Arquivo para pedra

Canibuk Apresenta: A Arte de Pomba Claúdia

Posted in Arte e Cultura, Cinema, Entrevista, Ilustração, Pinturas, Vídeo Independente with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on março 13, 2018 by canibuk

Conheci a Pomba tem uns 15 anos em andanças por Porto Alegre. Possivelmente nos conhecemos em algum boteco cultural. Ou em alguma mesa de bar pós-exibições de filmes transgressores onde meus filmes eram programados, não lembro. Mas uma coisa é certa, assim que comecei a conhecer o trabalho de Pomba fui ficando fã e acompanhando na butuca.

Pomba faz de tudo. Além de desenhista, já fez música (“Pedra” é um punk hilário), curtas-metragens (“Pé de Cabra” é um dos episódios de “13 Histórias Estranhas” e agora está produzindo “Monstro”, de Magnum Borini), escreve contos e poesias. E desde 2006 participa do grupo de cartunistas GRAFAR, que edita diversos livros de cartuns (sempre coletivos). Mas para viver Pomba é professora de português e literatura.

Já tem livros publicados, participa do evento de cartum Cartucho em Santa Maria e atualmente gosta de desenhar coelhos. Fiquem com a entrevista que realizei com Pomba, é fantástico poder divulgar o pensamento iconoclasta desta fantástica artista livre.

Pomba Claúdia

Petter Baiestorf: Gostaria que você contasse como começou seu interesse pela arte e, também, sobre seus primeiros trabalhos.

Pomba Claúdia: Eu acho que sempre tive uma pira por tudo fora da realidade. A realidade consistia em ver meus pais brigando, horários políticos, notícias de televisão (mesmo que fossem mentira) ou tudo que tivesse alguma relação com o chato e burocrático mundo adulto. Fui uma criança solitária, filha única, guria de apartamento, criada pela televisão. Uma menina gordinha comendo milhopã na cama bagunçada aguardando os adultos voltarem do trabalho. Mas os adultos nem sempre foram esses monstros que estou pintando. Meu pai gostava (e gosta) muito de filmes, de desenhos animados e também de videogames… Absorvi estes gostos. Aos sete ou oito anos comecei a ganhar fitas VHS dos desenhos da Disney. Ao final do desenho animado da Branca de Neve tinha o making off do filme… Eu pirei com aquilo, foi tipo a primeira paixão platônica. Era aquilo que eu queria fazer. Mas aquilo mexeu muito comigo. Revi diversas vezes. Não me interessava o príncipe, não me interessava os sete anões (isso eu já assistia no “Histórias que Nossas Babás não Contavam”). Meu primeiro trabalho surgiu nessa época, na 1ª série, quando a professora levou meu desenho inspirado na música da “Dona Aranha” para a TV Cultura local junto com o de outros colegas. Eu liguei a TV por acaso e ela estava mostrando meu desenho. Isso me deixou muito feliz, pois eu não era uma criança lá muito enturmada e me senti valorizada. Acho que aí comecei a descobrir quem eu era… Mas ao falar para os meus pais, exaustos do trabalho, de saco cheio, que eu tinha decidido ser artista/desenhista/criadora de jogos e desenhos, eles me disseram que aquilo era coisa pra gente rica e que eu não teria me sustentar com aquilo. Como toda paixão, esse foi meu primeiro soco na cara dos sonhos “oquevocêquerserquandocrescer” que eu levei (e levo até hoje… muitos ainda). Acredito que isso deva acontecer com muitas crianças, mas eu continuei recortando da realidade esses sonhos, essas piras… Meus melhores brinquedos eram os lápis de cor, minha melhor companhia eram os desenhos animados, gibis, livros ilustrados e os joguinhos da Atari. Desenhava compulsivamente. Se isso é arte? Só depois me disseram…

Baixe essas artes em alta qualidade:

Scan0003 (2)

Scan0004 (2)

portfolio Cláudia

Baiestorf: Sua arte sofre influências de quais artistas e escolas estéticas. Fale o que te atraí neles, se quiser falar sobre os porquês seria muito interessante.

Pomba: Minha arte sofre. E sofrer influências é um dilema. Porque quando vi já estava sofrendo, roubando, parafraseando, recortando, fazendo um mosaico de coisas bonitinhas e ogras. Acredito que os melhores artistas são as crianças e os bêbados. As melhores escolas estéticas são os bares. Mas tentando organizar o grande pobre roubo de ideias, posso retomar o lance da Disney. Falem o que quiser da Disney, foi ali o pontapé inicial. Mas é claro, você cresce, vira adolescente e quer queimar todos os discos da Xuxa, quer inverter a cruz, jogar o jogo do copo, beber cachaça com gemada.  Comigo não foi diferente. Por não ter amigos, nem internet, provavelmente o que influenciou foram os filmes que passavam na Sessão da Tarde e no Cinema em Casa. Podem rir, mas a estética de filmes de Tim Burton, assim como “Elvira – A Rainha das Trevas” e “A Família Addams” podem ter me inspirado… Minhas princesas perderam os braços, ganharam chifres. Meus quadros ganharam cores escuras. Eu pintava com qualquer coisa em qualquer lugar. Era libertador… Mas tudo foi jogado fora por mamãe. Só lá por 2001 comecei a organizar minhas influências e comecei a me identificar com a arte surrealista. A seguir, meus desenhos ainda tratando de temas mórbidos, começaram a ter um teor mais zueiro. Em 2004, busquei um curso de desenho animado que serviu para que finalmente conhecesse outras pessoas que desenhavam. Até ali não conhecia ninguém. Meu amigo e ilustrador Guilherme Moojen então me apresentou em 2006 a GRAFAR, um grupo de cartunistas e grafistas aqui de Porto Alegre que se reuniam semanalmente no bar Tutti Giorni. Apesar dos meus desenhos sem muita técnica, eles me acolheram e logo me convidaram para participar de um livro, chamado “Sem Trégua” em 2006. Considero esse boteco minha escola de arte. Esses senhores, Edgar Vasques, Eugênio Neves, Ubert, Hals, Ruben, Santiago, Pedro Alice, Lancast, Moa e, posteriormente, Carla Pilla, foram os meus primeiros e melhores professores. Inspirada no trabalho desses amigos meus desenhos sombrios ganharam cor, meu traço foi ganhando e ainda ganha a cada dia mais personalidade. Cada um com seu estilo me inspira de uma forma. O traço brusco do Ruben e a segurança da linha e simplicidade humorística do Santiago. O volume através das hachuras do Eugênio Neves, as aquarelas da Carla Pilla, enfim… Todas as terças eu saía desse bar mais inspirada e feliz de ter encontrado pessoas que gostam de desenhar enquanto conversam. O meu desenho, assim como textos, manteve um humor sádico, ácido e, em alguns casos, erótico. Descobria a cada encontro novas técnicas, novos estilos e novas inspirações como as ilustrações fodas da Mariza Dias e as putarias da Melinda Gebbie.

Baiestorf: Com sua arte você está aberta a todo tipo de trabalho ou gostaria de se especializar somente em uma área? Por quê?

Pomba: Quem me conhece sabe que também curto fazer filmes, músicas, poemas, contos, produzir eventos… Além de ser professora de português (o que pode parecer chato pra caralho, mas como envolve linguagem tá valendo). Então acabo diversificando meu trabalho em outras áreas também. É um surubão de áreas. Um estilo esquizofrênico. Por isso, sou bem aberta (rará). Sendo o espaço para arte independente (que é meu caso) tão limitado financeiramente, eu curto mesmo é chutar o balde. Às vezes me sinto uma fraude. E acho que isso faz parte de mim e justifica por eu ter trabalhos tão diferentes uns dos outros… Além disso, acho uma lindeza essa coisa de misturar cheiros, gostos, texturas, barulhos… Animação, cinema, música, uma explosão sensorial. Acredito que quebrar um estereótipo artístico ajude a tirar esse bundamolismo da arte. A arte teria que ser o grito de expressão, arte é cortar a orelha e brigar no bar, arte é chorar em cima da tinta e borrar tudo… Arte teria que ser algo que te atinja individualmente, mas que também atinja os outros, seja para agradar ou para incomodar. Algumas pessoas acreditam que primeiro você aprende a técnica e depois você cria. Eu prefiro brincar com as ideias, jogá-las no papel, na tela, no caderno e depois pensar no que pode ser feito – ou não. Elevar o padrão limita a criação. Há liberdade na ignorância, assim você se inspira de forma mais inocente e inconsequente. Se eu me especializasse em uma área, creio que perderia um pouco disso.

Assista o curta-metragem Pé de Cabra:

Baiestorf: Conte sobre suas exposições e como produtores poderiam levá-la para suas cidades/estados.

Pomba: Até agora só fiz exposições coletivas. Muitas em Santa Maria, em um evento de cartunistas chamado Cartucho, organizado pelo querido Máucio Rodrigues.  Devo ter participado de pelo menos umas cinco exposições lá. Todos os anos é sorteado um tema e a gente faz cartuns sobre aquilo em 24 horas. É bem massa. Pra falar a verdade, tenho poucos desenhos para expor. Os melhores estão em cadernos pautados ao lado de anotações de aula ou em guardanapos de bar… Para uma exposição de folhas pautadas rabiscadas e guardanapos sujos com desenhos eu teria muita coisa. Mas às vezes vêm momentos de luz e faço algo a mais, um quadro com objetos colados, uma aquarela bonitinha… Daí esses guardo, reproduzo em forma de imã, zine e o que mais for… Eu romerobritizo minha arte. Mas no fundo eu sou a desenhista de bar, ou de alguma sala de aula… Faço desenho e dou de presente. Talvez eu devesse omitir essas coisas, mas acho que é um traço da essência do que faço, um desapego. Até porque, não tenho espaço para acervo, moro num apartamento de 30m²… Se alguém tiver um espaço para eu pintar grandes quadros e paredes, ficarei muito feliz. Quem quiser me chamar pruma exposição, propor um tema ou juntar meus esboços e artes existentes meu email é claudiadrb@gmail.com ou pelo telefone 55 51 992792662. Meu trabalho pode ser visto no meu site https://claudiadrb.wixsite.com/borborini/copia-inicio, na página do Facebook: https://www.facebook.com/pombadesenhos/ e alguma coisa no Instagram: @pombaclaudia

Baiestorf: Como é realizar trabalhos artísticos aqui no Brasil? Há reconhecimento? Oportunidades?

Pomba: Como eu disse, meus pais me deram o soco de realidade aos sete anos quando falei com inocência que eu gostaria de ser artista. E cresci com esse pensamento. Pra não me iludir acabei virando professora de língua portuguesa, o que também não tem reconhecimento (risos). Então o que move minhas criações não é bem o reconhecimento, mas a necessidade de criar, de me sentir parte de algo que eu goste, que me faça me sentir eu. Claro que quando ganho dinheiro com meus desenhos, meus filmes ou meus textos eu me sinto incrivelmente feliz pelo reconhecimento, ao mesmo tempo em que acho estranho, pois, como eu disse, isso não foi construído em mim. E confesso que não me orgulho de ser assim, gostaria de poder falar com firmeza o valor de um quadro e passar um orçamento convicto de uma ilustração. Ainda assim, as oportunidades não caem no colo. Vejo uma galera muito mais talentosa e empenhada do que eu, investindo, trampando muito pra poder aperfeiçoar e assim conseguir um retorno de sua arte, ainda mais quando se trata da arte impressa, tendo em vista que hoje em dia temos muita coisa pronta no computador, que é só imprimir e pendurar na parede da sala. Portanto, considero desproporcional o número de oportunidades para a arte em relação ao desejo de se investir nisso. Acaba que muitos trabalhos fodas e autorais acabam virando logos com cara de trampo de design gráfico, assim como muito filme independente fica com a maior pinta de propaganda publicitária. Por essas e outras, eu me pego vergonhosamente acreditando que pra ganhar grana com arte você já precisa ter grana. Conheço gente que só pinta com material caríssimo, eu uso guache, pinto no papelão, uso a sobra da tinta que usei pra pintar a parede da sala de casa… Acabo me inscrevendo em concursos e festivais gratuitos, catando oportunidades de graça e tentando me enfiar onde dá. Mas os reconhecimentos e oportunidades são que nem uma cova, tem que cavar para achar algo.

Zumbizinhu Inédito

Baiestorf: Você está com trabalhos em finalização? Poderia falar sobre eles e como o público poderá acompanhá-los?

Pomba: Meu próximo e mais desejável trabalho é sobre Coelhos. Não tenho como falar muito sobre ele no momento, mas vou colocar o primeiro quadro que me inspirou a desenvolver uma série sobre esse rico animalzinho.

Baiestorf: E seus projetos? É possível sabermos um pouquinho deles?

Pomba: Esse ano pretendo montar junto a outras garotas um coletivo chamado Útero Underground. É uma ideia que ainda está no útero (rá), mas que em breve será melhor desenvolvida e que consistirá não apenas nas artes visuais, mas também na elaboração de músicas, barulhos, vídeos e o que mais vier ao encontro de construir um espaço libertador e sem tantos pudores em relação ao que a gente entende por arte. Paralelo a isso, estou aguardando o contato de alguns amigos da GRAFAR para a pintura de painéis, pretendo fazer um desenho animado e uma exposição de coelhos tarados.

Baiestorf: Geralmente a arte no Brasil é produzida de forma independente e é difícil conseguir se manter. O que você gostaria de observar sobre isso.

Pomba: Cara, acho que é o que falei antes… A gente se enfia onde dá, claro, em alguns casos a gente pensa nos princípios e não vai se enfiar de cabeça quando estão envolvidas pessoas escrotas que só pensam em explorar e lucrar a custa dos outros. Fora isso, nem todo mundo tem a oportunidade de fazer uma faculdade de arte. Vou falar da de cinema também, pois sabemos que cinema é caro pra cacete. Daí a gente acaba fazendo muita coisa de graça na troca de experiência, para apoiar os amigos que também não tem grana e isso vira um grande ciclo da horripilante mágica de se fazer arte de graça sem ganhar nada em troca. Acho que essas iniciativas como o teu blog, assim como rádios online, coletivos independentes, financiamentos coletivos, formas preliminares da gente sair do limbo e começarmos a desenvolver uma estrutura que pague nossas contas. Mas não só isso. O que eu vejo e que pouca gente comenta é como o artista independente muitas vezes está alienado do povo, da galera da periferia que também faz parte da outra margem independente da arte, como é caso da pixação, grafite, stencil chamem como quiser. O perfil da galera “independente” “underground” muitas vezes é branco, classe média, universitário. E a outra área independente? Fico pensando que louco seria toda essa galera se reunindo, aprendendo uns com os outros, compartilhando cultura, técnica, fugindo dessa aprendizagem acadêmica muitas vezes elitista e enfadonha. Exposição de arte é aquele perfil de homem de coque, magrinho, segurando a taça de Salton e conversando com a garotinha esnobe que admira pra caralho Miró, ambos intrigados com a popularidade do Romero Britto, expondo algo dito independente . Enquanto do lado de fora do prédio algum garoto leva um pau da polícia por fazer um desenho em um muro. Talvez o que falte para a arte independente conseguir se manter é incomodar um pouco, ter uma voz mais ousada, mais politizada, mais envolvente e que convide diferentes grupos ditos independentes a se observarem. Enfim, é manjado, mas é isso, a união faz a força.

Boteco de Ideias

Baiestorf: O espaço é seu para as considerações finais:

Pomba: Eu gostaria de agradecer ao Petter Baiestorf por essa oportunidade de eu falar sobre minha arte. Às vezes não sei como consegui conhecer tanta gente foda e incrível, pois soa estranho pra mim ser chamada de “artista”. Sempre achei que artista fosse ou Picasso, Salvador Dalí, ou na contemporaneidade alguma Big Brother que pousou nua. Então essa palavra me deixa com uma certa crise de personalidade. Alguns lugares dão desconto se você diz que é da “classe artística” aqui em Porto Alegre. Acho isso um sarro, pois o que te faz artista? Se eu colocar meu dedo no nariz e dizer que é uma performance serei artista? É muito louco isso. Outra coisa que muitas vezes me deixa desconfortável com o termo artista é quanto ao rebuscamento da arte em relação ao gênero. Tem homens que limpam a bunda e expõem em uma parede e afirmam seguramente que é “arte”. Mulheres desenham a sujeira da unha da modelo-vivo e se questionam se a sujeira está na proporção correta ao tamanho da unha. Eu não sei as outras, mas sinto essa pressão ao perfeccionismo. Você não pode ousar dirigir, tocar guitarra, desenhar, fazer um filme se você não fizer algo incrivelmente bem. Você não pode tocar os acordes errados ou errar o local da luz em um quadro.  Confesso que isso me incomodava, pois muitas vezes deixei de fazer as coisas por não me sentir boa o bastante, por não me sentir pronta o bastante, enquanto simplesmente eu deveria ter feito e mandado todo mundo à merda com suas técnicas, medidas e manuais.

Contatos de Pomba Claúdia:

email: claudiadrb@gmail.com

Telefone: 55 51 992792662.

Site: https://claudiadrb.wixsite.com/borborini/copia-inicio

Facebook: https://www.facebook.com/pombadesenhos/

Instagram: @pombaclaudia

facebook: https://www.facebook.com/claudia.pigeon

Mais: https://claudiadrb.wixsite.com/borborini/sobre

Artes de Pomba Claúdia: