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Cinema de Bordas 3

Posted in Cinema, Literatura, Vídeo Independente with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on setembro 19, 2012 by canibuk

“Cinema de Bordas 3” (2012, 245 páginas, Editora A Lápis), coletânea de textos sobre cinema independente organizada por Gelson Santana.

“Este livro não pergunta nem explica. Apenas se debruça sobre temas e filmes capazes de dar uma amostragem do que consideramos cinema de bordas. Foi com essas palavras que encerramos a introdução de Cinema de Bordas, publicado em 2006, que reuniu artigos de estudiosos, apaixonados por um tipo específico de cinema periférico, produzido em cidades interioranas ou lugares distantes dos grandes centros produtivos, quase invisível e espalhado por todo o país. Pois hoje, seis anos depois e mais a publicação, em 2008, da coletânea Cinema de Bordas 2, esse pensamento de mobilidade, fluidez e leveza é o mesmo que serve de guia a este outro livro, Cinema de Bordas 3“, nos diz o organizador Gelson Santana na introdução do novo livro que versa sobre o cinema independente brasileiro, que há várias décadas anda a margem do cinema nacional mantido com o dinheiro de seu imposto.

Este terceiro volume traz os seguintes artigos: “Cinema de Bordas, Manual do Usuário” de Alfredo Suppia, um estudo do fenômeno audiovisual popular; “A Visibilidade Bruta nos Filmes de Seu Manoelzinho” de Bernadette Lyra, sobre o cinema realizado por Seu manoelzinho em VHS numa pequena cidadezinha do ES; “A Saga Épica da Cristo Filmes” de Carlos Primati, uma introdução aos filmes realizados por David Rangel que já produzia, de modo a usar um curioso sistema de som, desde 1964; “Rambú da Amazônia” de Gelson Santana, versando sobre o “Rambo” brasileiro; “O Cinema de Bordas, A Estética Trash e o Paracinema” de Laura Cánepa, dando uma geral sobre a produção independente; “Horror à Mineira” de Lúcio Reis, uma interessante introdução aos filmes de horror produzidos na cidade mineira de Pedralva de 12 mil habitantes; “Zumbificando o Réquiem” de Luiz Vadico, punhetagem sobre o “Mangue Negro” (assista o filme que é maravilhoso, este artigo pode te deixar sem vontade de assisti-lo); “Um Olhar Impressionista Sobre Afonso Brazza” de Maria Magno; “Para Além dos Gêneros : Humor e Amor em Filmes de Bordas” de Rosana Soares, com algumas informações sobre alguns filmes do Simião Martiniano; “Imagens e Sons da CUICA” de Zuleika Bueno, sobre a Companhia Ubiratanense Independente de Cinema Amador.

Descontando o teor acadêmico dos textos, “Cinema de Bordas 3” é imperdível como fonte de material para pesquisadores e cinéfilos interessados na cena independente brasileira. Os melhores textos (mais informativos, diretos e soltos) são os de autoria de Carlos Primati (não por acaso jornalista) e Lucio Reis (não por acaso fanzineiro) que informam, divertem e acrescentam detalhes relevantes sobre os cineastas abordados por eles. Cinema de bordas, cinema de garagem, cinema caseiro, paracinema, cinema independente, não importa como são chamados estes fantásticos filmes que transgridem a ordem pré-estabelecida pelo simples fato de existirem, o importante é existir mais livros sobre o tema, mais realizadores produzindo, mais mostras/festivais e outros canais de distribuição/visualização deste cinema independente que não depende de nada para continuar existindo. Como diz Santana: “(esperamos) que Cinema de Bordas 3 sirva para despertar outras iniciativas que somem conosco no resgate de toda essa produção periférica, muitas vezes perdida, escondida e quase invisível, mas tão vital e tão necessária aos estudos de cinema em nosso país.”

Em tempo: A capa deste terceiro volume traz a figura emblemática de Jorge Timm, uma justa homenagem ao ator que faleceu no dia 18 de junho passado e que desde 1995 embelezava o cinema independente com sua gargalhada carismática e talento ímpar.

Para conseguir um exemplar de “Cinema de Bordas 3” (minha sugestão é você comprar todos os volumes do livro) entre em contato com Bernadette Lyra via seu facebook.

por Petter Baiestorf.

Shimamoto

Posted in Entrevista, Quadrinhos with tags , , , , , , , , , , , on março 15, 2011 by canibuk

Júlio Y. Shimamoto nasceu em 13 de maio de 1939 em Borborema, interior Paulista. Começou a desenhar na adolescência e logo se tornou um dos melhores quadrinistas de horror (e qualquer outro gênero) do Brasil. Shimamoto tinha suas histórias publicadas em inúmeras revistas profissionais e, mesmo assim, nunca deixou de colaborar em fanzines (ele sempre colaborava com ilustrações pro meu zine). No número 21 do “Arghhh”, editei uma entrevista com o grande mestre Shimamoto (abri espaço para que outros artistas também fizessem suas perguntas, ficando a entrevista mais bacana). Resgato essa entrevista aqui no Canibuk:

Petter Baiestorf: Como foi sua infância no interior paulista?

Shimamoto: Sou caipira e nesse contexto, tive infância feliz: cacei passarinhos com atiradeiras (acertei raramente), comi frutos silvestres como pitanga, marmelos e gabirobas. Pratiquei arco e flecha e errei em lagartos e cutias. Meu pai não era xavante prá me orientar. Nadei pelado em arroio. Escapei de cobras e caranguejeiras, mas não das taturanas venenosas. Amarelei quando um lagarto preto e branco (80 cms) me peitou perto de uma furna com ninhadas.

Airton Bratz: Como começou o seu envolvimento com quadrinhos? E, na sua opinião, qual foi o seu melhor trabalho?

Shimamoto: Ganhei três gibizões de 100 páginas cada (contando capa) em 1944. Foi presente do papai que voltava de viagem. Um deles tinha o Príncipe Submarino nocauteando um grupo de soldados japoneses. Sem enfeite e nem falta modéstia, o melhor trabalho ainda tenho que fazer.

Petter Baiestorf: Você fazia o que na ADESP, já que seu estúdio servia de sede para a associação?

Shimamoto: Eu cuidava do apoio e tesouraria. Explico o apoio: quando o sindicato dos bancários, que ficava no nosso prédio, nos ajudava com “know how” de sindicalismo ou cooperativismo, a gente retribuía com cartazes e reivindicações ou palavras de ordem que usavam em passeatas. Tinha as tiras de HQ e logomarcas de secções de jornais que a gente fornecia em troca de espaço no jornal para entrevistas e notícias sobre nosso movimento de nacionalização. Chegamos até a confeccionar cenários para palco de TV que nos recebiam prá entrevistas.

Petter Baiestorf: Porque não deu certo suas colaborações em revista humorísticas, como “Mazzaropi”, “Oscarito & Grande Otelo” e outras? Seu trabalho era muito pesado?

Shimamoto: Por ser leitor de gibis e não de Pato Donalds da vida. Alguém me opinou que não era o convívio com determinado gênero, mas a guerra e o violento conflito de terras na região que teriam influenciado meu estilo de HQ. Pode ser, essas coisas influem muito.

Petter Baiestorf: Nas suas HQs das décadas de 60/70 havia muita crítica ao sistema, militares e polícia. Era um reflexo da época?

Shimamoto: Sim, sim. E tinha meu pai, que apesar de lavrador, era contador formado no Japão e era extremamente politizado. Embora eu tenha só o curso primário, ele me botava prá ler jornal desde os 10 anos. Meu velho não tinha recursos prá que eu continuasse estudando. Fui trabalhador precoce como ainda ocorre com os filhos dos sem-terras. Mudam-se os governantes mas o país é o mesmo sempre.

Lúcio Reis: Como foi produzir HQs no Brasil nos anos 60/70, trabalhando para editoras como a Taika, Edrel e seu contato com feras como Colin, Nico Rosso e outros grandes artistas da HQ nacional?

Shimamoto: Comecei e fiz HQ de 1957 à 1963 (e parcialmente em 1965 e 1966). As editoras eram: Novo Mundo, La Selva, Outubro, CTPA (Cooperativa Editorial de Trabalhadores de Porto Alegre) no tempo do governador Brizola, e Folha de São Paulo. Edrel e Taika ainda não existiam. Foi um período fantástico quando uma tropa de desenhistas surgiram ao lado de outros já consagrados: Colin, Getúlio, Igayara, Saidemberg, Aragão, Odilon, Igomar, Daglemos, Hamasaki, Maurício, Queiróz, Sérgio Lima, Zezo, Scudellari, Bortolassi, Pizzi, Nico Rosso e por que não Gedeone.

Coffin Souza: Quando você desenhava para a “Spektro” foram desenhadas histórias de fantasmas que se passavam no Japão Medieval, com samurais, etc… Eram baseadas em lendas e pesquisas ou vocês as inventava? Você nunca pensou em fazer uma série baseada no folclore japonês de horror?

Shimamoto: O Japão, como o Brasil, é rico em lendas e histórias sobrenaturais. As crianças crescem no clima de “terror”, tanto que eu vivia com medo do escuro. Quando queriam me punir eles me botavam prá dormir no relento. Já viu, né! Assim, criar HQ terrorífico era só remanejar o que se achava armazenado na memória.

Petter Baiestorf: Como foi seu ingresso para a publicidade? Foi por causa de sua militância contra os “enlatados”, certo?

Shimamoto: Antes de HQ trabalhei no departamento de propaganda das lojas Sears & Reeback, quando tinha 17 anos em 1956, como desenhista. Em 1967, como participante do movimento de nacionalização de HQ, fui boicotado pelas editoras. E fui desenhar livros didáticos para a Editora do Brasil. Daí veio o golpe militar e relutante, entrei prá faculdade pelo saudoso Lírio Aragão.

Petter Baiestorf: Porque a imprensa o acusou de ter plagiado o cartaz nacional do filme “King Kong”?

Shimamoto: Foi por mancaratismo (não confundir com macartismo) do jornalista Giba Um, que era lobista da Metro, do famigerado Harry Stone, testa de ferro da distribuidora no Brasil. Gilberto (Giba) falsamente denunciou nosso cartaz de “King Kong” como plágio da capa da Hustler do Larry Flynt. Como? Se meu desenho foi feito em Maio e a revista saiu em junho nos USA? E era proibida sua circulação no Brasil! E eu nunca tinha saído daqui de Jacarepaguá! Foi uma merda, com todos os jornais, como que orquestrados, repetiam a notícia que saiu na “Última Hora”, onde o colunista tinha espaço cativo. A Metro queria desmoralizar o concurso pela nacionalização de cartazes que o clube de criação do Rio de Janeiro patrocinava! Lamento não tê-los processado, teria um caminhão de dólares em indenização!

Petter Baiestorf: Tanto se fala em horror, mas, o que é horror para Shimamoto?

Shimamoto: Horror prá mim é a desventura do ser humano. Tenho por hábito filmar mentalmente a tragédia que acorrenta a humanidade e lamentar por nada poder fazer prá evitá-la. E o pior horror é saber que, quase sempre, o sofrimento do homem é provocado por outro homem.

Petter Baiestorf: E o seu envolvimento com o Maurício de Souza? Você realizou algum trabalho importante prá ele?

Shimamoto: Na ADESP elegemos Maurício de Souza prá presidente por ser jornalista articulado e quadrinista de talento. Ele soube pelo menos capitalizar essa liderança para plantar a semente de seus mega-projetos. Hoje ele está onde sempre quis chegar. Pena que mais gente não tenha chegado com ele. Ajudei-lhe na confecção da “Boneca” do suplemento dominical prá concorrer na Folha de São Paulo. Ganhou e me retribuiu dando-me a terceira contra-capa. Ali encaixei durante dois anos e meio “Fidêncio, O Gaúcho”, que quase virou série de TV na antiga Tupi, dos diários associados.

Luciano Irrthum: A mais ou menos uns 4 meses atrás (nota do Canibuk: essa entrevista coletiva foi realizada em maio de 1997) eu tava bebendo no Maleta, aqui em Belo Horizonte, e conheci um velho piradão, todo destruído pelo álcool, que fazia quadrinhos de horror na década de 60 e 70. O velho diz que pirou o cabeção e vive bebendo cachaça por causa dos quadrinhos de horror. Nome dele parece que era Luís. É possível enlouquecer fazendo HQs de horror?

Shimamoto: Loucos todos somos um pouco. Quem não é louco é vegetal. Determinação, obsessão, inquietação ou aspiração em busca de um objetivo, são um tipo de anomalia, de piração. Nossos irmãos animais são instintivos, mas nós somos racionais e emotivos, isto é, loucos. Esse Luís não seria Luís Merí? Era Uruguaio, ou argentino, e vivia enturmado com o simpático Zalla e Colonese, também nascidos no Cone Sul. Sem diminuir os colegas, para mim, os melhores “terroristas” do HQ no Brasil são: Colin, Manoel Ferreira e, dos novos, Mozart Couto e Mano. Estes quatro estão no bico da pirâmide. Eu estou em algum lugar, acima do meio dessa pirâmide.

Petter Baiestorf: Fale-me das técnicas de desenho que você cria, como por exemplo, o desenho em bexiga…

Shimamoto: Seguinte, tenho um inimigo dentro de casa. E faz mais de dois anos que não me atraco com ele: é o micro-computador! Tenho bronca dessa onda colonizante e babante que tenta robotizar nosso cérebro, impondo terrorismo através da mídia. É um puta marketing da infobusiness globalizada. Ouçam essa: um físico famoso tinha acabado de construir um potente cérebro eletrônico (nome anterior de computador) e para exibir-se chamou seu antigo colega de faculdade: “Einstein, meu amigo, eis a maravilha das maravilhas deste século! Você pergunta o que quiser que ele responde tudo naquele terminal ali!” E Einstein: “Hum… Ele faz perguntas?”… Não, não fazia perguntas, só sabia responder. Isso diz tudo, né? Daí, só uso bexiga prá distorcer meus desenhos. É rápido e sem artificialismo. Dicas: Abro a bexiga, desenho sobre a superfície, repuxo-as à vontade e copio a distorção na copiadora.

Renato P. Coelho: Qual a sua opinião sobre a atual situação dos quadrinhos brasileiros, principalmente com artistas nossos trampando lá fora no estrangeiro?

Shimamoto: Sou a favor, mesmo que desenhem super-heróis. Tem que se viver, né? Cadê Abril e Globo que não abrem espaço à ninguém? O brasileiro é criativo e talentoso em qualquer coisa. Basta dar-lhe condições e ele faz bem, com competência e maestria.

Petter Baiestorf: O que você tem achado do movimento zineiro aqui do Brasil da década de 90?

Shimamoto: Apesar das limitações, das dificuldades, os zineiros são verdadeiros guerrilheiros que lutam por uma grande causa. Dou apoio total e colaboro com todos na medida do possível. Adoro zines e os trabalhos que neles são publicados. São eles que mantém a chama das HQs nacionais sempre acessa.

Petter Baiestorf: Destacaria algo?

Shimamoto: Toda e qualquer iniciativa em publicar trabalho nacional merece nossos aplausos, independente de ser bom ou ruim. Publicar é prioridade!

Petter Baiestorf: E a visão política dos zineiros de hoje? Chega à frustrar as gerações passadas?

Shimamoto: Nada a obstar. Como disse antes, num amplo leque de opções, o que o zineiro preferir fazer, que o faça. Tudo é válido!

Petter Baiestorf: E o Shimamoto ano 2000? Quais são seus planos?

Shimamoto: Em setembro de 1996, um tumor maligno no rim quase me “levou”. Isso me deixou chapado e vulnerável. Meus amigos me deram força e isso foi fundamental prá minha recuperação. Já tô superando o problema e comecei uma faxina mental. Expulsei grande parte do Shima que eu não gostava e estou numa fase de mudança. É um processo violento e irreversível. Muitos amigos começaram a me estranhar, estão me observando com um certo distanciamento. Meu HQ reflete essa luta. Tô destruindo meu desenho. Tô buscando o ponto onde comecei no passado. Tô “desaprendendo”. Tô partindo agora pro HQ – teatro, HQ minimalista, sem cenários, sem balões, sem o que for dispensável. Quem sabe o meu ano 2000 começou agora?

Segue uma HQ com desenhos do Shimamoto e roteiro do Paulo Hamasaki que publiquei no “Arghhh” número 10.