. Chegando lá, era você representando cinema sem dinheiro do governo e o Mario Bortolotto representando o teatro. Antes de vocês entrarem , tivemos que agüentar a palestra mais criminosa que já vi na minha vida, com um ADVOGADO e cineasta falando dos filmes que ele fazia com milhões do governo. Você entrou no palco bufando, com o Bortolotto logo entrando no teu clima e vocês deram um show! Era uma vídeo conferência pro estado todo, o auditório inteiro de Rio do Sul (ou Rio do Oeste, sei lá) abandonou a sala. Foi maravilhoso, vendo a coisa ficar preta, o advogado saiu de fininho e não tinha nenhum conhecido na platéia, só gente doida de pedra e gente de terno. Isso lavou a alma e terminamos a montagem tranqüilos! Meu primeiro papo com o Reichenbach foi por causa do “Palhaço Triste”, ele queria saber quem era aquele sensacional cantor alemão (o Freddy Breck) do filme do meu amigo de Palmitos. Também foi nessa época que me ofereci pra digitalizar toda tua produção em VHS e relançarmos em conjunto todos teus filmes em DVD. A Curtição do Avacalho(2006): Esse é uma das montagens que mais gosto. Gore anarquista totalmente alinear e cheio de reviravoltas incríveis (ao menos pra mim, o resto do mundo quase morre de raiva com esse filme). Eu ainda não tinha intimidade prá te avisar quando não agüento mais de cansaço e montei boa parte do filme dormindo. Só escutava “corta”, “vai” “corta” “vai” e ia fazendo sem ver nem entender nada direito, dormindo sentado. Você por sua vez, também não dizia quando estava cansado e algumas vezes fizemos a façanha de montar o filme com OS DOIS dormindo!!! Tanto que na cena da Kika derretendo, que ficou enorme, conseguimos repetir várias vezes a mesma cena sem nem notar, o que ficou na montagem final, já que só vimos (porque o Nietszche Star percebeu) quando o filme já estava pronto. Aumentamos em dobro o solo de bateria, porque as imagens não acabavam mais, mas não notamos que estávamos repetindo a mesma cena. Foi também o primeiro filme da Canibal que resolvemos distribuir em dvd, no projeto ainda em andamento de revitalizar todos os filmes da Canibal, ao mesmo tempo que eu lançava o dvd do Triunvirato, com meus curtas. Fizemos a brincadeira de esconder o filme dentro do menu do DVD, que NINGUÉM  achou engraçado além da gente. O Monstro Legume do Espaço 2 (2006) – Ainda no mesmo ano fizemos esse, que ninguém gosta,tanto que enterrou a possibilidade de fazermos a parte 3, mas eu gosto. Tem coisas que me lembram Ozualdo Candeias e o Elio Copini está muito bem. E tem uma música do Erik Satie muito bem utilizada, além da seqüência que o veterinário mostra o filme dele pro Monstro, que acho hilária. Na época gravamos com os Legais uma música pro filme, de uma sessão de estúdio enorme que fizemos em Joinville, que acho um lixo, a única música que saiu daquela sessão foi essa e só está no filme. Enfiei o resto numa gaveta e lá permanece. Não lembro mais muita coisa da montagem, acho que estava tão envolvido no caos da vida naquele momento que uma das poucas lembranças que tenho é de um banho de sol muito agradável que tomei enquanto aguardava pelo computador, que estragou no meio da edição. (Nota de Baiestorf: Não lembro nem um décimo dessas histórias que Gurcius tá contando aqui, mas tenho problemas de relembrar o passado porque estou sempre só pensando em como arranjar dinheiro pros projetos futuros, isso ainda vai me dar uma úlcera, mas, enfim…). O Nobre Deputado Sanguessuga (2007)  – Fui pro Paraguay de penetra em um ônibus de estudantes de geografia, com a desculpa que poderia filmar a viagem deles pra um vídeo de estudos, e prá poder passear. Fiquei por lá e voltei por Palmitos. Foi muito divertido, apesar de sabermos que o filme não ia servir pra nada. Gravei com um roupão rosa da tua mãe, e faço uma dança de uma perna só muito boa durante o filme todo. Estou com uma mega barba e na época estava me mudando de casa de novo. Lembro que comemos tanto churrasco, que voltei decidido a nunca mais comer carne, continuei comendo, mas em ritmo cada vez menor. Você veio junto com mais dois filmes na manga. É dos meus filmes preferidos e das poucas vezes que discordamos durante a montagem, eu não queria colocar Carmem Miranda na trilha sonora. Deixamos pro Fernando Rick decidir, que apareceu em Florianópolis, junto com o Ulisses do Putrescine com a idéia fixa na cabeça de que eu vivia na “ilha mundial da putaria”. Era INVERNO e tudo que ele viu foi a gente montando 3 curtas e eu quase sendo devorado vivo por um exército de taxistas que queriam me matar, no dia que decidi levar o Rick em uma festa jovem, o Blues Velvet, e na mesma noite eu e baiestorf fomos prá casa e os dois foram pra outro lugar, voltaram brigando entre si pelos motivos mais absurdos e tentaram derrubar minha porta, causando pânico nos vizinhos. Eu tinha acabado de me mudar e a casa estava meio desmontada, eu tinha UM prato e UM  par de talheres. Meu monitor estava com problema e montamos os três filmes com uma mensagem colorida tampando meia tela. Esse filme ainda tem um experimento bacana, que é o stop motion. Eu montei transformando fotos em filme de um jeito meio improvisado na hora, descobrindo como se fazia durante a montagem. Manifesto Canibal (2007) – Esse montamos cortando tudo sem ver e misturando todas as imagens também sem ver, jogando a narração por cima. A captura demorou, mas a edição levou poucos minutos. Nessa hora o Fernando Rick já tinha percebido a roubada que tinha embarcado descendo prá Florianópolis no inverno e andando com a gente, e andava em círculos pela casa gritando enquanto o Ulisses resmungava sentado em um canto. Creditamos o Rick no filme, não sei se ele incluí isso no currículo dele, mas o nome dele está lá. Que Buceta do Caralho, Pobre só se Fode!!!  (2007) – Esse tributo ao George Kuchar é o mais valioso dos 3 e acho que montamos antes do Rick chegar. Tem narrações involuntárias do Ivan Cardoso que colhemos de umas filmagens que fizemos em Goiânia dele falando asneiras um ano antes, descrevendo uma cena de coito dentro de um cinema. Ficamos brincando de misturar duas ou mais canções ao mesmo tempo (já tínhamos feito isso no Legume 2, mas quase ninguém reparou porque não viu o filme até o final), canções de musica popular e fizemos a mesma coisa com a imagem. É uma das minhas montagens preferidas, acho tudo ótimo. Arrombada (2007) – Mais um que participei das filmagens, e até então, parecia que eu só estava ajudando a enterrar ainda mais o prestígio popular da Canibal, já que só estávamos fazendo esses filmes experimentais e alineares. Eis que esse filme de estupros e vingança surge pra alegrar o público novamente, que já estava achando que você tinha ficado senil, comigo colaborando pra cagar tudo de vez, em um hospício de loucos gritando sozinhos. Com esse filme, passamos a ser exibidos em tudo que é lugar, viajar pra tudo que é lugar e o DVD vendeu e vende aos montes. Conheci a Ljana em 2006, que ficou sabendo dos teus filmes através de mim e ficou sua amiga no ano seguinte. Essa parceria rende até hoje, com mais dois filmes com você, um ensaio da X-plastic, um disco triplo e um filme comigo, mais uma longa entrevista que gravei com ela mês passado. Esse filme tinha toda uma euforia durante as gravações, não se fazia um filme de mulher nua na Canibal desde 1998 (Nota de Baiestorf: Desde 2004 Gurcius, “Quadrantes” do Coffin Souza, tinha mulheres peladas, não teve foi distribuição), então o clima era de alegria completa. Ela ia viajar comigo, mas estava em outra cidade (???) e se atrasou. Embarquei sozinho em Palmitos, pra desespero da equipe. Chegamos a planejar o filme sem ela, o que percebi que ia sobrar pra mim ou pro Vinnie Bressan. Horas depois ela chegou, deixando todos tranqüilos.  Lembro que senti muito terror em uma cena que estava deitado no chão com a Ljana manipulando um machado de verdade por cima de mim, achando que ela ia tropeçar e me arrancar uma perna fora. Também lembro da gente gravando um diálogo de manhã, uma cena que estamos em uma mesa ao ar livre: eu, PC e Coffin Souza. Eu olhava fundo nos olhos do PC durante a fala dele e a gente estourava de rir ao ponto de chorar e ficar sem ar. O Souza, muito profissional que é, tentava se manter sério. Levamos horas tentando gravar isso, quando a gente conseguia, era você que estourava de rir. Era muito frio, tem uma foto ótima de mim ao lado da Ljana morrendo de frio na madrugada. Na cena de estupro com platéia, usei uma seringa com creme de pele pra simular esperma, nessa cena eu me masturbo assistindo o estupro. Estou me apalpando por dentro da roupa de médico ao mesmo que acaricio um coração de pelúcia, que não lembro de onde veio, mas ficou lindo. Minha missão era se masturbar até gozar, mirando no grupo, enquanto a moça é barbaramente estuprada pelo padre e o juiz ao mesmo tempo. Decidi incrementar a cena um pouco mais, fazendo o esperma jorrar em minha própria boca, em uma cena que arrancou aplausos de vocês e está linda no filme. O gosto do creme de pele era abominável, fiquei achando que tinha sido envenenado. O momento tenso da filmagem foi quando um dos atores encostou sem querer com as bolas nas bolas do outro, interrompendo a filmagem. Foi uma diversão a parte ver você explicando prá eles que ninguém ia morrer se encostando de vez em quando, você colocando o braço no braço deles e dizendo: “olha só, pele na pele, é normal”. Na edição fizemos testes de tela dividida, brincando de Brian de Palma e depois pude me divertir a vontade, fazendo todo tipo de teste de cor e texturas na imagem pra versão que saiu no DVD. Nessa época eu fazia aulas de montagem cinematográfica, com um diretor famoso aqui no estado, que faz filmes com dinheiro do governo. A aula, como boa parte destas disciplinas babacas de faculdade, era mais teórica do que prática, era totalmente teórica na verdade. Ao mesmo tempo eu estava montando o Mamilos e mais um monte de filmes, o que me fez faltar muito. Reprovei por faltas na aula de montagem cinematográfica, por montar filmes demais. Você foi exibir o filme em Toledo/Paraná no dia seguinte do termino da edição, e durante tua viagem fiz um vídeo pro Colorir (uma música do disco INFANTIL deles) usando desenhos meus, uns takes estendidos e filmagens não usadas do Arrombada. Na tua volta, fizemos um vídeo de animação minhas com imagens do filme, prá banda do Vinnie Bressane e o trailer do filme, que é muito divertido, é como se fosse outro filme. Quando você foi embora, ainda fiz (leia-se montei) o “Um Arrombado na Estrada” usando as filmagens que você fez em Toledo. Ao mesmo tempo que estava mergulhado na pós produção/ montagem de Arrombada e tudo isso que já falei, já estava mergulhado também na produção do dvd quádruplo do Mamilos, montando “Mamilos”, “Banho gostoso”, “Delícias do Serrado”, “Me Boline, me boline”, e ainda por cima já emendamos na re-montagem do Blerghhh, mais um monte de coisa que mal tenho controle de tudo que é. E no meio de tudo isso, por incrível que parece a gente ainda tem vida pessoal e outros afazeres como trabalhar e cuidar da vida. Vadias do Sexo Sangrento (2008) – Enquanto eu estava mergulhado nesse turbilhão todo, você ao mesmo tempo planejou e filmou esse, de novo com a Ljana, que está estupendamente sensacional e melhorou em 300% como atriz e com a Lane ABC. As duas estão brilhantemente poderosas. Fui convidado pra fazer o papel do PC, mas recusei. O PC está maravilhoso no filme e fico penando se eu teria sido convidado pra fazer o Ninguém se tivesse topado esse aqui, talvez não, então acho que fiz a escolha certa. Mesmo assim, apareço em uma pontinha no filme, com uma Mini Mulamba de dois meses no meu colo. Esse filme tem minha cena preferida de montagem de todos os tempos que é a striptease em dupla da Ljana e Lane, que é um exercício  de montagem totalmente maravilhoso, coisa do nível do Russ Meyer. A montagem toda é muito complexa e linda, e foi quando comecei a ficar paranóico pra salvar projetos com nome novo a cada duas horas. Essa entrevista mesmo, já salvei 4 vezes com nome diferente. Já que perdemos toda a seqüência da Lane quebrando as tv’s, culpa de um pane inexplicável e tivemos que fazer tudo de novo. Esse filme foi muito exibido, apesar do excesso de nudez e closes de genitálias, e atribuo isso ao fato de ser uma obra extremamente libertadora, que ao lado do “Ninguém deve Morrer” é o trabalho mais revolucionário (prás minhas visões de cinema) que fizemos juntos até o momento. O DVD dele também tem muita coisa, é duplo, gravei umas entrevistas em SP com o André Honey (que foi o primeiro a exibir o filme), com a Lane, mas é quase como um depósito de copião, já que não tem um documentário sobre a produção, apenas um grande arquivão das filmagens. Blerghhh!!! (1996 /2008)– Antes de montar o “Vadias”, remontamos esse, diminuindo a duração dele ao mesmo tempo em que aumentamos as situações. Achei ótimo poder mexer em um filme feito muitos anos antes de eu começar a trabalhar com vocês e deixar ele totalmente atualizado e insano através da montagem. Diminuímos o filme, mas ele tem cenas a mais! Esse filme acima de tudo tem um detalhe pessoal muito importante pra mim. Ele marca o nascimento da criaturinha mais importante e amada da minha vida: a Mini Mulamba. Fomos buscar algo pra comer no centro, (já que meu bairro não tinha nada, o José Mendes, local da saudosa Padaria Golfinho, a padaria que nem pão tinha) e um gato nos seguiu. Você deu uns pedaços de pão pra ela e lá ela ficou. Era a Mulamba, armada de um golpe: GRÁVIDA, teve os filhotes embaixo de minhas cobertas, do lado dos meus joelhos, entre os filhotes estava a Mini Mulamba. Prá comemorar, filmei o crescimento deles e transformei em “Eu Sou um Pequeno Panda”. Sempre tive animais de estimação, mas o aparecimento e presença da Mini Mulamba marca os períodos mais intensos da minha vida, e tudo fiz com ela por perto ou sentindo saudade dela. Enquanto escrevo, ela come ração ao meu lado. Ela me fez entender a importância do amor da forma mais intensa possível e enche meu coração da mais pura emoção. Encarnación del Tinhoso (2009) – Um dos meus curtas preferidos, montamos durante o carnaval. Não lembro de nenhum detalhe especial, além do fato de roubarmos músicas de filmes indianos e de montarmos o filme todo passando mal de tanto rir. Cerveja Atômica (2003 / 2009) – Terminamos de montar o “Encarnación”, começamos a montar e a coisa toda parecia sem sentido. Eis que o Zimmer me convida pra tocar com Os Ambervisions no Psycho Carnival e durante a viagem, graças a variada coleção de discos do Zimmer, encontramos todas as soluções necessárias pra refazer esse filme com outra trilha sonora, e cortando uns pedaços. É um outro caminho, diferente da montagem do Blerghhh!!!, nesse aqui, vale a pena assistir as duas montagens: a trilha sonora da versão 2003 é toda com Impetigo e Lymphatic Phlegm, e tem uma participação maior minha como ator. Na versão 2009, ele vai mais direto ao assunto na montagem, a trilha sonora é essencialmente pop, com música popular brasileira (essencialmente cantores populares e bregas, a exemplo do que foi feito depois no Ninguém deve Morrer). O Doce Avanço da Faca (2010) – Essa montagem foi meio conturbada né? Lembro que só ficamos satisfeitos de verdade na exibição, durante a montagem era só reclamação, você irritado com o copião curto, sem muitas opções, eu ainda empolgado com o “Ninguém Deve Morrer” e achando esse meio fraco. Fora a minha casa, que tava uma confusão, durante essa semana. Mas mesmo assim, é maravilhoso notar que temos amigos acima de 30 anos que se vestem de Klun Klux Klan prá brincar de fazer filme no mato com cactus falso, se fingem de evangélicos, correm, se sujam, fazem golpes de ninja, se vestem de cangaceiros, tudo pela diversão que é fazer filmes! E claro, a Gisele é o colírio do filme, e ela por si só já vale o esforço todo. Projeto Páscoa Sarnenta, com os filmes Filme Politico Numero 1 & Pampa Migo (2011) – Fiquei devendo um relatório que nunca entreguei sobre esse episódio. Que segue agora: “ Quantas vezes na minha vida, posso ser irresponsável? De quantas maneiras diferentes? E quantas vezes ainda vou agradecer por ser irresponsável? Nas primeiras semanas de abril eu estava vivendo alguns dos melhores dias da minha vida e separando dinheiro pra mudar de Florianópolis pro Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo meus amigos de Palmitos, unidos ao Felipe Guerra, resolveram fazer 4 filmes em 4 dias, com o Felipe fazendo outro filme registrando o fracasso da proposta toda. Como eu poderia ficar longe dessa festa toda? Peguei parte do dinheiro guardado e segui prá  Palmitos, ignorando até mesmo meus impulsos mais íntimos de amor, que me diziam pra passar o fim de semana em Florianópolis. Entre as promessas, eu faria um alienígena com efeitos enviados pelo Rodrigo Aragão, e quem faria a câmera seria o Daniel Yencken, que tinha acabado de fazer  a primorosa fotografia e câmera de Viatti Arrabbiatti. Com o coração batendo forte, atravesso o estado de ônibus e perco o primeiro dia de filmagem, sendo recebido por um sorridente Jorge Timm, que logo me revela que quase nada havia sido filmado no dia anterior, por ocasião de um porre do Daniel, que esperando os cineastas chegarem de SP, se entregou a bebida, e por conseqüência ao gramado do famoso Rancho Baiestorf. A expectativa pro dia que se iniciava não era das melhores, com uma tempestade monumental se iniciando e impedindo qualquer possibilidade de filmagem externa. Eu, que estava preocupado com o fato de ter dormido pouco nos últimos dias, logo descobri que todo mundo estava com a cabeça pior ou igual. Com a chuva estragando todas as possibilidades de se fazer o filme usando os monstros criados pelo Rodrigo, passamos parte do dia sem fazer nada, tentando bolar um filme novo pra ser filmado dentro de casa. Sem muita inspiração e ânimo por parte de todos, o único resultado foi que passei o dia todo vestido de galinha, tentando aprender trejeitos femininos, prá filmarmos um drama conjugal que não fizemos (nesse meio tempo, Daniel Yencken saiu pra fazer cooper na chuva). Logo em seguida, fomos todos ao porão, prá fazer o “Filme Politico Número um”, que pelo que entendi, vou montar a distância, já que é coisa simples. A chuva para e seguimos noite adentro gravando o filme iniciado na noite anterior: “Pampa’migo”. O Ivan Cardoso, querendo pegar no meu pé, uma vez disse: “Porra Grucius, você quer ser cineasta, desenhar,  estudar história, gravar música, montar filme, dar palestra, namorar a sério, aparecer de ator, ser dono de loja, restaurar os vhs do baiestorf, restaurar minhas fotos, vender camiseta, afinal, o que você quer da vida???” e eu disse: “ Quero tudo isso e muito mais!!!”  E tudo ao mesmo tempo, enquanto a vida me permitir. Quero exercer todas as funções possíveis no cinema brasileiro, e nessa filmagem, pude exercer funções inéditas pra mim: continuista, moço do cafézinho, e uma das funções mais divertidas de todas: “suporte de mesa em cena de sexo”, que consistia em ficar embaixo de uma mesa, que apoiava a Gisele Ferran nua e o Coffin Souza, em uma cena de sexo simulado. Minha função era impedir da mesa cair ou desabar em pedaços, estragando a mesa e a cena. Consegui vencer a lei da gravidade, e seguimos gravando ate ninguém agüentar mais. O filme não foi feito até o fim, e foi divertido observar o D. Yencken tentando fazer os zooms de faroeste spaggheti com a câmera HD, uma missão impossível, o que ele tentou o tempo todo explicar a um teimoso e irredutível Baiestorf. Me lembrei das filmagens do Viatti quando eu também queria a todo custo, levando o Daniel a loucura, testar coisas improváveis com a câmera e com a luz, tipo iluminar igual ao Mario Bava, usando umas 2, 3 lâmpadas de 40 wats coloridas. No fim, o que vale é a tentativa e o resultado fracassado, que nunca é real fracasso e sim uma tentativa criativa mutante que termina resultando em uma coisa nova. Dos quatro filmes, ficaram dois filmes, talvez um e meio. Mesmo assim, voltei feliz pra casa e pros braços dos melhores dias de minha vida (e que ainda permaneço totalmente dentro e cada dia com mais força e amor), sentindo que uso minha falta de responsabilidade da melhor maneira possível, gastando meu dinheiro e meu tempo, das maneiras que jamais sonhei.” 11/11/2011. Além destes, sei que montamos uma série de videoclipes de bandas de grind, desses com imagens ao vivo, uma porção de making offs (tipo as sobras da produção do filme “Andy”) e além ainda digitalizei e legendei pro inglês uma série de filmes antigos seus, mas acho que o principal a ser comentado são esses que falei acima, vamos em frente.

Coffin Souza no ainda inédito "Pampa'Migo".

Baiestorf: A partir de 2006 tu começou a editar/dirigir vídeo-clips para bandas, como é este trabalho? Tu aceita encomendas de bandas?

Gurcius: Os vídeos que fiz, foram pra bandas de amigos e se tornaram projetos pessoais. As bandas de desconhecidos que me escreveram, pedi uma grana, já que por mais que se faça com rapidez, se vou fazer um filme pra alguém, estou deixando de fazer projetos pessoais meus e pra isso, quero o que todo mundo quer: dinheiro. O valor que eu pedia era baixo, mas suficiente pra espantar, me deixando com tempo pro que realmente me interessava. Destaco 3 videos que fiz: Climax – É uma animação tendo como base os desenhos do mestre Fábio Zimbres pro encarte/livro do disco do Mechanics. O Marcio Jr. gostou das minhas animações em “Dia de Ano” e em 2005 mesmo, comecei a desenhar. Meu plano inicial era filmar o Daniel Villa Verde se masturbando (o que eu filmei) com o gibi do Zimbres, até que entrava dentro do quadrinho, em uma clara homenagem ao “Take on Me” do Aha. Acabei fazendo o filme apenas com animação e deixei as filmagens do Villa pra um suposto “making off”. No “Dia de Ano” aprendi a usar o flash, e nesse clipe aqui, me aprimorei mais um pouco. Vou fazendo o desenho ir se formando na tela, e depois rabisco tudo. Coloquei o vídeo em mais de 50 festivais. E às vezes quando tenho a chance, minto a data de feitura dele e continuo exibindo ele em alguns festivais. Amigo Imaginário: Vídeo prá dupla experimental Colorir, fiz com imagens roubadas do teu filme “Arrombada”. É um show de zooms, e agora tem um tom meio macabro, depois que teu pai faleceu, já que os zooms ficam indo e voltando pra ele (Nota de Baiestorf: Quando eu tava filmando o “Arrombada” meu pai, Claudio Baiestorf, fazia o papel do caseiro do sítio do Juiz eleito senador duas vezes pelo voto popular, mas no meio das filmagens tirei a personagem dele fora e como não tinha tempo prá refilmar essas cenas deixei ele aparecer como um “fantasma” no “Arrombada”. Meu pai faleceu em 2009, logo após termos finalizado as filmagens do “Ninguém Deve Morrer” que se tornou o último trabalho dele em cinema). A música é feita com um brinquedo de plástico desses que se aperta, e é prá ser um disco infantil, fiz sem ninguém pedir porque acho o disco maravilhoso. Mesma coisa pro vídeo que fiz pro Stereolab, que você pode ver dentro do “Mamilos em Chamas”. Dark Angel: Esse é prá banda do Vinnie Bressan, herói do Arrombada. Fiz UM DESENHO, escaniei e fiz uma picaretagem no próprio programa de edição que dá movimento ao desenho. Deve ser uma das coisas mais vagabundas que já fiz na vida, mas veja só, é muito semelhante às técnicas usadas no South Park e no filme que o Jan Svankmajer fez em 2010. Borboleta Azul: Esse não cheguei a fazer, apenas escrevi e preparei os bonecos. Seria pro Mukeka de Rato, é uma música do disco “Carne”. Na época, o Mozine me disse que estava com uma grana liberada pela Deck Disc pra produção de videoclips, e perguntou se eu não queria preparar alguma coisa. O pagamento era bom, mas até eu mandar a proposta do vídeo, ele sabiamente já havia utilizado a grana pra viajar com a banda pro Japão. Eu teria feito de graça, já que sou fã das bandas dele, mas na época eu já estava mergulhado na edição final do Mamilos, desenhando o “Tudo Começou…” e acabei deixando de lado. Seria todo filmado em Stop Motion, usando bonecos de pano (alguns deles você vai poder ver no Viatti), e é um pequeno curta envolvendo delírios na mente de um prisioneiro que acompanha a jornada desses pequenos animais deformados, que por todo lugar que passam transformam chão, árvores e outros animais em monstros feitos de jornal e lixo. Tô devendo um vídeo grátis pro Mozine, um pouco menos trabalhoso que esse talvez. Não descarto fazer esse filme no futuro, mantendo o nome da musica do Mukeka.

Baiestorf: “Tudo Começou quando Mamãe Conheceu Papai”, uma animação de 2007 que é um pedaço do longa “Mamilos em Chamas”, é hilária!!! Como foi essa idéia de lançar essa animação no formato de um curta?

Gurcius: Todos os desenhos feitos por mim nesse curta, fiz no balcão da minha loja, em 2007, me aproveitando do tempo morto, quando não tinha nenhum cliente. Ao mesmo tempo, fiz uns desenhos e colagens com jornal prá um vídeo de “Somos a Obra Prima”, uma das minhas musicas preferidas d’Os Legais, e que infelizmente ainda não montei. “Tudo Começou…” é um filme montagem totalmente feito em scanner, com cada desenho em folha A4, eu consegui fazer virar 20 no filme, destacando pequenos detalhes de um mesmo desenho. É muito trabalhoso, mas mesmo assim muito prazeiroso e um dos modos mais fáceis de se fazer animação. O áudio é do Mamilos, e desde quando escrevemos, meu plano era fazer em formato animação, só não sabia como seria. Na hora de fazer, fiz a transcrição do áudio, imprimi e transformava cada frase em desenho. Dei algumas frases prá amigos, que me devolveram com desenhos (Zé Colmeia, Rogorowsky, Dinngo, Marcius, todos colaboraram com algo). Sempre adorei esses cineastas que transformam pedaços de projetos maiores, em pequenos projetos satélites. Usando copião, trechos não usados, cenas aumentadas, remontando as mesmas imagens com músicas diferentes, remontando com sentidos diferentes e etc, prá criar filmes novos. É como se os filmes fossem constelações de estrelas ou planetas, com filmes menores voando em volta do projeto maior. O copião é vivo e tem vida criativa eterna. Isso abre o mundo pra tantas possibilidades, e dá o sentido mais poético possível prá reutilização de imagens de filmes dos outros também. Ao mesmo tempo, sou contra gastar muito tempo montando o mesmo filme, é como uma escultura, que se trabalha tempo demais em cima dela, tua busca por perfeição, resulta em desabamento. O Derek Jarman, Mojica, Ivan Cardoso, George Kuchar, você (com teu curta “2000 anos pra isso”, retirado do “Eles Comem sua Carne”), todos fazem isso: repensar e recriar as próprias imagens, dando sentidos novos, sentidos em aberto. No início eu achava essa iniciativa muito hilária e picareta, mas a cada ano que passa vejo isso como poesia pura, me deixa mais livre pra montar os filmes e ao mesmo tempo dar um grau de importância prá cada pedacinho rejeitado de copião, tudo pode virar algo novo. O Viatti mesmo, já tem no mínimo uma dúzia de “filmes-constelação” que vão nascer dele ou a partir das sobras dele. No caso do “Tudo Começou…”, fiz ele mais de 4 anos depois de filmar o Mamilos, então ele acaba sendo diferente de como seria se tivesse feito/desenhado em 2003. Aqui, quando vi esse trecho pronto, vi que ele tinha potencial de filme separado, e fiz créditos pra ele, lançando antes do Mamilos, como curta independente de explicações, separado do Mamilos. Conforme fui avançando na edição final do Mamilos, me deu vontade de fazer o “Tudo Começou…” voltar, com créditos e tudo pro filme, como se fosse aquelas “intermissions” do Monty Python. É uma quebra de clima total, inserido no meio do longa, funciona como um descanso prá quem se sente perturbado com a imagens dos coelhos podres, o tempo todo na tela, são sete minutos de descanso, onde dá prá esquecer a carne podre e relaxar com desenhos altamente coloridos. Uma coisa muito legal de se fazer filme assim, com desenhos em folha de papel, é que todo tempo livre, cada momento de espera vira um momento de desenho, basta umas canetinhas e qualquer papel, se você adquirir um mínimo de respeito com teus desenhos, além do filme, essas folhinhas de rascunho/desenhos ainda podem virar exposição. No momento, pra usar meus tempos de espera, estou transformando cada frase de minha correspondência amorosa em um desenho, em uma série que leva o nome de “Você é a tradução dos dias mais bonitos da minha vida”. Não planejo fazer desses desenhos filme, apenas uma coleção bonita de desenhos preto e branco, tentando fazer desenhos com poucos traços e respeitando os espaços vazios. Desenhos feitos entre as bordas dos tempos de espera.

Baiestorf: E o teu clássico “Mamilos em Chamas”? Quando tu começou a elaborar ele? O roteiro é teu e do Jefferson? Como Surgiu a idéia?

Gurcius: Escrevemos em final de 2002 e filmei no início de 2003. A filmagem em si levou 3 dias. Antes disso foram dois dias pra composição dos cenários e depois três fins de semana pra gravar as dublagens. O roteiro foi feito da mesma maneira que sempre faço, fazendo primeiro um rascunho numerado de tudo que acontece no filme, em linhas gerais e em seguida levando na casa do Jefferson, prá escrevermos o texto em si, que fizemos em uma tarde. Eu morava próximo a uma avenida muito movimentada, a Prudente de Morais, em Joinville, que por razão disso e de ter muito mato em volta, sempre tinha bicho morto, atropelado. Acabei pegando o hábito de fotografar eles e fiquei com vontade fazer um pornô de marionetes usando animais mortos. Agora imagine se eu tivesse filmado catando cachorros, gambás e gatos mortos da rua, o quanto eu ia me incomodar? Eu adorava a idéia, mas sabia que ia dar problema. Nunca mais quero fazer um filme com animais mortos, mas adoraria fazer um filme com cadáveres humanos, se me dessem dinheiro, condições e permissões pra isso. Adoraria fazer um filme no estilo do “Dracula de Guy Maddin”, todo com cadáveres humanos. A idéia de usar coelhos mortos, me veio do fato das universidades de medicina e veterinária usarem/matarem coelhos durante o ensino, uma tradição totalmente obsoleta e sem propósito prático real. Quando descobri isso fiquei muito chocado e ao mesmo tempo encontrei a solução pro meu filme de necro-zoo-sexo.  Se as universidades se veêm no direito de torturar animais pra provar que dois mais dois é cinco, eu posso muito bem comprar dois bichos abatidos e filmar. Descobri que existem campanhas prá que as universidades parem de usar animais, mas grande parte delas, ignora esses apelos totalmente. Esse descaso deixa o filme ainda mais urgente. A carne podre fala das relações que vão morrendo, e o coelho é um dos animais mais simbólicos pra se falar de sexo. Pouca coisa é tão eficaz pra se discutir política quanto sexo. Dusan Makavejev e Koji Wakamatsu sempre usaram isso com muita força nos filmes deles. E posso falar contra vivissecção sem ser um panfletário chato que ninguém escuta. Estes mesmos panfletários, volta e meia querem boicotar este filme, mas só porque são burros e preguiçosos. Não conseguem ler os próprios textos, quantos mais ouvir o que tenho a dizer. Mesma coisa os babacas que acham que esse filme apóia maus tratos aos animais, e que gostam dele por isso. Se você gosta de maltratar animais ou acha isso engraçado, espero que você morra devorado por um deles. Se você não é um imbecil, é muito fácil perceber que nem de longe, o filme se trata disso. O Mamilos na verdade é 3 filmes de 20 minutos unidos em um só (são 4 filmes, se você separar o “Tudo Começou…”). A primeira parte é um pornô da boca do lixo, com muito sexo, e com cenas longas, intermináveis cenas de sexo, que todos esses filmes dos anos 70/80 têm. A segunda parte é um romance, onde o personagem principal aprende a amar a própria vida, revisando os erros anteriores e entendendo o próprio futuro com base na importância do amor. Eu e o Jeferson escrevemos o filme INTEIRO pensando no filme do Jabor, “Toda Nudez será Castigada”, dou total mérito ao filme e não ao texto, por causa da atuação do ator Paulo Porto e da atriz Darlene Glória, que foram nossa base maior prá escrever os diálogos e achar o tom certo na hora de gravar as dublagens. Assista ao filme do Jabor e depois Mamilos, e você vai sentir o que eu quero dizer. Esse segundo trecho do Mamilos é pura contemplação romântica, com direito a todos os clichês de filmes de romance: o sexo intenso, momentos jovens de desfrute do casal e as juras de amor eterno. A terceira parte é o típico filme de resgate e vingança dos anos 80, com a câmera lenta dos filmes do John Woo e Sam Peckinpah, e claro, com um final feliz, que perdoa inclusive os criminosos, tudo regado, a muito, muito sexo. O filme tem uma estrutura de vídeo game, com o personagem seguindo sempre avante, cruzando cada fase com êxito, até chegar ao desafio final e mais difícil, que reúne membros de todas as fases anteriores. Outro filme modelo é o “Cidade das Mulheres” do Fellini, que é a razão maior de todos os longos corredores compridos que o coelho cruza durante o filme, são os corredores do Fellini. Foi maravilhoso poder desenhar os cenários em parceria com o Tito (Dietmar Hille), que é um dos artistas mais importantes da minha vida, o cara que depois de ver o primeiro show d’Os Legais me ligou no meio da tarde quando eu tinha treze anos e me disse prá ignorar a opinião de TODO MUNDO e seguir fazendo apenas o que eu achava que devia ser feito, seguindo minhas próprias vontades, e que se eu fizesse isso, eu dominaria o mundo.

Baiestorf: Quantos anos levou para o “Mamilos em Chamas” estar pronto? Existem quantas versões deste filme?

Gurcius: Toda a feitura dele foi em 2003. Ao mesmo tempo que fazia o Nosferatum, os dez anos sem GG Allin e o Gotículas da Criação. Em 2004, fizemos o disco “Uma Só Carne”, magistralmente composto e editado pelo J.W. Kielwagen, usando as dublagens do Mamilos. Em 2005 nem cheguei perto do filme. Em 2006, surgiram duas coisas: O Goiânia Trash 2006 e uma exposição chamada Erotolalia. Prá Goiânia, prometi em troca de passagens lançar o mamilos nacionalmente no festival, foi um desespero, quase sofri um derrame tentando montar o filme, fiquei mais de seis dias sem dormir, sentindo uma paralisia facial que me obrigou a me jogar da cadeira e frear meu ritmo de edição a força. Não tinha nada do “Tudo começou…”, não tinha a abertura, o que consegui levar pra Goiânia foi um pout pourri das cenas de sexo com uns letreiros que interrompiam o filme dizendo “descubra o acontece nesta parte da história comprando o dvd daqui a três meses”, acho que esses letreiros expulsaram mais gente que os coelhos podres em si. Voltando de Goiânia, fui convidado a participar da exposição “EROTOLALIA: a estreita relação entre pornografia e arte”, organizada por um gringo e a Karina Segantini, uma das curadoras e artista participante. A Karina tinha um filme com galinha morta, e ficou sabendo do meu filme, achando perfeito pra exposição. Além da edição exibida em Goiânia, resolvi preparar um trailer do mamilos, muita gente achava que era um trailer de filme que não existe. Acaba funcionando como filme separado também, resolvi homenagear o trailer do “El Topo”, que é enorme e o texto segue a mesma lógica, com o narrador dizendo “El Topo” é místico, el topo é sangrento, etc, etc.  “Se El topo é maravilhoso, você é maravilhoso” e por aí vai. A exposição durou um mês, com o trailer passando o dia inteiro lá dentro do museu, e postei no you tube também, onde a essa altura tem mais de sessenta mil exibições. O filme ficou parado mais um tempo depois disso, comigo retomando no final de 2007/inicio de 2008, logo depois de fazer o “Tudo começou…”. Quando finalmente, lancei ele, em dvd quádruplo, na páscoa de 2008, resolvi homenagear outro trailer clássico dos anos 70, que é um dos trailers do Pink Flamingos, que não tem nenhuma imagem do filme, apenas depoimentos de pessoas que acabaram de ver o filme. Nesse meio tempo, me aproveitando do filme pra ganhar viagens, eles ganhou mais 4 montagens diferentes, a última e a mais perto da versão final, foi novamente uma desculpa pra revisitar Goiânia, no festival “Oito pras Onze”, projeto com apoio do governo do estado de Goiás, onde o filme foi lançado no cinema, com Os Legais tocando ao vivo dentro do próprio cinema.Dessa viagem saiu o filme “Delícias do Serrado” e alguns dos depoimentos mais incríveis desse trailer de 2008.

Baiestorf: O ator PC (“Raiva”, “Arrombada”, “Vadias do Sexo Sangrento”) trabalhou no filme e vive contando histórias engraçadas das filmagens. Conte como foi os bastidores desta produção única?

Gurcius: O PC quando não estava me ajudando, estava trabalhando, deve ter dormido menos do que eu durante estes dias, e obviamente perdeu o emprego na mesma semana. Arranquei meu ciso na sexta feira a tarde, seguindo a noite pra Jaraguá, onde desenharia os cenários do filme em parceria com Tito, Charles Klintske e outros comparsas. Minha saúde não estava das melhores. Prá comemorar, o Tito sem saber, preparou uma rodada de pizzas, que mesmo com a boca vazando sangue, não me fiz de rogado em aceitar. Depois me arrependi, meus dentes ficaram doendo durante toda a filmagem. A semana toda que se seguiu. O Tito tem uma das maiores coleções de vinil do estado, lembro que dançamos músicas do Fred Astaire e gravei algumas entrevistas pro Isopor Esperança. Domingo à noite eu estava de volta em casa, com os Krafts ainda com tinta fresca debaixo do braço, foi difícil carregar de Jaraguá até Joinville e chovia bastante. Segunda feira no início da tarde eu já estava com o primeiro cenário montado, coelhos a postos e muitos amigos pra ajudar. O PC teve uma crise histérica ao ver os coelhos em movimento e até que tudo correu bem na primeira noite, mais pro final os corpos já começaram a feder e boa parte das pessoas que estavam no primeiro dia não apareceram mais. Quando ia dormir, umas duas horas, três, deixava os coelhos no congelador. Durante a filmagem, usávamos detefon prás moscas não colocarem ovos, o que funcionou, mas mesmo assim a barriga de um deles seguiu crescendo sem parar. Pros cenários, me baseei naquele lance que se fala em história da arte que quadros como a santa ceia são uma espécie de “caixa de sapato”, com um fundo e dois lados. Filmava com um cenário, desmontava e seguia pro próximo. Os bichos de pelúcia eram todos da minha irmã, que estava de viagem. Eu amarrava os cenários em cadeiras, praticamente todas as cadeiras da casa foram usadas, o filme foi feito na garagem da casa da minha mãe. O filme foi feito quase inteiro a três: eu, Iuguru e Jw. Estávamos o tempo todo. O resto do pessoal fazia aparições periódicas, e sempre muito bem vindas. Especialmente o Alejandro Gutierrez e o PC. Na metade do segundo dia, me bateu aquela mistura de depressão com desespero, quando a gente percebe que já passou da metade, não dá pra desistir, mas ainda falta muito prá acabar e parece que o cansaço vai vencer e que nada do que está sendo feito faz sentido, que é tudo perda de tempo. Nessa hora a gente continua porque envolveu os amigos e não pode parar. Filmávamos com eles congelados no inicio do dia, e a cada minuto mais podres conforme o dia ia passando. Fiz o filme mais ou menos na ordem da história, o que significa que a cena final, com mais de dez marionetes em cena, precisava de muitos, mas muitos braços. Ninguém queria voltar, e tive que passar a manhã do terceiro dia fazendo todo tipo de promessas e implorando, subornando as pessoas com bebida e fama futura pra que viessem me ajudar. Prá deixar a situação mais esquisita, minha mãe encontrou os coelhos no freezer e por alguns momentos achou que era o gato dela. No fim, pro terceiro e ultimo dia de filmagens, depois de implorar e telefonar muito, consegui juntar um verdadeiro batalhão de ajudantes, e fizemos seqüências ultra complicadas/ absurdas como a cena da explosão (tentei refazer uma explosão agora no Viatti e o resultado foi ainda pior), o tiroteio no corredor e a orgia grupal entre bandidos e mocinhos. O detefon não agüentava mais conter o cheiro, que ultrapassava o poder químico do veneno e a barriga dele estava inchada a um ponto que parecia que ia se abrir a qualquer momento. No fim, eu filmava com a equipe inteira histérica, me pedindo pra encerrar logo. Depois da orgia tinha as cenas envolvendo coisas que deixariam ele ainda mais gosmento: com leite condensado, cenouras (em homenagem ao El Topo & Sweet Movie, os dois coelhos se amam mergulhados em cenoura picada) e o mergulho na banheira. Tinha mais uma cena, que acabei não filmando: filmaríamos os dois de mãos dadas, queimando com gasolina, possuídos pelas chamas da paixão. Na hora de filmar isso, ninguém mais se agüentava em pé e me imploraram prá deixar pro dia seguinte. A situação deles estava muito podre, então deixei em um terreno baldio próximo a casa, no dia seguinte fui lá e eles haviam sumido, tinha um rastro na direção do mato. Ou eles saíram correndo, ou um gambá resolveu experimentar o sabor deles, coitado do gambá! Hoje em dia tem um condomínio enorme em cima desse terreno.

Gurcius & Jodorowsky.

Baiestorf: “Mamilos em Chamas” tu lançou em DVD quádruplo, foi viável? Como foram as vendas? Qual é o material do DVD quádruplo?

Gurcius: Foi viável porque ficou do jeito que eu queria. O lucro é claro que é menor, eu vendo o filme quádruplo a 25,00$ enquanto que um filme com apenas um disco custa 15,00$. Dou a opção de comprar apenas um disco, mas todo mundo sempre leva a edição com 4 discos. Ele está entre os 3 mais vendidos do site no momento, junto com o Arrombada e Feto Morto. É claro, que o que eu chamo de sucesso de vendas, não é nem 1% do que deveria prá poder se falar em “mercado independente de cinema”, mas mesmo vendendo filmes a ritmo de esmola, somos os caras que mais vendem esse tipo de filme no Brasil. Outros realizadores, todos nossos amigos, não fazem muito prá ver os próprios filmes girando, com no mínimo uma edição minimamente caprichada do próprio filme. Mamilos em Chamas é o primeiro filme nacional da história a ser lançado em edição quádrupla, o primeiro do Brasil, e a lista mundial deve ser pequena, o que significa que a minha megalomania vai além de um Hector Babenco ou de qualquer outro diretor brasileiro com dinheiro e material prá isso. Tenho uma paixão por faixas de comentários, copião bruto, outakes, como já disse aqui, todos eles tem sua vida própria. Fiz um disco só pra faixas de comentários, nele você encontra faixas comigo, com JW Kielwagen (na posição de roteirista e produtor), com Alejandro Gutierrez (em viagem no tempo), com você (Baiestorf), Coffin Souza, com OS COELHOS, com meu irmão deficiente Amauri Gewdner e a minha preferida: a faixa com supervisão médica do doutor Wanderley Jurandir, que é uma faixa inteiramente dedicada e enumerar as práticas sexuais que podem ou não , trazer riscos de doença. É maravilhoso. De todas essas sessões de gravação, saiu o disco “The Winter of my Melancholy”, estréia fonográfica  à capella do Amauri. Pros outros discos, separei o básico de toda mega edição de dvd que são as cenas cortadas (não muitas, já que se sobrar cenas demais, acabo fazendo outro filme), trailer aumentados, making off do trailer, filmes de outros realizadores (que na correria esqueci de creditar na capa, mas estão lá, um filme do Luciano Irthum e outro do Edgar Franco), apresentações ao vivo de Abesta e Os Legais, o longa metragem “Banho Gostoso”, o média “Delicias do Cerrado”, “Me Boline, Me boline” e pro fim uma coisa que gosto muito: o copião bruto quase INTEIRO das filmagens e da dublagem do Mamilos! Inclusive umas faixas de áudio que não usei no filme, porque não encontrei durante a montagem! É uma cinefilia total, de te deixar babando de tesão, todo o áudio bruto do filme, com os suspiros, erros, reclamações, batidas de microfones, aliados aos closes de mãos ajeitando marionetes, braços entrando em cena, cadeiras sendo amarradas ao kraft, é a magia pura do cinema sem dinheiro acontecendo diante de você, sem edição, sem truques, tudo crú pornograficamente ganhando vida própria, uma vida além do filme.

Gurcius e seu DVD especial.

Baiestorf: E por falar em vendas de DVD’s independentes, rola muita pirataria dos teus filmes?

Gurcius: Espero que sim, é uma excelente forma de distribuição. Enquanto estivermos vivos toda pirataria que rolar significa mais viagens, mais pessoas assistindo e gostando dos nossos filmes e querendo organizar eventos pra levar a gente. O que me deixa triste é que não tenho certeza se estou sendo pirateado em todos os países que gostaria de ser. Será que existe alguma alma linda espalhando meus filmes pelo Japão, Indonésia, México, Austrália, Turquia, Grécia, China e todos os demais países do mundo???? Se vou conhecer cada um deles pessoalmente, ao menos quero pessoas vendo meus filmes por lá. É pra isso que eles tem aquelas legendas mal feitas em inglês! Se você é brasileiro e mora em outro país e quer distribuir cópias grátis dos meus filmes ou até mesmo tentar vender, por favor o faça!!! Quero fotos de crianças chinesas segurando seu Mamilos em Chamas pirata! Jovens canadenses ou franceses pronunciando “Tisch” com sotaque francês.  Não conheço ninguém que vive da venda dos DVD’s, acho que nem os cineastas de mega produções vivem da venda, o que traz retorno real pra gente são os festivais, as exibições. Inclusive, é nesses eventos que a gente revende os filmes prá quem conseguiu de maneira “pirata”. Quem comprou um pirata e não gostou, só se lascou, já que nem comprou do cara que fez. Eu conheci a Gisele Ferran através da pirataria, ela foi em uma delegacia, pegar direto com o delegado uma cópia de um filme que de acordo com ele, ela iria ODIAR. Era o Mamilos, que ela amou e passou a me escrever. Pouco tempo depois lá estava ela filmando. Acho muito pior fazer consignação dos filmes e não receber nada (nem as copias de volta). Com o pirata, pelo menos o camarada está gravando com um disco que foi ele que comprou e está todo mundo vendo meu filme! As vezes mando capas a mais dos filmes e digo: grava e dá pros teus amigos, ou vende, enfim, use as capas! O Zimmer recebe 50 capas do mamilos por natal de mim, prá presentear os parentes e amigos, desconfio que essa cópia do delegado tenha vindo dele. Tenho um blog, onde volta e meia jogo um desenho meu. Quando fiz o blog, algumas pessoas me diziam, não jogue os desenhos em alta resolução, porque você pode vender cópias assinadas e numeradas deles no futuro. Toda vez que eu ia jogar um desenho, ficava meio triste, por estar jogando em tamanho pequeno. Até que pensei : “porra, vocês podem até estar certos, mas vou jogar meus desenhos em resolução alta e foda-se!! Se alguém quiser imprimir e pendurar na sala sem me pagar nada, vou achar maravilhoso!” Se o cara quiser comprar uma cópia assinada, o desenho em alta resolução não altera muito as coisas. Se alguém ficar rico vendendo exclusivamente meus filmes, ao invés de choramingar, no dia seguinte estou batendo na porta dele, chamando o cara de gênio, e pedindo um quarto!

Baiestorf: O que fazer prá continuar com essa pirataria?

Gurcius: Na contracapa do “Triunvirato”, o primeiro lançamento em DVD da Bulhorgia Produções está escrito em caixa alta: PIRATEIE ESTE FILME A VONTADE. Isso impede a criação de um mercado? Talvez. Mas quando alguém conseguir provar prá mim que tudo isso não nos ajuda a ficar mais populares e aumenta nossas participações em eventos, daí começo a reclamar. Ao mesmo tempo, não sei bem o que dizer sobre os downloads, mas se não joguei meus filmes pra download, é apenas movido pela ilusão de que o download atrapalha em algo nas vendas do DVD oficial. Ver o DVD pronto, oferecer o filme, é mais um fetiche do que uma tentativa de ganhar lucro. Por isso que não abro mão de lançar meu filme com quatro discos, se eu assim quiser. O filme está no formato que eu quero, dentro dos meus limites, já que eu na verdade lançaria com embalagem peluda, em formato de coelho, ou talvez uma jaqueta com máscara de coelho, com compartimentos pros filmes se tivesse dinheiro pra isso. Como alguém conseguiu assistir os filmes do Ivan Cardoso desde que acabou o VHS? Como filmes como El Topo e Holy Mountain foram vistos durante os anos 90, se o produtor queria banir eles do mundo? Através das cópias piratas. O lance é fazer cópias limitadas, cada vez mais caprichadas, que quem valoriza o produto vai pagar com prazer. A edição do Mangue Negro, do Rodrigo Aragão, por exemplo, vem lotada de cartões postais, livretinho e ainda por cima é ultra barata. Tem que ser burro prá não querer pagar por ela, quem comprou de outro jeito ou baixou, provavelmente só queria dar uma espiada no filme, já é melhor do que nunca ver. Quem sabe os elogios fizeram outra pessoa comprar a edição com livretinho? Façamos o possível pra ter edições lindas, limitadas e exageradas pra nossos próprios filmes. Quem é preguiçoso, seja como realizador ou consumidor, vai continuar sendo de qualquer jeito. Fiquem ricos, fiquem muitos ricos vendendo meus filmes e comprem uma casa pra mim, virem produtores do próximo filme com a grana da pirataria! E que façamos dinheiro com camisetas, exibições, brinquedos, venda de posters, bottons, livrinhos e tudo mais que pode render da cópia do filminho.

Michê, Gurcius, Sandoval & Otávio.

Baiestorf: Tu teve algum tipo de problemas com o “Mamilos em Chamas” depois de lançado?

Gurcius: Pelo contrário. É o filme que mais me rendeu declarações de amor e positividade, e não estou sendo sarcástico aqui. Muita gente já veio até a mim me agradecendo por ter feito esse filme. Que sou (somos) pessoas lindas, que o texto é poesia sincera, que as imagens são cruas e lindas, e que o filme fez a vida delas melhor. Nem vejo como seria diferente, já que o filme fala o tempo todo de uma coisa só: VIDA. Essa prá mim é uma das funções do artista: melhorar o MEU mundo, como telespectador. Quando gosto muito de um filme, não vejo o realizador como alguém superior a mim, mas sim como alguém que deixa meu mundo (e os humanos dentro dele) maravilhoso. Se o mundo é maravilhoso, significa que eu sou maravilhoso. Com isso, gostando do trabalho de alguém vejo o reflexo das coisas que gosto em mim no artista e alimento minha esperança na vida, nas pessoas e em mim mesmo. Se o artista não desperta isso, sua arte está putrefacta. Os artistas que mais me empolgam são aqueles que me fazem andar em círculos, histérico com vontade de fazer também. Eles não estão acima das pessoas, mas são sim a prova de que existe esperança em nós mesmos. Quero abraçá-los se estão vivos, quero conhecê-los e produzir com eles também. Artistas inatingíveis são deprimentes e com o tempo apodrecem a própria obra porque se enxergam acima dela. Voltando ao “Mamilos”, o que posso dizer de alguém que fica enojado com um filme que só fala de amor e vida? Sem dúvida o problema não está em mim. Os coelhos precisam estar em decomposição. Carne em movimento e em decomposição é vida. As relações, sejam sexuais ou afetivas, apodrecem se não tratamos tudo com a urgência de que pode ser a última vez, a urgência de quem dá valor a vida acima de tudo. O pouco que recebo de manifestações de ódio, geralmente é gente que viu fragmentos, não pesquisou direito, com a retina podre, viu um pedaço do trailer e se chocou com os coelhos. Gente que se não dá o mínimo esforço de pesquisar um pouco mais antes de me escrever reclamando e que provavelmente nunca pensa sobre o que é amar, sobre o que é viver, ver coisas novas surgirem enquanto outras vão embora. Nem concordo quando dizem que o filme é estrelado por coelhos mortos, já que na tela eles estão mais vivos do que mais da metade do público que consome e assiste cinema! São personagens muito vivos, não estão mortos nem nos bastidores. Não é preciso mais que cinco minutos de filme prá você entender o quanto eu amo os animais, o quanto gosto de olhar prá eles, viver com eles, desenhar eles, escutar eles. Com esse filme tive a chance de falar contra vivissecção nas faculdades que a praticam. A gente sempre exibe filmes /ganha passagens de faculdades né? Não que eu espere que alguém goste. Não faço filmes prá isso, de jeito nenhum. Faço por necessidade, pra me expressar, pra sentir prazer. As fotografias de making off dos meus filmes são uma coleção de sorrisos (especialmente o meu), o que significa que estamos todos nessa por motivos parecidos, pela festa, pela vida, pela amizade, pela alegria. E mesmo sem exigir uma aceitação, é lindo quando as pessoas me escrevem, me dizem pessoalmente que os filmes deixaram elas melhor, elas me dizem isso dos teus filmes também. E às vezes as imagens são muito grotescas, violentas, carregadas de sentimentos aparentemente ruins, mas mesmo assim trazem efeitos positivos. Porque essencialmente, como realizadores, nós somos muito positivos, eu acredito no que estou fazendo. Isso fica na obra, mesmo que as imagens sejam carregadas, que as palavras sejam fortes. Acima de tudo, somos muito positivos em nossas vontades.

Baiestorf: No mesmo ano que tu legou o “Mamilos em Chamas” para o mundo, tu foi ator em dois filmes meus, “O Nobre Deputado Sanguessuga” e “Arrombada – Vou Mijar na Porra do seu Túmulo!!!”, como tu conseguiu tempo prá tudo?

Gurcius: É necessário arranjar tempo se quero sobreviver. E quando digo sobreviver não falo em dinheiro de maneira alguma. Preciso sobreviver a minha sanidade. Sou extremamente compulsivo e obcecado com fazer filmes, desenhar, fazer música, tudo. E encontrar pessoas prá fazer tudo isso. Sei que você também é extremamente compulsivo, assim como todas as pessoas com que me identifico ao extremo e quero trabalhar. Só me sinto inteiramente realizado se estou produzindo arte ou fazendo amor/fazendo arte e produzindo amor. Eu poderia dizer que viajar é uma terceira paixão, mas nunca saí de viagem por outro motivo que não fosse arte ou amor. Estar entre as pessoas que amo também nunca vai estar separado do desejo de arte ou amor. Se não estou fazendo isso, me torno extremamente infeliz, agressivo e com certeza não consigo sobreviver, é igual à fome, enche a mente de névoa e te impede de ver a vida com clareza. Felizmente, nunca estou afastado do que me realiza e se alguém ainda duvida disso, mais uma vez repito: prá viver assim, significa que em algum momento da sua vida, você vai escolher ou escolheu por isso. É o tipo de decisão que nunca vai ser improvisada ou sem querer. É uma escolha totalmente consciente. Eu fiz essas escolhas e nunca duvidei delas. Duvido de um monte de coisa da minha vida, tenho milhares de fantasmas de medo e insegurança, mas sei muito bem o quanto gosto da minha vida, uma vida totalmente afetiva e quase nunca racional. Não conheço muita gente racional, talvez ninguém. Todas as pessoas com que convivi em minha vida inteira, não tem muito de apatia. Os poucos que ficam assim, a gente vai perdendo o contato…

Baiestorf: “Mamilos em Chamas” e “Arrombada – Vou Mijar na Porra do seu Túmulo!!!” foram lançados em Double feature em alguns cinemas aqui do sul, como era a reação do público diante de tamanha barbaridade?

Gurcius: Muita gente saindo do cinema, muita gente achando a coisa mais linda do mundo. É sempre engraçado reparar que o que ofende nunca é a violência ou críticas religiosas, mas sempre o sexo. Eu adoraria fazer igual ao que o John Waters fazia na década de 70, que era sair em turnê com o filme novo. De cidade em cidade, como se fosse uma banda. Acho isso muito possível, se não fossemos tão impacientes prá começar um filme novo. A gente quase chega perto de fazer turnês filmográficas e com esses dois filmes, isso rolou por mais de um ano. Mas nunca subimos pro nordeste, por exemplo, devíamos juntar 3 filmes e 3 bandas e fazer turnês conjuntas, exibindo os filmes e vendendo nossas tralhas durante os shows. Faz muito mais sentido prá mim, nos dias de hoje do que tentar distribuição em cinemas, que ninguém mais quer pagar (e estão certos). Quem sabe na hora de divulgar o Viatti e um filme novo seu? (Nota de Baiestorf: Topo uma turnê na hora, atrasa o lançamento do “Viatti…” até eu conseguir finalizar o remake do “Monstro Legume do Espaço” e to dentro!!!).

Baiestorf: Tu também editou o making off destes dois clássicos da vigarice, “Um Arrombado na Estrada” e “Banho Gostoso: A Produção de Mamilos em Chamas”. Pensando somente agora, quase 5 anos depois, vejo que a gente bombardeou o público com nossos lixos. Essa é uma boa maneira de produtores vagabundos conseguirem atenção para seus filmes?

Gurcius: Sim, os sub-produtos de um filme são tão importantes quando o filme em si. Making offs são muito inspiradores, assim como as faixas de comentário. Não me agrada mastigar as mensagens no decorrer de um filme, o público precisa pensar, tirar as próprias conclusões, extrair a própria mensagem. No making off é o local você expõe tuas fraquezas, mostra tuas precariedades, reafirma as idéias com um pouco mais de clareza prá quem quiser ouvir e mostra mais uma vez, que é possível ter uma visão pessoal com poucos recursos, com a parceria dos amigos. O “Arrombado na Estrada” é uma palestra sua, filmado por você mesmo, enquanto falava, que eu montei sem querer cortar muito e sem te avisar que estava fazendo na época, recheado com imagens prá deixar mais dinâmico, acho ele ótimo prá postar no you tube, por exemplo. No caso de “Banho Gostoso”, não divulguei em nada na época, porque estava divulgando o Mamilos, mas vejo ele como um longa quase que totalmente separado do Mamilos, gostaria de ver ele sendo exibido em festivais e incluído nas retrospectivas de meus filmes, como um dos meus filmes mais importantes. É um passo a passo, em 90 minutos, sobre produção independente que fiz quase sem querer, querendo mostrar meu processo de criação pro Mamilos. No fim, virou um panorama universal, lotado de entrevistas (incluindo você) sobre criar uma visão pessoal sem dinheiro, sobre filmar por prazer e conseguir notoriedade e até algum dinheiro com isso. Sobre transformar uma união conjunta de amigos, em uma missão de vida. Pro Viatti Arrabbiatti tenho um material extra prá produzir um documentário ainda mais rico, já que gravei cerca de uma hora de entrevista com quase todos participantes, quem sabe se minha impaciência e pressa de fazer filmes novos me permitir, consigo divulgar esse filme, ainda sem nome, com o capricho e carinho que o “Banho Gostoso” não recebeu. Uma maneira de deixar ele mais visível, teria sido lançá-lo como um filme separado, com capinha própria (reduzindo a edição do Mamilos a DVD triplo, ou sendo mais picareta e manter os extras na edição quádrupla do mamilos e lançando o Banho Gostoso com outras baboseiras nos extras), mas só pensei nisso esse ano, quando revisei o filme. E tem o fato de que quando lancei o Mamilos, já estava louco pra me ver livre dele e provavelmente não queria mais um filme revirando a carcaça dos coelhos, por isso meti o longa no meio do pacote. Agora, com outros projetos em andamento, já acho que o filme teria uma vida própria. Não posto ele inteiro no you tube por causa da encheção de saco envolvendo os coelhos, mas mesmo assim tem uns bons pedaços por lá, quando o documentário se distância das filmagens em si e fica existencial. Esse ano fiz um filme tentando entender essa fascinação que as musas do sexploitation despertam nas meninas, vendo as nossas musas como força de super potência criativa, como espelhos para almas livres. Se chama “De volta ao vale das Ubër Musas”, um documentário estrelando a Ljana Carrion, que precisa de uns acréscimos, mas está quase que completo (na filmagem). Já fico em dúvida, se ele é um filme com constelação própria ou um subproduto destinado a extra. Descobrirei montando, e pela urgência do tema, torço pra que seja um filme de luz própria.

Baiestorf: Na seqüência você apareceu dando depoimento em mais três documentários, “Curupira: Onde o Pai Cura e o Filho Pira” (de Kaly Moura), “Delícias do Serrado” (com direção sua) e “Sangue Marginal” (de Bruno Simonetti e Marcos de Oliveira Filho). O que vale a pena ser dito sobre esses documentários?

Gurcius: “Curupira: Onde o Pai Cura e o Filho Pira”: O Curupira foi uma das casas de shows mais importante do Brasil e da década de 90. Prá Santa Catarina foi tudo, a razão de existir um underground ativo nos anos 90 aqui no estado. Foi criado pelo Edson Luís (The Power of the Bira), Tito e seu Evair, dono do local. O filme é maravilhoso, especialmente prá quem viveu o local (como eu) e Os Legais fica marcado no filme como um do alicerces mais importantes do clube e do underground dos anos 90. É a banda com mais destaque no filme, de longe. Como eu poderia ser mais feliz? Sem o Curupira eu não estaria fazendo nada do que faço agora, tudo começou ali. Já falei da importância do Tito pra mim, e o Edson defendia nossas apresentações com todas as forças, nossas primeiras gravações de estúdio, são produzidas por ele, no estúdio de gravação improvisado do Curupira. Na época eles queriam produzir um vinil com as bandas do estado e montaram um estúdio de gravação dentro do próprio clube. O filme do Kaly é muito apaixonado, mas não vejo como um registro definitivo daquela época e do local, acho que nem o Kaly vê. É uma introdução. Prá quem não viveu o clube, o filme é lento e desinteressante em alguns momentos, e ainda segue a estrutura de um TCC, além de grande parte do material ser de gravações feitas por eles durante a produção do filme (2005, 2006…).  Tem todo um universo de filmagens dos anos 90, que sei que existem e um monte de questões históricas, sociológicas, dementológicas que ainda dá pra falar. Quem vai fazer esse filme?… “Delícias do Serrado”: Quando eu falo nos debates em roubar câmera prá fazer filme, sempre fica um murmúrio estranho, um desespero por parte da organização, quase acho que vou ser revistado na saída. Esse filme é um exemplo que isso funciona, não estou dizendo prá invadir um laboratório ou a casa de alguém e sair furtando tudo (mas dependendo do lugar que você estiver invadindo, por favor, vá em frente), mas sim que se você pega uma câmera emprestada pra um propósito “oficial” com hora e dia marcados, enquanto a máquina estiver na sua mão, USE-A!!! Prá tudo! Passe as noites acordado, ainda mais se for uma câmera HD. Roube o tempo útil dela, faça o empréstimo render! Peguei essa câmera do filme emprestada prá fazer umas capturas prá um trabalho que eu estava fazendo prá um grupo de teatro, no meio disso surgiu esse projeto chamado “Oito pras Onze” do camarada Helio Neiva, com bandas e filmes barbarizando a sala do cinema. Levei a câmera junto e fiz esse filme, que é um filme/registro de viagem. Registra a primeira exibição em cinema da versão final do Mamilos, e ainda por cima, é um dos poucos registros feitos do caótico transporte de isopor, um drama que vivo a vida inteira. Nunca consigo filmar, porque o carregamento de isopor já me toma todos os meus braços e forças. Também mostra um dos produtos que eu faria merchandising oficial com todo prazer do mundo: os indescritíveis “Sorvetes do Cerrado”, o melhor picolé do mundo! Que o império das grandes marcas de picolé caia aos pés desta imbatível franquia! E claro, é mais um filme que serve de incentivo prá quem quer tentar essa vida de fazer filme sem dinheiro, de música e arte autodidata. Mais um filme que prova que dá prá se divertir muito com tudo isso, nem que se seja rindo das próprias desgraças. “Sangue Marginal”: Esse filmamos quando eu estava em São Paulo, pro lançamento do Guidable. Tudo até correu bem na entrevista, mas a noite só terminou às dez da manhã quando o Marcelo Apezzatto matou o próprio aparelho de vinil, tropeçando nele. Os diretores tiveram que levantar logo em seguida prá registrar o Mojica, é uma força de vontade admirável, já que enquanto eles estavam entrevistando o Mojica, eu vomitava minhas tripas, desejando a morte do universo. A primeira coisa que me chamou a atenção no filme foi que NINGUÉM que faz filme independente no Brasil, pelo menos dos que são entrevistados, FALA PORTUGUÊS CORRETO!!! O que mostra mais uma vez que a gramática, assim como a religião, existe apenas para ser desrespeitada. Que é um grande prazer da vida, misturarmos e criarmos nossas próprias línguas, criarmos nosso próprio vocabulário assim como criamos nossos próprios filmes. Ampliarmos nossa própria cultura, misturando ela com todas as outras. No sul, existe o velho discurso fascista da colonização alemã, que diz que cada cultura deve se manter onde está, que as culturas não se misturam prá manter sua identidade, e que embrulho no estômago esse papo besta me dá, quanta mentira. Nas novelas da Globo todo mundo é carioca, mas ao menos nos filmes independentes os sotaques estão todos fortes, misturados, errados e se co-destruindo em conjunto com muito amor. E o que dizer das escolas de cinema, que te dizem prá montar teu roteiro seguindo uma estrutura geral, pré-determinada por babacas como David Mamet? Por isso que ninguém que faz faculdade de cinema vira cineasta.

Baiestorf: “Me Boline, Me Boline” e “Eu sou um Pequeno Panda” são dois curtas hilários que tu produziu/dirigiu, são idéias originais suas?

Gurcius: “Me Boline, Me Boline”: Essa é uma música que o Hans Konesky fez pr’Os Legais. Quando preparava os extras do Mamilos, perdi muitas horas procurando as imagens feitas durante o Erotolalia, e nessa procura achei essas imagens gravadas na serra do Rio do Rastro, que já ignorava totalmente a existência. Não resisti e montei o filme na mesma hora, é tipo um presente pro Hans (Otávio). Nunca encontrei as filmagens do Erotolalia e sempre que revejo o “Me boline” me deparo com uma dúvida existencial: terei talento, iluminação e capacidade suficiente de fazer filmes ainda piores dos que o que eu já fiz? Esse filme recupera minha fé no meu potencial criativo, salva meu ego da perdição. “Eu sou um Pequeno Panda”: Meu ponto de partida era o expressionismo alemão. Queria fazer um filme preto e branco, com aqueles letreiros do cinema mudo. Consegui fazer ele mudo, mas a trilha sonora é toda de Harsh Noise e Penderecki, uma barulheira total. Desisti do preto e branco conforme fui compondo o filme, que escrevi e desenhei durante a montagem, depois de filmar filhotes de gatos por meses. Quando terminei, vi que nem consegui reassistir os filmes que queria homenagear e o filme virou outra coisa. Ele é baseado em um livro infantil francês muito lindo, que dá nome ao filme, fiquei tentado a fazer a série inteira, apesar de só ter folheado, além do panda, o livro do “eu sou um pequeno porquinho”. Tem os pequenos dinossauros, gatos, cachorrinhos e muitos mais. Se alguém me pagar eu faço a série inteira. Tem penderecki pra homenagear “O Iluminado” do Kubrick e pra mostrar que violinos podem ser tão brutais e violentos quanto pedais de distorção. Também tem referência direta ao Patinho Feio e nas citações aos talentos musicais do panda é totalmente auto-biográfico. O que ele diz sobre a própria musica é o que eu dizia quando comecei a tocar: “Não vou aprender a tocar, porque meus dedos estão possuídos de vontade e isso vai bastar. Vocês não acreditam agora, mas no futuro vão pagar prá me ver”. E como vocês sabem, deu muito certo. É um sentimento comum prá quem toca esse tipo de som extremo, que muitas vezes não sabe tocar um instrumento, mas tem perfeito controle da própria aparelhagem. É uma homenagem as pessoas que fazem música a partir do sentimento e amor, colocando isso acima de técnica e virtuosismo que não leva a lugar nenhum se você não colocar o sentimento em primeiro lugar. É um tributo aos que perdem na técnica mas vencem em sentimento na hora de produzir sua música. Ele foi montado muito rapidamente e tem algumas mudanças oportunistas no roteiro, com o objetivo de ganhar passagens e hospedagens pro Goiânia Noise 2008, que a Trama Virtual estava oferecendo prá quem fizesse um filme sobre “Barulho”. Coloquei barulho em caixa alta duas, no máximo três vezes no roteiro e ganhei as passagens. Com isso, ganhei horrores de dinheiro montando um stand no festival e ainda toquei ao vivo no palco principal com Os Ambervisions, que veja só, é uma das bandas do Zimmer, que é homenageado e faz a trilha Harsch Noise do filme, com seu duo Abesta (em parceria com o amigo Bata). No filme, ao crescer o Panda se torna o Zimmer. Mostrando as relações em família do panda, seu estranhamento com o mundo e a própria condição de existir, consegui dar uma ambigüidade gay ao Panda, que transforma o filme em um poético, mas agressivo protesto anti-homofobia, que fiquei muito satisfeito quando vi que outras pessoas além de mim entendem isso no filme. O que começou como um simples presente pro Zimmer acabou se transformando em um de meus filmes mais elogiados, fiz ele com muito amor. Amor pela minha e toda música, amor pelas 3 pessoas que eu queria agradar com ele, amor por fazer filmes prá ganhar viagem, amor por fazer filmes livres e amor pelos gatinhos que filmei crescendo prá criar esse filme. São os filhos da Mulamba, que nasceram em meu joelho e até hoje me fazem feliz, principalmente a Mini Mulamba, que é quem ainda mora comigo e é uma musa/atriz prodígio, além de talentosa escultora fã declarada de Louise Borgeais.

Baiestorf: Entre 2009 e 2011 você dirigiu uma série de curtas sem muita repercussão. Tu acha que público está cansando disso?

Gurcius: Não acho que deve existir preocupação direta com o público. Até porque o público sempre vai se transformar, cansar nunca. É que nem a gente: eu nunca me canso do que eu faço, mas posso mudar minha direção. Nessa filmografia que te enviei pra entrevista fiz uma pequena trapaça: eu estava preparando a lista pro “Dicionário de Curta Metragens Brasileiros” do Antonio Leão e pensei: “esses livros sempre demoram pra sair, vou colocar alguns filmes que ainda não fiz, que quando o livro ficar pronto, talvez os filmes também estarão”. (Nota de Baiestorf: Essa lista que Gurcius preparou prá enviar pro livro “Dicionário de Curtas e Médias” do Antonio Leão, ele não enviou e os filmes devem ter ficado fora do livro, já que o livro foi lançado dia 23 de novembro). E foi o que fiz, metade desses filmes listados nem existem ainda. Os filmes que já existem, não vejo como filmes de pouca repercussão, acho quase impossível fazer filmes sem repercussão hoje em dia, já que é tão fácil de mostrar e divulgar. Se eu fosse levar minha filmografia a sério, eu pularia do “Pequeno Panda” direto pro “Freddy Breck”, apesar dos méritos do “Tatuada”. E porquê? Porque esses dois são filmes onde me entreguei e me dediquei mais. Boa parte desses curtas, entre o Panda Solitário e a Alemanha Nudista, foram feitos como distração de fim de semana, que fiz (montei) em poucas horas, em tardes de domingo, sem muita preocupação. Daí como são filmes mais de brincadeira, com objetivos bem específicos e pessoais prá cada, não me prendi muito divulgando. Nem por isso, são menos importantes, por isso vou falar um pouco de cada. E também vou falar dos filmes que ainda não existem…

Baiestorf: Fale um pouco sobre cada um destes curtas: “Harpias da Capadócia”, “A Place Called Feeling”, “Tatuada”, “Desejo”, “Dois Olhos”, “Freddy Breck Ballet”, “A Cat Walk for Jodo”, “Call Me: Não tenha Medo do seu Coração”, “Goiânia é um Mau Agouro na Janela da minha Alma ou Dia de ano 2” e “Tara e Perdição em um Planeta de Primatas”. Tu filmou todos eles simultaneamente?

Gurcius: Os Filmes que já existem: “Harpias da Capadócia” – Esse também é prá homenagear esses caras dos anos 60 que faziam os filmes só por impulso doido (leia-se amo puro): George kuchar,  alguma coisa de Kenneth Anger, Stan Brackage… Eu tinha jogado esse filme em um canto, mas esses dias revi ele e gostei. Ele é mais da Rogorowsky que meu.  Tem uma coisa legal que é uma espécie de animação com scanner, a gente cortou papelão, escaneou e faz eles se mexerem. Fica muito bonito, quero ainda fazer um filme com animação papelão só assim. Também colamos o papelão na tv e filmamos com a tv ligada por trás. É um pequeno experimento de uma coisa que se eu fizer um filme maior, vai ficar muito lindo. Prá quem não entende nada do quem acontece no filme, eu explico: uma harpia da Capadócia em migração seqüestram a minha cabeça, mas no fim tudo termina bem, que é tipo uma macumba das Harpias prá um casal de outra parte do mundo volte a ficar junto. A trilha é meio incidental, era com o que tinha no meu computador no dia, uns ska, sons de teclado moog, dance music mexicana e uns sons daqueles caras que fazem musica lá em cuba. Ah, e claro, é um pequeno tributo aos turcos e cinema-remake lindo deles! A Capadócia é na Turquia. Foi um jeito de usar prá alguma coisa meu VHS de aeróbica de alto impacto e outras bobagens de VHS, fica passando na tv por trás do papelão. Eu adoraria fazer um filme com muito dinheiro, produção boa e tudo mais, mas enquanto a grana não surge, vou fazendo filme assim, por puro experimento, sem saber como vai ficar. Ele não está no You tube ainda, breve vou colocar, passou em alguns festivais. “A Place Called Feeling” / “Desejo”/ “Dois Olhos” / “One Minute Ago” –  Aqui fiz uma trapaça total. Outra banda que tem o Zimmer tocando, o Cassim & Barbaria conseguiu lançar um DVD pago pelo governo do estado. O dvd saiu com livretinho, em uma edição bem bonita. Ele perguntou se eu queria fazer uns vídeos, prá colocar no DVD, peguei o “harpias” e joguei uma música deles em cima, esse é o “A Place called feeling”. Pro “One minute ago” peguei tua M9000 que só funciona ligada na tomada (não tem bateria) e filmei um monte de cachorros e gatos vivendo em harmonia em um gramado. É prá ser um lance meio palestinos e judeus vivendo em paz. Na época, tinha vindo dois malucos lá de Maceió/AL, que desceram lá de cima só pra me conhecer, o Erivaldo Mattos e um amigo dele e eles ajudaram a filmar. O peito masculino horroroso que tem no vídeo é do Erivaldo. Teria mais gente ajudando, mas na manhã da filmagem a dupla de Maceió invadiu o quarto de um dos moradores da casa onde filmamos bem na hora que o dono do quarto estava dando o rabo (e vice-versa) pro neto de um escritor famoso. Ao invés de fechar a porta os dois, chapados de cachaça, fizeram o maior estardalhaço, fazendo todo mundo na casa ficar irritado comigo. O filme teria uns oito ajudantes, número que se reduziu prá quatro. Foi feito com um clima meio tenso, no estilo “você e teus amigos sem noção não são bem vindos filmando palhaçadas aqui nesse jardim”, mas mesmo assim são filmagens bonitas e um tanto trágicas, já que o cachorrinho idoso que tem no filme já faleceu e o gato preto sumiu. Também filmei o Erivaldo como uma espécie de explorador alienígena de papel kraft que se atira em moitas em um ensaio bizarro que ainda não usei em filme nenhum e que foi maravilhoso e divertido de filmar, ele se cortou todo. Acho essas gravações de studio do Cassim meio sem sal, ao vivo eles são muito melhores, então decidi pegar as mesmas imagens do “One Minute Ago” e usar em “Desejo” que é uma música da Orchestra Zé Felipe, comigo nos vocais, dando vida ao terceiro videoclipe do “Universo em desespero”, meu disco pop com o Zé Felipe. Daí em “Dois Olhos” testei justificar a picaretagem toda, mostrando que alterando a trilha sonora, se altera o conteúdo moral da imagem. É simplesmente “One Minute Ago” e “Desejo” passando em seguida com alguma coisa a mais. Em “One Minute” os animais são do bem, e em “Desejo” eles são do mal. Mas é tudo feito meio com preguiça de montar com capricho, e na segunda metade de 2009 eu estava mais a fim de trabalhar em projetos dos outros: Gurcius Gewdner Show, Ninguém deve Morrer, a exposição “Prisioneiro do Rock”, o Cartaz do Lobisomem na Amazônia e umas animações baseadas em Norman Mclaren/Terry Gilliam com desenhos do Franklin Cascaes, que eu estava fazendo prá projetar durante as apresentações de um grupo de dança, tudo isso estava acontecendo ao mesmo tempo, então meio que fiz esses vídeos com a cabeça longe deles. Fora que tinha acabado de lançar o Tatuada, então não estava nem aí prá nada que eu fizesse no resto do ano, tatuada encerrou meu ano com chave de ouro. No fim, a única coisa que deveria existir desses quatro videos é o “One Minute”, especialmente pelos animais (cães e gatos, não o Erivaldo). Felizmente essa filmagem também é bem comprida, umas quatro horas de material, dá prá fazer mais filme usando os cachorros, gatos e Erivaldos. Como já falei, uma das coisas que mais me deixa feliz, é filmar sem um propósito inicial e só entender a função dessas imagens, anos depois. “Tatuada” – Especialmente por causa da minha paixão extrema pelos filmes de cineastas como Maya Deren, Russ Meyer (principalmente ele, que é pra mim um dos mais livres e inventivos cineastas americanos de todos os tempos), Richard Kern, Derek Jarman e o trabalho fotográfico/antropológico do Ivan Cardoso, aos poucos estou me tornando uma espécie de coreógrafo de danças tortas, e cada vez mais obcecado em colecionar e registrar números de dança dos meus amigos. Nunca tive amizades apáticas e acho justo registrar cada um deles em uma coleção cada vez mais intensa de números dançantes, criando a minha própria constelação pessoal de estrelas, dando a seus corpos o lugar merecido na eternidade. Já tenho cerca de 60% dos meus amigos e amigas registrados sob essa ótica de movimento dançante livre e quero filmar todos! Desses números musicais, acabam surgindo outros projetos, sem relação nenhuma com dança. O nosso tão sonhado “Surfer Petter” partiu desse mesmo ponto e virou outra coisa (Nota de Baiestorf: “Surfer Petter” é um roteiro comigo surfista que vai homenagear os filmes de praia dos anos 60 produzidos pela A.I.P., que me inspirou a elaborar o “Happy Petter”, uma zoeira com Harry Potter, que quero filmar junto das filmagens do “Surfer Petter”, não sabendo exatamente quando conseguiremos conciliar minha agenda com a do Gurcius e a do fotografo Daniel Yencken). O “Tatuada” começou quando eu estava produzindo um documentário prá UFSC, que falava sobre música infantil dos anos 80. O mote central seria provar que as músicas infantis dos anos 80 transformaram a geração seguinte em completos depravados sexuais, por causa do conteúdo nada inocente de boa parte dos discos. O filme acabou virando algo muito mais doido, nada acadêmico, que ainda estou fazendo aos poucos, ainda sem forma final, sem participação da faculdade. Na verdade, nem me interessa reavivar a música infantil dos anos 80, me interessava muito mais pensar na música como uma força motriz universal de depravação. Foi apenas uma força de agarrar o projeto menos careta possível dos que estavam sendo oferecidos no momento, além da chance de fazer um filme em parceria com o amigo Gordo (que faz a voz do macaco, em Mamilos em Chamas) e que me ajudou no projeto todo, e nas filmagens. Esse filmagem foi feita com uma câmera da faculdade, em um dia muito frio e com vento sul. Por mais que eu tenha me esforçado em deixar a câmera impecável, foi impossível não devolver ela lotada de areia. Depois disso, não se faz mais empréstimos de câmera sem um acompanhante responsável da Ufsc, o que acho muito sábio. Essa música escrevi 5 anos depois em parceria com o grande gênio do verbo, o maior poeta urbano que já conheci, o Fabio Turnis (vulgo Sapo). Fizemos em uma reinauguração da minha loja, onde só servimos cachaça e amendoim. Fala de um jovem que vê a própria vida bagunçada pelo amor que ele sente por uma moça tatuada, ele quer fugir pros braços dela, mas sabe que vai bagunçar a vida toda fazendo isso. É um verdadeiro mergulho no abismo amar alguém assim, o que deixa ele perdido. Três meses depois, fiz o disco com o Zé Felipe e quando ele me postou o disco pronto, vi que as filmagens com o Sandoval Thiago eram perfeitas pra essa música, parecem feitas prá ela. Foi um sucesso total, das paradas mais cultuadas que já fiz, o curta mais exibido depois do trailer do Mamilos. Já aconteceu mais de uma vez, alguém me reconhece na rua e grita: “tatuuuuaaaddaaaaa”…  Se ainda existisse indústria musical, seriamos candidatos a novo sucesso nacional ao lado das grandes porcarias de sucesso do rock nacional. Quando sair em dvd, teremos o “Tatuada X-rated” que é mesmo vídeo, mesmas danças, mas sem sunga. Como de início, era um filme pra apresentar pra faculdade, filmei tudo duas vezes, com e SEM sunga. “Freddy Breck Ballet” – Existe aquela visão romântica de que o artista precisa estar sofrendo pra conseguir produzir, mergulhado em dor usando a produção como válvula de escape ou como espelho do sofrimento. Até pode ser certo, mas eu só consigo produzir se estou feliz, é fato. Tudo que faço se torna uma extensão da minha alegria e é isso que quero passar pras pessoas. Minha válvula de explosão, nunca de escape. Isso não quer dizer que os resultados, que a mensagem, precisa ser celebração de alegria, mas precisam ser produzidos com alegria. Quem celebra é os participantes da filmagem, o público só se você quiser. E claro que fazer as coisas também me deixa feliz e uma coisa vai alimentando a outra. Quase todo dia penso que devo ser uma das pessoas mais sortudas do mundo, já que consigo produzir muito e me vejo histérico de felicidade várias vezes durante a semana. E ainda consigo amar com força total, como se tudo estivesse começando agora. Entre 16 de março e  6 de agosto de 2010 eu não produzi nada. Nenhum filme, nenhum traço mínimo de desenho, nada. E porque? Porque andava meio infeliz. E infeliz sou menos que zero. Quando o horror passou, jurei pra mim mesmo nunca repetir isso na minha vida. Desafio difícil. Ao mesmo tempo, esse horror me fez enxergar coisas que eu não queria mais repetir nos meus filmes e me fez ver coisas que urgentemente faltavam. Durante esse tempo, minha sorte foi que os outros estavam fazendo. Participei do “Ivan”, do Rick, que foi maravilhoso. E o KZL estava fazendo as entrevistas dele por “Isopor Esperança”, gravou comigo uma entrevista enorme, onde tentei me entregar ao limite, da melhor forma possível. Sempre tento ser muito positivo nas entrevistas. Quero incentivar as pessoas a fazerem o que elas querem, sem medo. Direcionando o ódio pras coisas boas. Façamos filmes e músicas de ódio, com muito amor. Foi incrível tentar ser positivo em um momento onde eu não estava vendo nada de positivo no mundo. O resultado é que não me lembro de nada, só lembro que o tempo todo eu segurava uma placa de isopor, que aos poucos eu ia esfarelando com as mãos. Ficar olhando as partículas de isopor se misturando ao mundo pelo vento (gravamos em uma área aberta, muito bonita, em Florianópolis) me davam um prazer perverso de destruição. Se meu corpo fosse feito de isopor, eu teria propositalmente me auto-despedaçado em frente da câmera, até me tornar apenas poluição. Esmigalhando minha língua-isopor com os dentes.  Isso foi abril, em 7 de agosto desenhei meus Parangogurcius (minha versão pirata e vandalizada dos parangolés, com papel kraft, tinta de parede e tecido) e dois dias depois filmei “Freddy Breck Ballet”. Totalmente renascido das trevas. Dá pra dizer que é o filme mais importante da minha vida até o momento porque é minha resposta ao abismo. A primeira vez que tive que mostrar prá mim mesmo que gosto muito do que eu faço, que vejo sentido em tudo isso acima de tudo e que preciso disso de verdade. Fazer filme prá não morrer. Descartei logo de cara a tradição de fazer os créditos com meus desenhos, desta vez os desenhos estariam apenas no filme, interagindo e se movimentando com as pessoas e o ambiente. Longe dos olhos do público e ligados aos corpos dos protagonistas. Ainda estava impregnado pelos dias que passei trabalhando nas foto-montagens (Heliogames) do Helio Oiticica em parceira com o Ivan no início do ano, pelos parangolés e pelos filmes do Ivan sobre o HO. Resolvi que ia fazer um filme prá ser exibido no meio das artes plásticas e não nas mostras que geralmente exibimos nossos filmes. Seria um filme em loop, prá ficar sendo exibido repetidas vezes em galerias ou eventos de artes plásticas. Através do ator Marlon Sphilere, consegui marcar dois dias de exibição prá setembro, exatamente no esquema que eu queria, antes mesmo de filmar. Planejei como uma coisa sem início, meio e fim. E apesar de ter uma narração que pontua EXATAMENTE início, meio e fim ele é alinear e pode ser visto de qualquer ponto, em loop. Até acho mais legal se a pessoa pega ele e um ponto qualquer e depois volta ao início e assim vai, como acontecia nos eventos onde foi exibido em loop. A narração é em tom de maconha e a imagem da Gisele em câmera lenta é pra hipnotizar. É pra fumar maconha e ficar vendo ela se movendo em loop. Quero entorpecer e hipnotizar as pessoas com a imagem sublime da Gisele em loop. Quero deixar claro o quanto é urgente as pessoas perceberem que a vida é muito curta e é uma só, que você não tem tempo a perder fazendo coisas que não quer fazer. Que devemos nos esforçar ao Maximo prá evitar as coisas que não queremos. Com a presença do Dinngo, eu quis homenagear o Derek Jarman, com uma valsa homo-nudista, também em câmera lenta. E a aparição onipotente da Gisele é minha declaração de amor aos filmes do Russ Meyer, que tanto gosto dos filmes. A obra dele tem um potencial de vida, criação e intensidade que não existe em nenhum outro cineasta americano. Ele é um fotografo perfeito, um artista sem classificação possível e um verdadeiro marchand de deusas. Prá trilha sonora e objeto de culto essencial do filme escolhi o cantor alemão Freddy Breck, que me faz voltar diretamente prá minha infância. Era um dos cantores preferidos de meu pai e um dos que mais me deixavam confuso, quando ainda não entendia esse lance de você tocar música dos outros, de recriar o trabalho dos outros a sua maneira. Quando criança eu achava que tudo vinha do nada. O Freddy Breck pega valsas famosas e coloca letras inventadas em cima. As capas dos discos dele são outro caso a parte. Tem também a música do Dennis Wilson, que casa com a imagem avalassadora da Gisele como se ambos fossem feitos um para o outro. Acho que ele próprio concordaria que ver os dois juntos (a Gi e a musica “Wild Situation”) são muito mais importantes pro papel dele no mundo do que muitos dos discos dos beach Boys que ele lançou. Esse filme só me rendeu resultados positivos, todas as atrizes de Viatti Arrabbiatti consegui através dele e ainda recebo e-mails apaixonados das pessoas, especialmente mulheres me dizendo o quanto a imagem da Gi, somada ao pacote todo, faz bem pra elas. Que a imagem dela cura doenças, de verdade, mesmo. Da felicidade que o filme traz, que olhar pro casal traz, é impossível não notar o quanto os dois estão se divertindo filmando. E não resisti de incluir a mim mesmo por alguns milésimos no filme, prá ter certeza de que fiz parte daquele dia maravilhoso. Eles estão totalmente mergulhados em um mundo próprio ali, um mundo muito livre e bonito. E é como eu próprio me senti depois de sobreviver aos meses ruins, que posso tentar criar um mundo livre e bonito pra mim. E por isso que fiz o filme ultrapassar os dez minutos e que é útil assistir em loop: é um filme contemplativo, onde o tempo não importa, você deita e relaxa de testemunha da felicidade. Uma menina me escreveu dizendo que com esse filme eu consegui deixar uma colaboração sincera, única e apaixonada ao cinema erótico mundial. É exagero, mas fiquei feliz. Os Filmes que ainda não existem: “CAT WALK FOR JODO” (2009, não está pronto, mas quando ficar, vou creditar como se fosse de 2009, que é onde quero que ele fique):  esse eu filmei durante a estadia do Jodorowsky em SP. Aproveitei algumas filmagens que eu fiz naqueles dias, mais alguns desenhos. É mais um daqueles filmes que fiz com a intenção de agradar duas, três, pessoas específicas. Comecei a montar, capturei as imagens, mas ainda sem ordem. Quando terminar é bem provável que de início não publicarei em lugar nenhum até fazer uma coletânea de curtas meus pra vender. Vejo sentido em duas idéias totalmente contraditórias: uma, é que acima de tudo fazemos filmes prá que as pessoas os vejam, se você mostre ao mundo, não tenha vergonha que alguém sempre vai gostar. Abandonar o próprio filme é crime, é como matar de fome o próprio filho. A segunda idéia, e só defendo ela ao lado da primeira porque faço e participo de muitos filmes ao ano, que é uma fala da Maya Deren, que não me lembro exatamente como é, mas em essência dizia que se o filme é seu, você pode fazê-lo, sentir e viver tudo e depois destruí-lo! Eu nunca destruiria um filme e imagino que ela também não fez isso. Mas é uma forma bonita de deixar o cinema ao lado da pintura , da poesia, renegando o filme como produto. Como quando você escreve uma carta pra alguém, lê várias vezes e nunca envia. Ou mostra prá outra pessoa, muitas vezes já foi o suficiente. Você faz e coloca numa gaveta e quando sentir que é o momento necessário, mostra prá todo mundo. Ou deixa em um canto estratégico pros mais amados encontrarem. Quem mantém a disciplina de escrever e guardar um diário a vida toda, sabe que um dia é possível que alguém vai ler. E de novo digo, que me vejo podendo fazer isso, porque fazemos vários filmes por ano e toda hora tem alguém vendo. Se eu fizesse um filme a cada 7 anos, não guardaria nem por um minuto, ia dar um jeito de juntar um dinheiro e projetar tudo bem enorme no céu, prá todo mundo ver. “Cat Walk” é um poeminha sobre gatos, Jodorowsky com ecos de Palomar, o observador que tudo sente, do Italo Calvino. “CALL ME: NÃO TENHA MEDO DO SEU CORAÇÃO”: Esse é o primeiro pedaço de “Marcius” que pretendo editar. Assim como o Viatti, segue a tradição dos filmes de tensão telefônica. É os dois lados da linha de um casal (dois rapazes) que se amam muito, mas que se mantêm afastados por via das insondáveis curvas do destino. O antigo e angustiante clichê da relação a distância, que todo mundo vive um dia, escrito ainda na época das cartas via correio.Todos os curtas provenientes dessas filmagens serão um verdadeiro intensivão de montagem,misturando filmagens em vhs feitas entre 1999 e 2001, com coisas feitas agora. “GOIANIA É UM MAU AGOURO NA JANELA DA MINHA ALMA ou DIA DE ANO 2”: Esse é um road movie filmado em 2005 logo em seguida das filmagens de “Dia de Ano”, com o Iuguru ainda no mesmo clima, mas com algumas narrações escritas esse ano. Dessa vez estamos em cinco (4 caras, 1 menina) dentro de um carro lotado de instrumentos, isopor e tralhas diversas, saindo de Florianópolis rumo a Goiânia em uma viagem infernal sem paradas, com  3 pessoas que conhecemos no caminho e que também iriam tocar em Goiânia. Perigo de morte por acidente, calor, incômodo, ódio, desespero, tédio, diferenças culturais e pessoais, poeira, buracos e um Iuguru mais claustrofóbico e irritante do que nunca. Eu próprio, várias vezes durante a viagem, decidi nunca mais me envolver com música, filmagem ou qualquer porcaria dessas, por toda a minha vida. É a versão mal filmada e irritante de Cani Arrabiatti. Quando a viagem passou eles nunca mais falaram com a gente e me surpreende muito alguém não ter tentado jogar o carro prá fora da estrada prá tentar matar todo mundo, tamanha era a irritação dentro do carro. “TARA E PERDIÇÃO EM UM PLANETA DE PRIMATAS” – Esse é filmado em 2011 e é uma homenagem dupla, tripla, sei lá,  aos filmes italianos pós-apocalipse, ao ciclo de canibais dos anos 70, aos filmes de espada e os famosos plépum. É também um braço do Viatti, já que nasceu de uma cena pequena que na empolgação acabei aumentando ao ponto de ficar deslocada no filme. Vou pegar uma cena que no longa vai ter 5 minutos e passar prá dez, aproveitando melhor o material. É filmado em um lugar chamado “Ilha das Aranhas”, uma ilha minúscula em frente de onde eu morava em Florianópolis. Depois do fim do mundo, os italianos dominaram o mundo e transformaram todos os habitantes do terceiro mundo em prisioneiros primitivos, usados exclusivamente como diversão sádica de seus donos, uma coisa semelhante ao Coliseu dos Romanos, só que mais afro. Graças aos benefícios da alquimia e da era nuclear, os italianos também tem o poder de trazer poderosos guerreiros de eras antigas e futuras, além de ninfas dançarinas mágicas, com o intuito de massacrar impiedosamente os “Primatas Brasilieri” e logo em seguida massacrar a si mesmos, apenas prá divertir os convidados. É prá explicitar minha paixão por diretores como Bruno Mattei, Ruggero Deodato e Lucio Fulci, em especial o fantástico “Conqueror”, filme de espadas raio laser bruxólicas. É uma das cenas mais ricas do Viatti, que vou tratar de forma diferente aqui, com mais ênfase em coisas que não caberiam no Viatti. Filmado em HD, lindão, das coisas mais divertidas que já filmei/participei. Passeio de barco, fogos de artifício fálidos, pré história, futuro nuclear, canibais do terceiro mundo, tudo no mesmo filme. Meu único lamento é não ter filmado uns números de dança que eu tinha planejado com a Ljana Carrion & Rachel (que estão no curta), por falta de tempo. Em êxtase orgasmático de ver tanta violência eclodindo frente a seus olhos, elas dançariam em ritmo sexual e frenético rumo as estrelas do apocalipse e da morte por tesão.

Baiestorf: Em 2009 tu estrelou dois projetos bem divertidos: “Gurcius Gewdner Show” do Fernando Rick e o meu média-metragem “Ninguém deve Morrer”. Como surgiu a idéia do Fernando em te colocar como apresentador de um programa de TV?

Gurcius: No mesmo mês, participei de duas das filmagens mais divertidas da minha vida! E fiquei muito feliz que foi mantida na edição a seguinte frase: “reflita por alguns minutos na desgraça monumental que é a TV brasileira”, que foi uma frase de improviso (que achei que seria cortada por motivos comerciais) e representa todo meu total desinteresse por televisão. Teria sido prazeiroso prá mim acompanhar o Rick nas visitas aos canais de televisão, esfregando na caras dos donos dos canais que a televisão é uma merda ao mesmo tempo que tenta vender um programa prá eles. Parei de ver televisão quando acabou “Os Trapalhões” (morte do Mussum), e mesmo na época não via muita coisa além disso. Televisão é monitor prá filme, dvd e vhs. Tv me enche de tédio, assim como futebol. Os programas de humor, os noticiários, tudo me deixa muito infeliz. Todo esse meu cansaço com tv deixaria minha vida um tanto que interessante, se o programa entrar em algum canal. Seria como ter um emprego de tumor maligno, trabalhar em tempo integral na função de câncer. Muitos canais recusaram por achar demasiado agressivo. Eu gostaria que fosse umas três mil vezes mais agressivo. Gostaria de ver as pessoas desligando a tv em colapso, em crise nervosa de choro, prometendo a si mesmas nunca mais assistirem nada na vida. Mas sei que não funciona assim. A televisão vai continuar cada dia mais burra e o público dela idem. Nem quero que apareça um salvador, quero que apareça é o fim completo, da televisão e do futebol televisionado. Quer futebol? Levanta e vai jogar. Muita gente diz que gosta de tv, novela porque é a hora do dia que dá pra desligar a cabeça, momento de assistir banalidades sem entender ou pensar em nada. Prefiro pegar um ônibus e sentar na janela. Gravamos o GG show em dois dias, sem parar, do sábado de manhã bem cedo até domingo já virando prá segunda feira, quatro da manhã. Estávamos prestes e filmar o Ninguém deve Morrer, que foi na semana seguinte. Eu estava com todos os figurinos do filme, que levei comigo prá SP. O “Ninguém” e o GG show tem exatamente o mesmo figurino. Os chapéus de cowboy comprei exclusivamente pro filme, naquelas lojas de fantasia que tem em SP, mas o Rick quis usar nas Gurcetes. Logo na primeira filmagem, na praça da Sé, roubaram uma lente cara, deixando um piloto televisivo de custo zero com orçamento de mais dois mil reais. Isso logo no início foi um terror pro Rick. Acho as apresentações maravilhosas e fáceis de se fazer. Já as entrevistas é tipo pular na jaula do leão, é muito cansativo, é como se fosse um duelo de arena romana. É um duelo, você tem que manter o entrevistado em seu devido lugar, sem fazer ele perceber. Sem aviso prévio, tive que pular na arena de Roma com 40 mendigos, o Sergio Malandro e o Mojica.Não poderia haver estréia melhor: 40 pessoas que não tem nada prá perder, o maior homem de cinema vivo na América e bem, o Malandro. Quando sumiu a lente meu pânico maior ainda era a possibilidade de dividir uma banheira nu, com um Kid Bengala, também nu. Que era a entrevista inicial e que felizmente se transformou em Sergio Malandro, no finzinho da tarde. Alguns momentos na Sé foram muito perturbadores prá mim, como um momento que um dos homens ameaçou começar a chorar querendo dinheiro prá voltar prá Pernambuco. E depois fiquei me sentindo um pedante babaca por ter perguntado no improviso o que eles achavam do Karl Marx. Porque diabos alguém que mora na rua tem que saber quem é a porra do Karl Marx ou qualquer outro filósofo? O cara quer é sair dessa ou ao menos comer algo e encontrar um lugar bacana pra dormir. Acaba se chapando prá conseguir ignorar que não vai conseguir nada. Mas enfim, foi o que surgiu sem querer de improviso na minha mente poluída, e era legal ver o descaso deles com esses nomes. Tentei tratar os caras com o máximo de respeito possível e ao mesmo tempo extrair algo que rendesse pro programa. Com o Malandro não consegui me controlar no mau gosto e na vontade de ofender, e o Rick teve que tentar estender ao máximo o encontro prá render algo próprio prá menores de 18 anos. De início o malandro ficou feliz vendo que eu lembrava de detalhes da discografia dele, como discos 7 ep que ele nem lembrava de ter feito. Mas o sorriso dele foi diminuindo conforme eu fui me soltando e pude finalmente dividir com alguém minha ambição de patentear um produto de consumo sexual ainda inédito no mercado: o cinto/dildo pra homens que tem tesão por MULHERES COM BOLAS. É um cinto de couro, do tipo daqueles que vem com um pau, prá mulher enrabar o cara, mas esse vem apenas com bolas. É pro cara comer a mulher de quatro sentindo a sensação das bolas masculinas batendo nas coxas dele enquanto ele enraba ela. Ou come ela de frente sentindo a sensação das bolas se esfregando nas suas bolas. É uma tara do novo milênio, coisa muito moderna e ao mesmo tempo com um toque bizantino. É pro cara que não é veado, não tem atração por homens, mas tem curiosidade prá saber como seria se a mulher tivesse apenas bolas. Também não é um travesti, ela tem vagina e na verdade as bolas nem são naturais, com pele humana e textura humana, são de couro, acopladas no cinto. Você faz sexo sentindo o balançar e leve batida das bolas. Fui explicando isso pro Malandro e ele foi ficando cada vez mais sério e ofendido, sem entender como tínhamos ficado tão distantes dos discos dele. E ele perguntava, “você está querendo dizer um travesti, é um cara que gosta de travesti”? E eu dizia: “não, é um cara que curte a sensação das bolas”. E conforme ele ia entendendo, ia ficando mais triste. E eu insistia dizendo que TODOS os fãs dos discos e piadas dele curtiam a sensação das bolas, o que foi deixando ele possesso. Quando perguntei se ele achava que o pau do Michael Jackson era preto, ele por pouco não me mandou a merda. Prá não fazer isso, teve que chamar uma menina que estava passando nos bastidores prá amenizar a entrevista. Todo esse papo durou um tempão e não entrou na edição final, o que é obvio, afinal que canal de tv ia querer comprar esse papo? To dizendo isso, pensando na caretice dos canais de tv, já que ainda acho que se não patentear logo esse dildo de bolas, vou terminar brigando com alguém na justiça, já que realmente acho que daria dinheiro. Daí vou morder a língua por todo o papo de se deixar piratear que soltei nessa entrevista. Tem uma coisa sublime que entrou na edição: no fim da entrevista eu dou uma olhada prá câmera, meio em pânico. Na verdade estou olhando pro Rick e já pedindo desculpa com os olhos, me sentindo um vândalo. No calor do momento eu realmente achava que não tínhamos gravado NADA que fosse minimamente publicável prá colocar no programa, só pornografia. Depois da gravação, comendo um pãozinho com refrigerante, o Malandro disse pra mim: “olha, boto fé que o programa vai dar certo. Tem duas coisas que sempre deram muito dinheiro: mau gosto e putaria. É isso que o povo gosta, e vocês tem de sobra em tudo, inclusive no teu visual.” Muito melhor que ganhar prêmio ouvir um elogio desses. No dia seguinte de manhã bem cedo gravamos minhas partes preferidas, que são os trechos na piscina. Apenas apresentações, sem entrevistas e muita diversão. Pulando na deliciosa piscina, correndo de meias e cuecas na lama de galinheiro e sendo cortejado com vinho vagabundo na cadeira da Emanuelle de 1977. Lembro que gravando no colchão inflável dentro da piscina, minhas bolas pularam pra fora do calção, presenteando o Marcelo Apezzatto com uma visão que deve ter feito a vida dele mais triste. O Rick convenceu as meninas de participar como Gurcetes de um jeito muito maluco, vendendo a minha imagem prá elas como se eu fosse uma espécie de respeitadíssima e incontestável mistura distorcida de Carlos Imperial com Chacrinha e Silvio Santos do sul. Acho que tudo estava muito confuso pra elas no início. Foi muito divertido e sem dúvida passou muito rápido. É o tipo de filmagem que eu passaria meses fazendo, ainda mais que filmamos em um sítio muito legal, tinha até macacos e um pavão. Tínhamos que voltar lá só prá gravar um longa de festas de milionários na piscina. Prá fechar com chave de ouro, a mãe do Rick fez um dos melhores almoços que já participei na minha vida. De lá já fomos correndo prá gravar com Mojica. Não era meu primeiro encontro com ele, mas seria a primeira vez dividindo a tela. Durante a preparação da entrevista, vi uma das cenas mais bonitas da minha vida. Gravamos na rua do Mojica, ao ver um moleque pequeno passando ele abriu os braços, se curvou e falou: “dá um abraço aqui no tio”… A criança levantou os braços, abriu um sorriso e falou: “ZÉ DO CAIXÃO”!!! E abraçou ele toda feliz! Ele se afastou dela e disse, daquele jeito dele: “agora vai, VAI!! Que a tua mãe te espera.” E o guri saiu correndo bem feliz. Quase chorei, o mundo às vezes é demais. Quem entrevistou o Mojica foi a talentosa Evelyn Ligocki, que já tinha feito uma das Gurcetes de manhã e dirige/atua em uma peça lotada de prêmios chamada “Borboletas de asas Magoadas”, onde ela faz um travesti. Mojica, macho que é, ficou totalmente impassível perante o travesti e o Rick achou melhor gravar mais perguntas, desta vez comigo, e me deixando livre pra bolar as perguntas. O Mojica no cinema, está na altura do Buñuel, do Godard, influência de todo cinema com culhões feito no brasil dos anos 60 prá cima e sempre me irritei muito com o jeito que os programas de tv, corja de vermes aqui do Brasil, mais de 90% deles, tratam o Mojica, transformando ele em palhaço de circo. Eu não queria fazer a mesma coisa e o resultado é que, num misto de respeito e nervosismo, minha voz tartamudeou e fiquei muito, mas muito educado. Prá piorar, desde cedo, devorei todo o cinema do Mojica, assisti tudo que consegui ver dele, o que resultou nas perguntas mais absurdas e obscuras possíveis. Aproveitei prá tirar as MINHAS dúvidas específicas, que não interessavam a quase mais ninguém. Falamos de “Padre Pedro e a Revolta das Crianças” prá baixo, com homenagens prá eletricistas que morreram a décadas atrás e por aí vai. O que a entrevista do Malandro tinha de pornográfica, essa tinha de obscuridade. No desespero, o Rick bolou uma solução genial, que foi assistir as entrevistas e reescrever as perguntas. E me filmando com um chroma key improvisado no quarto de casal do Marcelo, resultando na que é, provavelmente, a ÚNICA entrevista onde o Mojica realmente responde com exatidão o que perguntam prá ele, exatamente porque foram escritas depois dele responder. Algumas semanas depois, na hora de montar, o Rick descobre que todas as filmagens externas na piscina deram problema no microfone. Aproveitando uma palestra sobre cinema independente no Cine Olido (que tinha eu, você, kapel, Ivan do filme sobre o Agrotóxico, Marcello Apeazatto e Rick como palestrantes), que me trouxe pra SP de novo, fomos do bar direto prá casa do Rick e redublamos tudo em uma madrugada. Éramos verdadeiros glutões da dublagem, entre uma frase e outra, eu me empanturrava de maneira absurda com esfirras, cervejas e guacamole, compradas pelo Chello prá gravação. Mal dava tempo de mastigar e é quase um milagre termos conseguido regravar as falas direitinho. Ninguém nota que é dublado, todas as filmagens no sítio são dubladas. 7 da manhã estava eu totalmente bêbado e destruído de tanto comer, embarcando no ônibus de volta pra Florianópolis. Um detalhe bizarro em tudo isso: na época eu estava dando aulas no ensino médio, o que significa que eu passava os fins de semana falando asneiras em um colchão na piscina, irritando o Sergio Malandro, acariciando um boi no teu filme, banhado em tinta embaixo de um carro e na terça feira, oito da manhã, lá estava eu tentando ensinar a revolta da chibata prá juventude. Tem uma aluna que me apelidou de “cineasta”, não faço a mínima idéia do porque, já que nunca falei nada em sala de aula.

Baiestorf: E o “Ninguém deve Morrer”? Ficou dentro das tuas expectativas estrelar um western baiestorfiano musical? Como foram as filmagens dele?

Gurcius: Como já falei, esse mês foi maravilhoso! É meu filme preferido dos teus, e seria mesmo se eu não tivesse a honra de ser o ator principal. Presenciei você sentindo mais ou menos a mesma coisa que senti no segundo dia durante as filmagens do Mamilos, depressão da metade do trabalho. Te vi parado em um canto falando: “porra, já não sei se estou fazendo um filme ou pagando uma festa de seis mil reais pros meus amigos!”. Acho que quando a gente se sente assim, o principal alarmante é o cansaço mesmo, o cansaço faz a gente achar que está tudo errado. Mas em certas horas foi isso mesmo: uma super festa!  Eu filmei nos dois fins de semana, o primeiro foi mais calmo, com menos gente e em ritmo até lento. Fui de carro com o doutor Jurandir. Minha semana em Palmitos foi meio penosa porque tinha que ficar fazendo os malditos relatório das minhas aulas no ensino médio. No segundo fim de semana veio gente de tudo que é lugar, o elenco é gigantesco. Fomos de ônibus e no primeiro dia pudemos fazer algo que em todas minhas visitas em Palmitos, eu nunca pude fazer: visitar e usar o clube de banho! Fomos em grupo, só degenerados: Villa verde, Insekto, Ljana Carrion, André Luiz, Lane Abc, Wender Zanon, etc. Compramos todos os adesivos de “eu amo palmitos” que estavam disponíveis no clube. Tem água quente no clube, era uma beleza. Em determinado momento, sem querer, ocupamos uma piscina infantil, deixando ela com clima de Jacuzzi, percebemos que não era quando o dono do local veio falar comigo pedindo “por favor moço, use este linguajar no trabalho de vocês, mas esse é um clube com crianças e famílias”, nessa hora olhei pro meio da piscina e vi que tinha crianças no meio da jacuzzi, resolvemos sair e voltar pras piscinas de adultos. Era engraçado ver os fumantes do grupo fumando dentro da piscina. Na hora de filmar, minha primeira auto crítica foi perceber como dançar cansa e que eu estava fora de forma, entendi um pouco o sofrimento das pessoas, quando sou eu que estou mandando elas dançarem. O André Luiz que havia viajado, tomado banho de piscina e filmado/dançado, na hora de dormir, se revelou dono de um ronco gutural que nem nos discos dele ele jamais fez igual. Ao ponto de eu ter que descer e implorar prá expulsar ele do quarto, coisa que o Carli (que ainda nem conhecia ele) fez, isolando ele com outro urso: Coffin Souza. O André Honey, que no filme meio que não serve prá nada, com exceção do fato de, mesmo sem um diálogo, deixar claro que está totalmente fora de si, foi um astro nos bastidores. A certa altura ele, que NÃO ESTAVA BÊBADO, se despiu totalmente e gritou: “me batam”, o PC passou a espancá-lo com uma toalha molhada e ele uivou prá lua cheia quando a toalha atingiu os testículos dele. Decido ir dormir, torcendo pro filme realmente existir. Fiquei muito orgulhoso do Alejandro Gutierrez (vulgo Alec), um dos musos principais dos meus filmes, vida e banda, que foi pra palmitos e dá um show de atuação e entrega em sua performance masturbatória, que foi gloriosamente registrada pela câmera HD do Daniel Yencken. Como eu filmava bastante e sei que quem não faz nada só atrapalha, quando eu não estava em cena, aproveitava prá dormir, não vi a filmagem de boa parte das cenas onde não estou em quadro. Uma manhã vejo um grupo de pessoas saindo desanimadas da área das filmagens, e vejo que era durante a filmagem do Alec: “cara, nem vai lá, o Alec está se masturbando faz meia hora, é horrível”. O detalhe é que é uma cena onde ele faz isso por baixo do poncho, não tinha necessidade de se tocar de verdade, coisa que depois ele percebeu, quando começou a ficar ralado. Ele se masturbando e falando o pai nosso, ao mesmo tempo que debocha do sotaque do oeste de Santa Catarina, é sublime, vale a vida. Prá mim, como fã das chanchadas, das músicas, dos filmes da boca do lixo, westerns, Monty Python, do El Topo, dos Trapalhões e de tudo mais que o filme faz homenagem, foi uma diversão sem fim fazer esse filme. Até hoje, lamento com pesar ter perdido a maravilhosa camisa que eu uso durante o filme, perdi porque meus braços são arrancados, ela era muito confortável e fiquei usando antes das filmagens e fazia um sucesso danado. Sempre procuro tecido parecido e nunca acho. A cena que mais gostei de gravar foi quando sou espancado. Por incrível que pareça, foi muito relaxante gravar aquilo, foi quando percebi que a voz da Ljana é muito bonita e afinada, ela cantava a música enquanto eu recebia os chutes e tudo isso me dava muita tranqüilidade, me sentia nas nuvens. Quando regravei o disco do Riuychi Sakamoto (Chatran), chamei ela prá fazer os vocais. A cena que estou debaixo do carro foi filmado no sol do meio dia, a plaquinha de isopor que o Carli Bortolanza botava acima da minha cabeça, fazia toda diferença do mundo, a temperatura mudava radicalmente na hora. Sempre me emociona quando eu vejo o filme, aquela cena que estão todos descendo um barranco, filmada no último dia, poucos minutos antes da chuva de granizo. Me emociona a fauna de tipo raros, só filho da puta, todos reunidos ali, todos meus amigos. Outra coisa incrível que vale a pena lembrar, ainda no primeiro fim de semana, quando jogamos o carro em cima do meu boneco-dublê. Na hora que liberamos as correntes, o carro não caiu, o que foi muito chocante, o carro estava suspenso, preso a NADA. Antes que qualquer um dissesse qualquer coisa, teu pai jogou uma escada em cima do carro (que permanecia no ar) e subiu resmungando: “é só desengatar essa merda aqui, porcaria de corrente”. O desespero foi geral, com todo mundo gritando muito, chingando ele de tudo, já que se o carro caísse com ele lá de cima, ele ia se quebrar inteiro. Tudo isso foi filmado, com a câmera parada no boneco, dá um bom curta. Por milagre, o carro não caiu, e na segunda tentativa, fizemos a cena. Duas semanas depois, talvez nem isso, teu pai faleceu a poucos metros do mesmo lugar.

Baiestorf: Aliás, você também foi o editor do “Ninguém deve Morrer” e seu trabalho foi premiado no Festival Guarú Fantástico de Guarulhos/SP (Nota do Canibuk: “Ninguém deve Morrer” ganhou 3 prêmios neste festival, Melhor Montador (para Gurcius Gewdner), Melhor Direção (Baiestorf) e Melhor Curta (empatado com “O Gato” de Joel Caetano). Foi surpresa né? (Pergunto isso levando em consideração a rapidez com que filmamos o “Ninguém deve Morrer”, 5 dias de filmagens).

Gurcius: O mais legal é que foi votação do público, então não tem nenhuma questão ética ou de relações envolvida na escolha. O público vota pela diversão. É engraçado que é uma montagem “demo” (que no fim não é, já que o filme já roda por aí assim faz 2 anos), já que filmamos com duas câmeras. A sua e a Cannon HD do anjo salvador australiano Daniel Yencken. Dá prá dizer que é uma montagem incompleta, na época, meu computador simplesmente não abriu as imagens de alta qualidade do Daniel, que permanecem inéditas até hoje. Eu pude assistir e é muito incrível a diferença na imagem, como a mata de Palmitos ganha definição, passei a admirar esse negócio de lentes. Sou muito curioso pra ver como ficaria misturando as duas câmeras no mesmo filme, com a imagem melhorando e piorando toda hora. Talvez essas imagens a mais até permitem o acréscimo de músicas e tem alguns personagens, como o Wender Zanon, que só existem na câmera do Daniel. Pros créditos finais do filme nem conseguimos achar uma imagem do Wender sozinho. Lembro que perdemos alguns dias tentando fazer as filmagens do Daniel abrirem na minha máquina precária, e como tinha exibição marcada em São Paulo, com um bom cachê, acabamos desistindo e montamos apenas com tua câmera. Lembro que muitas vezes durante a edição e gente rolava de rir da própria edição porca que estávamos fazendo. Como no segundo número musical do filme que a solução (todos os closes principais estavam na câmera HD) foi ficar fazendo a Lane ABC sumir a parecer na tela, prá dar algum ritmo. Isso dá todo um clima divertido que lembra mais ainda os filmes da Boca do Lixo, mas mesmo assim era impossível não rir do quanto somos bagaceiros. Tem um outro detalhe nas filmagens do Daniel: ele realmente é um ÓTIMO fotografo. Filma sem tremer, e faz o trabalho do jeito mais lindo possível. Então, além de qualidade de imagem, essas imagens inéditas tem uma puta qualidade de enquadramento. Mesmo assim nem duvido que na hora de montar essa versão 2, o público ainda acabe preferindo a primeira montagem que já foi tão exibida e já é muito querida por todos… Mas temos que montar essas imagens do Daniel, de preferência bem logo.

Ivan Cardoso, Dario Argento & Gurcius.

Baiestorf: Fale sobre tua banda “Os Legais”? Tu estava produzindo um documentário sobre ela mas passou o pepino pro Christian Caselli. Como anda este projeto? Tem previsão de lançamento?

Gurcius: No primeiro ano de existência da banda, 1996, já comecei a fazer nosso filme comemorativo de uma década. Eu ia até os conhecidos com a câmera e dizia: “Quer gravar uma entrevista pro filme de dez ano da minha banda”? e eles diziam: “puxa vida, que idade você tem? Tua banda já tem dez anos??” e eu dizia: “não, tem só 10 meses, mas um dia vai passar de dez anos” E fui filmando. Com isso consegui juntar praticamente todo o underground brasileiro da metade dos anos 90 prá cima, nessas fitas, só parei com essa obsessão de gravar entrevistas sobre Os Legais de uns 4 anos pra cá. Mais os shows e gravações, é um material infindável, e desesperador também, tudo em VHS, fitas VHS-C. Acho que mesmo com o Caselli fazendo o filme, eu posso tentar fazer o mesmo filme que vai ficar totalmente oposto. Minha intenção em botar o Caselli é justamente ter a visão de alguém de fora, que gosta da coisa, e que pode fazer um filme de certa forma até “comercial” sobre a gente, prá passar em festivais, que ajude o povo a entender o que é, tudo que fazemos. E ao mesmo tempo, sei o que o Caselli nunca faria um filme careta, já que os filmes dele são todos muito doidos. Ele conseguiria fazer o meio termo ideal, prá explicar o que é a gente. Todo o material é muito bizarro, não dá prá jogar fora quase nada, tanto que aos poucos estou digitalizando tudo, prá quem sabe jogar todos os shows em uma coleção. Aliado a todo esse material, tem as entrevistas que o Caselli gravou, que são também várias horas. É um filme difícil de fazer, já que emprende muito tempo e com capricho vai virar uma coisa única na história do mundo. Acho que no momento o filme está parado porque o Caselli, assim como todo nós, precisa comer e isopor não enche barriga. E sei que ele quer colocar em uma lei de incentivo, que pelo que sei quem tem as manhas mesmo é o parceiro dele, o Guilherme Whitaker, que quero assuma o projeto como produtor, prá vermos a parada sendo feita com a estrutura que precisa. Quando o Caselli me visitou prá fazer o filme, chegamos a visitar um laboratório de digitalização com algumas fitas, ficou um clima meio esquisito com o pessoal do laboratório, já que esses meus VHS dos anos 90, são uma verdadeira roleta russa e logo de cara, no início da primeira fita que deixei lá, tinha uma filmagem/flagrante que fiz em um show, com uns jovens picando rivotril e cheirando, então quando fui buscar as fitas, a moça foi muito incisiva: “olha, a gente nunca assiste as fitas viu? A gente só coloca prá rodar ali e digitaliza sem ver, tá bom?” não entendi nada e fiquei desconfiado, já que ela obrigatoriamente deveria ver um pouquinho prá saber se está tudo ok, quando coloquei o dvd que entendi. Pior é que depois disso, na fita, a imagem seguinte é um monte de caras semi nus enrolados em lixo em cima de um palco, ela deve ter achado que era uma seita sexual das mais casca grossa possível. Acho que Os Legais é a grande benção da minha vida, a minha escola de vida. Tudo que aprendi a amar tem a sua raiz aqui. Me sinto tão livre quanto na hora de fazer filmes, tudo que fui exercitar nos filmes, exercitei primeiro com Os Legais. Foi onde aprendi que é mais importante trabalhar com as pessoas pela personalidade, esforço sempre se traduz em talento, nem que seja talento prá falta de talento. Adoro quando tocamos com músicos bons, especialmente hoje em dia, que os músicos bons já entram entendendo o que queremos, mas o principal é que todas as pessoas que coloquei na banda, coloquei porque gostava delas, se sabem tocar é só um detalhe. Quando faço um filme, muitas vezes gosto de escolher referências iniciais. Com Os Legais não, me mantenho sem aprender a tocar, prá conseguir me manter longe de qualquer influência possível, se houver um músico com influências musicais perceptíveis, minha intenção e do Marcius será sempre a de destruir a intenção dele durante a música, é uma batalha de egos movida a muito rancor e sangue. Lembro de um show em um festival que não conseguimos trazer amigos prá tocar, tivemos que pegar músicos meia hora antes. Durante o show, o Iuguru percebe que os caras estavam usando a gente pra ensaiar coisas da banda deles, o Igor arrancou o instrumento da mão dele, deu um chute nas costas dele e tirou ele do palco, em seguida ofereceu pro público “quem sabe tocar de VERDADE  aqui??, Esse filho da puta tava trapaceando, tava tocando músicas que já conhece ao invés de interagir COMIGO”. Claro que conforme vamos ficando velhos e tocando com gente que pensa parecido, a gente pode escolher referências externas e tentar recriá-las, prá não acontecer de repetirmos a nós mesmos. Com o lixo a gente faz as pessoas voltarem pra infância, canalizamos as energias do público em uma só força. Quem me deu a sugestão foi o Tito na mesma ligação histórica, ele me disse: “você viu quanto lixo voou em vocês durante o show? Nem sei de onde vieram aquelas caixas de papelão. Acho que você devia pensar em uma forma de usar isso como parte da música de vocês. Vocês não pertencem a esse lugar, por isso mesmo, acho que o lixo pode ajudar vocês a deixarem essa sensação de desconforto ainda mais forte, entre vocês e os clubes e outras bandas deve haver uma separação nunca menor do que uma fossa abissal”. E realmente, como fui chingado depois de nosso primeiro show no Curupira. Ao mesmo tempo essa separação me permite dividir palco com qualquer tipo de banda, me permite convidar qualquer tipo de músico. E o Isopor aliado a música separa a gente de todo mundo, mas deixa a platéia totalmente unida, todo mundo tem um sorriso no rosto depois do show. Os poucos que não tem o sorriso percebem que estão no lugar errado e tomam jeito na vida. Tem tanto detalhe e histórias prá contar que falar dos Legais renderia mais uma entrevista do mesmo tamanho que essa. Mais 70 paginas tranqüilo. Eu adorava quando fazíamos dezenas de shows em um ano, mas isso fica impraticável se não me pagam, dá muito trabalho colher o lixo todo, e se o show não tem um produtor que entende direitinho o que a gente faz, depois do show tenho que sair correndo pra não ter pagar um monte de contas e aparelhagem quebrada, como nem sempre consigo, me sobra só hematomas e prejuízo financeiro. Agora a gente faz no máximo dois shows em um ano, e sempre tem um produtor que banca toda a confusão e gastos, desse jeito posso até abraçar o dono do bar na hora de ir embora. Fizemos um show pra desovar toda minha casa antes da mudança, nesse show matei figurinos antigos de carnaval que usávamos a anos, desovei videocassete estragado, panela, torradeira, centenas de VHS mofados, o carrinho de compras, cartas antigas, textos de faculdade. Foi uma espécie de descarrego da minha vida, uma tentativa de colocar tudo no zero de novo, quando o show terminou, a sensação era de ter renascido de um coma ou sofrido 12 horas de tortura com choque e ter saído vivo. O show foi filmado com câmera HD, duas câmeras e vamos lançar em DVD. Em 2012, tem uma série de gravações novas e antigas que quero lançar, começando pelo disco “Bonito após Castração”, que é uma pérola só com o fino (inédito) da nossa produção. Estou também há alguns meses tentando fechar a melhor data prá uma sessão nova de estúdio, com a melhor banda que já tive em todos esses anos, os melhores músicos de Florianópolis, o plano é gravar cerca de 150 músicas novas. Nossa última gravação de estúdio eu achei uma bosta e é provável que nunca saia das minhas gavetas, o que é uma pena, já que tinha duas músicas que eu gosto muito: “O Almirante caiu com as crianças” & “Comer a criança, assar o neném, diluir e beber o bebê”. Quero gravar de novo. Eu ia comentar disco a disco, mas não agüento mais escrever, fica a dica prá quem quiser perguntar algo que o Baiestorf não perguntou: “comente a sua discografia disco a disco”. Só listando meus preferidos: O primeiro disco é de 1997 com 28 músicas em 29 minutos, nosso disco mais musical é o “Ar Silvestre” de 2009, diz o Wanderley Jurandir que casamos o pop com o noise nesse disco. O meu preferido é “Os Legais & Willie Kampff”, de 2006, que tem as letras mais doentias, a bateria é só o carrinho de mão e caixas de papelão, a temática central é infância, e vai bem além do “Serbian Film”. Esse disco também foi exposto em uma edição do Resfest, como obra de arte, saindo por tubos no metrô de São Paulo. O preferido dos fãs mais radicais é o “Froto Ivo” de 2007, que é o mais experimental de todos e o mais barulhento também. Em 2009 também tem nosso disco instrumental “Os Legais & Burt Bacharach” que gosto muito, tem o vocal trabalhando como instrumento. Adoro fazer disco, muitas vezes mais que fazer filme, me sinto muito vivo e feliz, mas não tem nem dúvida que fazer filme traz mais retorno, ao menos no caso das coisas que eu faço, morando em um lugar como o Japão, acho que seria o contrário. Quero terminar meus dias como maestro, ordenando os músicos de maneira demente prá fazer um disco novo todo mês, assim como o John Zorn faz.

Baiestorf: No momento tu tem trabalhado no seu longa “Viatti Arrabbiati”, como surgiu a idéia prá este thriller poliziesco?

Gurcius: É um filme de tensão telefônica, mostrando os bastidores da máfia italiana. Um filme de máfia, gangters muito raivosos, mas nem de longe pensando em Scorcese ou Copolla, pensei é no Pasolini, Monicelli & Richard Kern. Comecei tentando fazer um giallo, com base em um proposta/delírio do Zimmer, que me mentiu dizendo que me daria 300,00 reais prá escrever um giallo. Escrevi dois filmes: “As Gotas Malignas do Dr. Manlho”, baseado em Mario Bava, sobre um marido corno assombrado pelo mítico fantasma do pau duro, e o Viatti. O “gotas” é bem fácil de fazer, mas foi o Viatti que me empolgou mesmo, mesmo sendo muito mais complicado. Achei que já era hora de fazer um filme onde eu conseguisse juntar quase todo mundo, aproveitando tudo que a ilha da magia tem prá me oferecer, enchendo de amigos talentosos, canastrões estreantes, garotas nuas e tudo mais que fosse possível, ao invés de mais um filme simples, com poucos atores, como seria o “Gotas”. O fato de eu ter o apoio do Daniel Yencken na fotografia e câmera também me fez optar pelo trabalho mais megalomaníaco possível. Com a câmera linda dele pude aproveitar ao máximo as paisagens paradisíacas que Florianópolis oferece, de uma forma que nunca consegui antes. É como se um Dario Argento já caquético resolvesse tentar filmar um giallo, mas perde o emprego prá um péssimo Bruno Mattei, também caquético, que resolve transformar o filme em poliziesco, resolvendo na metade misturar com um pouco de péplum e pós-apocalipse também, perdendo o emprego prá um Pasolini, mais caquético que os outros dois, que resolve transformar tudo em um filme de fantasia, introduzindo um fauno na história e colocando o Fauzi Mansur e o Jim Henson prá re-escrever a história, que tentam imaginar a fábula a partir do ponto onde Saló termina. Pasolini ao perceber que os atores não são gays de verdade e que tem meninas demais no filme (mesmo que em pequenas pontas) abandona o filme irritado, entregando prá mim, que estrago tudo de vez, traduzindo o roteiro prá um italiano inventado, língua que eu não sei falar. A montagem devo fazer em parceria com o cadáver de Silvio Renoldi, Bruce LaBruce & Ruggero Mastroianni, todos trabalhando ao mesmo tempo, sem se comunicar entre si.

Baiestorf: Quantos meses de filmagens?

Gurcius: Filmei um pouco em agosto de 2011, por um dia. Depois voltei com força total em dezembro, filmando até março. Às vezes filmava por dois dias seguidos, às vezes um horário perdido no meio da semana, as vezes quatro dias sem parar. Dependia bastante dos horários de todo o elenco e especialmente do Yencken. Por causa da quantidade de pessoas, mesmo não filmando, meio que passei esses meses todos só envolvido no filme, sentindo inveja de quem tem um produtor, que fique no telefone ligando pras pessoas enquanto você cuida das coisas práticas, como revisão de roteiro. Nesse ritmo que estávamos fazendo, o ideal seria ter filmado por mais um mês ainda, tive que cortar algumas cenas que acho bastante importantes, improvisar outras, cortar gente do elenco, mudar o roteiro por causa dos cortes. Algumas das cenas que ficaram de fora, rendem outros filmes, dá pra fazer como curta depois. Assim como eu, o Daniel também estava se mudando de Florianópolis, isso me obrigou a adaptar muita coisa e acelerar o ritmo, adaptar coisas, tanto que acabei filmando uma cena em Curitiba, que é pra onde ele foi. Como tanto a data de saída dele como a minha eram incertas, conforme íamos fazendo eu ia dizendo : “ok, ainda não temos o Viatti, mas já temos ALGUM filme”, e depois “ ok, já temos o Viatti, mas ainda falta muito do essencial, será que vai dar, vamos ver”. No fim, deu. E filmei muita coisa fora do roteiro também, o que significa que ainda vou ter total abertura prá mudar o roteiro durante a edição. Fevereiro foi o mês mais intenso de filmagens, janeiro quase não fiz nada, tava com a vida pessoal muito confusa, mas quase só preparações pra fevereiro. No dia que filmamos com mais gente, o Daniel estava virado de encaixotar a própria casa, ele chegou a dormir em pé, enquanto filmava. De março prá cima, mesmo com a aparição de outros câmeras, resolvi dar o filme por encerrado, precisava me mudar também e passei a gravar uma série de entrevistas com o elenco todo. Por isso, mais uma vez digo que fazer documentário é moleza, filmei muita entrevista, mas nem me sentia filmando. Na hora de fazer filme, com figurino, roteiro e tudo mais, é outra coisa, fora os gastos. O que me salvou foi que fiz uma venda ENORME de camisetas pro Museu Afro Brasil, em dezembro, com artes do Emannuel Araújo, que definitivamente pagou meu filme. Mas em fevereiro, o dinheiro já estava no limite. Tem o detalhe da produção em gasolina, que vou falar mais pra baixo.

Baiestorf: Fale sobre o roteiro do “Viatti Arrabbiati”, é seu?

Gurcius: Escrevi a mão primeiro, já tentando imaginar em italiano, ouvindo apenas duas músicas: uma do Claudio Simonetti pros trechos de fantasia e outra do Riz Ortollani pros trechos de tensão telefônica. Depois reescrevi no computador tendo como aliados dois grandes amigos: um cardápio roubado de vinhos caros (meus eternos agradecimentos á amiga que roubou prá mim) e um dicionário de palavrões em italiano, cortesia do Pandolfi. Todas as sugestões dadas pelo Pandolfi e Fábio Turnes eu acatei com prazer. Quando comecei a escrever, já sabia quem faria os personagens, então o filme é inteiramente baseado e em homenagem prá eles, especialmente pro Thomas Costello, Dinngo & Marcio Pandolfi. Esse foi meu maior incentivo prá fazer o filme: fazer um tributo épico e surrealista direcionado totalmente prá esses caras, em outras palavras, provar meu amor por eles, sacaneando de todas as maneiras possíveis. Não é um roteiro descritivo, mas sim totalmente verborrágico e histérico, com as pessoas gritando a todo momento, mesmo as partes carinhosas e sussurradas, pedi prá gravar dos dois modos: sussurrado e aos gritos, prá ter todas as opções na hora de montar. Se eu quiser, faço um filme inteiro só de gente gritando, gente surda histérica gritando sem parar. Enquanto ia ajeitando o roteiro e preparando as filmagens, conversava com Yencken sobre tudo e também com os atores principais. Durante todo esse processo eu ainda não sabia que ia conseguir a venda no Museu Afro e nem sabia que ia gravar todas as internas no estúdio do Amexa. Gravar no estúdio dele, só ficou decidido na metade de dezembro, quando o Amexa ainda era um mero Mouro coadjuvante.

Baiestorf: Quando será lançado? Tem previsão?

Gurcius: Pro segundo semestre de 2012, infelizmente. No máximo vou editar uns dois curtinhas já em andamento, tipo o Cat Walk, só pra me aquecer na edição e mergulhar totalmente nele. Não vou fazer como fiz com o Mamilos, que ficou engavetado um tempo, com outros projetos tomando a frente. Me deprime que ainda não estou ficando maluco com a edição dele, mas ao mesmo tempo que fiz o filme, me mudei de cidade e permaneço errante, preciso de uma casa, com minha máquina prá montar ele com calma. Fico tentado a prometer estréias prá me auto pressionar, mas sabendo o resultado desse tipo de pressão, vou me controlar prá montar ele com carinho, mesmo que isso signifique ficar “parado” aos olhos de quem espera novidades da gente. Sei que tu me entende, quando a gente termina de filmar, prá quem participou o trabalho acaba ali e quatro meses depois todo mundo já está impaciente querendo filmar mais. Mas prá mim terminar de filmar não é nem de longe o fim, e montar é muito mais complexo e difícil que filmar. Filmar é físico, carnal, emocionante, imprevisível, intenso e divertido. Montar é cerebral, difícil, tortuoso, significa horas sozinho na cadeira, reavaliando cada pedacinho, percebendo os erros, tentando salvar as mancadas. Ao fim do filme você odeia ele e nem começaram as exibições que é quando o amor pelo filme retorna. Meu plano é deixar ele pronto, e já começar a exibir, deixando a edição dos materiais extras do DVD prá depois. Das outras vezes o normal era emendar a edição com o lançamento em DVD. Ele tem potencial prá ser um filme comercial, com montagem redondinha, mas prá isso eu deixaria de fora as partes que mais gosto. Minha intenção é deixar ele alinear, autista e retardado, que é como gosto que meus filmes sejam. A diferença essencial é o elenco gigantesco, fotografia boa e uma superação total de minhas intenções.

Almoço com Lloyd Kaufman, Petter Baiestorf & Gurcius.

Baiestorf: O elenco do “Viatti Arrabbiati” é todo formado por figurinhas de Floripa e região. Fale sobre o elenco, quem faz o que no filme?

Gurcius: Acima de tudo esse filme é um desfile de musas, e um espetáculo de astros. Além das já cultuadas Ljana Carrion & Giselle Ferran, o filme apresenta pela primeira vez quatro novas deusas para deleite do público. E tem um cardápio de galãs que vão fazer as pernas de todos os brotos, sejam homens ou mulheres, tremerem de tesão e arrepio, em êxtase diante de tamanha presença e beleza. É com muito carinho que cito um a  um dos participantes deste filme. Alguns nem se conhecem (e não se conheceram), mas prá quem convive constantemente comigo, como você, sabe que todos são amigos próximos e muito presentes na minha vida. Uma verdadeira epopéia reunir esse verdadeiro Exército Brancaleone de gênios sem noção no mesmo filme. Alguns que vejo pouco, outros que por muito tempo convivi 6, 8 horas por dia, como o Fábio Turnes (vulgo Sapo). E é com muito orgulho que posso dizer que 90% deles nunca tinham feito nenhum filme na vida e todos se saíram maravilhosos, exatamente como imaginei, na verdade melhores, não errei na escolha de nenhum, com as intenções que eu tinha. O que de novo confirma a famosa frase “Não existe ator ruim, e sim, pessoas nos papeis errados”. Nunca trocaria esse grupo por atores profissionais, porque na verdade eles SÃO profissionais, profissionais em serem pessoas lindas. Sei que até a montagem final, alguns vão estar usando pseudônimos artísticos, mas como ainda não recebi esses nomes, vou usar os nomes que tenho. Um a um, em ordem alfabética: Amexa: Ele faz o chefão máximo da máfia. Toca com o Ambervisions e é músico de apoio do meu irmão Amauri Gewdner, em todas as apresentações que ele faz ao vivo. Hoje em dia também toca em uma banda de hardcore grind chamada Produto. Pulou de piada interna e coadjuvante, prá ator principal. Quando eu já estava planejando o filme, o Amexa apareceu na minha loja e o Fabio Turnis (vulgo Sapo) disse: ele parece um mouro. Passamos a chamar ele de mouro e decidi que teria um capanga mouro no filme. Como eu queria muito homenagear uma cena do filme “Golpe a Italiana”, com Michael Caine, que tem uma escadinha de mafiosos lado a lado, achei que seria perfeito se ele fosse o ultimo da escadinha, já que ele tem dois metros de altura. No início da escadinha, estaria o Ubiratan Evaristo (vulgo Bira) que é o mais baixo dos mafiosos. Muito rápido o Ameixa, que é dono de um estúdio de gravações de bandas, se tornou uma das peças chave mais importantes do filme, já que gravamos todas as cenas de escritório, e também as dublagens, no estúdio dele. Inicialmente, ele não teria nenhuma fala. O ator principal era prá ser o Marcio Pandolfi: no dia que consegui marcar de filmar com a Gisele Ferran de topples no estúdio (graças a uma retrospectiva dos meus filmes em Joinville, organizada pelo Marcos Maia do The Power of the Bira, que pagou as passagens dela), o Pandolfi não pode ir. Pra não perder o topples reescrevi o roteiro e dei os dez minutos iniciais do filme pro Mouro, em uma solução totalmente idiota, mas era o que dava pra fazer. O Amexa trabalha com som pra cinema às vezes, com o microfone, e já deve ter passado muita raiva com gente que erra diálogo mil vezes. Fazia as falas quase todas as vezes de primeira, muito competente. Quando vi que ele tinha essa facilidade, dei o filme todo pra ele, facilitando assim também os meus horários, já que agora o ator principal e estúdio dependiam dos horários da mesma pessoa. Se não tivesse feito assim, trocando o Pandolfi pelo Amexa, não teria conseguido fazer o filme, já que o Daniel Yencken estava em vias de se mudar e cada dia perdido significava partes do roteiro que eu teria que podar e menos riqueza pro filme. O único momento que o Amexa gaguejou e errou texto foi quando pedi prá ele falar ao mesmo tempo que segurava os seios da Giselle. André Luiz (vulgo Andrea Luiggi) – Pude retribuir toda a diversão proporcionada pelo André, gravando o curta com ele a mais dez anos atrás, finalmente apenas este ano, quando dirigi essa participação fantástica dele em VIATTI ARRABBIATTI, onde ele revelou um italiano indefectível e muito bem ensaiado, pronunciado ao lado da também indefectível Jessica F., que apelidei de “Lydia Lunch brasileira só que mais bonita”, já que os americanos comem fast food demais. O André ficou muito feliz com o fato de ser um dos personagens mais afortunados do filme. Ele gravou as falas dele, em italiano correto, algo inédito no filme, ele é o único. Também tem o detalhe do Daniel Y. ser bastante perfeccionista com a luz, o que é ótimo, mas as vezes me impede de experimentar certas coisas (que na maioria das vezes dão errado, mas enfim, sou teimoso) e prá essa filmagem tivemos limitações na luz, deixando ela diferente do resto do filme, o que acho interessante. Prá essa cena, eu queria comprar aquelas lentes de cego, mas me faltou dinheiro, já era março, filmamos em Curitiba, então a minha solução foi que ao invés de homenagear o Lucio Fulci em “The Beyond”, como era minha idéia, me vi obrigado a homenagear o Roger Corman, com seus Et’s com olhos de bola de ping pong. Andrey: Ele toca no Antichrist Hooligans, umas das melhores bandas de Florianópolis da década e junto com o hans konesky tem o terno mais elegante do filme. Acho que supera a elegância do terno do Hans, já que vem acompanhado de chapéu e tudo. Quem canta na banda dele é o Diego, da Oscullum Obscenum, e que foi minha primeira opção pro papel de guerreiro sanguinário da morte no filme. Não consegui fechar data com o Diego, mas com isso surgiu o Andrey, que faz uma de minhas secretárias no filme. A primeira cena das filmagens de dezembro, foi filmada com ele, um close de abertura de zipper. Diz o Garganta que o filme ainda parecia muito sério e profissional, quando estávamos gravando aquele close de zipper, com tanto cuidado e detalhismo no enquadramento. Mas depois que o tempo começa a apertar, tudo vira uma correria e enquadramentos que levariam horas se resolvem em minutos. Carlos Dias: O filme tem muita cena em escritório, nas diretorias da máfia. Eu sabia que não ia conseguir um escritório descente que desse prá usar a vontade prá filmar, então decidi, a exemplo do Mamilos em Chamas e Gabinete do Dr Calligari, novamente chamar um artista prá desenhar os cenários comigo. De novo fui atrás de alguém que ao mesmo tempo seja acessível e um dos meus preferidos. O Carlinhos foi vocalista de várias bandas importantes do harcore dos anos 90 em SP, cantava no Againe, Polara e já viaja o mundo todo com os desenhos dele, que sempre achei maravilhosos. Prá minha alegria, ele escolheu Florianópolis prá se esconder quando não está viajando e pintou os cenários lindos prá mim em dois dias, muitos e muitos metros. O baterista do Againe era o Marcello Fusco ,que é um dos meus bateristas preferidos que já passaram por Os Legais e alguém muito importante pra mim também, foi o cara que espalhou nossas fitas por São Paulo e o resto do país todo durante o final dos anos 90. O Amexa levou de prêmio um dos cenários dele, e tem exposto lindão na sala da casa dele. Quando convidei o carlinhos, a mãe dele estava junto e disse empolgada  “que maravilha, o pai do carlinhos é descendente de italianos, esse filme vai ficar bonito”. Coffin Souza: Nem vou descrever a lenda viva maior de Canibal City, o Souza dispensa apresentações. Ele colaborou à distância fazendo prá mim os chifres do Fauno. É uma grande honra pra mim ter o Souza nos créditos de um filme meu, e já é a segunda vez, visto que ele dá o ar da graça em “Banho Gostoso”. Daniel Yencken: O Daniel  é australiano e tinha um grande interesse por cinema brasileiro. Mas até conhecer a gente, o acesso dele era o que os gringos ficam conhecendo através do meio acadêmico: Glauber, Sganzerla, etc, dificilmente o cara vai chegar até Tony Vieira, Trapalhões, Boca do Lixo, sem que algum cinéfilo sem ranços acadêmicos chegue até ele. O Daniel começou a filmar com a gente em 2009, no Ninguém deve Morrer, e vale a pena contar como isso aconteceu: ele leu a biografia do Ivan Cardoso escrita pelo Remier Liom, me procurou sabendo que eu trabalhava com ele as vezes e disse: “estou fascinado com  a vida do Ivan Cardoso, quero ver os filmes e se possível conhecer ele, como faço?” e eu disse, “olha, com o Ivan pode demorar, mas semana que vem vamos filmar um faroeste lá em Palmitos, no oeste do estado, quer vir junto?”. Ele topou na hora, você, quando soube que vinha um desconhecido, me olhou desconfiado achando que era mais um maloqueiro bêbado prá atrapalhar, e no fim, sempre digo que o Daniel se tornou uma espécie de anjo salvador do novo cinema bagaceiro brasileiro. Ele introduziu teus filmes e os meus as maravilhas das câmeras HD, e todas as loucuras que eu propus prá ele esperando ouvir um não, ele me devolveu com SIM, e me ajudou, com toda paciência zen do mundo. Quase não acredito que em minha vida toda, vou conhecer sequer três pessoas com a mesma boa vontade. Fabio Turnes (vulgo Sapo): Todas as vezes que viajei, esse foi o cara que ficou no meu lugar cuidando da minha loja. Isso já faz dele um dos caras mais importantes da minha vida. Ele escreveu em parceria comigo as melhores letras do “Universo em Desespero” da Orchestra Zé Felipe e deu algumas das melhores sugestões do roteiro. Ele acredita no dildo prá caras que curtem bolas e tem a melhor forma de definir tudo, com melhor vocabulário, como se tivesse estudado lingüística por anos. Sem exagero, prá mim, é dos grandes poetas vivos, cada frase dele é um aforismo que te rasga ao meio, um dos caras mais inteligentes e sem classificação que conheço. Seu tipo físico e comportamental, se ele investisse na carreira de ator seria equivalente ao poder da imagem de um Jece Valadão e foi uma honra conseguir filmar ele, já que ele odeia muito tudo isso. Odeia artistas, odeia cineastas e é obvio que ele tem razão. No filme ele protagoniza minha homenagem ao cinema Noir na pele do Detective Muy Particulare. O papel dele era bem maior no roteiro, mas ele era escorregadio como sabonete, e só consegui filmar duas vezes: uma como detetive, e outra em uma entrevista simplesmente fabulosa que gravei na pós produção. Dos planos que ficaram de fora, era minha intenção registrar ele enrabando o Thomas, todo suado, tatuado e dando socos nas costas dele aos gritos de “soy um detective muy particulare, descubro tutti!!” e arrancando o próprio olho. Não consegui, mas o pouco que gravei com ele, vale cada segundo. Gravei uma música em homenagem ao personagem dele no filme, que está no disco “Un Solo Cornottollo Abbandonatto”, segundo disco meu com a orchestra filarmônica Zé felipe. Galvão: É uma lenda viva da nova geração do povo que faz quadrinhos no Brasil, e ficou com papel de coadjuvante do Amexa, um mouro ao melhor estilo George Kuchar. Sou fãs dos desenhos e quadrinhos dele. Gravei uma entrevista muito bacana com ele durante a pós produção. Garganta: Ele faz os próprios filmes com a Adubo Power Violence, que faz uns filmes mais baratos e vagabundos que os nossos (e ótimos), e é um dos caras mais importantes do filme, faz papel duplo de ator e tem uma quantidade extrema de funções técnicas que ainda nem contei quantas são. É o produtor do filme, patrocinou o filme com gasolina. Eu não tenho carro, um elenco desse tamanho, quatro meses de filmagem, se colocar na ponta do lápis não é pouca coisa. De início eu ia apenas trocar gasolina por vinil da loja, mas propus se ele não queria ser o produtor oficial, estreando junto comigo no ramo das mega produções semi-milionárias. Ele acompanhou quase todas as filmagens, gravou making off, era extremamente pontual (coisa que eu não sou), fez as entrevistas de pós produção em parceria comigo, deu todas as caronas, fez controle de marionete, atuou como capanga, atuou como guerreiro do futuro (um papel de muito desgaste físico) e ainda é casado com a Maiara Pires, que só embelezou o filme e a minha filmografia. Sofreu como um cão, mas quem sabe pode se tornar um novo Samuel Z. Arkoff? Logo em seguida ele começou a fazer um filme novo dele com stop motion e no momento está na Alemanha, talvez tentando filmar o submundo do scat soft. Estou tentando convencer ele a fazer um filme dando a sua visão pessoal do que foram as filmagens, usando as filmagens que ele próprio fez. Gisele Ferran – Ninguém, nem você, sabia quem era a Gisele quando filmei o primeiro take do Viatti, na mesma tarde que gravei Freddy Breck Ballet, em agosto de 2010. Ainda estava moldando o roteiro, mas já sabia que um giallo trata basicamente de assassinato de mulheres e foi o que gravei. Foi muito divertido, já era no fim do dia com o sol descendo e tudo ficando muito frio. Quem é fã dela, vai se deliciar com os takes generosos, paradisíacos e como sempre hipnóticos que faço dela pro Viatti, que prá felicidade geral, faz um papel duplo, aparecendo bastante durante o filme todo, em aparições oníricas e reveladoras. Ela ainda revelou seus talentos de figurinista, criando a delicada penugem do Fauno. Hans Konesky: Esse é veterano dos meus filmes, toca n’os Legais, astro de “Me Boline, Me Boline”, entre outras milhões de coisas comigo e é um dos poucos que não está estreando no filme. Veio de Joinville só pra gravar e faz uma das cenas mais maravilhosas do filme, em um show de atuação. Fez muito mais do que pedi e a cena dele é uma das situações chave prá entender o clima tenso do filme. Diz o Garganta, o grande teórico desse filme, que ele fez a cena que explica o filme inteiro. Inicialmente seria filmada em um castelo, mas na correria de marcar tudo com todo mundo, não tive ânimo de correr atrás das autorizações prá filmar no castelo, no fim ficou até melhor, já que tive que mudar o rumo das coisas. É também onde homenageio “Golpe a Italiana (The Italian Job)”, uma das minhas primeiras intenções ao fazer esse filme. Ismael – O Ismael é cinéfilo viciado, freqüentava minha loja e sem querer enriqueceu muito meu filme. Foi ele o responsável pela polêmica exibição de Mamilos e Gore Gore Gays que fizemos na Estácio de Sá. Quando soube que eu estava fazendo um filme, perguntou se não tinha um papel pra ele. Eu não queria dizer não, mas ao mesmo tempo não conseguia enxergar ele como leão de chácara da máfia. Fiquei quebrando a cabeça por dias, achando que ia ter que dizer que não dava prá ele participar do filme, quando lembrei de um canibal, desses filmes dos anos 70, que me lembrava um pouco ele. Dito e feito, escrevi uma cena que teria uns macacos canibais brasileiros, que os italianos burgueses ficam matando prá se divertir e agradar as visitas. O Ismael é um tanto tímido, mas prá gravar se soltou totalmente. Essa cena foi crescendo ao ponto de virar outro filme, paralelo ao Viatti. Tenho exibido o copião da participação dos macacos em alguns festivais, acho irresistível. Jéssica F. – É a Lidya Lunch brasileira, só que muito mais bonita, como eu já disse. Trabalha em produção de cinema. É muito fã dos meus filmes e me procurou por causa disso, mas quando convidei pra participar do Viatti ficou em dúvida. Cheguei a escrever umas linhas especialmente em homenagem prá ela, onde o André Luiz segurava o cadáver dela com uma só das mãos (já que ela é baixinha e leve) e ligava prá um 0800 reclamando que uma das escravas brancas sósias da L. Lunch que ele encomendou chegou morta dentro da caixa. Mesmo com tão linda homenagem, ela continuava recusando. Mas quando fui filmar o André Luiz, ela resolveu assistir e na metade da gravação, com insistência do André e minha, ela decidiu filmar! Logo de cara disse que achava o próprio vestido muito feio. Eu já respirava fundo prá convencer ela de que o vestido era ótimo, e antes que eu abrisse a boca, ela tirou o vestido e revelou o estonteante e avassalador figurino que ela usa no filme. Menino ou menina, criança ou velhinho, ninguém vai resistir ao paralisante par de pernas que a Jéssica revela no filme. É prá levantar doente terminal e renascer defunto. Quem sabe, se o Viatti fizer sucesso, ela topa refilmar comigo a obra prima do Richard Kern, que tanto me influenciou no Viatti: FINGERED, que eu adoraria refazer do meu jeito, aumentando prá longa. Ljana Carrion – Sempre foi um sonho meu gravar com a Ljana como diretor. Em todos os filmes que a Ljana fez com você eu estive envolvido de alguma forma e contracenei com ela duas vezes. E em todos esses anos, mesmo antes dela te conhecer, a gente conversava sobre fazer um filme juntos, comigo como diretor. Entre 2006 e 2009 quase só fiz animações e filmes onde não via como ter participação dela. Tinha sempre um projeto prá filmar com ela, mas na hora de fazer acabava escolhendo outro. Cheguei a pensar que nunca conseguiria fazer um filme com ela. Com o Viatti realizei o sonho, mesmo que com uma curta participação dela, que faz papel duplo. É acima de tudo uma homenagem, e o mais incrível foi o que aconteceu no fim do primeiro dia de filmagens: fomos diretos das gravações pro estúdio do Amexa, e fizemos um disco triplo! Eu queria regravar a trilha do Ryuichi Sakamoto pro “Aventuras de Chatran”, mas não imaginei que seria com ela nos vocais e que o resultado ficaria tão lindo! Na pós-produção do Viatti, filmei uma longa entrevista com ela, revisando todos os filmes que já fez e muito mais, que é a entrevista base de “De Volta ao Valle das Uber Musas”. Ela também gravou algumas dublagens bonitas, e quase machucou o joelho prá valer ajoelhada na pedra e na chuva, gravando sua ponta de secretária no filme. Tem uma coincidência na aparição dela no Viatti: nos dois filmes teus que contracenei com ela, ela me enche de porrada. No meu filme, quem dá porrada nela sou eu. E nem foi de propósito, já que era pro Marcio Pandolfi ter dado porrada nela, e como ele não pode ir, sobrou pra mim. Marcel – O Marcel faz o parceiro primata do Ismael, e nesse dia ajudou muito nas filmagens. Se ele continuar fazendo filmes, pode vir a ser um sucessor a altura do galã Mario Gomes, que era o maior galã brasileiro nos início dos anos 90. Definitivamente, esse não é o filme que vai lançar ele como galã, mas as portas estão abertas, ele tem tudo prá ser um conquistador de proporções bíblicas. Marcio Pandolfi – O nome do chefão da máfia no filme é Marcucelli Pandolfinni, escrevi o personagem central totalmente em homenagem ao Marcio, imaginando o tom de voz dele, tudo. “As Gotas Malignas do Dr. Manlho” também escrevi pensando exclusivamente nele. O filme todo é um tributo ao Thomas, Dinngo e Marcio. O Marcio é um verdadeiro imã visual, com uma puta expressão e voz cavernosa. Perfeito prá fazer papel de vilão implacável, marido amargurado ou herói durão, desses que não tem nada a perder. Pode ser um ótimo equivalente nacional do Charles Bronson, e facilmente supera o Carlos Mossy e até mesmo um Udo Kier, meu ator alemão favorito. Na hora de gravar, por causa dessa correria toda que já expliquei, o tempo todo, eu tinha que escolher entre cenas que ficariam ou pulariam fora do filme. Cortei muita coisa boa, mas consegui filmar o principal, as coisas que poderiam deixar o filme rico e variado. Durante o mês de dezembro inteiro, o Marcio ainda era o ator principal, mas os horários estavam muito difíceis de marcar e tanto eu quanto Daniel ameaçava ir embora da cidade a qualquer momento. Cheguei a desmarcar uns dois dias de filmagem, o que achei uma burrada da minha parte, prá tentar fechar com os horários dele. Mas quando surgia a chance de gravar com alguma entidade feminina, por nada no mundo eu cogitaria desmarcar e dava um jeito improvisando, fui diminuindo ele no filme, prá não perder tempo. A cena da Giselle com Amexa era prá ser com o Pandolfi, mas ele foi em uma festa de aniversário. Coloquei o Amexa no lugar dele, aumentando o papel do mouro e filmamos. Dias depois, ele iria fazer uma cena na cama com a Ljana, mas também não pode ir, tive que fazer a cena eu mesmo e nessa arranjei uma solução que, ao mesmo tempo que homenageava filmes como “O Homem Elefante” e “O Homem Invisível”, dispensava ele de um monte de cenas externas muito difíceis, já que me permitia usar um dublê de corpo. Veio a virada do ano, toquei com Os Legais na virada e quando voltei a filmar decidi transformar o Amexa em ator principal, facilitando todos meus horários. Mesmo assim, o Marcio faz uma pequena participação no filme, que é uma das minhas cenas preferidas. Marcius Carrascu: Ele também faz papel duplo, comanda o Goregrinder Web Zine, toca em uma série de bandas de grind e organiza festivais. Prá chegar até ele foi uma jornada, já que meu plano inicial era um cara de porte forte, com músculos ou gordo. Eu queria um equivalente ao Hercúles e minha primeira opção foi o Diego do Oskullum Obscenum & Antichrist Hooligans, que eu sempre quis usar em um filme. Tenho certeza que toda a presença de palco e carisma que ele tem, na tela do cinema será ainda mais poderosa. Diego topou, mas teve que desmarcar por problemas pessoais. Fui direto ao Felipe, que também toca no Oskulum, e apesar de não ser musculoso, tem um porte ainda maior e até mais agressivo. Felipe também topou mas de última hora o emprego dele escalou ele pro sábado, meio na piada, ele disse “porque você não pega o carrascu pra ser seu guerreiro medieval??? Hahahhahaha”. Na hora dei risada, mas nem 12 horas depois já ligava empolgado pro Carrascu fazendo o convite, e ele conseguiu fazer. Prá deixar tudo ainda melhor, o Carrascu conseguiu a máscara de gás (cedida pelo Felipe) que o Oskulum Obscenum usa no palco e uma roupa nuclear, e eu que queria um guerreiro medieval, ganhei dois guerreiros: um do passado e outro do futuro e conseguir aumentar todas as possibilidades do filme. Pro dia do Carrascu, ele teve a honra de ter uma ilha só prá ele, a lendária “Ilha das Aranhas”, que conseguimos uma manhã inteira prá filmar com carona de barco, com cerveja patrocinada pelo Carrascu. Ele sofreu muito, passando por todo tipo de provação física, filmando e ainda por cima bebeu litros da minha receita de sangue, que diz ele que tem um gosto péssimo. Ainda pude homenagear um personagem do Blade Runner, dando um segundo papel ao Carrascu, que faz mais um lacaio da máfia. O filme nem foi lançado ainda e já recebo e-mails de garotas de todos os cantos do país querendo saber quem é aquele homem das cavernas de corpo esbelto, com sedosos cabelos que dão vida ao vento. É o Carrascu, o novo Conan brasileiro. Ele merece uma série de filmes medievais só prá ele. Maiara Pires – Sempre achei a Maiara muito parecida com a Kate Bush, só que mais bonita, e dizia de brincadeira que iria refilmar os vídeos dela com a Maiara. Acho as danças da Kate Bush simplesmente geniais. Nunca achei que iria realmente fazer isso. A cena dela no filme deve ser sem exagero, a imagem mais sublime que já filmei, cheguei a ficar tonto na hora e todo dia lamento não ter feito umas duas horas de copião, filmei muito pouco pro valor que essas imagens têm. Foi filmada na Ilha das Aranhas. A Maiara será creditada como produtora, junto com Panchi e Garganta e ajudou tanto quanto eles. Fez stills, deu carona, making off e mantinha o clima das filmagens feliz quando tinha alguém de mau humor. No filme dá prá descrever ela como uma ninfa de outro mundo, que aparece como mágica pra sublimar ternura em um mundo de violência. O mundo de onde ela vem ninguém sabe se é outro planeta, jardins das fossas abissais ou do além-vida. O Garganta tem que aproveitar a beleza e talento dela e fazer da Maiara a grande musa maior de seus filmes. Ela merece e o mundo ajoelha e agradece. Osni Manuel – Apenas duas pessoas não aparecem na frente das câmeras nesse filme, é o Daniel e o Osni pescador. Quando gravamos a cena onde atendo meus clientes em meu trono de leão, uma pequena multidão da vizinhança se reuniu em volta, boa parte deles da comunidade de pescadores que fica em frente a minha ex-casa em Florianópolis. Eu realmente achei que estava ofendendo todo mundo, mas quando terminamos ele veio falar comigo, com uma proposta vinda diretamente dos meus mais loucos sonhos: “se você quiser, levo você e a sua equipe pra filmar na Ilha das Aranhas”. Perguntei: “Quanto preciso te pagar!!!??” e ele disse: “nada! Eu vou todo dia prá lá pescar!” Fui em um dia com ele conhecer o lugar, e na semana seguinte fomos filmar. Levamos algumas cervejas prá ele mas ele nem deu muita bola, depois entendi porque: ele tinha reservado um baita almoço regado a churrasco, frutos do mar e o triplo da cerveja que trouxemos prá comemorar o fim das filmagens!! Eu teria me embebedado a tarde toda, mas ainda tinha filmagens até a meia noite! Só ficamos por pouco mais de uma hora e deixei meu valioso leão com ele. É em momentos como esse que me sinto o cara mais sortudo do mundo. Panchiniak – O panchi é o sócio do Garganta na A.P.V. produções e um dos produtores gasolina do Viatti, ele faz um mafioso francês e não tem nenhuma fala no filme, mas em compensação nas entrevistas de making e pós produção, falou por duas horas sem parar, se for transcrever tudo que ele falou, fica maior que essa entrevista aqui. Rachel Seixas – A Rachel foi essencial na frente e atrás das câmeras. Usei lâmpadas, dezenas de objetos da casa dela, e a própria cama de casal dela pras filmagens com a Ljana. Na vida real, ninguém cuida melhor do meu marketing pessoal do que ela. E ninguém me incentivou mais a fazer esse filme do que ela, que me acompanhou durante todo o processo, do roteiro aos tempos mortos entre as filmagens. Inicialmente quem iria fazer a parte dela no filme era a Karina Bez Batti, que sou fã e mora em Florianópolis. A Karina fez filmes com o Mojica e o Rubens Mello e ouviu muitos elogios aos meus filmes vindos do Paulo Sacramento e do Dennison Ramalho, quando voltou pra Florianópolis me procurou e ficamos amigos. Infelizmente, por causa do emprego, ela teve que desmarcar. Como homenagem batizei o nome da Karina no personagem e coloquei a Rachel no lugar. Faz uma das minhas sensuais e libidinosas secretárias, ao lado da Ljana & Andrey. Filmamos na chuva, quase matando elas de frio. Elas não reclamaram em momento algum e deram um show de atuação, em um espetáculo de expressões faciais afrodisíacas inspiradas em um misto genial de Mussum & Gisele Ferran. De novo, tenho que lamentar a falta de tempo pra fazer as filmagens erótico musicais adicionais que planejei, o que ainda quero fazer. A Rachel diz que os movimentos da Gisele são a cura do câncer, mas é certo que um simples olhar dela neste filme, faz brotar flores em planetas mortos. Sarah Vah – A Sarah viu Freddy Breck Ballet e ficou apaixonada pelo filme, se prontificando prá filmar comigo, o que aceitei na hora. Ela é fã do Artaud e da Helena Ignês. Logo depois de filmar comigo, ela seguiu pra São Paulo e agora trabalha com o Zé Celso no Teatro Oficina. A participação dela no filme foi de improviso, quase incidental. É uma cheerleader que transita entre o passado e o futuro. Me ajudou a compor uma deliciosa homenagem aos filmes de Lucha Libre, sendo que o juiz é ela. A colaboração dela é de arrancar suspiros apaixonados e tem o mesmo brilho inspirador da Helena Ignês em “Mulher de Todos”. Me vejo lamentando da falta de tempo pra registrar com carinho todos que participaram do filme, porque todo mundo se saiu muito bem. A participação dela é pequena, mas essencial e mereceria no mínimo três horas de copião. Ela é mais bonita e talentosa que a musa do Robert Rodriguez, a Salma Hayek. Thomas Costello: O Thomas é um ótimo guitarrista (até coloquei ele n’os Legais) e era daqueles clientes da loja que eu odiava, via ele vindo de longe e tinha vontade de me jogar dentro do armário. Com o tempo, essas coisas do destino e da vida, que só os caminhos insondáveis do amor explicam, passei a achar o contrário dele e ficava feliz quando via ele se aproximando. O dono da loja de guitarras (Daca) que ficava ao lado, sentia o mesmo asco inicial, mas o Thomas é tão talentoso que, percebendo isso, o Daca logo arranjou pra ele uma bolsa em uma das mais conceituadas escolas de música da cidade, onde se não me engano ele dá aulas agora. E eu, dei o papel principal pra ele nesse filme. Não só o papel principal, como escrevi o filme pensando nele o tempo todo. É claro que tudo isso tem um preço, e fiz ele sofrer muito, mas muito mesmo. O personagem dele move a trama toda, e prá isso banhei ele em leite, fiz ele rolar na merda e fritar no sol. No fim de cada dia de filmagem, ele me ligava dizendo que ia desistir, mas no dia seguinte de manhã estava lá de novo. A mãe dele é uma pessoa maravilhosa e quando eu botei ele pra rolar na merda, ele quis desistir do filme, o que não fez porque  a mãe dele entrou em cena e mandou ele continuar na merda, aos gritos! “Faça o que o diretor manda Thomas!!! Ele sabe o que está fazendo!!!”. Na verdade, nem precisávamos da merda ali, apenas de um gramado simples, mas na correria (Daniel tinha que viajar em menos de três horas) ia demorar muito pra limpar, o cocô nem vai aparecer no filme. Ele é perfeito pro papel, fez tudo igualzinho imaginei que faria e se lamento em algo, foi que algumas cenas antológicas do roteiro, não consegui filmar. Mas paciência, tudo que filmamos, ficou do jeito que eu queria. O Thomas também me surpreendeu muito durante as sessões de dublagem, extraindo coisas realmente dementes e histéricas, acima do que eu esperava. O garganta não conseguiu estar presente pra fazer making off, o que foi uma pena. Tem uma maldade que fiz com ele, que juro que nem foi proposital: ele tem muitas namoradas no filme, mas só contracena com elas, na edição. A frase que ele mais dizia durante as filmagens era: “esse filme vai destruir a minha carreira”. Com certeza não é a carreira dentro do cinema vagabundo brasileiro, onde garanto que ele já é um ícone. Acho que a primeira vez que falei com ele, foi por causa de um filme de um amigo dele, que eu ia participar, mas que nunca saiu. Adoro esses filmes que nunca saem, mas rendem bons frutos. Ubiratan Evaristo (vulgo Bira): Ótimo músico, sempre com algum projeto musical diferente e criativo, e um entusiasta do murrays, meu creme de cabelo favorito. No filme faz mais um raivoso capanga. No início eu ia filmar era o patrão dele, interpretando uma música da Ornella Vanoni em uma homenagem ao número musical do Ivon Curi no Escorpião Escarlate. Acabou não dando certo com o patrão, que depois de muitas reviravoltas, recusou porque “tinha um compromisso com o belo” e decidi gravar um vídeo com o Bira dublando uma música do Bobby Solo, que iria se alternar com uma cena triste do filme, bem dramático tipo os boleros do Almodovar. Filmamos ele como capanga, mas não deu tempo de fazer a cena musical, acabei gravando a música do Bobby Solo, que ele iria dublar no filme e vamos lançar no Ep do Abbracciare Zimbo Trio, banda que eu formei com o Petter Gossweiller e um japonês, especialmente pro filme e rendeu duas regravações MPB de Bobby solo, tocadas com uma bateria de caixa de papelão , telha e um copinho de pinga. Urinney Dinngo : Um astro total. É o espectro homo-onírico do filme, quem dá o tom fantasioso que o filme precisa. Quem vai fazer o Pasolini rolar na cova. Um gênio criativo musical mil vezes mais foda que o Mike Patton. Um total e completo imã visual. E é quem mais sofreu nesse filme, mais do que eu, mais do que o Daniel, mais do que o Thomas. Decidi que não podia mais perder tempo não filmando com ele, quando vi um trabalho fotográfico que ele fez refletindo sobre a idéia do “nojo”. Antes disso, ele já havia colaborado com desenhos em “Tudo começou quando Mamãe…”. No Viatti ele faz um Fauno e no dia anterior as filmagens, ele deixou a perna em carne viva caindo de patins, esporte que ele é totalmente dedicado. Mesmo com a perna podre, ele não hesitou em filmar. E ainda fez as filmagens virado porque passou a noite toda tentando conquistar uma menina que fim da noite dispensou ele. Se gravando Freddy Breck Ballet lancei ele no paraíso, nesse filme mergulhei ele no mais completo inferno. Vejamos a lista de torturas: Malabarismo com pingüins mortos a dez graus de temperatura? Sim. Dançar nu por mais de seis horas em cima de uma pedra quente? Sim. Correr com a perna em carne viva em meio à vegetação espinhosa? Sim. Cenas homo eróticas com Thomas Costello? Sim. Banho de leite (que ele odeia com todas as forças)? Sim. Horas fritando no sol do meio dia (junto com Thomas) sem protetor solar? Sim. Colar chifres na própria testa com SUPER BONDER mais de dez vezes? Sim. Enfiar coisas gosmentas na bunda e em público? Sim. Sessão de dublagem com mais de duas horas de gritaria histérica até doer a garganta? Sim. E depois de tudo isso, ele não só continuou meu amigo, como ajudou fazendo a câmera em várias das filmagens de pós produção. Me ajudou a filmar as impagáveis entrevistas com a Ljana e o Fábio Turnis. Quando terminamos as filmagens com o Fauno, a única coisa que todo mundo queria era água, na fila do supermercado, um moço me cutuca e fala: “Vi você lá na praia jogando leite num viadinho, vocês trabalham na publicidade pra alguma empresa de leite?” Eu amo a minha vida. Zimmer: Ele ia me dar trezentos reais e nunca deu! Também ia comer o rabo do Thomas, mas não deu tempo de filmar. Resumindo, de novo, o Zimmer não fez porra nenhuma, mas como sempre foi um estopim importantíssimo prá me incentivar a fazer. Ficaram de fora do elenco, por trágica falta de tempo, além dos que já citei, duas sobrinhas do mítico cantor Tyto Livi, o próprio Tyto Livi, um ator mirim (que não filmei porque a mãe sumiu, levando a criança junto) e tem um convidado especial que deve entrar no filme de última hora, mas que como ainda não filmei, vamos ver se vai rolar mesmo.

Sarah, Rachel & Gurcius.

Baiestorf: Projetos?

Gurcius: Acho que durante toda a entrevista já listei uma série incontável deles. Mas vou aproveitar pra fazer propaganda da meu projeto envolvendo o Chatran.  O texto a seguir, não escrevi prá essa entrevista, mas permanece inédito, já que ainda não postei minhas re-dublagens do filme: “As Aventuras de Chatran é pra mim um dos mais importantes e influentes filmes de todos os tempos. E certamente, minha influência mais direta, junto com as narrações e edição frenética de Russ Meyer, Mojica & Sganzerla,  somados ao clima dançante, festivo,  delirante e sempre em movimento de Fellini, Dusan Makavejev, John Waters  e Blake Edwards.

Em TODOS os meus filmes, Chatran está presente, desde os filmes com referência mais óbvia, como “Eu Sou Um Pequeno Panda” até nas narrações de filmes como “Mamilos em Chamas” e “O Triunvirato”.  Mesmo em meu “vídeo-arte/nudie film” FREDDY BRECK BALLET, Chatran está presente na mensagem simples, básica e positiva, e muitas vezes esquecida por todos nós: de que a vida é uma maravilha que passa MUITO, mas muito rápido. E tudo que é mais valioso pra nós vai embora muito antes do esperado. Nada é eterno.

Não escondo de ninguém minhas intenções de refilmar este clássico, do meu jeito, desta vez sim alterando o texto e utilizando seres humanos no lugar dos bichinhos. Até hoje, dificilmente gastei mais do que 300 reais pra fazer um filme, este filme é um que eu realmente gostaria de fazer tendo dinheiro de sobra, e é assim que o farei.

É importante ressaltar que a versão dublada em português é a única que assisti, e sinceramente me recuso a ver versões em outras línguas, essa dublagem é perfeita, completa. Minha intenção redublando esse filme não foi de melhorar ou acrescentar algo a dublagem original, mas apenas homenagear mais uma vez este filme tão querido pra mim. Por pura diversão e carinho. Também regravei a trilha sonora do Sakamoto, eu e Ljana Carrion nos vocais, Amexa e Petter Gossweiller no baixo e bateria o que causou algumas mudanças leves no filme original.

Cada fotograma deste filme é mais transgressor do que toda a história do cinema Gore e de qualquer coisa classificada como Cinema de Transgressão. Os “puritanos” deste tipo de cinema que me perdoem, mas posso declarar isso de peito aberto, já que sou uma das “autoridades” do assunto aqui no Brasil. E esse filme tem todo esse impacto justamente porque mergulha direto na alma, suas imagens e emoções são fortes, indo das lágrimas de riso ao terror total sucessivas vezes, com uma maestria que apenas gênios possuídos podem conceber.  Desafio qualquer pessoa a assistir este filme sem cair em lágrimas ou ao menos experimentar os limites do choro trancado. É impossível ficar indiferente, e se foi o seu caso, simplesmente VOCÊ NÃO EXISTE.

Eu amo os animais mais do que qualquer outra coisa, fico mais empolgado e emocionado com eles do que com qualquer filme ou musica que conheci em minha vida. Sou a criança que todas as vezes que vê uma vaca ou gaivota no pasto, cutuca as outras pessoas no carro prá que vejam também. E o Gato é o ser vivo que mais toca minha alma, a criaturinha que mais me fez sentir, com força total, as sensações libertadoras do que chamamos de AMOR PURO, que faz a gente voar, faz o olho se encher de lágrimas, ansiedade, explosão, luz e desespero (desespero vital). Que faz valer todo sofrimento. Sigo a vida sabendo que quanto mais envelhecemos, algumas experiências doloridas vão deixando nossa fé descolorida, nossa fé nas coisas que antes só havia beleza, nossa fé de que o futuro é tão lindo quanto o presente nos momentos felizes.  É sabendo de toda essa dor que às vezes deixa a gente sem saber pra onde ir, que me mantenho no esforço sempre constante de tentar ver e sentir as coisas pela primeira vez, e jamais me transformar em um niilista idiota.

Nem preciso dizer que essa é a força motriz pra tudo que faço, e que dedico estas postagens especialmente para Mini Mulamba, Burakowsky Mendigulus, Cinzinha Cinzão, Mulamba, Kitty, meu primeiro gato (que a muito tempo já não lembro o nome), Carlinhos Carinho, Billy, Mandy, Pettit Gatô (o gato do Caselli)  e os cães amados Rupi,  Lassie, Laika, Olavo (o cachorro do Ivan Cardoso), Nosferatum e todos que passaram por mim e que ainda vou conhecer (e filmar).” Gurcius Gewdner, novembro de 2010 (com um leve acréscimo em novembro de 2011). Tem muito, mas muito mais. Vamos contando conforme vamos fazendo.

Baiestorf: O quer tu pode dizer pro pessoal que quer filmar mas tem medo de parecer ridículo?

Gurcius: Medo de parecer ridículo é muito mais ridículo, veja o tamanho dessa entrevista. Se você quer fazer seus próprios filmes, suas próprias coisas, FAÇA! Não espere pelos outros ou por qualquer desculpa que a sua cabeça crie, simplesmente faça! Você pode tentar editais, pode tentar qualquer coisa, mas se não acontecer desta forma, bote tua idéia em prática mesmo assim! Crie seu próprio mundo e o mantenha vivo! Como você mesmo já disse: precisamos de MENOS EGO E MAIS APOIO MÚTUO. O erro maior das gerações anteriores é que muitas vezes eles enxergavam seus colegas fazedores de filmes como concorrentes e não como espelhos. Colabore com seus amigos, com todo mundo que você é fã e eles te ajudarão em troca. Aproveite as pessoas e o ambiente a sua volta, declare seu amor por elas enquanto ainda é tempo e quantas vezes possíveis você conseguir. Fazer filmes, música, desenhos pra mim é isso: é declarar meu amor por todos que conheço e declarar o quanto é mágico e precioso o tempo que gastamos juntos. Quero que todas as pessoas que eu filmo e amo sejam eternas. Se nada nem ninguém dura pra sempre, é necessário que a intensidade de tudo que fazemos esteja sempre ao máximo. Cada despedida, cada filme, precisa ser desesperado, obsessivo e apaixonado. Precisamos devorar tudo que achamos lindo, aprender, absorver tudo da melhor forma possível. É preciso se manter em movimento, digo isso no sentido literal da coisa. O mundo e o corpo em movimento fazem as idéias borbulharem. Olhando prá parede, sozinho e trancado você nunca vai conseguir nada. Se você não consegue andar, entre em um carro, ônibus e olhe prá fora. As idéias vão vir de dentro de você prá fora. As idéias são movimento, música e amor. Todos os planos e idéias que tive na vida foram em movimento, impulsionado por música, minhas próprias pernas, frutas, café e amor.

todas as imagens de Uzi Uschi.

Lua Perversa – A Série

Posted in Cinema, Vídeo Independente with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on novembro 25, 2011 by canibuk

“Lua Perversa – A Série” (2011) de André Bozzetto Jr. Com: Petter Baiestorf, Coffin Souza, Alan Cassol e Elio Copini.

Em 2009 fiz uma participação especial no curta-metragem “Lua Perversa” de André Bozzetto Jr. e me diverti horrores filmando, então quando ele me ligou dizendo que estava planejando “Lua Perversa 2”, que sabiamente foi transformado em uma série de WEB, aceitei na hora participar como uma das personagens principais. Pude exercitar uma homenagem ao Mazzaropi, minha grande influência ao interpretar o caipira bonachão e medroso de “Lua Perversa – A Série” (faço uma espécie de Mazzaropi, misturado com Teixeirinha, com visual de cantor brega de country americano). Esses 3 episódios iniciais foram gravados num único dia no Rancho Baiestorf (o estúdio da Canibal Filmes) e, se houver uma boa aceitação dos internautas, estamos pensando em aumentar a série com episódios mensais, onde o Jones (eu) e Jeca (Elio Copini) enfrentarão os mais engraçados monstros do horror clássico, com direito a mais lobisomens, múmias, vampiras, até o monstro de Frankenstein e zumbis atrapalhados, em episódios escritos por André Bozzetto Jr. e Coffin Souza, verdadeiros experts nos monstros clássicos do cinema de horror.

Abaixo os três episódios da série, deixem comentários no vídeo, digam o que acharam e, se muita gente curtir, prometemos espalhar por aí muitos novos episódios de humor negro da série “Lua Perversa”. Mal posso esperar para retornar ao papel de Jones, o caipira medroso caçador de monstros, apreciador de uma boa cachaça com polenta e um joguinho de baralho!

Coffin Souza (João), André Bozzetto Jr. (direção e roteiro), Petter Baiestorf (Jones), Alan Cassol (Viajante Macabro) e Elio Copini (Jeca), a equipe de "Lua Perversa - A Série".

Enquanto os novos não vêm…

Posted in Arte e Cultura, Arte Erótica, Buk & Baiestorf, erótico, Fetiche, Ilustração, Nossa Arte with tags , , , , , , , , , , on novembro 24, 2011 by canibuk

Estou trabalhando numa série de ilustrações novas e assim que estiver pronta postarei com exclusividade aqui no blog, mas por enquanto deixo por aqui umas ilustrações que, embora eu não tenha postado no Canibuk ainda, aqueles que me seguem no facebook e Deviant já conhecem. Esses desenhos dão continuidade aos últimos trampos que venho fazendo com nanquim na tentativa de fazer um trabalho cada vez melhor e com um estilo único. Tenho desenvolvido uma preocupação maior com detalhes e composição, testado desenhos menos limpos, apesar de estar buscando uma suavidade maior nos traços, e técnicas diferentes de sombreamento. Como testo e experimento muita coisa os resultados acabam sendo bem diversificados e, na verdade, eu gosto disso. Nos últimos desenhos dá pra ver sombreamentos com nanquim, com lápis de cor, com grafite ou simplesmente sombreado nenhum. Não escolhi ainda uma técnica específica, quem sabe no futuro, mas, por enquanto, gosto de poder usar tudo o que tenho à mão e de acordo com minha vontade e humor do momento. Nem tudo dá certo, mas toda tentativa vale e o que deu errado é bobagem classificar como tempo perdido, porque, além de descobertas e evolução, é também parte crucial do tratamento intensivo para mentes neuróticas e inquietas. Vamos desenhar, cambada!

Fear” – Leyla Buk Artwork, 2011 (Não use, copie, publique sem autorização)

Collection” – Leyla Buk Artwork, 2011 (Não use, copie, publique sem autorização)

The Dead Girls” – Leyla Buk Artwork, 2011 (Não use, copie, publique sem autorização)

Wake Up Right Now” – Leyla Buk Artwork, 2011 (Não use, copie, publique sem autorização)

Chaotic, Almost Erratic” –  Leyla Buk Artwork, 2011 (Não use, copie, publique sem autorização)

Reverie” – Leyla Buk Artwork, 2011 (Não use, copie, publique sem autorização)

Contatos pelo e-mail leylalua@hotmail.com

Duas Vidas para Antonio Espinosa

Posted in Cinema with tags , , , , , , , , , , , , , , , , on novembro 23, 2011 by canibuk

“Duas Vidas Para Antonio Espinosa” (2010, 16 min.) de Caio D’Andrea e Rodrigo Fonseca. Com: Índio Lopes, Guilherme Lopes, Luiz Fernando Resende, Gessy Fonseca e Angelo Coimbra.

Em 1976 Alberto Espinosa recebe um misterioso bilhete que o faz relembrar uma desavença do passado, quando em 1949, ele, seu irmão Antonio e outros dois amigos, atacaram índios sem terra só pela farra de importunar índios indefesos. A ação se torna desastrosa por conta do Pajé (índio Lopes, magnífico) que parece ter o corpo fechado. Com este ponto de partida, Caio e Rodrigo (os diretores) construíram um western tenso que remete ao clima das antigas HQs da revista de horror “Spektro”, uma publicação brasileira que explorava muito bem o folclore fantástico nacional; misturando ao que de melhor o Spaghetti Western legou aos cinéfilos de todo o mundo: Sergio Leone (principalmente seus inventivos “The Good, The Bad and The Ugly/Três Homens em Conflito” e “Once Upon a Time in the West/Era uma Vez no Oeste”), Sergio Corbucci (“Il Mercenario/Os Violentos Vão Para o Inferno”), Sergio Sollima (“La Resa dei Conti/The Big Gundown”) e Enzo Castellari (“Keoma”). A belíssima seqüência final do curta “Duas Vidas para Antonio Espinosa” remete diretamente ao duelo final de “The Good, The Bad and The Ugly”, com planos inspirados no clássico italiano.

O elenco deste curta é um verdadeiro achado, com destaque ao Índio Lopes (figura dos tempos da Boca do Lixo, amigo de Candeias, de José Mojica Marins; foi assistente de Valentino Guzzo – a antológica Vovó Mafalda no programa do Bozo – chegando a atuar numa novela, “As Minas de Prata”, e participação no clássico “Finis Hominis” de Mojica) que está no filme quase que de maneira acidental, como conta Caio D’Andrea, “O Carlos Sabugo, que fez os efeitos e também o primeiro índio que morre, falou que tinha o contato de um cara que morava no prédio dele que poderia fazer um dos índios. Quando o cara chega é o Índio Lopes”. Rodrigo Fonseca completa, “Já tínhamos em mente colocar alguma referência aos ‘feijoada westerns’ realizados na Boca do Lixo, e foi tranqüilo, o Índio Lopes é um cara muito bacana, além de ser ‘o cara’ para o papel do Pajé ele é uma pessoa legal de conversar, com muita história boa para contar”. Gessy Fonseca (nenhum parentesco com o diretor Rodrigo) é atriz e dubladora, era ela quem fazia a voz da mulher-gato no antigo seriado do Batman. Guilherme Lopes (que interpreta Alberto Espinosa) e Luiz Fernando Resende (que interpreta o Maurão) já haviam trabalhado com Rodrigo no curta “Mundo Cão” e estão completamente a vontade em seus papéis. O resto do elenco, de Angelo Coimbra (que interpreta um Antonio Espinosa adulto de poucas palavras) à Wilson de Andrade (um dos índios), até a garotada mais nova (Caio Merseguel, Lucas Dantas, Tony Budnikas e Samuel Barreto), menos experientes, está bem convincente em seus papéis. Sem esquecer de comentar a ótima fotografia do filme feita por Nicole Samperi e a trilha sonora composta por Renato Galozzi.

“Duas Vidas para Antonio Espinosa” é um filmaço, tecnicamente bem realizado e planejado e que, em minha opinião, deveria virar um longa-metragem (se no caso o Brasil tivesse produtores com visão comercial, algo que infelizmente não temos). Este curta revisita de maneira espetacular o gênero western, dando-lhe pequenos toques do gênero fantástico que não quero revelar aqui para não estragar o prazer que é assisti-lo. Mas Caio, sobre as possibilidades de torná-lo um longa, diz: “Também acho que daria um longa, dá prá desenvolver muita coisa. Mas agora, planos prá isso não tem não, se alguém de fora quiser investir, estamos de braços abertos”. E Rodrigo completa, “Acho que, tanto eu quanto o Caio, ainda vamos fazer muitos filmes nessa onda!”.

Duas Vidas Para Antonio Espinosa.

Segue uma pequena entrevista informativa que realizei com os diretores Caio D’Andrea e Rodrigo Fonseca sobre a produção e concepção de “Duas Vidas para Antonio Espinosa”, exclusivo para o Canibuk.

Petter Baiestorf: Falem sobre seus trabalhos:

Caio D’Andrea: “Duas Vidas…” foi o segundo curta que dirigi. O primeiro foi “O Solitário Ataque de Vorgon” que foi uma experiência bem legal, que inclusive o Rodrigo produziu. Os dois foram feitos no curso de cinema da FAAP em São Paulo. Fora isso, eu trabalhei por 3 anos como assistente de direção em publicidade.

Rodrigo Fonseca: Eu sou sócio de uma produtora chamada Poeira Filmes junto com o André Moreira que foi produtor dos meus três curtas-metragens e do Eduardo Haskel que fotografou todos com exceção do “Duas Vidas…”. O meu primeiro filme chama “Rua Javari” sobre o Juventus, time de origem italiana do bairro da Mooca aqui em São Paulo e sobre seu estádio que dá nome ao filme. Não é um tipo de filme que eu pretendo fazer muito e tem muita coisa que hoje eu faria diferente, mas é um filme do eu gosto e me orgulho muito, e acredito que para um primeiro filme foi muito bom, eu aprendi muito com ele e é isso que vale. O segundo filme, “Mundo Cão”, já está mais dentro do estilo que eu quero desenvolver: tem tiro, sexo, briga de bar, garrafada, duelo, morte etc. Foi o filme mais difícil e mais apertado de fazer, o dinheiro veio 100% do meu bolso e eu tinha menos do que precisava para fazer o filme. Então foi uma correria louca, mas eu gostei muito do resultado. Infelizmente o filme foi recusado em quase todos os festivais, eu gostaria que mais pessoas tivessem assistido a ele. Eu acho curioso que vários amigos meus me falam que é meu melhor filme, melhor até que o “Duas Vidas…” e apesar de eu discordar dessa opinião, acho que isso mostra a falta de sintonia de vários festivais com o público comum (que não faz e nem estuda cinema), não sei se interessa a eles isso também né? Além de dirigir eu produzi alguns curtas dentre os quais eu destaco “O Solitário Ataque de Vorgon” do Caio.

Baiestorf: Como surgiu a idéia para o “Duas Vidas para Antonio Espinosa”?

D’Andrea: Te falar que eu não sei. Com uns 16 anos eu comecei a ver muito western, especialmente os Spaghettis e nunca mais parei. O argumento me veio nessa época. Só lá no quinto semestre da faculdade, o Rodrigo, com quem eu já trocava muita idéia de Spaghettis, virou e falou: “Porra Caio, vamos fazer um projeto de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) juntos?”. Eu joguei a idéia mas precisaria adaptar e trabalhar muito em cima. Então trabalhamos junto no roteiro por uns meses e apresentamos para ser escolhido como um dos projetos a serem filmados de TCC da nossa sala. Para nossa surpresa, ele passou.

Fonseca: No sexto semestre eu apresentei um projeto de um semi- faroeste que não foi selecionado, mas conversando com os professores descobri que ele até que tinha sido bem votado. Conversei sobre isso com o Caio e decidimos que para o TCC apresentaríamos juntos um projeto de um faroeste, pois tínhamos concluído que era muito difícil mas não impossível um faroeste ser escolhido pela banca de professores , ele apresentou o argumento e juntos desenvolvemos mais a história e fizemos o roteiro.

Baiestorf: Os índios retratados no filme remetem aos índios americanos, isso foi proposital? Porque?

D’Andrea: A idéia era ser uma tribo indígena com influências de índios americanos, norte e sul. Pegamos muita influência das tribos norte-americanas e também do povo indígena da Bolívia, mas acho legal a idéia que provavelmente são pessoas de uma tribo que podem ter perdido terras. Mas tudo isso foi porque não queríamos localizar o filme. Como o Rodrigo fala, o filme se passa na fronteira entre o Brasil e o México.

Fonseca: Sim, eles remetem aos índios americanos, mas não somente a eles. Isso foi uma coisa muito discutida ao longo da produção. No começo eu e o Caio pesquisamos sobre diversas etnias indígenas do Brasil. Mas quando decidimos que o filme não seria passado necessariamente no Brasil e nem em algum lugar específico resolvemos misturar algumas coisas que tínhamos achado interessante nessa pesquisa com algumas coisas de outras culturas indígenas. Na verdade chegou em um ponto que a gente desencanou de soar realista e nos demos liberdade total para fazer o filme do jeito que a gente queria, sem se preocupar com detalhes de “quando” ou “aonde”.

Baiestorf: Como vocês conseguiram viabilizar as filmagens?

D’Andrea: A FAAP apóia alunos a filmarem o TCC em 35mm, no sentido de liberar a câmera e duas latas de negativo (que dá uns 6 minutos de filme), isso sem contar os refletores, tripés, garras do cacete a quatro, e também uma grana para cobrir a pós-Produção. O resto foi por nossa conta. Já que era um western, em 35mm, tinha que ser Scope! Lente anamórfica é absurdamente cara, então setamos a câmera pro Super 35mm, arranjamos uma referência do formato 2:35 e rolou o visual scope na pós. Uma solução bem mais barata (mas ainda um tanto cara) e gostei muito do resultado.

Fonseca: Além disso, tivemos um belo desconto em pós-produção graças a nossa colega Sarah Girotto, que estava dirigindo o outro filme da nossa turma, e conseguiu fazer um belo acordo com a Teleimage. Quando enviamos o filme para a Lei Rouanet ele não foi aprovado sobre alegação de que “não apresentava nenhuma inovação narrativa ou estética” e que não era um projeto que apresentava contribuições para a cultura brasileira. Sorte nossa que o Paulo Brito, um grande amigo da minha família, que é produtor de cinema e que iria ser um dos patrocinadores através da lei, resolveu ajudar mesmo assim e nos deu uma contribuição. Ainda assim eu, o Caio e a Nicole, que fotografou o filme, acabamos arcando com boa parte das despesas, o resto do grupo também ajudou um pouco, não era um filme barato.

Baiestorf: As filmagens correram como planejado? No filme percebe-se que houve muito planejamento na construção do filme. Teve alguma história de produção divertida?

D’Andrea: Eu e o Rodrigo tínhamos um storyboard bem completo, decupamos o filme várias vezes, visando a economia de planos. Rolou uma discussão plano a plano com a diretora de fotografia, Nicole Samperi, e nosso produtor André Moreira. Rolaram alguns planos de última hora que um ou outro queriam fazer e fizemos, mas foram poucos. Estávamos sempre na pilha de acabar o negativo então tudo tinha que seguir o planejado. As diárias em geral eram tranqüilas, só uma foi mais foda. Tínhamos duas cenas noturnas, em duas locações diferentes, sendo que no mesmo dia nós deslocamos de Atibaia para Iperó, que dá umas 3 à 4 horas de viagem. Tínhamos o ator da cena apenas por aquela noite, todo mundo cansado, tivemos que redecupar uma cena por uma questão de um efeito que não rolou e a porra do dia amanhecendo. Foi tenso mas rolou. Filmamos a grande maioria do filme na cidade de Iperó, no interior de SP. Lá tem a Floresta Nacional de Ipanema, que é um dos primeiros lugares que foi feito ferro no Brasil. A locação do duelo final é entre os antigos fornos em que se fundia ferro, o lugar é do caralho. Por ser um filme de estudante, eles não cobraram nada pela filmagem e ainda disponibilizaram a casa de apoio deles para ficarmos, foi animal. Além do fator histórico, o lugar tem todo um ar macabro. Era história de fantasma de escravo, homem de três metros, um cara lá viu o irmão matar a cunhada a machadada, um dos guias chegou a tirar foto de um OVNI, que inclusive saiu num jornalzinho local. Acho que metade era história pra assustar um bando de moleque da cidade grande, mas te falar que afetou muita gente da equipe.

Fonseca: O filme foi selecionado para ser filmado em setembro de 2009 e foi filmado em abril de 2010, então não faltou tempo para planejar. Uma das partes que eu mais gosto em fazer filmes é decupar, criar os planos e a seqüência em que você pretende encaixá-los (ainda mais no caso do “Duas Vidas…”, pois nós mesmos iríamos montar o filme), então foram dias e dias de decupagem, ás vezes eu chegava com uma idéia e o Caio complementava ela com outra ou víamos um filme, gostávamos de um plano, e resolvíamos fazer algo parecido, tínhamos planos com nome de diretores, o último plano por exemplo chamava “Corbuccião”, pois achávamos ele bem parecido com alguns planos do Corbucci, o lance do terço em primeiro plano e o Antonio indo embora no fundo. Então, chegamos no set com cada plano estudado e sabendo bem o que queríamos pois a gente estava a seis meses pensando em como executá-los.

Baiestorf: Como está sendo a divulgação do curta? Será exibido em algum canal de Televisão?

D’Andrea: O curta passou em alguns festivais bem bacanas aqui no Brasil, como Fantaspoa, o Festival de Triunfo, inclusive está agora nesse Cinefantasy. Mas lá fora passou em bastante lugar, especialmente nos Estados Unidos, onde a gente ganhou em Atlanta o “Best Foreign Short” e em Geneva o “Student Visionary Award”, que foi bem bacana. Mas acho que o lugar mais bacana foi na Suazilândia, pais que fica logo ao norte da África do Sul. Os caras mandaram um email falando exatamente o que eles curtiam do filme, da questão dos índios terem que achar outras terras, que é uma realidade muito forte pra eles e de forças espirituais influenciarem a vida de pessoas. Achei um tesão. Ainda não tivemos nenhum contato com alguém de emissora de televisão.

Fonseca: Não temos do que reclamar, mas infelizmente ainda rola um preconceito aqui no Brasil com filmes de aventura/ação (acho que isso não é segredo para ninguém). Eu acho que o filme poderia ter sido exibido em mais festivais aqui no Brasil, nem falo de prêmios porque acho que o importante mesmo em festivais de cinema é você poder exibir seu filme, mas que muita gente torceu o nariz por ser um faroeste torceu.

Baiestorf: Há preocupação de vocês com a distribuição? Vocês acreditam no cinema independente brasileiro?

D’Andrea: O único cinema brasileiro que eu acredito no momento é o independente. O cinema nacional, salvas algumas exceções, eu classifico em duas vertentes, a globo filmes e o que chamo de cinema groselha. Falam de indústria sendo que de um lado temos filmes completamente idiotas e do outro filmes que não dialogam com o público que indiretamente pagou por ele. Vejo o pessoal independente pensar em público de uma forma que esses cineastas não fazem. Tanto em querer mostrar o filme para o maior número de pessoas possível como levar em conta a expectativa do público, satisfazendo ou enganando, entretendo ou chocando. Tanto que só vejo esse pessoal explorando gêneros. Não conheço nenhuma indústria cinematográfica no mundo que não se apóie no cinema de gênero.

Fonseca: A preocupação existe não só com a distribuição, mas com o cinema brasileiro em geral. Os filmes se repetem muito e cada vez mais se coloca qualidade artística e potencial comercial como características mutuamente excludentes. Nosso cinema depende de incentivo público e normalmente quem tem acesso a esse incentivo são os que estão menos preocupados em levar seus filmes até as pessoas, ou as pessoas até seus filmes. Quanto ao cinema independente eu acredito sim e muito. Acho que nem teria como não acreditar, pois com todas as barreiras e dificuldades ele está aí muito mais criativo, no bom sentido, que o velho cinemão. Sem falar que existe uma preocupação muito maior em levar o filme até o público. Não adianta você fazer um filme incrível, seja ele um filme “inteligentíssimo” ou filme despretensioso, se ninguém assistir, nem interessa o quão importante ou relevante é sua mensagem se ela não for ouvida.

Baiestorf: Projetos?

D’Andrea: Eu estou terminando um roteiro de um curta, é um filme de vingança (mais um) envolvendo os ataques a homossexuais na Av. Paulista aqui em São Paulo.

Fonseca: Estou escrevendo um argumento sobre um “faroeste” nos garimpos do Pará chama-se “Inferno Verde”. É uma idéia para filmar bem mais para frente, já que teria de ser uma mega-produção com longas cenas de ação, aviões, muitos personagens, etc. Também estou com dois projetos de curta-metragem, não vou falar muito sobre eles, pois os dois são baseados em contos e eu ainda estou conversando com os autores. Um deles inclusive seria para fechar um ciclo que eu comecei com o “Mundo Cão” e depois com o “Duas Vidas para Antonio Espinosa”. Eu brinco que o “Mundo Cão” foi minha homenagem ao Tarantino e “Duas Vidas…” ao Sergio Leone e esse próximo será ao Sam Peckinpah. Mais para frente no “Inferno Verde” eu volto a homenagear os três e mais um monte que faltou (risos).

Contatos com Caio D’Andrea: caiofigo@gmail.com

Contatos com Rodrigo Fonseca: rodrigo1106@hotmail.com

Camas, banheiros, você e eu.

Posted in Bebidas, Buk & Baiestorf, Literatura with tags , , , , , , , on novembro 22, 2011 by canibuk

pensando nas camas

usadas e reutilizadas

para trepar

para morrer.

nesta terra

alguns de nós trepam mais do que

nós morremos

mas a maioria de nós morre

melhor do que

trepamos,

e morremos

bocado a bocado também –

em parques

tomando sorvete, ou

nos iglus

da demência,

ou em esteiras de palha

ou sobre amores

desembarcados

ou

ou.

camas, camas, camas

banheiros, banheiros, banheiros

o sistema de esgoto humano

é a maior invenção do

mundo.

e você me inventou

e eu inventei você

e é por isso que nós não

damos

mais certo

nesta cama.

você era a maior invenção

do mundo

até que resolveu

me mandar descarga

abaixo.

agora é a sua vez

de esperar que alguém aperte

o botão.

alguém fará isso

com você,

puta,

e se eles não fizerem

você fará –

misturada ao seu próprio

adeus

verde ou amarelo ou branco

ou azul

ou lavanda.

Charles Bukowski.

Lançamento do Dicionário de Filmes Brasileiros – Curta e Média Metragem

Posted in Arte e Cultura, Cinema, Literatura with tags , , , , , , , , , on novembro 21, 2011 by canibuk

Dia 23 de novembro (quarta-feira), a partir das 20 horas, na escola da Cidade, rua General Jardim 65, Vila Buarque, São Paulo (capital) – atrás da Praça da República, quase em frente a sede da Aliança Francesa – vai rolar o lançamento do novo livro de Antônio Leão da Silva Neto, “Dicionário de Filmes Brasileiros – Curta e Média Metragem – Segunda Edição, revista, Corrigida e Ampliada”, editado pelo Instituto Brasileiro de Arte e Cultura, com patrocínio do Fundo Nacional de Cultura.

Essa nova edição do dicionário de curtas e médias de Leão registra 22 mil filmes em 1.270 páginas, em todos os formatos, inclusive digital. Apresentação do livro é de Raquel Hallaq, prefácio de Francisco César Filho e orelha de Alfredo Sternheim.

Conheço o trabalho de Antônio Leão já há vários anos e posso atestar que é mais um lançamento imperdível, o “Dicionário de Longas Brasileiros” é fantástico e tenho a plena certeza que este novo livro segue o padrão de qualidade de Leão. Qualquer cinéfilo que se preze precisa ter esses dicionários de Leão na coleção!

Informações pelos fones:

(11) 3258-8108 (Escola da Cidade)

(11) 6944-7850 (IBAC)

Tyto Livi: Memórias de um Certo Louco

Posted in Música with tags , , , , , , , on novembro 20, 2011 by canibuk

Em 1977 Tyto Livi (Ortenilo Azolini) lançou o primeiro disco independente do rock catarinense (e provavelmente um dos primeiros do Brasil). Tyto Livi nasceu em Vargeão/SC, mas logo adotou a cidade de Chapecó/SC (cidade que hoje abriga a banda Repolho que, na minha opinião, dá seqüência ao estilo de Tyto, que aliás, pesquisando agora encontrei uma boa matéria escrita pelo Demetrio Panarotto, da banda Repolho, onde tiro as dúvidas sobre influência ou não), seu compacto “Memórias de um Certo Louco” (infelizmente seu único lançamento) foi gravado em São José, grande Florianópolis, e lançado de forma independente. Conta a lenda que Tyto Livi vendia de porta em porta o disco numa tentativa de juntar dinheiro para concluir o curso universitário de direito (para nosso azar ele abandonou a música e se tornou um advogado).

As 4 músicas do compacto “Memórias de um Certo Louco” estão disponíveis na net para ouvir ou até fazer download, já que conseguir cópia do original em vynil é tarefa quase impossível. O instrumental das músicas é morno (como a maioria dos sons dos anos 70), mas as letras de Tyto são ótimas, com um fino humor sarcástico, inclusive a de “Memórias de um Certo Louco” que é pré-Falcão, como atesta os seguintes versos:

“Por ser acéfalo

Tornei-me ectiófago

Sou genicófago

É o que me dizem.”

Tyto Livi nos dias de hoje.

E na minha preferida do disco, “O Mundo não Perdoa” (que tem que estar na trilha sonora da versão longa-metragem do meu filme “Ninguém Deve Morrer”), onde a letra diz:

“Ando perdido na escuridão

Eu já perdoei o mundo

Mas o mundo não dá perdão!”

“O Mundo não Perdoa” é uma balada triste e alegre ao mesmo tempo, impossível ouvi-la sem um grande sorriso nos lábios!

Em 2007 (ou 2008) conheci uma sobrinha de Tyto Livi que trabalhava ao lado da loja Cérebro (do lendário Gurcius Gewdner), mas por ainda não ter ouvido os sons do Tyto Livi, acabei perdendo a chance de tentar marcar uma entrevista com ele. Odeio quando dou essas bobeadas! Mas fica aqui a dica para conhecer esse belíssimo compacto do rock nacional que, mesmo que você não curtir os sons, é importante por ter sido um dos primeiros lançamentos independentes.

Harry Thomas: Monstros Bananas à Preços Idem

Posted in Cinema, Museu Coffin Souza with tags , , , , , , , , , , , , , , , , on novembro 18, 2011 by canibuk

O norte americano Harry Thomas, nascido na Pensylvania em 22 de setembro de 1909, se envolveu com a indústria do cinema primeiro como figurante em filmes como “Pardon Us” (1931), com a dupla humorística Laurel & Hardy (O Gordo & O Magro) e depois se interessou por maquiagem, sendo treinado por William Tutle e Jack Dawn, chefes do departamento da MGM. Durante a fase clássica de filmes de terror da Universal, trabalhou sob ordens de Jack Pierce, que ele considerava seu verdadeiro mestre. Sua vocação para trabalhos rápidos e de baixo custo o levou a televisão, onde foi responsável pela maquiagem em 52 episódios da série “Adventures of Superman” (1951-1954) e pelo filme de cinema realizado para divulgar o programa “Superman and The Mole Man” (1951) de Lee Sholem. Nesta aventura tipicamente “B”, o super-herói vindo do planeta Krypton (vivido pela primeira vez por seu mais famoso intérprete George Reeves) enfrenta a ameaça dos terríveis homens toupeiras, que surgem do fundo da terra para ameaçar os humanos com suas armas de raios. As criaturas, que no final estavam apenas protegendo seu habitat, foram vividas por anões com falsas cabeças pontudas e grossas sobrancelhas. Harry Thomas estava criando seu estilo. Em “Cat Women of the Moon” (“As Mulheres-Gato da Lua”, 1953 em 3D) de Arthur Hilton,Thomas precisou construir duas aranhas gigantes com chifres, já que as telepáticas mulheres-gato da lua que tentavam dominar astronautas terrenos, eram garotas com uniformes colantes pretos com quase nada que lembrasse gatos ou felinos na maquiagem, a não ser longas unhas feitas de pedaços de celulóide cortados e pintados. Sua primeira criação mais complexa surgiu no terror “The Neanderthal Man” (“O Homem Fera”, 1953) de E.A. DuPont, sobre um cientista maluco que desenvolve um soro que o faz regredir a um estágio pré-histórico. A cena de transformação, realizada quadro a quadro, enquanto Thomas ia maquiando o ator Robert Shayne, ao estilo das maquiagens de Jack Pierce para a série de lobisomens dos anos 40, é bastante eficiente, mas destoa totalmente em visual com a pesada (e sem movimentos) máscara feita com algodão, cola, pelos e cascas de laranja secas (fazendo os dentes disformes), além de uma peruca ridícula, construída para o dublê e treinador de animais que precisava no final enfrentar um também muito falso tigre-de-dentes-de-sabre.

Harry Thomas conta no livro “Nightmare of Ecstasy – The Life and Art of Edward D. Wood, Jr.” (Feral House Books, 1992) de Rudolph Grey, que foi convidado pelo jovem cineasta para ir até sua casa para receber o roteiro de seu novo filme. “Eu peguei o endereço e bati na porta. Uma mulher alta, bem vestida me atendeu , mandou sentar e me serviu uma xícara de chá. Eu perguntei se Eddie estava em casa e ela me disse: ”Eu sou Ed Wood”. E eu estava chocado e perguntei “Oh! Você não é a irmã de Ed?“ -“Não, eu sou realmente Ed. É desta forma que quero aparecer em “Glen or Glenda””. Assim, o maquiador acostumado apenas com filmes de ficção científica e monstros teve que trabalhar com cosméticos femininos e embelezar Wood Jr. em seu épico sobre travestismo “Gen or Glenda?” (1953). Além disto, Thomas faz uma ponta na cena em que o personagem Glen tem um pesadelo onde várias pessoas e o demônio (Captain De Zita) o atormentam (ele é o personagem de bigodes, creditado como: “Man in nightmare”). “Glen or Genda estava divorciado completamente do que eu fazia, mas foi divertido.”

Então Harry foi contratado para criar os alienígenas do planeta Astron Delta, que dominam um cientista (Peter Gaves) para ser seu espião no ultra-barato “Killers From Space” (“Mundos Que Se Chocam”, 1954) de W.Lee Wilder. Completamente sem orçamento, ele colocou o que se convencionou chamar de “olhos-de-ping-pong” em senhores de meia idade com macacões pretos e cintos coloridos. Na verdade Thomas utilizou as cavidades de caixas de ovos de plástico pintadas e com pequenos orifícios para os pobres extras poderem enxergar e disfarçou-as com espessas sobrancelhas, sua marca pessoal.

Acostumado com as extravagâncias de Ed Wood, Harry Thomas recebeu um roteiro promissor, afinal “The Bride of the Monster” (1955) prometia Bela Lugosi como um cientista louco com um assistente deformado chamado Lobo (o lutador Tor Johnson), um polvo gigante e etc. Mas novamente as imposições de orçamento foram mais fortes, e as pressas nas filmagens ficam visíveis na maquiagem de Tor, que muda de cena para cena e o polvo na verdade foi roubado do depósito de um estúdio, numa história hoje já clássica. Thomas acabou ficando amigo da trupe mambembe de Wood, e além de confidente das lamúrias do pobre Lugosi, passou a freqüentar a casa de Tor Johnson, onde conta ele teve que certa vez fugir para não passar mal ao acompanhar a família do gigante suíço em uma refeição: “… eles tinham cadeiras especiais para sentar, já que cadeiras comuns quebrariam. O tempo todo Tor dizia – “Comam, comam, comam para ficarem grandes e fortes”. Eu já não agüentava tanta comida e ele queria que eu comesse a metade de uma melancia, quando recusei ele me informou que depois de uma breve soneca teríamos mais um lanche! Eles se pareciam com uma família de grandes ursos!” (R. Grey.). Num dos últimos filmes da produtora classe “Z” Republic, “The Unearthly” (na TV: “O Extraordinário”, 1957) de Brooke L.Peters, John Carradine vivia pela enésima vez um cientista louco, agora fazendo experimentos com transplantes glandulares auxiliado por seu assistente gigante-retardado chamado… Lobo (Tor Johnson, é claro!). Se Johnson atuou ao natural, apenas com seu físico avantajado, no final seu personagem redimido, ajuda a linda mocinha (Allison Hayes) a escapar de um grupo de mutantes deformados que o médico escondia no porão. O principal deles, com uma maquiagem grotesca (no “bom” sentido) feita por Harry Thomas com pedaços de látex e adesivos cirúrgicos era um jovem gigante chamado Carl Johnson, o “little Karl”, filhinho comilão de Tor.

Nesta época, Harry Thomas trabalhou brevemente junto com outra lenda das maquiagens e efeitos vagabundos: Paul Blaisdell (o maquiador preferido de Roger Corman). Em “Voodoo Woman” (1957) de Edward L. Cahn, eles tiveram que reciclar uma fantasia criada por Blaisdell um ano antes para “She Creature” do mesmo Ed Cahn. O antes monstro marinho feminino, ganhou uma nova cabeça, semelhante a uma caveira deformada, uma peruca loira (!) e um vestido feito de sacos de linhagem. No bizarro “From Hell It Came” (“Veio do Inferno”, 1957) de Dan Milner, um príncipe de uma ilha do Pacífico sul reencarna em uma árvore que caminha e ataca pessoas e é chamada de Tabonga. O monstro vegetal parece o pesadelo de uma criança de 5 anos, ou poderia ter saído de algum conto de fadas mais sinistro. Durante muitos anos, lendas sobre a construção/concepção da criatura apareceram em diversas publicações e entrevistas, mas J.J. Johnson no espetacular livro “Cheap Tricks and Class Acts” (McFarland Books, 1996) esclarece o mistério: Paul Baisdell desenhou , a fábrica de máscaras de Halloween e objetos de cena para filmes Don Post Studios, fabricou e Harry Thomas pintou e fez acabamentos no monstro, além de ter feito todas as maquiagens dos nativos da história.

“The Bride and the Beast” (1958) de Adrian Weiss parece uma história escrita por Ed Wood… e é! Precisando de dinheiro, ele vendeu seu roteiro sobre uma mulher (Charlotte Austin) que durante um safári na África, descobre aos poucos que é a reencarnação de uma gorila, para no final reverter ao seu estado primitivo e ir viver feliz no meio das selvas com seus parentes! Como o dublê e performance de gorilas Steve Calvert, já possuía sua fantasia pronta, coube a Harry adicionar mais pêlos, fazer alguns ajustes nos olhos e repintar o primata para ele não parecer exatamente igual a por exemplo “Bride of the Gorilla”(1951), onde já havia sido utilizado.

Finalmente um Clássico! Em 1956, Ed Wood Jr., teve uma idéia brilhante: utilizar umas poucas cenas que havia rodado com seu recém falecido amigo Bela Lugosi para um filme que seria chamado “The Vampire’s Tomb” em uma produção totalmente diferente sobre alienígenas que conseguiam ressuscitar cadáveres humanos para dominar a terra. “Grave Robbers from Outer Space” teria além da participação póstuma de Lugosi, vários outros colaboradores da trupe habitual de Ed, além da presença de uma apresentadora de um programa de filmes de terror da TV chamada Maila Nurmi, mais conhecida como Vampira. Depois de ser financiado por um pastor de uma igreja evangélica, o filme seria renomeado “Plan 9 From Outer Space”(1956/1959) e muito já foi dito e escrito sobre suas filmagens, lançamento e trajetória, que o levaram a fama de ser um dos piores filmes da história do cinema. Fama injusta, já que é muito divertido e extremamente criativo, mas a parte que nos cabe retomar aqui foi contada por Harry Thomas em “Nightmare of Ecstasy” e também no ótimo documentário “Flying Saucers Over Hollywood: Plan 9 Companion” (1992) de Mark P. Carducci. Munido do roteiro, Thomas foi até Ed Wood cheio de idéias sobre a aparência dos alienígenas e argumentou que com adesivo cirúrgico e alguns cosméticos poderia mudar sua cor, olhos e faces, além de saber como alterar suas vozes para não parecerem tão humanos. A resposta de Ed foi clara e precisa e ofendeu o econômico fazedor de monstros: “Harry, nós não temos tempo, nem dinheiro” (ponto final.)

O trabalho de Harry Thomas não era ruim por incompetência sua, mas por tempos reduzidos e orçamentos apertados. Ele se dedicava a desenvolver maquiagens de qualidade, mas a parte financeira e a pressa de diretores e produtores dos filmes vagabundos para que era contratado comprometiam seu trabalho. Quando foi chamado para fazer “Frankenstein’s Daughter” (“A Filha de Frankenstein”, 1958) de Richard E. Cunha, Thomas trabalhou sem um roteiro, criando uma make up bastante expressiva cheia de deformações e cicatrizes para o corpulento ator Harry Wilson. O que o produtor se esquecera de informar era que a criatura seria uma fêmea, vivida antes da transformação pela atriz Sally Todd. Como já havia maquiado para o mesmo filme a jovem Sandra Knight (com sua combinação clássica: dentes enormes deformados mais sobrancelhas peludas), acreditou que ela seria a tal “monstra”! Assim, a solução foi colocar uma enorme quantidade de batom nos lábios deformados do monstro, que para piorar usava uma roupa que parecia a de um Papai-Noel espacial! Para providenciar uma sessão dupla para o lançamento de “A Filha de Frankenstein”, Richard Cunha reescreveu sua história básica terráqueos-enfrentam-uma-raça-de-mulheres-alienígenas gostosas (vista antes em “Cat Women of the Moon”) e Thomas foi encarregado de ajudar a criar uma dupla de homens-rocha e a disfarçar uma aranha gigante fabricada pela Universal para promover seu clássico “Tarântula” (1955), fazendo-a agora a principal ameaça para as garotas da Lua. Uma nova cara e um acréscimo de pêlos só fizeram piorar os já limitados movimentos do bicho movido a fios de nylon. E assim nasceu, então, “Missile to the Moon” (1958), disponível em DVD no Brasil.

Harry Thomas voltou a trabalhar para Ed Wood e criou uma maquiagem deformada para a volta do personagem Lobo (Tor Johnson) do mundo dos mortos em “Night of the Ghouls”, filmado em 1958 e nunca lançado nos cinemas. Um médium picareta chamado Dr.Acula promete fazer contato com entes queridos falecidos de seus clientes, mas acaba provocando a vingança dos mortos (seu título original “Revenge of the Dead”). A confusa seqüencia de acontecimentos sobrenaturais vividas entre cenários de papelão teve “ajuda” na edição de Phil Tucker (de “Robot Monster”, outro épico Trash clássico) e foi o penúltimo filme de Ed Wood Jr.

Harry Thomas esteve na equipe que fez “The Little Shop of Horrors” (1960) de Roger Corman, mas apenas fazendo maquiagens faciais. Teve sua oportunidade de fazer suas próprias recriações dos monstros clássicos (Drácula, o lobisomem e a criatura de Frankenstein) no filme adulto “House on Bare Mountain” (1962) de R.Lee Frost, mas o orçamento para o mais caro filme “Nudie” feito naquela época (72.000 dólares) tinha pouco disponível para maquiagens decentes, principalmente porque o que mais interessava era os corpos nus das belas garotas de uma escola para moças assombrada.

Talvez por já se envolver uma vez com uma árvore que caminhava (em “Veio do Inferno”), o esforçado Thomas foi convocado para ajudar “The Navy Vs. the Night Monsters” (“A Marinha Contra os Monstros”, 1966) dirigido pelo roteirista Michael Hoey. No meio da Antártida, a marinha americana descobre uma zona de calor, e nela estranhas plantas que caminham e devoram seres humanos. Além de ser responsável pelo acabamento nos monstros vegetais, nosso amigo criou uma série de cicatrizes e ferimentos de queimaduras bastante realistas, utilizando materiais baratos. Thomas foi um dos pioneiros na substituição de produtos caros utilizados em maquiagens especiais por materiais caseiros, encontrados principalmente em cozinhas: farinha de trigo com água, calda de chocolate, gelatina e Karo. Ele nunca admitiu a utilização destes produtos por razões financeiras, dizia que muitos atores e atrizes eram alérgicos a certos químicos presentes em certas fórmulas de maquiagens, assim os materiais naturais e comestíveis seriam a melhor opção.

O produtor/diretor Arch Oboler, um entusiasta da 3D (Terceira Dimensão) desde os anos 50 (“Bwana Devil”, 1952) desenvolveu um sistema próprio revolucionário, chamado Space Vision, e escreveu para demonstrá-lo uma ficção científica chamada “The Bubble” (“A Bolha”, 1966), sobre uma pequena cidade em que os habitantes são escravizados por uma estranha bolha de energia que flutua sobre o local (e dentro das salas de cinemas, claro). Harry Thomas foi responsável por desenvolver a bolha plástica alienígena e a aparência zumbificada de suas vítimas. (Assisti a uma reprise deste filme no cinema durante a moda do 3D dos anos 80 e sim, a bolha parecia flutuar na sala de projeção, mas de resto era uma enorme chatice, sem graça e sustos…)

Harry Thomas ainda voltaria a sua criação clássica ao transformar a bela Claire Brennan numa aberração com meio rosto deformado, dentes monstruosos, orelha pontuda e um olho de “ping-pong” em “She Freak” (1966) de Byron Mabe, uma refilmagem picareta de “Freaks” (1932) pelo produtor/roteirista David Friedman, um dos reis do “sexploitaition”. Pena que sua criação apenas apareça poucos minutos no final do filme. Voltou então para a televisão e trabalhou em inúmeras séries e programas, mas nunca foi esquecido pelos diretores e produtores de filmes de horror de baixo orçamento, tanto é que Oliver Stone em sua segunda realização “The Hand” (em vídeo “A Mão”, 1981) o chamou para dar vida à personagem título: a mão decepada de um cartunista que ganha vida própria e comete vários crimes. Algum gore, e com pouco dinheiro… uma mão que parece uma luva de borracha caseira.

Harry Thomas faleceu em 21 de outubro de 1996.

Filmografia Parcial:

Superman and the Mole Man (1951); Invasion U.S.A. (1952); Cat-Women of the Moon (1953); The Neanderthal Man (1953); Port Sinister (1953); Project Moonbase (1953); Glen or Glenda? (1953); Monster from the Ocean Floor (1954); Jail Bait (1954); Killers from Space (1954); Bride of the Monster (1955); Plan 9 from Outer Space” (1956/1959); The Unearthly (1957); Voodoo Woman (1957); The Bride and the Beast (1958); Night of the Ghouls (1958); Terror in the Haunted House (1958); Frankenstein’s Daughter (1958); Missile to the Moon (1958); The Little Shop of Horrors (1960); Raiders from Beneath the Sea (1961); House on Bare Mountain (1962); Space Probe Taurus (1965); The Navy Vs. The Night Monsters (1966); She Freak (1966), The Bubble (1966); Logan’s Run (1976); The Hand (1981).

Texto e pesquisa de Coffin Souza.